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CONSTITUCIONAL

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Imunidades parlamentares, de Macário Picanço

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03/04/2025

SUMÁRIO: Arts. 44, 45 e 46 da Constituição. Antecedentes históricos sôbre as imunidades parlamentares. Inviolabilidade e irresponsabilidade. Opiniões, palavras e votos, no exercício do mandato. Desde a expedição do diploma até a inauguração da legislatura seguinte. Prisão e processo. Solução política. Formação da culpa. Novo pedido e revogação de licença. Crimes anteriores. Renúncia à imunidade. Representantes afastados de suas funções. Ações cíveis. Prisões civis. Legislação militar. Estado de sítio. Vice-presidente da República. Deputados estaduais. Suplentes. Co-réus. Vereadores. Conclusão.

Arts. 44, 45 e 46 da Constituição

I. É do entendimento comum o que seja imunidade parlamentar. Dispensável, por isso, a sua definição. Basta se diga exprimir teòricamente uma prerrogativa, ou um privilégio, que se confere ao parlamentar, a fim de que, através de sua livre ação, se assegure a plena autonomia do Congresso.

O instituto é velho. Muitos buscam sua origem na época de Henrique VIII (1543). Outros vão até o tempo do reinado de Ethelberto (860) (v. ATTILIO BRUNIALTTI, “Il Diritto Constituzionale e la Política”, I, pág. 868). “Em 1536 os Comuns demandam formalmente acesso à Coroa; em 1541 demandam a liberdade de palavra e, em 1554, a inviolabilidade (freedom from arrest), bem como a liberdade de palavra e a liberdade de acesso aos pés da Coroa” (Sir WILLIAM R. ANSON, “Loi et Pratique Constitutionnelles de L’Angleterre – Le Perlement”, trad. de C. GANDILHON. Para muitos, no entanto, a sua primeira manifestação real data de 1603, quando a Câmara dos Comuns determina e fôrça a libertação de Sir Thomas Shirley, que fôra encarcerado na prisão de Londres. Em seguida, o Bill of Rights torna expressa a inviolabilidade dos parlamentares. A Constituição americana de 1787 a consagra em têrmos claros e, na França de 1789, sob a ação tribunícia de MIRABEAU, a Assembléia a decreta, em represália a ameaças do rei e ninguém ousa desrespeitá-la. Daí em diante constitui regra em todos os países de organização democrática, embora não conte com a simpatia da unanimidade dos autores e as próprias massas populares lhe façam as mais duras restrições, o que decorre, por um lado, da circunstância de ir de encontro ao princípio de que todos são iguais perante a lei; por outro, dos abusos na sua aplicação, de tal modo praticados que, pelo menos no Brasil, a imunidade se tornou sinônimo de impunidade. Declarou BARBALHO: “… fôrça é convir, que nada há mais estranho do que existirem invioláveis numa república” (“Constituição Federal”, pág. 64). Entre nós, além de BARBALHO, lembrem-se de pronto, na crítica ao instituto, AMARO CAVALCANTI, “Regime Federativo”, pág. 357; M. I. CARVALHO DE MENDONÇA, “O Direito”, vol. 86, pág. 456, e AURELINO LEAL, “Teoria e Prática da Constituição Federal”, página 285.

Mas a crítica, não obstante a autoridade dos críticos, não prevaleceu, nem se sabe se um dia prevalecerá. A imunidade dos parlamentares subsiste e sempre posta em prática do modo mais amplo possível, isto no Brasil, bem entendido, esquecidos todos da razão de ser, da origem, da natureza do instituto. Na Inglaterra, a imunidade parlamentar foi uma conquista. “Dans tout le cours de son histoire, la chambre des communes a eu dos luttes avec la couronne, la chambre des lords, les cours de justice, la presse et le peuple” (THOMAS ERSKINE MAY, “Histoire Constitutionnelle de l’Angleterre”, trad. de CORNELIS DE WITT, vol. I pág. 457). Nos países americanos, ao contrário, a imunidade foi uma concessão. Foi um reconhecimento imediato, com expressa consagração nos textos constitucionais. Daí talvez a má aplicação do instituto. Tivesse sido uma conquista e certamente seria invocado com o rigor e a cautela sempre aconselháveis em matéria de privilégios.

Doutrinàriamente, o privilégio se justifica; a prática é que o desvirtua. Em teoria, protegendo o parlamentar, a imunidade deve proteger o Parlamento. RUI não deixava dúvida a êsse respeito. “O privilégio da imunidade é um privilégio a favor do povo, é um privilégio a favor da lei, um privilégio a favor da Constituição. Sempre se entendeu assim desde BLAKSTONE até BRUNIALTTI. O privilégio não pertence aos membros da Câmara, mas à Assembléia”. “A garantia é pessoal na incidência, é impessoal, institucional, nacional, na sua razão de ser e no seu objeto. Não é um privilégio individual do representante; é um apanágio coletivo da representação. Não é um interêsse de ordem particular mas um princípio de ordem pública” (v. JOSÉ DUARTE, “A Constituição Brasileira”, II. pág. 47; JOÃO NEVES DA FONTOURA, “As imunidades parlamentares e o Estado de Guerra”, pág. 13). Na concepção dos tratadistas é isso mesmo. Em teoria está certo. Nos limites da doutrina, tudo é belo e tudo se justifica. Mas, quando os homens entram em ação, quando a política se faz sentir, quando o partidarismo se apresenta, quando o coleguismo aparece, não há teoria, não há tratadista, não há filosofia, não há doutrina, não há nada que coloque as coisas no seu lugar. O abuso predomina. A irresponsabilidade dita regra. A lei fica de lado. A verdade é asfixiada. E o regime decorrente da Constituição, com os seus princípios e as suas normas, sofre no seu prestígio as conseqüências as mais dolorosas.

