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A greve na Itália e no Brasil

GREVE

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REVISTA FORENSE 154

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29/09/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 154
JULHO-AGOSTO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

  • Direito de Greve – Regulamentação do Preceito Constitucional – Atividades Privadas – Serviços Públicos, Oscar Saraiva e Alfredo Baltasar da Silveira
  • Greve – Tentativa e Instigação – Servidor Público – Insubordinação Grave em Serviço, Carlos Medeiros Silva
  • Nacionalidade Brasileira – Opção, Luís Antônio de Andrade
  • Ação de Investigação de Paternidade Ilegítima – Prescrição, Paulo Brossard de Sousa Pinto
  • Concessão de Loteria – Incompetência dos Municípios e do Distrito Federal, Ivair Nogueira Itagiba
  • Funcionário Público – Diplomata – Promoção – Função Legislativa e Função Administrativa – Atos Vinculados – Poder Regulamentar, Amílcar de Araújo Falcão

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A Regulamentação do Direito de Greve—  Geraldo Montedônio Bezerra de Meneses; Délio Barreto de Albuquerque Maranhão; Lúcio Bittencourt, com restrições; Dario Cardoso; Oscar Saraiva; Anor Butler Maciel; Evaristo de Morais Filho
  • Dispõe sobre a suspensão ou abandono coletivo do trabalho (*Projeto nº 4.350 – 1954**) — Bilac Pinto
  • A interpretação das Leis Fiscais — Georges Morange
  • Necessidade de uma lei de Processo Administrativo — Hélio Beltrão
  • Conceito de Direito Comparado — Rodrigues de Meréje
  • Despedida indireta — Indenizações cabíveis — Henrique Stodieck
  • Brigam o vernáculo e o direito — Jorge Alberto Romeiro
  • 127° aniversário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil — Hésio Fernandes Pinheiro
  • Desembargador Medeiros Júnior

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Abolição das corporações de ofícios. Liberdade de trabalho. Legislação italiana e sua influência entre nós. O regime fascista e a estrutura corporativa. Elaboração constitucional. Conclusão.

Sobre o autor

Valdomiro Lôbo da Costa, advogado em São Paulo

DOUTRINA

A greve na Itália e no Brasil

Abolição das corporações de ofícios

I. A revolução francesa, na sua exagerada concepção da liberdade individual, proibiu tôdas as espécies de associações e, particularmente, as de caráter profissional, considerando-as contrárias ao princípio geral da liberdade do cidadão e, em particular, da liberdade industrial e comercial.

Foram, em conseqüência, abolidas as corporações de ofícios, e a liberdade de trabalho viu-se erigida à categoria de dogma constitucional.

É preciso não esquecer, porém, que já anteriormente, no reinado de LUÍS XVI, igual reivindicação tentara TURGOT, inspirando o édito de fevereiro de 1776, em que já se declaravam extintos o juizado de ofício e o antigo mestrado. Claros e inequívocos eram os têrmos do preâmbulo dessa notável lei: “Nous devons, y est-il dit, à tous nos sujets de leur assurer la jouissance pleine et entière de leurs droits: nous devons surtout cette protection à cette classe d’hommes qui, n’ayant de propriété que leur travail et leur industrie, ont d’autant plus le besoin et le droit d’employer dans toute leur étendue les seules ressources qu’ils aient pour subsister. Noas avons vu avec peine les atteintes multiples qu’ont données à ce droit naturel et commun des institutions, anciennes à la vérité, mais que ni le temps ni l’opinion ni les actes même émanés de l’autorité, qui semblent les avoir consacrées, n’ont pu légitimer”. E o art. 1º declarava: “Il sera libre à toutes personnes de quelque qualité et condition qu’elles soient, même à tous étrangers…, d’embrasser et d’exercer dans notre royaume… telle espèce de commerce et telle profession d’arts et métiers que bon leur semblera, même d’en réunir plusieurs, à l’effet de quoi… éteignons et supprimons tous les corps et communautés de marchands et artisans…”.

