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Comissões Parlamentares de Inquérito

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CLÁSSICOS FORENSE

CONSTITUCIONAL

DOUTRINA

REVISTA FORENSE

Comissões parlamentares de inquérito

COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO

CPI

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 151

Revista Forense

Revista Forense

07/06/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 151
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICAcapa revista forense 151

DOUTRINA

  • Comissões de inquérito – Laudo de Camargo
  • Comissões parlamentares de inquérito – João de Oliveira Filho
  • Comissões parlamentares de inquérito nos Estados Unidos – Góis de Andrade
  • As comissões congressuais de investigação no regime presidencialista – Otacílio Alecrim
  • Aperfeiçoamento do Estado Democrático – Ivair Nogueira Itagiba
  • Inquéritos parlamentares – Samuel Duarte
  • As comissões parlamentares de inquérito na Constituição brasileira de 1946 – Alberico Fraga
  • Comissão parlamentar de inquérito e govêrno de Gabinete – Paulino Jacques
  • Comissões parlamentares de inquérito – Rosah Russomano de Mendonça Lima
  • Comissões parlamentares de inquérito – Dnar Mendes Ferreira
  • Natureza e função política das Comissões Parlamentares de Inquérito – Josaphat Marinho

PARECERES

  • Comissão parlamentar de inquérito sôbre as atividades da comissão central de preços – Castilho Cabral
  • Instituto de resseguros do Brasil – Autarquias e sociedades de economia mista – Carlos Medeiros Silva
  • Governador – Impedimento – Ausência – Substituição temporária – Competência do Poder Legislativo para regulamentar os preceitos constitucionais – Francisco Campos
  • Governador – Licença para ausentar-se do Estado – Poderes da Assembléia Legislativa para definir impedimentos – Substituição – Renato Barbosa
  • Falência – Compensação de dívidas – Luís Machado Guimarães

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Privilégios e imunidades dos organismos internacionais – Hildebrando Accioly
  • Responsabilidade civil no Código brasileiro do ar – Prescrição da ação – Alcides de Mendonça Lima
  • Capacidade para testemunharem o testamento cerrado os membros da administração da instituição ou fábrica legatária – Raul Floriano
  • O conceito de parte no processo – Homero Freire
  • A revisão judicial e a “Lei Maior” – Edward S. Corwin
  • As certidões e as comissões de inquérito – Oto Prazeres
  • Homenagem ao juiz José de Aguiar Dias
  • Prêmio Teixeira de Freitas
  • Discurso de agradecimento do Ministro Carlos Maximiliano
  • Banco do Brasil S.A. – Sua transformação em êmpresa pública – Bilac Pinto

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Resumo histórico sôbre Comissões Parlamentares de Inquérito. O direito do Congresso investigar. Os fatos investigáveis. O caráter das investigações parlamentares. Espécies de investigações. Pessoas que podem e que não podem ser convocadas. Inquirir testemunhas sob compromisso. As conclusões dos inquéritos. A competência judicial para conhecer dos atos das Comissões Parlamentares de Inquérito.

Sobre o autor

João de Oliveira Filho, Advogado no Distrito Federal

DOUTRINA

Comissões parlamentares de inquérito

I. RESUMO HISTÓRICO SÔBRE COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO

A primeira vez que se instituiu Comissão Parlamentar para investigar fatos, que interessavam ao Parlamento, foi em 1639, na Inglaterra (HALLAN, “History of England”, vol. III, pág. 143). Já se conhecia a transformação de Câmara em comissão para ouvir depoimentos e tomar informações diretas. Constituir, porém, seleta comissão de seus membros, select committecs, para estudar determinado caso, foi novidade que a Guerra da Irlanda trouxe, e que veio a ser, no conceito de LASKY, “Parllamentary Government in England”, pág. 152, uma das técnicas mais vitais que o sistema parlamentar trouxe para a metodologia do govêrno representativo.

O modo defeituoso, diz ANSON, “Loi et Pratique Constitutionnelles de l’Angleterre”, pág. 435, pelo qual foi conduzida aquela guerra, fêz com que a Câmara dos Comuns nomeasse comissão de tal natureza para averiguar os fatos.

Desfavoráveis os resultados ao coronel Lundy, governador de Londonderry, a Câmara pediu à Coroa a vinda do indiciado à Inglaterra para ser julgado por crime de traição.

