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A organização e o funcionamento do Poder Judiciário

PODER JUDICIÁRIO

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REVISTA FORENSE 155

Revista Forense

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26/10/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 155
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

  • Intervenção Econômica do Estado Modernorevista forense 155

DOUTRINA

  • A organização e o funcionamento do Poder Judiciário, M. Seabra Fagundes
  • Autarquias estaduais e municipais, Carlos Medeiros Silva
  • Normas gerais de direito financeiro, Rubens Gomes De Sousa
  • As transformações do Direito de família, Lino De Morais Leme
  • Nulidades no Direito contratual do Trabalho, Orlando Gomes
  • Pressupostos processuais, Ademar Raimundo Da Silva
  • A evolução do desvio de poder na jurisprudência administrativa, Roger Vidal

PARECERES

  • Mandado de Segurança Contra a Lei em Tese – Ato Normativo – Requisição de Aguardente pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, Francisco Campos
  • Fideicomisso e Usufruto – Distinção, Carlos Medeiros Silva
  • Impôstos – Arrecadação Estadual – Excesso a ser entregue aos Municípios, Aliomar Baleeiro
  • Impôsto de Renda – Pessoa Jurídica Domiciliada no Estrangeiro – Convenção de “Royalties”, Rui Barbosa Nogueira
  • Contrato Administrativo – Revisão de Preço – Teoria da Imprevisão, Caio Tácito
  • Contrato por Correspondência com Firma Estrangeira – Nota Promissória – Requisitos Essenciais, Afrânio de Carvalho
  • Advogado – Retirada de Autos de Cartório – Processos Criminais, Evandro Lins e Silva

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A Conclusão de Atos Internacionais no Brasil, Hildebrando Accioly
  • O Federalismo e a Universidade Regional, Orlando M. Carvalho
  • Inelegibilidade por Convicção Política, Osni Duarte Pereira
  • Embargos do Executado, Martins de Andrade
  • Questão de Fato, Questão de Direito, João de Oliveira Filho
  • Fantasia e Realidade Constitucional, Alcino Pinto Falcão
  • Da Composição da Firma Individual, Justino de Vasconcelos
  • A Indivisibilidade da Herança, Gastão Grossé Saraiva
  • O Novo Consultor Geral da República, A. Gonçalves de Oliveira
  • Desembargador João Maria Furtado, João Maria Furtado

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: A Justiça no Império e na República, Justiça federal e Justiça estadual. Confronto com a organização da Justiça nos Estados Unidos. “Habeas corpus”. Garantias da magistratura. A crise do Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário. A Constituição de 1946. O Tribunal Federal de Recursos. Conclusões.

Sobre o autor

M. SEABRA FAGUNDES, Ministro da Justiça e Negócios Interiores

DOUTRINA

A organização e o funcionamento do Poder Judiciário

* Para uma compreensão relativamente exata da organização e do funcionamento do Poder Judiciário, na sua estrutura e no seu mecanismo vigentes, é preciso remontar ao seu aparecimento, na primeira Constituição republicana.

A Justiça no Império e na República, Justiça federal e Justiça estadual

Vínhamos, em 1891, do Império, onde a Justiça não tinha nenhuma expressão política. Era um poder que se limitava a dirimir as controvérsias de direito privado, de moda que os atos da administração pública escapavam, por inteiro, ao seu contrôle. E de chôfre, pela instituição da República, o Poder Judiciário foi elevado a plano de excepcional importância na vida política do país. Atribuiu-se-lhe, ao lado da função, que já era sua, de mero dirimidor das questões de ordem privada, uma outra, de maior importância: a de guardar os direitos individuais contra as infrações decorrentes de atos do Poder Executivo e do Poder Legislativo, inclusive e notadamente quando êsses atos afetassem textos constitucionais. Isto equivalia, de certo modo, a fazê-lo fiador da seriedade mesma do regime como construção política, pois, ao declarar a prevalência da Lei Suprema em face de atos legislativos ou administrativos que a afetavam, o que fazia o Judiciário era preservar as próprias instituições republicanas, pela contenção dos demais poderes nas suas órbitas estritas de ação e pela garantia ao indivíduo da sobrevivência dos seus direitos, fôssem quais fôssem as prevenções contra elas armadas.