Inviolabilidade e irresponsabilidade.

II. Em seus “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. II, pág. 45, declara CARLOS MAXIMILIANO existirem duas espécies de imunidades. Uma garante a irresponsabilidadelegal; a outra, a inviolabilidade pessoal do parlamentar. Essa também a distinção de ORBAN, ao passo que DUGUIT, com a mesma divisão, preferia denominá-las irresponsabilité parlementaire e inviolabilité parlementaire (v. “Traité de Droit Constitutionnel”, ed. de 1911, II, ns. 134 e 135). Uma, na Constituição brasileira, decorre do art. 44 (irresponsabilidade legal); a outra, do art. 45 (inviolabilidade pessoal). “Enquanto o art. 45 é regra de direito constitucional processual, formal, o art. 44 é regra de direito constitucional material; aqui, irresponsabiliza-se o deputado ou senador; ali apenas se lhe acoberta a personalidade, se imuniza o deputado ou senador à realização do direito penal, ao processo. Fala-se, por isso, em inviolabilidade pessoal, em irresponsabilidade legal” (PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1946”, vol. II, pág. 29).

Não é pacífico, todavia, o entendimento consignado. Há os que não aceitam a diferenciação acima mencionada, por lhes parecer que a imunidade é uma só. Entre êles o Sr. DANTON JOBIM, que escreveu: “Os privilégios dos artigos 44 e 45 se completam, ou melhor, o segundo visa pura e exclusivamente tornar efetiva a fruição do primeiro” (“Imunidades parlamentares”, in “REVISTA FORENSE”, vol. 131, pág. 343). Data venia, não posso ter por sólido o ponto de vista manifestado pelo ilustre jurista e jornalista. Bem desejaria fôsse procedente a sua opinião, pois, caso o art. 45 apenas tivesse por finalidade “tornar efetiva a fruição” do art. 44, não se praticariam os abusos tão prejudiciais ao prestígio do instituto. É que, com essa interpretação, a imunidade se restringiria à defesa do exercício do mandato. Os delitos estranhos ao exercício do mandato não estariam ao abrigo do privilégio. Mas, infelizmente, não é o que ocorre, e nem é o pensamento que emerge dos arts. 44 e 45.

A distinção brota a uma simples leitura dos dispositivos constitucionais. O art. 44 abrange o parlamentar no exercício do mandato, declarando-o irresponsável perante a lei. É uma excludente de qualquer responsabilidade, não apenas de responsabilidade, criminal, como acentua o preclaro desembargador J. FLÓSCOLO DA NÓBREGA, in “REVISTA FORENSE”, vol. 115, pág. 32.

Inviolabilidade no caso significa irresponsabilidade e irresponsabilidade ali não pode ser apenas a criminal. Se fôsse, a segurança do parlamentar seria sòmente pela metade, e tal não pode ter sido o intuito do legislador constituinte. Dizer que o deputado ou senador é inviolável por suas opiniões é o mesmo que dizem que o deputado ou senador é irresponsável por suas opiniões. Do que fizer no exercício do mandato nada lhe advirá.

O art. 44 contém princípio que se restringe ao exercício do mandato, é, ação parlamentar, à movimentação intelectual do deputado ou senador. Já o artigo 45 firma que êle não poderá ser prêso, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processado criminalmente, sem autorização de sua câmara. O artigo 45 apresenta norma a ser obedecida: a) em matéria criminal; b) mesmo que o parlamentar não estivesse no exercício do mandato. Deve ser frisado ainda que a irresponsabilidade decorrente do art. 44 é constante, não se extinguindo com a extinção do mandato. Momentânea, pelo tempo de duração do mandato, é apenas a imunidade que o art. 45 estabelece: se o representante perde a sua qualidade de mandatário do povo, contra êle pode ser iniciado o processo que a sua câmara não autorizara, ou prosseguir o que fôra paralisado, ressalvada naturalmente a hipótese de prescrição (v. PIMENTA BUENO, “Direito Público Brasileiro”, nº 144; ARISTIDES MILTON, “A Constituição do Brasil”, pág. 90; RODRIGO OTAVIO e DOMINGUES VIANA, “Elementos de Direito Público e Constitucional”, nº 76; BARBALHO “Constituição Federal”, página 67; CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, II, pág. 54; JOSÉ DUARTE “A Constituição Brasileira de 1946”, II, página 46; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição Brasileira de 1946”, II, pág 33). O que se pode dizer é que o deputado ou senador goza de imunidade. Mas não se pode negar que tal imunidade se divide, pois são diversos os efeitos dos arts. 44 e 45 da Constituição federal.

Opiniões, palavras e votos, no exercício do mandato.