A greve – corolário lógico da liberdade assim reconhecida e proclamada – não teve, entretanto, a consagração do legislador revolucionário, que ao revés, desde a chamada lei Le Chapelier, de 17 de junho de 1791, considerou inconstitucionais tôdas as coalizões de trabalhadores “tendant à refuser de concert ou à n’accorder qu’à un prix déterminé le secours de leur industrie ou de leurs travaux”.

A lei de 22 do Germinal (ano XI) reiterou a proibição e definiu o delito de coalizão, estabelecendo os princípios que constituíram mais tarde os arts. 414, 415 e 416 do Cód. Penal de 1810 e que, em conseqüência da ocupação da Itália pelas tropas de NAPOLEÃO, entraram no direito italiano como fonte de suas primeiras disposições relativas à greve.

As coalizões, tanto de empregadores, quanto de empregados, aparecem, destarte, sujeitas, na península, a severas penas, mas, em seguida à queda do império francês, já se vislumbra na legislação o reconhecimento do direito à cessação do trabalho, promovida quer pelos patrões, quer pelos operários, limitando-se a punibilidade exclusivamente aos casos de violência.

Assim é que o Cód. Penal toscano, de 20 de junho de 1853, reconhecia o direito de coalizão, punindo, todavia, a suspensão do trabalho destinada a extorquir pactos diversos do convencionado e a violência usada por três ou mais pessoas para induzir os companheiros a suspender ou a não iniciar o trabalho e, em geral, a limitar, de qualquer modo, a liberdade da indústria.

No Cód. Penal de 5 de novembro de 1820, em vigor em Parma, Piacenza e Guastalla, como no Código da Sardenha, promulgado em 20 de novembro de 1859, que será depois o primeiro Cód. Penal do Reino da Itália, era punida a ação do empregador dirigida no sentido de impor injusta e abusivamente aos trabalhadores uma diminuição de salário, ou a receber em pagamento total ou parcial mercadorias, produtos alimentícios e outras coisas, bem como a ação dos operários que tendesse, sem causa razoável, a suspender, impedir ou encarecer o trabalho.

Liberdade de trabalho

Tais disposições, embora os juristas as considerassem inadequadas à situação social do país e não poucos projetos se oferecessem em substituição ao Código sardo, mantiveram-se até a promulgação, em 1889, do novo Cód. Penal italiano, contendo normas especiais concernentes aos delitos contra a liberdade de trabalho, as quais, sem embargo da disposição do art. 181, que, proibia a greve dos funcionários públicos, sòmente puniam as violências e as ameaças lesivas da liberdade de trabalho entendida como emanação e especificação do mais geral direito de liberdade.

É ao influxo destas idéias que se forma o direito brasileiro.

Promulgado pelo dec. nº 847, de 11 de outubro de 1890, o Cód. Penal da República, inspirando-se no art. 165 do Código italiano, definiu, nos arts. 204, 205 e 206, as figuras do crime contra a liberdade de trabalho, com a punição apenas das hipóteses em que a violência fôsse elemento constitutivo da ação.

São normas editadas numa época de relativa calma social, em países onde o proletariado nascente ainda não encontrava condições objetivas e subjetivas da luta de classes. O desenvolvimento industrial determinaria, lá e aqui, paralelamente, com o espantoso aumento das populações operárias, o empobrecimento cada dia maior das massas em razão da concorrência da máquina, desvalorizadora do trabalho humano.

Lembra FRANCESCO ARCÁ, a propósito: “Quel proletarizzamento rapido, quel pauperizzamento intenso delle masse lavoratrici, che, come già osservammo, accompagna in tutti i paesi l’introduzione delle machine, si avverò in Italia quando già, altrove, la grande industria si era sistemata, quando, cioè, aveva già da sè stessa, e per gli effetti del suo sviluppo, riparato alla crisi sociale della sua prima apparizione, onde l’osservazione della esistenza in Italia, e della diffusione all’ estero, di quel “lumpenproletariat” che pure era apparso dappertutto agli inizi della grande industria, ma del quale, nei paesi più progrediti, non si conosceva più l’aspetto, fece per molto tempo disperare politici e teorici, italiani e stranieri, della possibilità di un movimento operaio italiano”.1

O movimento operário verificou-se, desmentindo os prognósticos dos teóricos, num alarmante crescendo de reivindicações. É rejeitado pelo Parlamento o projeto do ministro PELLOUX visando regular e limitar o direito de reunião e de associação, proibir a greve nos serviços públicos e limitar a liberdade de imprensa. Prevalece a interpretação liberal do princípio da liberdade de associação. Organizam-se os operários nos primeiros fascios de trabalhadores. Multiplicam-se os conflitos de trabalho, com séria repercussão na economia nacional.