Ao mesmo tempo que assim se elevava na sua importância o órgão judiciário do Estado, era êle, pelo que se entendia ser um reflexo do regime federativo, dividido em Poder Judiciário federal e Poder Judiciário estadual.

A Justiça, nos Estados, se compunha de juízes de direito (abaixo dos quais havia juízes inferiores – de paz, distritais ou municipais, etc., conforme a organização de cada Estado) e de Tribunal da Relação.

A Justiça da União se compunha de juízes federais, com substitutos (preparadores e de função limitada), e do Supremo Tribunal Federal.

A Justiça de cada Estado tinha a missão de preservar os direitos privados nos conflitos entre as pessoas nêles domiciliadas e de decidir as contendas entre os habitantes do Estado e os poderes públicos também do Estado.

A Justiça federal tinha como atribuições a solução das causas que se fundassem exclusivamente na Constituição, das questões em que a União, pelo seu govêrno ou pela sua Fazenda, fôsse interessada, dos litígios entre um Estado e cidadão de outro, ou entre habitantes de Estados diferentes, das questões de direito marítimo, das questões de direito criminal ou civil internacional, e, finalmente, o julgamento dos crimes políticos. Ao mesmo tempo, através do Supremo Tribunal, aonde iam ter certos feitos julgados pela Justiça dos Estados, cabia-lhe dirimir tôdas as questões em que se averiguasse uma infração da Constituição, de alguma lei federal ou de tratado.

Recurso inominado na Constituição, mas que na prática se haveria de denominar de extraordinário, fazia dessa alta Côrte o árbitro de demandas as mais importantes perante as Justiças locais. Ou seja, daquelas demandas em que os tribunais dos Estados, questionando-se sôbre a validade ou a vigência de tratados ou leis federais, lhes negassem aplicação, a elas superpondo leis ou atos dos governos locais (art. 59, § 1°, a e b).

Essa duplicidade de justiça assentava, sob a inspiração das instituições constitucionais norte-americanas, no princípio de que, soberana a União e autônomos os Estados, aquela e êstes deveriam ter nas suas organizações os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Aliás, aqui vem a calhar uma digressão. Tem-se atribuído aos constituintes de 91, nesse particular, como no que concerne ao próprio sistema de govêrno por êles escolhido, o que se denomina, pejorativamente, de cópia da Carta Constitucional dos Estados Unidos.

Mas, pelo menos no que diz respeito ao Poder Judiciário, a transplantação que se fêz das instituições norte-americanas para o Brasil é um trabalho admirável, que só pode merecer gratidão e respeito das gerações brasileiras, a êsses que foram os pioneiros do seu sistema constitucional republicano.

Para comprová-lo basta sublinhar três pontos.

Confronto com a organização da Justiça nos Estados Unidos

Na Constituição dos Estados Unidos o contrôle jurisdicional de constitucionalidade se inferiu, por exegese construtiva, da hierarquia superior dos textos constitucionais, da sua primazia natural. Por isto mesmo pôde, em certa altura da história política do país, ser ignorada e até controvertida. Na Constituição de 91 já se admite explìcitamente, que juízes e tribunais digam da constitucionalidade das leis e se erige o Supremo Tribunal, sem rodeios, no órgão máximo do contencioso constitucional.

A Constituição dos Estados Unidos deixa a fixação da competência da Suprema Côrte, salvo um ou outro ponto, à discrição do Congresso. Entre nós, decerto na previsão dos fatôres que poderiam influir para cercear a jurisdição do Supremo Tribunal e até tirar-lhe a expressão como órgão máximo do Poder Judiciário, a sua competência veio tôda prevista no texto constitucional.