III. A Constituição de 1824, art. 26, isentava os representantes de responsabilidade pelas opiniões que emitissem no exercício de suas funções. “Tudo quanto o deputado disser nos limites constitucionais, tudo quanto fôr formulado por opiniões isenta o deputado da responsabilidade. Mas uma injúria é uma opinião? Não. É um juízo categórico, não é uma opinião. Dizer que um ministro é ladrão, que um magistrado é venal, são juízos categóricos, pelos quais o deputado se torna responsável” (TOBIAS BARRETO, “Estudos de Direito”, pág. 83). A argumentação de TOBIAS BARRETO era precisa. E talvez por isso mesmo as Constituições republicanas ampliaram a disposição imperial. Não aludem sòmente a opiniões. Falam em opiniões, palavras e votos, de maneira a irresponsabilizar o representante por tudo que êle disser ou escrever no recinto ou fora dêle, desde que o faça no exercício de suas funções parlamentares. A única condição é esta e não deve nunca ser esquecida, sob pena de se desprestigiar ainda mais aos olhos do povo o privilégio já tão mal compreendido: no exercício do mandato. E para verificá-la se pode e se deve perquirir inclusive a intenção do deputado ou senador. A inviolabilidade não é prerrogativa do homem, do cidadão, do político e, sim, do representante, do mandatário, do parlamentar. Se se positiva que êle se serviu da representação, para manifestar-sé em caráter estritamente pessoal, em proveito particular ou levado por motivo de natureza individual, sem o menor interêsse para a ação parlamentar, não poderá ir em seu socorro a garantia constitucional. Seria um desvirtuamento da prerrogativa. Se o que se procura amparar é a representação, para maior prestígio do Congresso Nacional, não há como se acobertar aquêle que se serve da qualidade de mandatário do povo para dar expansão aos intuitos, maldades ou vinganças do homem. “Com efeito, êste (o art. 19 da Constituição de 1891) só não compreende as opiniões proferidas aliunde e noutra qualidade que não a de representante da nação, na de simples cidadão, pois êste está sujeito à responsabilidade por suas palavras e atos ofensivos ao direito alheio ou à ordem pública e por êles pode ser processado quem quer que seja, deputado, senador, ou não. “Não há que atender então a privilégio ou imunidade, desde que o ato não fôr praticado no caráter de representante, mas no de simples particular. Ali predomina o direito comum, a lei a que estão sujeitos todos os cidadãos em geral” (BARBALHO, “Constituição federal”, página 65). Apurado que o representante não agiu no exercício do mandato, estará êle exposto às conseqüências do seu procedimento, atendido, no entanto, no terreno criminal, ao previsto no art. 45 da Constituição. E cabe aqui, para uma melhor elucidação do assunto, a transcrição de palavras do ilustre DUGUIT: “Seuls les actes faits par le député ou sénaieur dans l’exercice de ses functions parlementaires échappent a toute poursuite. Par conséquent n’échappent point aux poursuites les infractions qu’un député ou sénateur pourrait commettre duns une réunion ou il rend comete de son mandat à ses électeurs, ou par les affiches qu’il fait apposer, les lettres, circulaires, qu’il rend publiques par la voie de la presse ou autrement. De même peut être poursuivi en responsabilité le député qui profite de son mandat pour aller dans les cités industrielles provoquer ou entretenir des grèves; c’est là un acte qui ne rentre nullement dans les atributions parlementaires. La cour de Toulouse (20 juillet 1896) a três justement reconnu le príncipe de cette responsabilité dans l’affaire Rességuicr-Jaurès, arret confirme par la cour de cassation, 29 juin 1897″ (“Traité de Droit Constitutionnel”, ed. de 1911, II, pág. 282). De tudo isso significa que, se o ato de um deputado ou senador, estranho ao respectivo mandato, causar prejuízos ao Estado ou a algum particular, poderá ser o representante acionado civilmente pelas perdas e danos a que deu causa, ficando, todavia, o procedimento criminal que couber subordinado à regra do art. 45. A irresponsabilidade, que é tanto criminal como civil, decorre apenas do exercício do mandato. Ou o representante está no exercício do mandato, ou não está. Se está, do ato praticado nenhuma responsabilidade lhe advirá. Se não está, segue-se a norma comum (v. GEORGES BURDEAU, “Manuel de Droit Constitutionnel”, pág. 278; CAMBOTHECRA, “Manuel de Droit Public Général du Monde Civilisé”, nº 291; MORGAN L. AMAIMO, “La Constitution des Etats-Unis”, pág. 45; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1946”, II, pág. 30; CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, II, pág. 49; PAULO DE LACERDA, “Princípios de Direito Constitucional Brasileiro”, II, pág. 173).

Desde a expedição do diploma até a inauguração da legislatura seguinte

IV. A irresponsabilidade prevista pelo art. 44 da Constituição é permanente, já foi dito. Não se extingue com a extinção do mandato. O mesmo; já não ocorre em relação ao disposto no art. 45. A prerrogativa aí estabelecida existe pelo tempo do mandato. Desde que é diplomado até que se inaugure a legislatura seguinte, o representante fica sob a coberta da garantia constitucional. Quer dizer: em vigor o mandato, a imunidade existe. Mas, se êle se extingue por qualquer motivo, mesmo antes de inaugurada a legislatura seguinte, desaparece a prerrogativa, nem poderia subsistir, porque não mais se trata de integrante do Congresso Nacional.