No interêsse da pacificação, o decreto real nº 1.672, de 13 de outubro de 1918, aperfeiçoa o antigo instituto dos homens bons – probi viri – investidos de função conciliadora e pacificadora, ao mesmo tempo em que, num certo limite, com o caráter de verdadeira jurisdição especial, para a solução dos conflitos entre empregados e empregadores de determinadas indústrias ou grupos de indústrias afins. Os membros dêsses tribunais de conciliação eram escolhidos por metade entre os industriais – diretores ou administradores de fábricas – e na outra metade entre os operários, sendo o presidente nomeado pelo rei por proposta do ministro da agricultura, indústria e comércio.

Legislação italiana e sua influência entre nós

É sob êste direito que a Itália chega ao fim da primeira grande guerra. Nêle, de novo, se inspira o legislador brasileiro.

Idêntica é, de fato, a organização das juntas de conciliação e julgamento que o dec. nº 22.132, de 25 de novembro de 1932, Institui, destinadas a dirimir “os litígios oriundos de questões de trabalho”

Essas providências não impediram, contudo, as eclosões continuadas das greves, que o direito positivo não proibia e punha sob sanção das leis penais ùnicamente os atos de violência a que elas dessem origem.

Os movimentos paredistas sucederam-se, inclusive com a forma altamente lesiva da ocupação do estabelecimento pelos grevistas, como se viu em 1920 com a greve dos metalúrgicos das fábricas Fiat.

O regime fascista e a estrutura corporativa

II. Com o advento do regime fascista, recebe a Itália a estrutura corporativa, compreendendo os sindicatos de patrões e de trabalhadores, sob direto e efetivo contrôle do Estado, com a jurisdição sôbre os conflitos de trabalho entregue à magistratura do trabalho, criada pela lei nº 503, de 3 de abril de 1926. A greve e o lock-out perdem a liberal proteção jurídica e passam, independentemente de suas possíveis conseqüências de fato, à categoria de delitos punidos com severidade. No conceito fascista de bem jurídico, o que se queria protegido não era o direito de liberdade individual, mas o interêsse do Estado à ordem do trabalho. O novo Cód. Penal, publicado com o dec. nº 1.398, de 19 de outubro de 1930, no tít. VIII, definindo os delitos contra a economia pública, a indústria e o comércio, comina penas – multa ou reclusão – às várias ações perturbadoras da prestação normal do trabalho, inclusive aos movimentos de protesto e solidariedade, e pune, em matéria de serviço público, a própria interrupção individual do trabalho.

No Brasil, destruído o regime democrático e instaurado o govêrno ditatorial que se chamou Estado Novo, ainda uma vez é nas instituições italianas disciplinadoras do trabalho que o legislador patricio vai tomar o modêlo das normas adotadas em matéria de greve.

A Constituição outorgada pelo ditador em 10 de novembro de 1937, instituindo no país o regime corporativo, cria, igualmente, a justiça do trabalho “para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados” e, a exemplo da legislação fascista, declara a greve e o lock-out “recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital, e incompatíveis com os superiores interêsses da produção nacional”.

Consolidadas pelo dec. nº 5.452, de 1º de maio de 1943, as várias leis trabalhistas esparsas, êste diploma, nos artigos 722 e 723, acrescenta aos crimes contra a organização do trabalho, previstos na Parte Especial, tít. IV, do Código Penal de 7 de dezembro de 1940, as duas novas figuras delituosas do simples lock-out e greve, realizados “sem prévia autorização do tribunal competente”.

Completa é a identidade da orientação no ordenamento jurídico de ambos os regimes, não obstante apresentar-se o brasileiro sob o rótulo democrático ao proclamar, no art. 1º, o reconhecimento de que “o poder político emana do povo e é exercido em nome dêle”.