A Côrte Suprema tem o número dos seus membros fixado pelo legislador ordinário; o número de ministros do Supremo Tribunal foi logo fixado na Constituição. Impediu-se, com isto, que, sob a influência de interêsses ocasionais, os governos, ampliando o número de ministros, invertessem o ponto de vista da Côrte em questões relevantes, colocando em minoria os votos contrários à sua orientação. Nem nós contaríamos aqui com uma opinião pública, como a dos Estados Unidos, capaz de, lacunoso o texto constitucional, opor-se à criação de novos lugares no pretório supremo, como lá ocorreu sob um dos quatriênios do presidente FRANKLIN ROOSEVELT.

Assim prestigiado pela decisiva posição de relêvo, que se lhe atribuía no sistema político, o Poder Judiciário, apesar das vacilações e tibiezas que de início lhe enfraqueceram a atuação, chegou a situar-se, de certo momento em diante, notadamente pela ação do Supremo Tribunal, como o grande fator de proteção dos direitos públicos subjetivos do indivíduo, inclusive daqueles relacionados com o exercício de funções e mandatos políticos.

“Habeas corpus”

Não instituído na Constituição um meio processual específico para o valimento de tais direitos, mas definido o habeas corpus, em têrmos genéricos, como o remédio destinado a proteger o indivíduo que sofresse ou se achasse em iminente perigo de sofrer violência ou coação, por ilegalidade ou abuso do poder (art. 72, § 22), estendeu-se tal instituto, além do seu âmbito clássico e estrito de meio de proteção de liberdade física, à salvaguarda dos direitos que a tivessem como condição essencial de exercício, e, até em alguns casos raros (RUI BARBOSA obteve habeas corpus, num caso célebre, para a publicação de discursos parlamentares) à proteção de direitos inteiramente alheios à liberdade de ir e vir. Formava-se, assim, a denominada teoria brasileira do habeas corpus.

Mas a Constituição de 1891, que tanto permitia se fizesse na proteção do indivíduo contra os excessos do poder público, tornava-se um elemento incômodo à ação do Poder Executivo, cuja tendência ao abuso em detrimento dos direitos individuais, dada a nossa insuficiente educação política, é uma constante na história brasileira.

Daí a reforma constitucional de 1926, sob o pretexto de melhor ajustar a Carta de 1891 à realidade brasileira, mutilá-la naquilo em que, precisamente, deixava margem à eficiente ação revisora do Poder Judiciário.

Tirou-se ao habeas corpus o amplo alcance que a jurisprudência lhe emprestara.

Como tal não bastasse, vedou-se ao Poder Judiciário decidir sôbre aspectos da intervenção federal, da declaração do estado de sitio, da verificação de poderes, do reconhecimento, da posse, da legitimidade e da perda de mandatos, legislativos ou executivos, federais ou estaduais (art. 60, § 5º).

Suprimiram, afinal, tôdas as válvulas que o texto de 91 ensejava para o equilíbrio político do regime e que a jurisprudência aperfeiçoara. Fecharam-se as únicas vias jurìdicamente hábeis a proteger o indivíduo, e, em certo sentido, a coletividade, contra as exorbitâncias do Poder Executivo e do Poder Legislativo.

Vindo a Revolução de 30, encontrou êsse estado de coisas, e como o “tenentismo”, apesar de todos os seus excessos, era trabalhado par uma grande sinceridade de renovação dos costumes políticos, voltou-se à reorganização do Poder Judiciário.

E, não obstante os excessos ocorridos, dissolvendo-se tribunais e punindo-se homens, cuja responsabilidade pelos erros atribuídos à Justiça nem sempre repontava claramente, predispôs-se ao clima de prestígio, que repontaria na Constituição de 1934.

Esta realizou trabalho meritório no que diz com o aperfeiçoamento das condições de independência do Poder Judiciário e com a restauração do seu papel como órgão de proteção e contrôle dos direitos públicos subjetivos do indivíduo. Mantendo a dualidade da Justiça, e, portanto, as linhas mestras da organização do Poder Judiciário, que vinham da Constituição de 1891, instituiu o mandado de segurança como sucedâneo do habeas corpus em matéria civil e cercou de garantias as Justiças locais, num esfôrço para subtraí-las à influência dos governos e da política partidária.