A Constituição do Império dizia que nenhum deputado ou senador poderia ser prêso sem ordem da respectiva Câmara, salvo em flagrante delito de pena capital, durante a sua deputação. A de 1891 estendia a imunidade do recebimento do diploma até a nova eleição. A de 1934, de expedição a expedição de diplomas. A atual vai mais longe e com mais acêrto: a imunidale vai da expedição do diploma até a inauguração da legislatura seguinte. Falou-se que essa disposição se estabeleceu com mais acêrto, porque, pelo fato de se terem realizado novas eleições, ou de terem sido expedidos novos diplomas, não terminou o mandato da legislatura anterior. Esta termina com a inauguração da seguinte. E daí, é que, se não reeleitos, perdem a qualidade de representantes. Mas, se a imunidade perdura pelo tempo do mandato, extinguindo-se com a extinção da qualidade de representante, melhor, fôra se tivesse dito durante o tampo do mandato ou enquanto durar o mandato, fixado apenas o início que seria a posse ou mesmo a expedição do diploma para atender a espíritos mais exigentes ou mais liberais.

Só no Brasil e na Argentina foi concedida tão longa duração à imunidade. Nos outros países, na maioria dêles pelo menos, a imunidade no sentido processual, ou seja a imunidade na nossa Constituição prevista pelo seu art. 45, só existe pelo tempo necessário de comparecimento às Câmaras. O privilégio na Inglaterra limita-se a freedom Eram arrest durante as sessões (v. AURELINO LEAL, “Teoria e Prática da Constituição Federal”, pág. 295). A Constituição Americana declara: “… from arrest during their attendance at the session of their respective houses, and in going to and returning from the same“, feita antes a ressalva de treason, felony and breach of the peace. “Em todos os países, excetuados apenas o Brasil e a República Argentina, a imunidade contra prisão e processo decorrente de crime comum perdura o tempo necessário para o representante ir ao Congresso, assistir à sessão e regressar ao domicílio. Consolidou-se em lei escrita o costume antigo sintetizado na fórmula – eundo, morando et exinde redeundo” (CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, II, pág. 49). Mas se atina logo com a razão da medida. No Brasil é longa a duração da imunidade, porque é longo o funcionamento do Congresso. Ordinàriamente, funciona nove meses em cada ano, com mandato de quatro (deputados) e oito anos (senadores). Com as convocações extraordinárias, que se sucedem, nunca deixa de funcionar. Além disso, temos os brasileiros a fraqueza das imitações, com a agravante das ampliações. Na formação dos Estados Unidos, entendeu-se conveniente um Senado, além de uma Câmara de Representantes, aquêle como órgão de igualdade dos Estados federados, esta como expressão das camadas populares. Pois bem, o Brasil também quis ter uma Câmara e um Senado, uma Câmara vasta e um Senado com três senadores por Estado. E a imunidade não podia ser reduzida. Devia ser a mais ampla possível. E é com a verificação prejudicialíssima de sua má aplicação pelas Casas Legislativas.

Prisão e processo

V. A regra é esta: o deputado ou senador não pode ser prêso, nem processado criminalmente, sem autorização de sua Câmara. A exceção apenas uma: prisão em flagrante de crime inafiançável. Não basta o flagrante. É necessário ainda que o crime praticado seja inafiançável. Mas, para corrigir o êrro ou para impedir perseguição da autoridade, dizendo inafiançável o que é afiançável, lavrando flagrante sem as características próprias, ou praticando qualquer falta no propósito evidente de prejudicar a ação do parlamentar, o § 1° do art. 45 ordena sejam os autos, dentro do prazo máximo de 48 horas, remetidos à Câmara respectiva, para que resolva sôbre a prisão e autorize ou não a formação da culpa. Se não houve prisão, desaparece a obrigatoriedade da remessa dos autos dentro de 23 horas. Haverá apenas o pedido de licença para o processo. A remessa dos autos, na hipótese de crime inafiançável, é feita pela própria autoridade policial. Não há necessidade de remessa através do juiz competente. Essa formalidade poderia fazer ultrapassar o prazo de 48 horas, com conseqüências desagradáveis para o culpado da demora. “Com efeito”, – disse RUI BARBOSA, – “verificada a hipótese da prisão em flagrante, torna-se essencial que às Câmaras logo se faculte o estudo de suas peças, para o fim de apurar se houve, ou não, regular qualificação do delito ou perfeita caracterização da flagrância”. A pessoa do remetente dos autos não importa no caso. Tanto faz ser a autoridade policial, como o juiz. A remessa nela própria autoridade policial, como já observado, tem a vantagem de não permitir o vencimento do prazo de 48 horas. De resto, o que vale é o conhecimento imediato que a Câmara tenha do fato, porque só ela, e mais ninguém, dirá se o parlamentar poderá continuar prêso ou se deve ser pôsto em liberdade. A prisão é pràticamente à disposição da Câmara interessada.