Num e noutro, a transição do conceito de licitude, tradicionalmente atribuído à greve não acompanhada de violência contra pessoas ou coisas, para o de expressa infração penal, não poderia ser mais brusca: o que era lícito na véspera – uma vez que a lei sòmente cuidava de certas conseqüências do ato e não do simples ato em si – passou, no dia seguinte, a constituir crime.

O fim da segunda conflagração mundial, com a vitória da Democracia sôbre os Estados totalitários, marcou também, na Itália, e, pouco depois, no Brasil, a extinção do sistema corporativista. Na Itália foi êle suprimido pelo dec. real número 721, de 9 de agôsto de 1943, e pelo decreto-lei nº 369, de 23 de novembro de 1944. No Brasil, embora as fôrças armadas hajam destituído o ditador em 29 de outubro de 1945 e convocado os comícios eleitorais para escolha do presidente da República e da Assembléia Constituinte, esta, incompreensìvelmente, declarou continuar vigorando a Carta de 10 de novembro de 1937, até a promulgação do novo estatuto político nacional.

No direito italiano, as relações coletivas de trabalho permaneceram algum tempo privadas de ordenação legislativa. A primeira tentativa de reconduzi-la à disciplina da lei teve lugar em 1947, com o projeto do Ministério do Trabalho, objetivando a tentativa obrigatória de conciliação nos conflitos coletivos entre as emprêsas encarregadas de serviços públicos e seus dependentes. O projeto não logrou êxito, de onde a conclusão de que, em assunto de greve, sob quaisquer aspectos subsistiram, até a Constituição de 1948, ás normas proibitivas estatuídas no Cód. Penal.

No Brasil, o presidente eleito, usando dos poderes contidos no art. 180 da Constituição de 1937, expediu, em 15 de março de 1946, o dec.-lei nº 9.070, restritivo do direito de greve nas atividades que considera acessórias e proibitivo nas que denomina fundamentais, sem embargo de havermos subscrito a ata da Conferência de Chapultepec em que as Nações Americanas recomendam, expressa e ilimitadamente, no § 3º, nº I, inc. 11, entre outros pontos, o reconhecimento do direito de greve.

Constituinte italiana

III. Instalada a Constituinte italiana, desde logo as questões relativas ao direito de greve empolgaram a assembléia.

Foram elas objeto de viva discussão nas subcomissões relatoras dos direitos fundamentais do cidadão e das questões econômicas e sociais.

Afinal, no seio da chamada comissão dos 75, abandonado o princípio de que a Constituição não deveria ocupar-se do direito de greve, e a tese de reconhecer-se, ao lado dêsse direito, a limitação relativa ao serviço público, saiu vencedora a fórmula que se inscreveu no artigo 36 do projeto geral: “Todos os trabalhadores têm direito de greve”.

A amplitude da formulação tornava, porém, duvidosa a constitucionalidade da futura iniciativa do legislador ordinário no sentido de regular o exercício da greve, razão por que prevaleceu a emenda proposta em plenário pelo constituinte MERLIN, e que passou a ser o art. 40 da Constituição em vigor:

“Il diritto di sciopero si esercita nell’ambito delle leggi che lo regolano”.

Comentando o preceito, escreve GIUSEPPE BISCOTTINI (“La Costituzione della Repubblica Italiana”, Cetim, Milão, 1951, pág. 41): “Todo cidadão tem o dever de desenvolver uma atividade no interêsse coletivo (art. 4º), mas tem o direito de interromper a sua prestação, quando concorram certas circunstâncias. Quais estas circunstâncias sejam, a Constituição não diz, mas reenvia a uma lei futura”.

As leis, que ao tempo de entrar em vigor a Constituição, já regulavam o exercício da greve, não podem considerar-se disciplinadoras do direito reconhecido, uma vez que em face dos seus dispositivos ela não é encarada como direito e sim como delito.

O preceito constitucional, a despeito de sua redação fazer presumir a pré-existência de leis regulando o exercício da greve – “si esercita nell’ambito delle leggi che lo regolano” – está, evidentemente, a exigir do Legislativo ordinário a emissão de lei especial que o regule.