Êsse direito de inquérito que, conforme ANSON, ob. cit. e od. loc., veio a ter, depois, uso freqüente, não poderia, entretanto, ser exercido eficazmente senão na medida em que os privilégios parlamentares conseguissem o comparecimento por meio compulsório das testemunhas e, por meio também compulsório, a exibição de documentos, livros, etc.

As numerosas decisões sôbre o assunto formam a história das Comissões Parlamentares de Inquérito, constituem a jurisprudência parlamentar e judiciária sôbre o poder de investigar, que compete ao Poder Legislativo.

A exemplo da metrópole. as legislaturas coloniais na América também formaram, algumas vezes, comissões de investigação. Proclamada sua Independência em 1789, durante a Confederação e depois, com a Federação, sob a Constituição até agora vigente, muitas comissões foram instituídas, nada obstante a Constituição ser omissa sôbre o direito de qualquer casa do Congresso poder criar comissão para investigar fatos que interessem aos seus membros.

Admitida a investigação pelo uso (HORWILL, “The Usages of the American Constitution”, pág. 119), a Suprema Côrte dos Estados Unidos da América, no célebre caso McGrain vs. Daugherty Cleading Const. Decisions”, de CUSHMAN, página 285), declarou que o poder de se assegurar informações por meio de investigações ou quaisquer outros, era, segundo a prática legislativa até então seguida, atributo do Poder Legislativo, assim tendo sido tratado pelo Parlamento britânico e pelas legislaturas coloniais antes da Revolução Americana. Acentuou que, como tal, prevaleceu e veio sendo praticado por ambas as Casas do Congresso e por muitas das legislaturas estaduais.

Surgiram diversos incidentes, dando origem aos diversos julgamentos da Suprema Côrte sôbre êsse meio eficaz de contrôle do Poder Executivo pelo Poder Legislativo.

Na França, desde 1832, as Câmaras começaram a nomear comissões de investigação, ora para averiguação de abusos da administração, ora para sindicâncias sôbre atos do governo, ora sôbre a situação da agricultura, do comércio e da indústria (EUGÊNE PIERRE, “Traité de Droit Politique Electoral et Parlementaire”, nº 584).

Dos inquéritos sôbre atos do govêrno ou sôbre o funcionamento de tal ou qual serviço público, as Câmaras passaram aos inquéritos sôbre eleições irregularmente feitas.

Foi sòmente em 23 de março de 1914 que uma lei veio dar às Câmaras o direito de nomearem comissões de inquérito determinando-lhes os poderes (DUGUIT, “Traité de Droit Constitutionnel”, vol. IV, pág. 391).

Adotados os inquéritos na Alemanha, na Bélgica e em outros países europeus, na América do Sul vieram a ser praticados, largamente, na Argentina, desde 1872 (JORGE M. MAYER, “Las Comisiones Parlamentarias de Investigación”, 1936, pág. 12).

Admitida, no Brasil, pela Constituição de 1934 só para a Câmara dos Deputados, o parág. único do art. 36 mandava que se aplicassem nesses inquéritos as normas do processo penal indicadas no Regimento Interno.

Com a inclusão do Senado e com a substituição da disposição dêsse parágrafo por outra, isto e, a de que na organização dessas comissões se observará o critério estabelecido no parág único do art. 40, – “assegurar-se-á tanto quanto possível a representação proporcional dos partidos nacionais que participem das respectivas câmaras”, – o dispositivo sôbre as Comissões de Inquérito ficou o seguinte: “A Câmara dos Deputados e o Senado Federal criarão Comissões de Inquérito sôbre fato determinado, sempre que o requerer um terço dos seus membros”.

Lei especial, a de nº 1.579, de 18 de maio de 1952 (“REVISTA FORENSE”, volume 141, pág. 565), veio dispor sôbre as Comissões de Inquérito.

Vamos reproduzi-la para, a seguir, verificarmos quais os casos que ela resolveu, quais as omissões e como deverão estas ser resolvidas.

As Comissões Parlamentares de Inquérito, criadas na forma do art. 53 da Constituição federal, terão ampla ação nas pesquisas destinadas a apurar os fatos determinados que derem origem à sua formação (art. 1º).

A criação de Comissão Parlamentar de inquérito dependerá de deliberação plenária, se não fôr determinada pelo têrço da totalidade dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado (parágrafo único do art. 1°).

No exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de Inquérito determinar as diligências que reputarem necessárias e requerer a convocação de ministro de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autarquias informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença (art. 2°).

Indiciados e testemunhas serão intimados de acôrdo com as prescrições estabelecidas na legislação penal (art. 3º).

Em caso de não-comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre, na forma do art. 218 do Cód. de Processo Penal (parág. único do art. 3°).

Constitui crime (art. 4º):

Impedir, ou tentar impedir, mediante violência, ameaças ou assuadas, o regular funcionamento de Comissão Parlamentar de Inquérito, ou o livre exercício das atribuições de qualquer dos seus membros. Pena – a do art. 329 do Cód. Penal (n° 1 do art. 4°).

Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito. Pena – a do art. 342 do Cód. Penal (nº II do artigo 4º).

As Comissões Parlamentares de Inquérito apresentarão relatório de seus trabalhos à respectiva Câmara, concluindo por projeto de resolução (art. 5º).

Se forem diversos os fatos objeto do inquérito, a Comissão dirá em separado, sôbre cada um, podendo fazê-lo antes mesmo de finda a investigação dos demais (Parágrafo 1° do art. 5°).

A incumbência da Comissão Parlamentar de Inquérito termina com a sessão legislativa em que tiver sido outorgada, salvo deliberação da respectiva Câmara, prorrogando-a dentro da legislatura em curso (Parágrafo 2° do art. 5°).

O processo e a instrução dos inquéritos obedecerão ao que prescreve esta lei, e no que lhes fôr aplicável, as normas do processo penal (art. 6º).

Esta lei entrou em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário (art. 7º).

Numerosas Comissões de Inquérito foram nomeadas. A que mais rumor produziu foi a constituída para apurar os empréstimos obtidos pelo jornal “Última Hora” no Banco do Brasil, ensejando incidentes que foram resolvidos pelo Poder Judiciário.

Não tendo a lei n° 1.579, de 18 de maio de 1952, feito referência às Comissões de Inquérito das Assembléias Legislativas dos Estados e das Câmaras Municipais, foi apresentado um projeto de lei sôbre o assunto. Tomou o nº 3.507, sendo seu autor o deputado HERBERT LEVY. Submete as Comissões de Inquérito, criadas pelas Assembléias Legislativas estaduais ou pelas Câmaras Municipais, ao disposto na lei n° 1.579, de 18 de maio de 1952. que regula o funcionamento das Comissões Paramentares de Inquérito.

Às Comissões de Inquérito, criadas pelas Assembléias Legislativas dos Estados ou pelas Câmaras Municipais por deliberação plenária, se não forem determinadas pelo têrço da totalidade de seus membros, aplicar-se-ão, nos respectivos Estados ou Municípios, os dispositivos da lei nº 1.579, de 18 de maio de 1952 (artigo 1º).

Quando os relatórios, quer das Comissões Parlamentares de Inquérito, quer das Assembléias Legislativas, quer das Câmaras Municipais, concluírem pela prática de atos previstos e punidos como crimes pelas leis penais, serão apresentados em duas vias, sendo uma encaminhada, conforme o caso, ao procurador geral da Republica, ao procurador geral do Estado ou ao promotor público da comarca, para o início da ação penal (art. 2°).

Não apresentada a denúncia dentro de três meses, caberá a iniciativa da ação penal a qualquer cidadão no gôzo de direitos políticos comprovado por titulo eleitoral (art. 3°).

II. O DIREITO DO CONGRESSO INVESTIGAR

Acha-se implícito no poder de legislar o direito que qualquer Casa do Congresso tem de investigar fatos determinados.

Regra geral, que deriva da coexistência humana, julgada necessária ou conveniente para sua subsistência, nos têrmos em que a maioria deseja, a lei se justifica como legítima e justa quando se baseia em fatos verificados pela observação.

Um legislador pode, com efeito, apreender certa situação de fato a ser regulada por lei, Entretanto, fatos existem que sòmente por meio de investigação mais ampla podem ser compreendidos na sua justa medida, influência, repercussão.

Os fatos econômicos são dessa natureza. O câmbio, a importação, a exportação, em que medidas, ou em que condições produzem bem ao país e em que circunstâncias produzem mal. Sem dúvida que existem pessoas que podem surpreender a deturpação dêsses fatos. Investigação, porém, ampla, em tôrno do caso, pode esclarecer o que está oculto e com manobras diversas produzindo seus danosos efeitos.