Garantias da magistratura

Como garantias impôs às leis Judiciárias: investidura nos primeiros graus mediante concurso e organização de listas, acesso por antiguidade e merecimento, inalterabilidade da divisão e da organização judiciária, salvo proposta do Tribunal local, dentro de um qüinqüênio da sua vigência; inalterabilidade do número de desembargadores, salvo proposta do Tribunal respectivo; fixação dos vencimentos dos membros dos tribunais em quantia não inferior à percebida pelos secretários de Estado, guardando-se ainda uma proporção não maior de 30%, entre os vencimentos dos mais altos magistrados e os dos juízes da primeira categoria, entre os dos titulares desta e os da categoria seguinte, e assim por diante; competência privativa dos tribunais para o processo e julgamento dos juízes inferiores, nos crimes comuns e de responsabilidade (art. 104).

Estatuiu, ao mesmo tempo, um sábio princípio: o da vedação do exercício da atividade política partidária (art. 66). Com êle, obrigados os juízes ao desinterêsse pelas posições políticas, de govêrno ou eletivas, ganharam, de logo, pela neutralidade a que se tiveram de votar, um grande prestígio moral na opinião pública. E esta, em pouco, já impunha a sanção da censura aos que, pelas veladas ligações partidárias, se mostravam carentes da isenção que a Lei Básica a todos quis impor.

O contraste com o regime anterior era evidente, pois, sob a Carta de 91, os magistrados exerciam, com freqüência, funções executivas e legislativas, tornando depois, com desembaraço, à missão de julgar, para dizer do direito dos seus adversários da véspera.

É certo que os juízes, sob o regime de 34, como sob o atual, puderam e podem exercer funções de magistério. Mas essas funções são técnicas, sem nenhuma importância política, e não têm portanto, a fôrça de perturbar o espírito do juiz pelo gôsto da carreira política, como ocorria outrora.

A Constituição de 1937 manteve essas garantias e êsse princípio, mas trouxe modificação profunda à estrutura do Poder Judiciário. Suprimiu a Justiça federal.

As duas Justiças, estadual e federal, que vinham da Constituição de 91, que passaram pela reforma constitucional de 1926 e que se mantiveram na Carta de 1934, já não coexistiam em 1937.

A Justiça dos Estados ficou com o encargo de julgar os efeitos da Fazenda da União, com recurso para o Supremo. As restantes atribuições dos juízes federais, chamados secionais, também lhe foram cometidas.

Essa modificação teve vantagens e teve defeitos. Simplificou o sistema judiciário, afastou uma série de controvérsias que havia em relação à competência para o ajuizamento de ações perante a Justiça federal ou a estadual e acarretou economia apreciável para a União. Ao mesmo tempo, sobrecarregou os juízes dos Estados, aos quais se cometeu a jurisdição dos feitos da Fazenda Nacional, onerando-os com grande volume de serviço, quando êles já tinham, por natureza mesa da sua função de juízes locais, atribuições demasiado pesadas, e privou a União de um corpo de juízes especializados para o conhecimento do seu contencioso.

Mas a Constituição de 1937 não trouxe apenas essas modificações. Suprimiu o mandado de segurança, que a Constituição de 1934 instituíra com o objetivo de substituir o habeas corpus, na sua concepção brasileira, como remédio capaz de proteger o indivíduo contra as ilegalidades, que não afetassem a liberdade de locomoção, mas sim direitos de outra natureza.

A legislação ordinária manteve o instituto, porém êle ficou sem o prestígio de garantia constitucional, e, ainda, diminuído, na sua significação prática, porque vedado o seu uso contra os atos das autoridades mais importantes na vida administrativa do país: presidente da República, ministros de Estado, governadores e interventores.