O govêrno italiano, conforme atestação de BRIOSCHI e SETTI (“Lo Sciopero nel Diritto”, Milão, 1949, pág. 135), prometera remeter ao Parlamento, quanto antes, o projeto que trazia em estudo, provendo ao caso.

Não consta que o assunto esteja resolvido. Pelo menos, ao que é lícito inferir da divulgação a cargo da “Série Legislativa”, do Bureau International du Travail, até junho de 1952, a promessa governamental, se cumprida, não se convertera ainda em lei. Tudo leva a crer que continue o statu quo ante. Aliás, em abono desta presunção há o silêncio, a respeito de qualquer novo diploma sôbre o direito de greve, numa das mais recentes publicações italianas: a 5ª edição do livro de SANTORO-PASSARELLI, “Nozioni di Diritto del Lavoro”, vinda a lume em Nápoles, nos fins de 1951.

No Brasil, a evolução do instituto é idêntica: a Constituição federal ergue a greve, da categoria de delito em que a situara o direito anterior, às alturas de cânone constitucional. Desta vez, no entanto, o legislador brasileiro, fiel aos compromissos assumidos em Chapultepec, é que tem precedência na espécie. O artigo 158, em que é proclamado o direito de greve, antecede em mais de dois anos o pronunciamento italiano. De igual modo o seu exercício é remetido à regulamentação da lei ordinária, havendo, porém, o constituinte brasileiro empregada o verbo da oração no futuro do indicativo:

“É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”.

Ambas as Constituições, reconhecendo de maneira expressa e irrestrita a legitimidade do exercício da greve, propõem, por conseguinte, o mesmo seriíssimo problema ao jurista, consistente na questão de saber se o referido direito é extensivo também aos funcionários públicos e aos trabalhadores empregados nas atividades que o dec. nº 9.070, de 15 de março de 1946, declara fundamentais.

No direito italiano, parece que a resposta, afirmativa é mais difícil de ser contrariada. A rejeição do projeto de 1947 e a supressão da referência a trabalhadores, que figurava na redação do primitivo art. 36, tornam claro o propósito do legislador em não só evitar qualquer limitação no exercício do direito que reconhecia, como, principalmente, deixando de fazer titulares dêle, declaradamente, os trabalhadores, cortar cerce as discussões que pudesse originar sôbre o significado da palavra. “O direito de greve” – diz o texto, de forma universal – “é exercitado no âmbito das leis que o regulam”. Ora, o direito de greve sòmente pode ser exercido por quem trabalha, e, como a mesma Constituição, no art. 4º, reconhece a todos os cidadãos o direito ao trabalho, é fora de dúvida que a lei não poderá excluir da fruição do primeiro direito nenhuma classe de indivíduos que exerçam o segundo.

Entre nós, tendo a jurisprudência emprestado obrigatoriedade ao mencionado dec.-lei nº 9.070, por entendê-lo perfeitamente constitucional, a greve nas atividades fundamentais continua sob a sanção do art. 201 do Cód. Penal.

Esta inteligência do preceito constitucional, comum na Justiça do Trabalho e reiterada nos Tribunais de Justiça dos Estados, teve confirmação em julgado do Supremo Tribunal Federal, que se lê à pág. 559 do vol. 189 da “Rev. dos Tribunais”, sob a seguinte ementa: “Não se admite a greve nos serviços públicos mesmo com a vigência da Constituição federal de 1946, cujo direito sofre as limitações impostas pela lei ordinária”.

A tese, não obstante a incontrastável autoridade do excelso intérprete, não se ajusta, data venia, aos tradicionais princípios da sã hermenêutica.

Em primeiro lugar, quando a Constituição, no art. 158, declara reconhecido o direito de greve, não distingue as pessoas que o possam exercer, tornando, conseqüentemente, seus legítimos titulares todos aquêles a quem o art. 145, no parág. único, assegura “trabalho que possibilite existência digna”. A Lei Magna, conferindo dito direito a tôdas as classes de trabalhadores, sem distinção, é obvio que não pode admitir que à sombra de seu dispositivo sejam feitas quaisquer distinções.