A Suprema Côrte dos Estados Unidos, no caso Mc Grain vs. Daugherty, em 1927, disse, com justeza, que na atual prática legislativa o poder de colher seguras informações por meio de depoimentos e documentos, compulsòriamente conseguidos, para o fim de poder o Legislativo exercer sua função avisada e efetivamente, tem sido considerado atributo do poder de legislar.

A ciência do direito, escrevia PEDRO LESSA, “Filosofia do Direito”, pág. 318, estuda a necessidade social da coexistência harmônica das liberdades individuais, do equilíbrio das liberdades individuais. A investigação, dizia, das leis a que está sujeito o fenômeno social – a restrição das atividades – precisa ser feita, tendo-se em atenção as condições de vida e progresso da sociedade e de seus membros. A investigação, nesses têrmos, continuava o preclaro jurisconsulto, é a única que interessa, é a base da ciência que pode inspirar a formulação de normas jurídicas convenientes, porque conforme à natureza humana, individual e socialmente consideradas.

A doutrina que, – acentuava PEDRO LESSA – para a formulação das limitações das atividades, abstrai das condições de conservação e progresso da sociedade e seus membros, é um formalismo vazio, em que se podem vazar todos os preconceitos, todos os erros, todos os caprichos do despotismo de um homem, despotismo que é ainda mais perigoso quando das multidões.

O direito se ocupa com a restrição das atividades sob o aspecto da conservação e progresso da sociedade e do indivíduo. Se o direito é um conjunto de regras, que devem traduzir, sob a forma de preceitos artísticos, verdades científicas, o melhor órgão revelador do direito é a lei. Em tese, o Poder Legislativo, composto dos eleitos da nação, tem mais competência do que o conjunto dos cidadãos para a árdua tarefa (PEDRO LESSA, ob. cit., pág. 405).

O estudo da formação dos usos e costumes, em suma, feito pelos melhores historiadores e jurisconsultos que se aproveitaram dos dados ministrados pelas mais profundas investigações contemporâneas, patenteou irrefragàvelmente a completa unanimidade das doutrinas dos glosadores e pós-glosadores, que fundavam o direito costumeiro na convenção tácita dos membros de uma nação (ob. cit., pág. 413).

A formulação das normas jurídicas não é uma tarefa do empirismo, mas um trabalho científico. Não basta pesquisar isoladamente, e no momento de formular cada norma, ou de criar cada instituição jurídica, as verdades particulares que devem servir de molde à regra de direito. Importa elevar-se aos princípios, às verdades gerais fundamentais (ob. cit., pág. 472).

Direito é a ciência que tem por objeto o conjunto orgânico das condições de vida e desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, dependentes da vontade humana e que é necessário sejam garantidas pela fôrça coercitiva do Estado (ob. cit., pág. 86).

Se quisermos precisar a natureza dos fatos saciais, que constituem o objeto da ciência da política, ou de cuja observação e comparação se Induzem as verdades gerais da política, seremos forçados a concluir, diante do que ensina a história e a observação direta dos fenômenos, que são do domínio da política os fatos sociais em cuja produção é dado intervir, modificando-os, aos dois poderes públicos, o Legislativo e o Executivo. Estudam-se tais fatos, para se lhes conhecerem as leis, e com estas se ministrarem ao estadistas indicações, que o autorizem a modificar-lhes a produção, ou dirigi-los, em benefício da sociedade (ob. cit., pág. 153).

O poder de nomear comissões, diz BLACK, “Constitutional Law”, capítulo XIII, § 136, e definir suas atribuições para investigar, é derivado de expressa disposição ou de necessária decorrência das Constituições.

A questão, portanto, relativa ao direito de investigar, que os legisladores têm, quer sejam do Congresso Federal, das Câmaras estaduais ou das Câmaras municipais, não é posta em dúvida, por sua evidência. As questões marginais que surgiram em tôrno dêsse direito se referem ao poder coercitivo que essas Câmaras, ou as Comissões por ela nomeadas, tenham para conseguir as informações necessárias ao seu objetivo.

O Poder Legislativo, porém, quer seja federal, estadual ou municipal, usa do poder de investigar com os meios que a lei lhe dê ou com os meios que o Judiciário lhe reconheça legítimos para usar, na ausência da lei.