Solução política

VI. Sempre se diz que, concedendo ou negando a licença, a Câmara interessada não aprecia a prova, não entra no mérito do caso, não indica o acusado à absolvição ou à condenação. Limita-se à conveniência ou não do processo órgão político, encara a questão pelo seu lado essencialmente político (v. PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1946”, II, pág. 33). A Câmara interessada é soberana para conceder ou negar a licença. Basta sua decisão. Não precisa justificar-se. Age de fato e de direito como órgão político. Aprecia o caso pelo seu aspecto político. Não entra no mérito. Mas há nisso um êrro. A sociedade deveria merecer uma satisfação. O outro Poder ou seja o Judiciário, que é obrigado a fundamentar os seus julgados, deveria merecer uma consideração maior do Legislativo. Pede a licença para o processo. O Legislativo, negando-a, deveria indicar os motivos de sua recusa. Além disso, a negativa em quase unanimidade dos casos não se funda no interêsse político do Congresso. Pode-se dizer norma absoluta a negativa da licença, seja qual fôr o crime, sejam quais forem as circunstâncias o crime, e isso não está certo. O que se deve é verificar se o parlamentar foi envolvido no processo por motivos políticos, se o processo revela coação de outro Poder, no intuito de estorvar a ação parlamentar do acusado, em suma, se o processo é uma perseguição de natureza política. Há tempos, um deputado estadual consultou-me sôbre processo em que se vira envolvido no seu município em virtude de não ter recolhido a determinado instituto de previdência contribuições de empregados seus, descontadas dos respectivos salários. Acrescentou que, na região, vários eram os empregadores nas mesmas condições mas que só contra êle se movera o processo criminal, numa demonstração evidente de que se pretendia colocá-lo mal politicamente. Respondi-lhe que, verdadeiras as suas alegações, a licença não poderia ser concedida. O mesmo não ocorreria se tratasse de uma medida de ordem geral. Se todos os faltosos fôssem processados, êle também o deveria ser. Mas, se a medida era apenas contra êle, evidenciando com isso o propósito claro de perseguição, a Assembléia estava na obrigação de negar a licença. É assim que entendo a aplicação do instituto das imunidades. Outra é, no entanto, a orientação adotada pelas nossas Casas Legislativas. A negativa da licença é regra. Predomina o partidarismo, ou o coleguismo, nunca, a defesa da ação parlamentar. O parlamentar sempre se coloca a salvo de processo criminal, abrigado na sombra imensa da imunidade mas, por essa e por outras, é que se tens declarado: em teoria, o regime é perfeito; na prática, porém, as coisas são diferentes. Os homens nem sempre estão à altura das instituições, o que é simplesmente lamentável.

Formação da culpa

VII. A Constituição de 1891, na hipótese de flagrância em crime inafiançável, admitia fôsse o processo levado até a pronúncia exclusive. A atual, se houve prisão em flagrante de crime inafiançável, determina sejam os autos remetidos

à Câmara respectiva dentro de 48 horas, para que a mesma resolva sôbre a prisão e autorize, ou não, a formação da culpa. Se não há flagrante com prisão, a licença para o processo é impetrada após a denúncia ou queixa. Se houve flagrante de crime inafiançável, o órgão legislativo interessado deliberará sôbre a prisão e autorizará, ou não, a formação da culpa. Pode determinar o relaxamento da prisão e conceder permissão para o processo. O dispositivo constitucional foi redigido de modo a permitir à Câmara a solução que melhor lhe parecer. Não fôra assim, desnecessária seria a recomendação do seu pronunciamento sôbre a prisão. E melhor teria sido que, na hipótese de flagrante de crime inafiançável, a Câmara interessada inicialmente se manifestasse sôbre a prisão, deixando a licença imprescindível ao processo para depois de oferecida a denúncia. É que o Ministério Público pode não denunciar, requerendo, ao contrário, o arquivamento do processo. Como, no entanto, deixar de denunciar, se a Câmara já autorizou a formação da culpa? Na comunicação da licença, se tal algum dia acontecer, a Câmara respectiva deverá pronunciar-se com habilidade, a fim de não criar embaraços à livre ação do Ministério Público.

Novo pedido e revogação de licença

VIII. A autorização é uma só para todo o processo. Vigorará em qualquer instância. Pode acontecer, no entanto, que se modifique a classificação do delito e que, em virtude da modificação, esteja o parlamentar exposto a penalidade mais grave. Nesse caso, impõe-se outro pronunciamento da Câmara interessada (v. CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, II, pág. 53). E poderá a Câmara cassar a licença já concedida? Claro que não. O seu voto foi definitivo. Concedida a licença, cessou a imunidade. A condição foi a licença, ressalvada a hipótese de início ventilada e só quanto ao agravamento da penalidade. A cassação da licença, se possível, deixaria o Judiciário em condição subalterna, com a sua ação exposta às modificações que se operassem no plenário da Câmara.

IX. O deputado ou senador não pode ser prêso sem o consentimento de sua Câmara. É a regra. Logo, se já estava prêso, quando diplomado, passa ao abrigo da imunidade, devendo a sua Câmara pronunciar-se a respeito. Ressalvam-se naturalmente as condenações transitadas em julgado, porque aí se dá a suspensão dos direitos políticos, ex vi do art. 135 da Constituição (v. BARBALHO, “Constituição Federal”, pág. 67; AURELINO LEAL, “Teoria e Prática da Constituição”, página 303; ARAÚJO CASTRO, “A Nova Constituição Brasileira”, pág. 176; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1946”, II, pág. 34).