Acresce que a afirmação de sofrer o direito, expresso no texto constitucional, as limitações a êle impostas pela lei ordinária, implica no desconhecimento da hierarquia das leis, visto que admite a possibilidade de traçar a lei ordinária limites ao direito que a Lei das Leis proclama irrestrito.

Por último, é preciso não esquecer que o elemento histórico desapóia o venerando acórdão citado.

O reconhecimento do direito de greve foi incluído, na Assembléia Constituinte, pela 7ª Subcomissão incumbida de relatar o título – “Da ordem econômica e social” – da futura Constituição, no parágrafo único do art. 16 do trabalho oferecido, em 21 de março de 1946, com esta redação:

“Art. 16. Os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social, serão dirimidos pela justiça do trabalho, que terá jurisdição autônoma, bem como organização adequada, não se lhe aplicando as disposições desta Constituição relativas à competência, ao recrutamento e às prerrogativas da justiça comum.

Parág. único. É reconhecido o direito de greve”.

Nas discussões havidas, desde logo se acordou em que a matéria do corpo do artigo se transferisse para a seção em que se definissem os órgãos e as funções da justiça do trabalho, sofrendo, entretanto, largo debate o disposto no parágrafo.

Duas emendas, subscritas por juristas do melhor renome, objetivaram excluir os serviços públicos da possibilidade de serem atingidos pela greve.

A forma sugerida pelo professor MÁRIO MASAGÃO substituía o parágrafo por novo artigo, assim redigido:

“O reconhecimento do direito de greve como faculdade de não trabalhar, sem impedir que outros o façam e sem danificara propriedade do patrão.

“Parág. único. Não se admitirá a cessação coletiva do trabalho nos serviços públicos, ainda que realizados mediante concessão”.

O professor GRACO CARDOSO propunha:

“É declarada ilegal a greve que não resulte da sustentação de um conflito industrial no quadro da profissão ou da indústria.

“Parág. único. A lei não reconhece o direito de greve nos serviços de interêsse público, que asseguram os elementos indispensáveis à vida e à liberdade de locomoção dos cidadãos”.

Tais emendas foram, no entanto, rejeitadas pelo plenário, que, não admitindo limitação de espécie alguma ao direito reconhecido, o inscreveu, em nova redação, no art. 14, nestes têrmos:

“É reconhecido o direito de greve. A lei regulará o exercício dêsse direito”.

E em redação final, no art. 158 do projeto aprovado, recebe o texto a forma definitiva:

“É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”.

É manifesta, diante do pronunciamento da Assembléia, a intenção do supremo Poder Legislativo nacional contrária a qualquer limitação do direito de greve, inclusive mesmo no tocante a serviços públicos, ainda que exercidos mediante concessão: as emendas rejeitadas constituem inequívoco testemunho dessa intenção.

Ninguém negará o êrro da amplitude concedida ao instituto e as nocivas conseqüências que a excessiva liberalidade pode acarretar em prejuízo da paz social. A verdade, entretanto, é que a clareza do dispositivo constitucional e o processo a que obedeceu, no seio do Parlamento, a sua final aprovação, desautorizam a conclusão de que a lei ordinária, a cuja autoridade é remetida a regulamentação do exercício do direito reconhecido de maneira irrestrita, possa limitá-lo sem violar as mais elementares regras da ciência jurídica. O constituinte brasileiro, que instituiu a justiça trabalhista com a função de prevenir e resolver os conflitos do trabalho, procurando, nessa conformidade, realizar o ideal social de estender às controvérsias oriundas das relações de empregados e empregadores o direto amparo do Poder Judiciário, terá sido perigosamente incoerente. Fôra de mais acêrto se, à semelhança do constituinte italiano, não houvesse recorrido a soluções judiciais dos conflitos o trabalho, contentando-se com a via de fato estabelecida.

Não o fêz. Paciência! O que não se justifica é que a sua vontade soberana seja iludida em nome de quaisquer interêsses, recomendáveis, talvez, à consideração dos futuros revisores da Constituição, mas destituídos de fôrça para obstar a que a lei se cumpra.

_________________

Notas:

1 FRANCESCO ARCÁ, “Legislazione Sociale” (in “Trattate completo di Dirito Amministrativo Italiano”, de V. ORLANDO), Milão, 1930, vol. VI.

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