São dois, conseguintemente, os problemas que existem no poder de investigar: o primeiro, o da sua legitimidade; o segundo, o da sua eficiência. Aquêle não depende da lei ou da jurisprudência, pois está implícito no poder de legislar; o segundo depende da lei ou da jurisprudência, pois está em relação com as prerrogativas que a lei dê às Casas do Poder Legislativo federal, estadual ou municipal.

III. OS FATOS INVESTIGÁVEIS

São investigáveis todos os fatos que possam ser objeto de legislação, de deliberação, de controle, de fiscalização, por parte de quaisquer órgãos do Poder Legislativo federal, estadual ou municipal.

Não são fatos investigáveis pelo Congresso aquêles que sejam criminosos, salvo quando estejam sujeitos à sua competência jurisdicional.

O Poder Legislativo não tem o direito jurisdicional de decidir; impor penas, aplicar leis. Tem o direito de verificar tudo quanto ocorra no País e que possa influir nas suas iniciativas de legislador.

Além dessa limitação, de ordem geral, há delimitações de ordem especial. A Constituição limita, com efeito, os poderes de cada Casa do Poder Legislativo.

Competindo à União todos os poderes que são explícitos no art. 5º da Constituição; aos Estados todos os poderes que, implícita ou explicitamente, não lhes sejam vedados pela Constituição, art 18, § 12, e aos Municípios todos os poderes que correspondam à sua autonomia, Constituição, art. 28, há que se ver se o caso é investigável.

Limitação especial é a que ocorre com a competência privativa de uma das Câmaras do Congresso.

Competem ao Congresso Nacional diversas atribuições, arts. 85 e 88 da Constituição. Privativamente, porém, alguns casos competem à Câmara dos Deputados, art. 59 da Constituição. Privativamente, outros são da atribuição do Senado, art. 62.

Fora da competência cumulativa de ambas as Casas do Congresso e fora da competência de cada Casa do Poder Legislativo, qualquer fato emergente escapa do âmbito de seu poder de investigação por meios compulsórios. Investigação compulsória é a que obriga o comparecimento de testemunhas ou impõe exibição de documentos.

Poder Legislativo investigador e Poder Legislativo legislador são hoje duas manifestações distintas do Poder Legislativo. Talvez, mesmo, o Congresso investigador tenha adquirido maior significação que o legislador (ROBERT K. CARR e outros. “American Democ. in Theory and Pratice”, 1951, pág. 335). Nos Estados Unidas o Congresso tem realizado uma série de espetaculares investigações, jorrando luz sôbre variedade de assuntos do mais alto interêsse para o público. Ordinàriamente, dizem êsses autores, o têrmo “investigação” é usado para se referir a especial estudo de particular problema ordenado pelo Congresso, distinto das investigações de rotina que as comissões permanentes fazem por sua própria iniciativa.

Sôbre educação, sôbre condições das fábricas, sôbre leis relativas à pobreza, sôbre mecanismo do govêrno, sôbre reorganização das fôrças armadas, sôbre limites dos poderes dos ministros, sôbre princípios concernentes à laxação, as investigações têm profundamente afetado os contornos da política (LASKY, ob. cit., pág. 152).

Não importa que o fato esteja relacionado com determinados indivíduos ou com determinadas emprêsas de ordem privada.

O Congresso não tem um poder geral ele fazer inquéritos sôbre alguns ou sôbre todos os negócios privados dos cidadãos (MATHEWS, “American Constitutional System”, pág. 108). Relacionado, porém, que algum negócio particular esteja com tôda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive, nos têrmos do art. 148 da Constituição, as uniões ou agrupamentos de emprêsas individuais ou sociais, seja qual fôr a sua natureza, e que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitràriamente os lucros, sôbre êsses negócios privados a Câmara ou o Senado podem estabelecer comissões de investigação ou de inquérito, já que é função da lei reprimi-los.

Há tentação para se transformar a Comissão de Inquérito em tribunal de inquisição (GEORGE B. GALLOWAY, “Enc. of Social Sciences”, IV, págs. 251-259).

Trate-se de fato relacionado com o público, em geral, trate-se de fato relacionado com alguma pessoa, em particular, desde que incida sobre o âmbito da legislação, do contrôle, da fiscalização, da aprovação, do julgamento das duas Câmaras ou de uma delas, é fato investigável por comissão de inquérito, pois, como julgou a Côrte suprema dos Estados Unidos no caso McGrain vs. Daugherty, “o poder de inquirir com processo de compulsão é essencial e apropriado auxiliar da função legislativa” (MATHEWS, ob. cit., pág. 109).