Foi mais longe ainda a Carta de 37. Retirou ao Judiciário a última palavra em matéria constitucional, dispondo que, uma vez declarada a inconstitucionalidade de uma lei, se se afigurasse ao presidente da República que a referida lei era conveniente ao bem-estar do povo, ou à promoção e defesa de interêsse nacional de alta monta, aquêle poderia submetê-la ao reexame do Parlamento, havendo-se ela como válida, se nessa oportunidade lograsse a sua revalidação por dois terços de votos (art. 96, parág. único).

A Constituição de 1946 mantém a Justiça de primeira instância única, isto é, o sistema resultante da supressão da Justiça federal, e repete, quanto às Justiças locais, as garantias já consagradas desde 1934.

Ali não merece censurada; acolheu uma experiência que provou satisfatòriamente. Aqui, entretanto, é de deplorar que não tenha utilizado uma experiência de 12 anos para aperfeiçoar o sistema de preceitos assecuratórios da independência da magistratura dos Estados.

Um exemplo basta a esclarecer o que significa êsse desinterêsse pelas lições do passado. Manteve-se a mesma referência base para aferição dos vencimentos dos desembargadores, e, conseqüentemente, dos juízes de direito. Ora, êsse critério já se mostrara incapaz de atender ao objetivo visado, que era proporcionar vencimentos condignos aos magistrados, equiparando os proventos dos de mais alto grau àqueles dos secretários de Estado. Verbas para despesas de gabinete, para a remuneração de serviços extraordinários, para transporte, etc., eram expedientes, já então conhecidos, com que se lograva remunerar melhor os titulares de secretarias, sem favorecer por igual a magistratura. Nem a referência a quantia recebida pelos secretários de Estado “a qualquer título” (art. 124, VI), corrige a insuficiência dos textos anteriores. Assim, mesmo sem que o dissessem êstes, já se vinha entendendo, mas evidentemente repugnará a qualquer magistrado pleitear, para si, majoração conseqüente, por exemplo, de serviços extraordinários, bem ou mal, atribuídos a secretários de Estado.

Na Carta de 1946 merecem, porém, assinalados quatro aspectos do maior relêvo: faz-se do Supremo Tribunal o árbitro da intervenção nos Estados quando ferido algum dos princípios fundamentais do regime (forma republicana representativa, independência e harmonia dos poderes, temporariedade das funções eletivas, proibição da reeleição de governadores e prefeitos, autonomia municipal, prestação de contas da administração, garantias da magistratura); devolve-se ao Poder Judiciário, segundo a tradição brasileira, a exclusividade do contrôle de constitucionalidade das leis; veda-se à lei ordinária subtrair à apreciação da Justiça qualquer lesão de direito; erige-se o mandado de segurança, novamente, em garantia constitucional, atribuindo-se-lhe amplitude idêntica àquela que originàriamente se lhe reconheceu (arts. 7º e 8°, parág. único; art. 101, nº III, a, b e c; art. 141, §§ 4° e 24).

Passemos ao outro aspecto do tema, que nos foi atribuído.

A crise do Supremo Tribunal Federal

Tem-se chamado de crise do Supremo Tribunal ao congestionamento do serviço a seu cargo, pelo desequilíbrio entre o número de feitos que entram anualmente no protocolo e os julgamentos realizados em igual período. Do que resulta que o mais alto pretório do país encerra anualmente o balanço dos seus trabalho com um encalhe de feitos que não pôde vencer. E como isso, entra ano sai ano, repete, somadas êsses saldos, a situação de futuro se tornará alarmante e pràticamente irremediável.

Muitas soluções têm sido sugeridas no sentido de enfrentar essa crise. Ela foi mesmo objeto de debate de grande importância, iniciado pelo entusiasmo de FILADELFO AZEVEDO e vindo a contar com a cooperação de LEVI CARNEIRO, LUÍS GALLOTTI, CASTRO NUNES e outros.

Examinemos, ainda que superficialmente, a curva ascendente do volume de serviço do Supremo Tribunal, e, a seguir, apreciemos as sugestões com que se pretende contê-la ou superá-la de futuro.