Renúncia à imunidade

X. Pode o deputado ou senador renunciar à imunidade? A Constituição de 1891 permitia opção por julgamento imediato. Mas a atual não consigna essa faculdade. A prerrogativa é irrenunciável, tanto perante a autoridade judiciária, como perante o órgão legislativo interessado, não se compreendendo como renúncia o apêlo, na maioria das vêzes demagógico, que o parlamentar formula aos seus colegas para que concedam a licença. Sabem que a Câmara não consentirá e, então, para efeito externo, declaram que a concessão da licença lhes atenderia a um reclamo da honra. Mas tudo não passa de tática política, para impressão fora da Casa Legislativa.

Fôsse renunciável, a prerrogativa existiria como favor ao representante, não como garantia e independência do Congresso (v. BARBALHO, “Constituição Federal”, pág. 68; AURELINO LEAL. “Teoria e Prática da Constituição”, página 299). “L’inviolabilité, comme l’irresponsabilité (§ 134), n’est pas établie à vrai dire dans l’intérét du député qui en profite, mais dans l’intérêt du parlement dans l’intérêt, peut-on dire, de la souveraineté nationale elle-mênae, que le parlement est censé représenter. Les immunités ne constituent donc point des droits subjectifs, mais bien une situdtion objective. Par conséquent le député ne peut y renoncer” (DUGUIT, “Traité”, ed. de 1911. II, pág. 284).

Representantes afastados de suas funções

XI. O deputado ou senador pode estar afastado de sua Câmara, em virtude de licença, ou por desempenhar missão diplomática, ou por ocupar cargo de ministro, interventor, ou secretário de Estado. Durante o afastamento, mesmo assim, ficará ao abrigo da imunidade? DUGUIT escreveu: “A tous les membres du parlement sans distinction, même à ceux qui se trouvent en fait investis d’une fonction publique en mênae temps que di, mandai législatif“, (“Traité”, ed. de 1911, II, pág. 285). No regime parlamentar a resposta afirmativa seria incontestável, e tal foi a de DUGUIT. Mas, ainda nos regimes semelhantes ao nosso, penso que a resposta deve ser idêntica, porque, durante o afastamento, o parlamentar não perde a sua qualidade. Afasta-se com e consentimento de sua Câmara, em se tratando de licença, ou nos têrmos de autorização constitucional, se nomeado para algum dos cargos mencionados pelo artigo 51. A qualquer momento pode reassumir o mandato, como, durante o afastamento, pode tê-lo extinto. Portanto, mesmo afastado de suas funções, não pode ser despojado de prerrogativas que decorrem do mandato, que não perdeu. É verdade que a irresponsabilidade, por ser conseqüente do exercício do mandato, não terá cabimento. Terá, no entanto, a inviolabilidade, ou seja a garantia contra prisão e processo criminal.

Ações cíveis

XII. A imunidade decorrente do artigo 44 (irresponsabilidade por palavras, opiniões e votos) é tanto criminal como civil. Por palavras, opiniões e votos, o parlamentar não responde criminal nem civilmente. A irresponsabilidade é total e permanente, desde que satisfeita a condição de que estivesse êle no exercício do mandato. Já a imunidade do art. 45 (inviolabilidade) é contra prisão e processo criminal. Não atinge às ações cíveis.

XIII. O deputado ou senador pode ser chamado a responder por objetos entregues à sua guarda como depositário, ou por alimentos a que esteja sujeito. O processo é de natureza cível, mas comporta a chamada prisão civil. Nada impede o processo. A prisão para compeli-lo à restituição dos objetos ou à satisfação dos alimentos, no entanto, só poderá ser decretada com o consentimento de sua Câmara, ex vi do art. 45 da Constituição (v. BARBALHO, “Constituição Federal”, pág. 66; AURELINO LEAL, “Teoria e Prática da Constituição”, pág. 297).

Legislação militar

XIV. Em certa época, suscitou-se dúvida sôbre a vigência das imunidades em face da legislação militar, sem que houvesse a mínima razão para tanto. A prerrogativa é contra tôda prisão e qualquer processo criminal (v. PAULO DE LACERDA, “Princípios de Direito Constitucional Brasileiro”, II, pág. 179). Aliás, ao art. 46 da Constituição atual resolve as divergências que tenham existido a respeito, pois estabelece que os parlamentares, civis ou militares, só poderão ser incorporados às fôrças armadas em tempo de guerra e mediante licença de sua Câmara. Com a licença, passam ao domínio da legislação militar, cessando as imunidades, no que tange aos crimes militares, é claro. A licença foi para a incorporação e sujeição às leis militares. Mas o incorporado pode praticar crime comum, devendo, nesse caso, procederem as autoridades com observância do disposto no art. 45, porque, embora incorporado, o parlamentar não perdeu a sua qualidade. É preciso ainda se atente para a condição imposta: a licença para a incorporação só será deferida em tempo de guerra. Em tempo de paz, não. De revolução, também não.