IV. O CARÁTER DAS INVESTIGAÇÕES PARLAMENTARES

As investigações parlamentares não têm, porém, caráter judiciário, não servem para julgar, não servem para fundamentar processo por crime comum ou de responsabilidade, salvo quando se trate de competência da Câmara dos Deputados, para denunciar, e do Senado, para julgar os crimes de responsabilidade. São instrumentos para qualquer Câmara supervisionar, inspecionar, averiguar, investigar qualquer fato determinado que tenha relação com a função que a Câmara tem de deliberar por resolução ou lei. O princípio da separação dos poderes não permite que as investigações parlamentares se dirijam à apuração de determinada culpabilidade, salvo quanto à Câmara dos Deputados e quanto ao Senado com relação aos crimes de responsabilidade e os ministros de Estado nos crimes da mesma natureza conexos com os daquele, como processar e julgar ministros do Supremo Tribunal Federal e o procurador geral da República, nos crimes de responsabilidade.

É incorreção da lei nº 1.579, de 18 de maio de 1952, referir-se a indiciado, como o fêz no art. 2º – “ouvir indiciados”, – ou no art. 3º – “indiciados e testemunhas”.

No momento em que há indiciado de crime comum ou de responsabilidade, salvo os casos de competência de Senado, o prosseguimento de qualquer investigação invade a zona do Poder Judiciário.

A investigação de fato, porém, sem intuito indiciário algum, mesmo que se ache êle em investigação policial ou judiciária, pode ser feita, paralelamente, pelas Câmaras, pois ambas investigações terão objetivos diferentes, aquela visando averiguar o fato para servir ao seu objetivo de legislar, ao passo que o inquérito policial ou judiciário visa à culpa, para servir de base à imputação e julgamento.

As Câmaras não são obrigadas, escreve PIERRE, ob. cit., nº 585, a esperar que um julgamento venha a ser definitivo para entrar na investigação do fato, mesmo quando êste chegue ao seu conhecimento pelo relatório dos debates de algum processo-crime.

Nenhuma investigação parlamentar pode, por conseguinte, a não ser nos casos de competência para julgamento do Senado, ter objetivo penal.

Por isso, terminada a investigação, se dela constar a existência de algum crime, as Câmaras não podem determinar que se enviem cópias autênticas dos depoimentos e dos papéis ao Ministério Público.

A Polícia, ex officio, ou o Ministério Público, é que pode, baseada no relatório publicado, iniciar procedimento criminal contra os indiciados de qualquer crime na forma constante do inquérito.

Se qualquer das Câmaras enviar, oficialmente, cópia do inquérito, ficará patente que seu intuito foi o de apurar culpabilidade de alguém em crime de qualquer natureza, o que lhe é vedado.

A Comissão, pois, não pode concluir pela existência ou pela caracterização de algum crime, pois essa não é sua função, invadindo, caso o faça, a competência de outro poder, o Poder Judiciário.

O poder de investigar, diz DUGUIT, “Traité”, vol. 4º, pág. 394, deriva do poder de contrôle. Não pode ter maior extensão que êste. Atendendo-se rigorosamente a êsse princípio, resolve-se facilmente tôdas as dificuldades que se apresentam sôbre o papel e os poderes das Comissões de Inquérito.

Uma Câmara, escreve DUGUIT, pode perfeitamente nomear uma comissão de inquérito encarregada de examinar como funciona um serviço judiciário, que é um serviço público. Mas essa comissão de inquérito não poderá praticar nenhum ato de natureza judiciária, não poderá dirigir nenhuma injunção aos magistrados, não poderá tocar em qualquer deliberação judiciária.

O aspecto da investigação tem relevância sôbre o dever das testemunhas. Desde que o inquérito tem por finalidade ajudar o legislador, a testemunha pode recusar-se a depor sôbre alguma questão que não seja concernente a êsse fim (MATHEWS, ob. cit., nota 3, pág, 109).

A investigação ordenada por uma Casa do Congresso para o mero fim de descobrir certos fatos, ou por fine, políticos, não-conexos com alguma pretendida lei ou alguma matéria sôbre a qual a Câmara possa agir, não é procedimento legislativo, e a testemunha não pode ser compelida a comparecer e a responder tais questões (BLACK, ob. cit., § 136).