De 1926 a 1934, os recursos extraordinários não chegavam a 100 por ano, daí por diante a progressão foi crescente: 150 recursos extraordinários entraram em 1935 no Supremo Tribunal; 230 em 1936; 242 em 1937; 210 em 1938; 286 em 1939; 804 em 1940; 1.047 em 1941; 1.033 em 1942; 1.124 em 1943; 1.176 em 1944; 1.150 em 1945; 1.066 em 1946. Em 1947 foram distribuídos, só distribuídos, 1.281. Em 1948, 1.396.

No protocolo de entrada o volume de feitos ainda era maior, embora os quadros demonstrativos divulgados não permitam precisá-lo.

Se a êsses números juntarmos a massa, de habeas corpus, mandados de segurança, originários e em grau de recurso, ações rescisórias, embargos remetidos, etc., ver-se-á o que é a progressão espantosa do serviço confiado ao Supremo Tribunal.

O congestionamento do Supremo Tribunal terá de encarar-se a dois ângulos:

a) restrições da sua competência como juízo extraordinário;

b) adoção de medidas processuais, que imponham seriedade à interposição de recurso extraordinário e simplifiquem o andamento dos interpostos, bem como dos agravos de decisões que os repilam.

que, nem se mostra aconselhável afetar a jurisdição originária dessa Côrte, nem, muito menos, a sua jurisdição de apêlo.

Aquela não tem maior expressão quanto ao volume de serviço que para o Tribunal carreia, além do que se inspira em razões de hierarquia funcional, tornando-se, por isto, insuscetível de devolução a um outro órgão judiciário.

Recurso extraordinário

Quanto à jurisdição ordinária já são outras as razões que contra-indicam a sua mutilação. Certo, os recursos ordinários em habeas corpus e mandados de segurança, nestes sobretudo, representam, nas tarefas pessoais dos ministros e do plenário do Tribunal um dos fatôres mais absorventes, porém é preciso atentar em que, na devolução ao conhecimento do mais alto Tribunal do pais dos pedidos denegados de proteção à liberdade e a direitos outros líquidos e certos, afetados pelos agentes do Estado, está um fator fundamental da eficiência do sistema de proteção dos direitos públicos subjetivos do indivíduo. As condições do meio brasileiro aconselham reservar à instância federal, cujas condições teóricas de isenção e superioridade no julgar contra o Estado, impõem maior confiança nos jurisdicionados, a tarefa de dar a última palavra sôbre direitos, cuja excelência levou a Constituição a ampará-los com duas vias processuais expeditas e sumaríssimas. Nem satisfaz restringir os casos de interferência do Supremo em tais processos à infringência da Constituição. O que o teor da letra a, do n° III, do artigo 101 – “quando a decisão fôr contrária a dispositivo desta Constituição” – ensejaria, pois há muitos direitos subjetivos públicos de origem não constitucional, além de que a supressão do recurso ordinário desencadearia o abuso do recurso extraordinário. Criar-se-iam mesmo pretextua, na impetração de mandados de segurança, para autorizar, afinal, o recurso por violação do texto da Lei Suprema.

Tocar na jurisdição do Supremo nesse ponto seria desprestigiar, na confiança pública, não nos cabe dizer se com razão ou sem ela, êsses dois remédios especiais, o segundo, sobretudo, destinado a um papel da maior importância na formação de uma consciência jurídica nos administradores, neste país em que a ordem constitucional e legal ainda se afigura a muitos como um artifício incômodo.

Não colhe o argumento, em contrário, de que assim se sacrifica o destino essencial do Supremo, que é o de juízo extraordinário. O caminho processual por que atua êsse órgão não importa, contanto que se lhe cometa o resguardo da supremacia da Constituição e das leis federais. E é isto o que as mais das vêzes acontece através do mandado de segurança. Mas, ainda quando assentes êstes em leis locais, mesmo assim, através dos seus julgamentos, se põe em jôgo o sistema nacional de direitos públicos subjetivos do indivíduo que, afinal de contas, representa, no seu conjunto, algo de substancial a preservar, como fator de legitimidade da ação do poder público e de tranqüilidade na vida do indivíduo.