Estado de sítio

XV. Em acórdão de 6 de maio de 1914, declarou o Supremo Tribunal Federal que as imunidades não se suspendem durante o estado de sítio e o fêz para assegurar a RUI BARBOSA “o direito constitucional de publicar os seus discursos proferidos no Senado, pela imprensa, onde, como e quando lhe convier” (“REVISTA FORENSE”, vol. 22, pág. 301). Por aí é expressa a Constituição de 1946. O seu art. 213 é taxativo:

“As imunidades dos membros do Congresso Nacional subsistirão durante o estado de sítio”.

É a regra. Mas, como tôda regra tem suas exceções, vem em seguida que, pelo voto de dois terços dos membros da Câmara ou do Senado, poderão ser suspensas as imunidades de determinados deputados ou senadores, cuja liberdade se torne manifestamente incompatível com a defesa da Nação ou com a segurança das instituições políticas ou sociais. Nos intervalos legislativos, a suspensão das imunidades se dará pelo presidente da Câmara ou do Senado, conforme se trate de deputado ou de senador, ad referendum da Casa Legislativa interessada, com a convocação desta para se reunir dentro do prazo máximo de 15 dias. Claro que não basta a reunião no prazo de 15 dias. É imprescindível que a Câmara interessada dentro de 15 dias se manifeste em definitivo sôbre o ato de seu presidente, confirmando-o, ou não, pelo voto de dois terços de seus membros. A falta de deliberação naquele tempo significará á revogação do ato de suspensão da imunidade. Não poderia ter sido com outro intuito a fixação do prazo de 15 dias. A simples reunião da Câmara interessada não daria cobertura ao ato de seu presidente. O que vale é o voto no prazo marcado.

O pronunciamento da Câmara interessada é final da questão. Não poderá sofrer o contrôle do Judiciário com respeito à existência ou não do motivo determinante da suspensão da imunidade. A condição imposta se satisfaz pelo voto de dois terços dos membros do órgão legislativo. A interferência do Judiciário se restringe à verificação das exigências de ordem formal: 1º) o estado de sítio; 2°) o número de votos exigido.

Vice-presidente da República

XVI. O vice-presidente da República, embora presida ao Senado Federal, não tem qualidade de senador. Não goza, por isso, de imunidades parlamentares (v. CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, II, pág. 57; PAULO DE LACERDA, “Princípios de Direito Constitucional Brasileiro”, II, pág. 170).

Deputados estaduais

XVII. Tôdas as nossas Constituições locais reproduzem o texto da Constituição federal, no tocante às imunidades, querendo, com isso, assegurá-las aos representantes estaduais. As alterações, em algumas, são mínimas, e sempre com o propósito de beneficiar o deputado. Não são, porém, essas disposições locais que concedem imunidades aos deputados dos Estados. Tais imunidades existiriam mesmo no silêncio das Constituições locais, como decorrência de princípios fixados pela Constituição federal. Tal o pronunciamento reiterado do Supremo Tribunal Federal. E nem se pode entender de outro modo. Se a imunidade contém matéria de direito substantivo e de direito adjetivo, se é contra prisão e contra processo, as Assembléias Legislativas, como órgãos dos Estados, não têm competência para decretá-la. A matéria, por ser de direito substantivo e adjetivo, e mais ainda de caráter institucional, fica compreendida no âmbito da competência privativa da União. Mas é aceita e proclamada como uma decorrência do próprio regime. Os Estados se organizam à imagem da União, com três poderes – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, independentes entre si. Logo, se no plano federal a imunidade é imprescindível ao bom funcionamento de um dêsses poderes, claro que nos Estados o mesmo ocorre. Por isso, o Supremo Tribunal limita as imunidades dos deputados estaduais aos territórios e às autoridades dos respectivos Estados (v. “REVISTA FORENSE”, volume 50, pág. 534).

Suplentes

XVIII. A Constituição de 1934 assegurava imunidades ao primeiro suplente. A atual não as concede e sem dúvida por uma razão muito simples: o suplente não é parlamentar. É apenas um representante em expectativa. Não lhe poderia ser reconhecido privilégio instituído no interêsse de posição que não tem. A Constituição de Pernambuco, no art. 15, declarou as imunidades extensivas aos três suplentes imediatos do deputado em exercício. Trata-se, no entanto, de disposição que não pode prevalecer, pois se choca frontalmente com a Constituição federal, primeiro: porque concede imunidade parlamentar a quem não é parlamentar; segundo: porque os Estados não têm competência para legislar na matéria, privativa que é da União, já que encerra direito adjetivo e direito substantivo.

Co-réus

XIX. Num processo em que forem co-réus um parlamentar e outro não parlamentar, paralisa-se o processo até que se pronuncie a Câmara interessada? Não, responde o Tribunal de São Paulo e com acerto absoluto. A imunidade é apenas do réu parlamentar. Quanto a êste paralisa a ação da justiça. Quanto ao outro, não. Faz-se, para tanto, a separação dos processos (v. “REVISTA FORENSE”, vol. 145, pág. 433).Contato