Deve ser lembrado, outrossim, que é sempre privilégio da pessoa escusar-se de responder a questões cujas respostas possam incriminá-la ou fornecer indício de evidência criminal contra ela (BLACK, ob. cit., § 136).

Supervisor, inspecionador, averiguador, investigador, qualquer dessas funções faz parte das atribuições do Congresso, desde, porém, que o fato determinado esteja relacionado com o objetivo de qualquer resolução ou lei do Congresso.

Com relação ao Poder Executivo, a investigação parlamentar pode ser feita com relação a qualquer fato determinado, desde, porém, que não entre no campo de competência daquele poder.

Os poderes dos Comuns de criticar os atos do Executivo e de obrigar os ministros às contas não devem ser confundidos com a ingerência direta nos atos do Executivo, ingerência que resultaria naturalmente de investigações que o Congresso viesse a fazer sôbre os negócios com relação aos quais os ministros estivessem em vias de se ocuparem (ANSON, ob. cit., pág. 438).

O modo pelo qual, porém, o Executivo executa a lei, pode ser investigado pelas Câmaras (BEARD, “American Governments and Politics”, pág. 125).

A teoria da separação dos poderes não significa que em um momento em que uma repartição ou um serviço seja criado, fique êle tão-sòmente subordinado ao presidente e emancipado de qualquer fiscalização do Congresso. Não tem sentido dizer que o congresso pode à sua vontade organizar e extinguir departamentos e serviços, e não possa investigar ou inquirir sôbre suas operações (BEARD, ob. cit., pág. 126).

A investigação pode ser necessária e pode ser conveniente. Não é essencial, pois, que seja necessária à legislação (ROBERT C. KARR e outros, ob. cit., página 336).

V. ESPÉCIES DE INVESTIGAÇÕES

Os fatos determinados podem ser de natureza legislativa, eleitoral, política. Os de ordem política podem se referir ao contrôle das Câmaras sôbre a marcha do govêrno ou ao preparo de elementos para a denúncia de crimes de responsabilidade.

É a classificação de ARNITZ, “Les Enquêtes Parlementaires d’Ordre Politique”, págs. 11-21.

É a mesma classificação de DUGUIT, ob. cit., vol. 4º, pág. 390.

DIMOCK, em sua muita citada obra, classifica as comissões investigadoras em três categorias: as que se referem aos membros do Congresso (eleições, conduta, violação de imunidades); as que têm fins relativos a questões de interêsse público (emprêsas de utilidade pública, trustes, greves, sedições, funcionamento de organismos especiais); as que vigiam o Poder Executivo, investigam suas finanças, as denúncias que possam dar um juízo político, a conduta e até a política do Poder Executivo, a correção das eleições presidenciais.

MAYER, ob. cit., pág. 16, pondera que se essas classificações são úteis para catalogar as comissões, para estabelecer com que fins são nomeadas, e para buscar mais fàcilmente seus antecedentes, não servem, entretanto, para solucionar as dificuldades legais que originam seus trabalhos.

Sugere êsse autor que se classifiquem as comissões de inquérito em comissões investigadoras governativas e comissões investigadoras particulares, segundo as investigações se realizem em departamentos governamentais ou em emprêsas particulares.

De acôrdo com nossa Constituição, as comissões de inquérito poderão ser sôbre fatos de ordem pública e política e sôbre ordem econômica e social.

De ordem pública, com relação aos fatos que devam originar leis ou resoluções do Poder Legislativo: de ordem política, quanto aos seus membros e respectivos direitos, quanto às pessoas sôbre as quais tenham atribuição jurisdicional de julgamento político; de ordem econômica, com relação à intervenção da União no domínio econômico e na repressão do abuso do poder econômico; de ordem social, quanto às profissões, ou ao trabalho, à família, à educação e cultura.

VI. PESSOAS QUE PODEM E QUE NÃO PODEM SER CONVOCADAS

Os princípios da independência dos poderes e os da não-intervenção nos Estados e Municípios impedem: o primeiro, que as Comissões de Inquérito intimem o presidente da República, o vice-presidente da República, os funcionários federais administrativos ou subordinados à Presidência da República, o presidente do Supremo Tribunal Federal e dos demais Tribunais federais, os seus ministros e juízes, funcionários da Justiça; o segundo, os governadores de Estados, seus secretários, funcionários estaduais, desembargadores, juízes, órgãos do Ministério Público, deputados, funcionários das Assembléias Legislativas, prefeitos e funcionários municipais.