Nem se afigura também de subtrair ao Pretório Supremo a competência de juízo de apêlo nos processos por crimes políticos. Aqui, pela repercussão que têm êstes no patrimônio dos direitos do cidadão, se podem repetir os argumentos precedentes. É mister confiar o seu exame à mais alta instância da Justiça, porque nela repousam as possibilidades de maior segurança contra o arbítrio e a iniqüidade.

Melhor fôra, sem dúvida, que permanecesse íntegra até mesmo a atual jurisdição extraordinária do Supremo Tribunal, pois que não é possível afetá-la sem, com isto, se acarretarem inconvenientes à segurança e exatidão relativas da prestação jurisdicional aos que vivem sob as leis brasileiras. Mas, entre a vantagem, de repercussão limitada, de um maior número de litigantes poder bater à sua porta e a vantagem, para a comunidade em geral, da celeridade e atualização dos julgamentos, esta há de prevalecer, mesma porque o objetivo da função judiciária é, antes de tudo, alcançar a paz coletiva, a paz em sociedade. E se com a redução das possibilidades de exames sucessivos de cada lide se atinge melhor aquêle objetivo, não há senão que reduzi-las.

No que diz com a jurisdição extraordinária, parece-nos, sem nada de novo alinharmos, porém tão-sòmente recolhendo as ponderações da experiência geral, que se há de principiar pela supressão da segunda parte da letra a, do inciso III, do art. 101, onde se autoriza o recurso quando a decisão fôr contrária à letra de tratado ou lei federal.

Sendo raros os casos em que realmente se pode falar de decisão contrária à literalidade da lei, e, mais raros ainda, os em que se possa argüir a infração da letra de tratado, o que afinal acontece é que, na prática, a interposição do recurso com tais fundamentos é apenas pretexto do contendor vencido para procrastinar o trancamento definitivo do litígio.

Além do que, por essa via, mesmo considerados os casos de interposição realmente oportuna do recurso, o que se faz, no fim de contas, é prestigiar a menos plausível das formas de interpretações – a interpretação literal. Quando a esta se furtam os tribunais, não o fazem, salvo raríssimas exceções, senão com o propósito de emprestar aos textos o sentido mais conforme com a sua razão de ser e as seus propósitos. Fazem-no, por conseguinte, para assegurar o direito a quem realmente o tem e a decisão do Supremo, no mérito, apesar de conhecido o recurso, acaba ratificando a exegese não literal.

Aliás, há um temperamento sugerido a essa regra constitucional, que parece bem acomodar o interêsse público da redução de trabalho no Supremo Tribunal e o privado da reparação, na instância mais alta, de injustiças flagrantes: restringir-se o recurso aos casos em que a decisão contra a letra de lei federal ou tratado tenha sido tomada em ação rescisória.

A referência a decisões contrárias à Constituição (“quando a decisão fôr contrária a dispositivo desta Constituição”) permaneceria, que a missão precípua do Supremo Tribunal, acima de qualquer outra, é a de preservar, em favor do indivíduo, os textos constitucionais. É certo que as Constituições de 1891, 1934 e 1937 não referiram tal caso entre os de recurso extraordinário. Nas primeiras não havia razão para referi-lo, pois o contrôle do Supremo sôbre as questões constitucionais se dava pela via dos recursos ordinários. Competente a Justiça federal, então existente, para tôdas as causas em que alguma das partes fundasse a ação ou a defesa em disposição da Lei Suprema (art. 60, letras a e b; art. 81, letra b), isto abria caminho para a instância mais alta, independente do recurso extraordinário, ou seja, através de apelação. Na Carta de 1937, já suprimida, do quadro do Poder Judiciário, a Justiça federal, e, portanto, excluído o exame genérico das questões constitucionais pelo Supremo Tribunal mediante apelação, a falta de referência, entre os casos de recurso extraordinário, daquele em que se ferisse texto constitucional, representou um senão grave. Bem o sentiu CASTRO NUNES, ao contornar a dificuldade, sustentando: “Pode ocorrer que a lei federal em causa seja a Constituição mesma” (“Do Poder Judiciário”, pág. 323).