Vereadores

XX. De longa data, firmou o Supremo Tribunal Federal o ponto de vista contrário ao reconhecimento de imunidade aos vereadores, e dos seus acórdãos no assunto o mais citado é o de 28 de abril de 1915, no qual foi declarado expressamente que “os conselheiros, intendentes e prefeitos municipais não gozam das imunidades parlamentares” (v. “Rev. de Direito”, vol. 39, pág. 306). É que as Câmaras Municipais não constituem um poder, nem legislam, salvo em sentido estritamente material. O vereador, o próprio nome o diz, é um administrador, não é um legislador, nem os municípios se organizam à semelhança dos Estados, como êstes o fazem em relação à União. Disse muito bem o preclaro ministro CASTRO NUNES: somos uma federação de Estados, não somos uma federação de municípios. O município é uma figura de direito administrativo e, se existe, é em benefício da descentralização dos negócios do Estado. Mas, não obstante velho e uniforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, com acatamento por parte de todos os Tribunais locais chamados ao debate do assunto com a reorganização política do país, em vários Estados, voltou a matéria a preocupar a atenção dos legisladores, com o reconhecimento das imunidades no caso inclusive por Constituições locais, entre elas a do Paraná. A disposição foi, no entanto, declarada nula pelo Tribunal de Justiça daquela próspera unidade federativa. E o seu acórdão mereceu a aprovação do Supremo Tribunal Federal, cuja maioria acompanhou voto magnífico do ministro CASTRO NUNES. Foram vencidos os ministros HAHNEMANN GUIMARÃES, EDGAR COSTA e ANÍBAL FREIRE, dispostos à fixação de novos princípios (v. “REVISTA FORENSE”, volume 120, pág. 213). Também o Tribunal de São Paulo foi positivo no assunto (v. “Rev. dos Tribunais”, vol. 178, página 603).

No Estado do Rio, durante a legislatura anterior, a sua Assembléia Legislativa foi palco de longos e acalorados debates em tôrno do projeto de lei oferecido com o propósito de conceder imunidades aos vereadores nos limites dos respectivos territórios. Integrante daquela ilustre Casa Legislativa, e como membro da Comissão de Justiça, ofereci parecer contrário à aprovação do projeto, por considerá-lo manifestamente inconstitucional (v. “REVISTA FORENSE”, vol. 135, pág. 398). Nesse parecer, depois de reportar-me à decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, sustentei a inconstitucionalidade do projeto, dizendo: “Ora, a competência para legislar sôbre direito civil, penal e processual, é da União (v. Constituição federal, art. 5°, XV, a). Aos Estados, na matéria, nem ao menos ficou reservada legislação supletiva ou complementar (art. 6°). Logo, não há como se admitir lei estadual que confira imunidades parlamentares aos membros das Câmaras Municipais. Só a União poderá outorgá-las”. O parecer foi aprovado pela Comissão de Justiça. Mas caiu em plenário, na sua quase totalidade dominado pelo interêsse político-eleitoral. Em plenário mesmo, fiz os maiores esforços no sentido da não-aprovação do projeto. Fiz demorados discursos, entrecortados por apartes apaixonados. Fui além do parecer. Não me ative à inconstitucionalidade – do projeto, por se tratar de matéria compreendida no conjunto das atribuições privativas da União. Sustentei que imunidade é de natureza institucional. E que, portanto, só poderia decorrer da Constituição federal. Nem mesmo lei ordinária da União poderia conferi-la a quem quer que fôsse. De nada, todavia, adiantou a minha oposição. O projeto foi aprovado, tendo eu, em declaração de voto, depois de sintetizar o meu pensamento, afirmado que a Assembléia havia concedido uma ilusão, porque, na primeira oportunidade que se oferecesse, a Justiça fulminaria a lei de nulidade. E foi efetivamente o que aconteceu. Pouco tempo depois, em caso concreto, o Tribunal de Justiça do Estado, por unanimidade de votos, declarou a lei inconstitucional.

Em suma, por maiores que sejam os esforços em contrário, a jurisprudência é sempre esta – os vereadores não gozam e não podem gozar de imunidades; qualquer disposição estadual com êsse fim é inconstitucional.

Conclusão

XXI. Imunidade é privilégio. Todo privilégio é odioso, máxime numa república em que é proclamado o princípio da igualdade de todos perante a lei. Mas, já que existe, que a apliquemos sem abusos, com serenidade, com imparcialidade, com bom-senso. Transformar a imunidade em impunidade, fazer da negativa do processo norma parlamentar, deliberar por conveniência política ou por espírito de coleguismo, fugir da origem e da razão da imunidade, para estender a criminosos comuns o manto protetor da prerrogativa constitucional, será negar a lei, será ofender o povo, será conspirar contra a estabilidade do regime e a pureza da democracia.

_____________________

Notas:

* N. de R.: São do teor seguinte os artigos 44, 45 e 46 da Constituição:

“Art. 44. Os deputados e senadores são invioláveis no exercício do mandato por suas opiniões, palavras e votos.

Art. 45. Desde a expedição do diploma até a inauguração da legislatura seguinte, os membros do Congresso não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua câmara.

§ 1º No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos, dentro de quarenta e oito horas, à câmara respectiva, para que resolva sôbre a prisão e autorize, ou não, a formação da culpa

§ 2º A câmara interessada deliberará sempre pelo voto da maioria dos seus membros.

Art. 16. Os deputados e senadores, quer civis, quer militares, não poderão ser incorporados às fôrças armadas senão em tempo de guerra e mediante licença de sua câmara, ficando então sujeitos à legislação militar”.

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