A Constituição de 1946

O texto da Constituição de 1946, nessa parte, supriu, pois, uma lacuna que a experiência indicava devia suprir-se.

Ao lado dessa providência de base, outras, processuais, de que muito se pode esperar, podem completar uma primeira tentativa de solução da crise:

a) Obrigação para os presidentes dos Tribunais de Justiça, de fundamentarem os despachos, quer de recebimento, quer de indeferimento do recurso extraordinário.

Com isto se filtrarão os recursos, afastando-se, de logo, pela certeza do Indeferimento, muitos dos carentes de base jurídica e, mesmo quando insistente o interessado, já a matéria subirá ao Supremo, em agravo, simplificada na preliminar de cabimento ou não do recurso.

b) Restauração do sistema de traslado, instituído para os recursos extraordinários pelos decs. nº 19.659, de 3 de fevereiro de 1931 (art. 2°), e nº 20.106, de 13 de junho do mesmo ano (art. 14). O exame em traslado simplificaria de muito o trabalho dos ministros.

Envolvendo, por sua natureza mesma, questão estritamente de direito, o recurso extraordinário pode ser apreciado, exceto um ou outro caso, mediante o conhecimento de algumas peças capitais. E se acaso, numa dada espécie, tal não fôr possível, que se reserve ao Tribunal, à Turma, ao relatar, avocar os autos originais.

Dir-se-á que o Supremo, quando conhece do recurso, se põe na posição de juízo de apêlo e examina tudo o mais no processo, e que, adotado o sistema de traslado, já isso não seria possível. Não é, porém, função do Supremo, bem entendida a natureza do recurso extraordinário além da questão constitucional ou federal formulada, e se algo se há de fazer para desonerá-lo do trabalho demasiado, não há mal em principiar pela delimitação estrita do âmbito do seu conhecimento.

c) Deferimento a dois ministros – o relator e o que se lhe seguir – da competência para o julgamento, pelo lançamento, nos autos, de despacho e de “visto” concordes, dos agravos contra os despachos dos presidentes de tribunais, que indefiram a interposição de recurso extraordinário.

O Tribunal Federal de Recursos

A criação do Tribunal Federal de Recursos não podia, de si só, reduzir o volume de serviço do Supremo Tribunal a proporções que o tornassem vencível dentro do seu ritmo normal de trabalho. Até porque das decisões da nova Côrte muitos feitos teriam de subir à suprema instância. Em grau de recurso extraordinário as ações comuns, em recurso ordinário os mandados de segurança e habeas corpus. Mas o certo é que a sua instituição era uma medida que se impunha, indiscutìvelmente, no meio doutras, para aliviar o Supremo de parte importante da sua tarefa.

E apreciando ràpidamente os dados estatísticos, que os últimos relatórios da Presidência do novo Tribunal nos fornecem, podemos ter uma idéia do vulto dessa ajuda.

Em 1949, entraram no protocolo 1.305 processos e sòmente 198 subiram ao Supremo Tribunal. Em 1951 aquêle número ascende a 2.265 e o dos recursos para a instância suprema a 376. Tudo bem denotando que uma larga margem de feitos se subtrai ao exame da mais alta Côrte do país, pela providencial instituição dêsse Tribunal de apêlo para os feitos da União.

Êsse é um esbôço, sucinto e sem pretensões, do quadro atual do Poder Judiciário no Brasil.

Que, em futuro não distante, possamos, corrigidos os senões palpáveis do seu mecanismo, contar com uma Justiça mais segura da sua independência, nos Estados, e mais apta a vencer o serviço a seu cargo, no plano federal.

___________

Notas:

* N. da R.: Conferência pronunciada no Auditório da Fundação Getúlio Vargas, D. F., 1952.

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:

  1. Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
  2. Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
  3. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
  4. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
  5. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
  6. A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.

III) Política de Privacidade

Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.


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