O Chief Justice da Suprema Côrte dos Estados Unidos, citado para depor, escusou-se, alegando o princípio da separação dos poderes, declarando, porém, que estaria disposto a considerar, por escrito. perguntas que, porventura, lhe fôssem feitas.

Sòmente permitida a intervenção federal nos casos e na forma especificados no art. 7º da Constituição federal, não podem, outrossim, os Estados intervir nos Municípios, senão nos casos estatuídos na Constituição, art. 23.

É natural êsse fato nas federações. Nas federações os seus membros são autônomos. Reunem-se sob um govêrno comum e concedem a êste govêrno algumas atribuições. Constituem estas a competência da União. A União, porém, pelo seu govêrno federal, não pode intervir nos Estados senão, atualmente, para manter a integridade nacional, repelir invasão estrangeira ou a de um Estado em outro, pondo têrmo à guerra civil, garantir o livre exercício de qualquer dos poderes estaduais, assegurar a execução de ordem ou decisão judiciária, reorganizar as finanças do Estado que, sem motivo de fôrça maior, suspender, por mais de dois anos consecutivos, o serviço da sua dívida externa fundada, assegurar a observância dos princípios da forma republicana representativa, independência e harmonia dos poderes, temporariedade das funções eletivas, limitada a duração destas à das funções federais correspondentes, proibição da reeleição de governadores e prefeitos para o período imediato, autonomia municipal, prestação de contas da administração, garantias do Poder Judiciário.

Decretada a intervenção por lei federal em uns casos, em outros por decreto do presidente da República, submetendo-a, quando não seja requisitada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal Superior Eleitoral, à aprovação do Congresso Nacional, não é possível admitir-se que a intervenção da União se faça, nos Estados, por meio de alguma Comissão de Inquérito eleita por alguma Casa do Congresso Nacional.

Pode a Comissão de Inquérito intimar cidadãos residentes nos Estados, para virem prestar seus depoimentos perante a Comissão na Capital Federal, ou onde ela se locomover.

Não podem os Estados ou os Municípios impedir que as Comissões de Inquérito exerçam suas funções dentro dos respectivos territórios. E que a União compreende os Estados, o Distrito Federal e os Territórios. Poder da União o Congresso Nacional, em qualquer local do território nacional pode êle ou suas comissões exercer suas funções. Não pode, porém, interferir na, administração dos Estados e dos Municípios, e interferência será se pretender ouvir autoridades estaduais e municipais sôbre fatos determinados ocorridos nos Estados ou nos Municípios em que as autoridades não tenham, ou tenham, tomado deliberações.

O art. 53 da Constituição, em que se dispõe que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal criarão comissões de inquérito sôbre fato determinado, sempre que o requerer um terço dos seus membros, não ultrapassa a competência do Poder Legislativo da União, não dá a tais comissões poder absoluto de pesquisa sôbre tudo e sôbre todos, nem poder de coerção sôbre todos, cidadãos e autoridades, membros dos poderes estaduais e respectivos funcionários, órgãos da administração municipal e respectivos funcionários.

O fato determinado, sôbre o qual a Comissão de Inquérito possa inquirir pessoas, sob comparecimento coercitivo, é o que esteja dentro das atribuições da Câmara dos Deputados ou do Senado para servir de base à legislação, ao seu controle, à sua aprovação, ou à sua desaprovação.

Nos Estados Unidos o princípio da separação dos poderes se estende aos que deixam o exercício dos cargos. Não se trata de imunidade de pessoa, mas de imunidade das funções, que as pessoas não, podem dela se despojar nem quando exercem os cargos, nem quando dêles se retiram. A transitoriedade das pessoas não importa em se secionar de uma em uma a independência dos poderes, de que elas foram detentoras. O compromisso, que assumem, do cumprimento dos seus deveres, projeta-se além do término das suas funções. Se, como o presidente BUCHANAN declarava, cada presidente tem o dever de fazer com que “nunca sejam violados em sua pessoa” os direitos e prerrogativas na execução do seu mandato, mas “passá-los a seu sucessor inalterados por algum precedente perigoso”, admitir que depois de terminado o mandato pudesse o ex-mandatário ser compelido a publicar aquilo que, como presidente, não o estava, será quebrar o princípio do segrêdo de Estado, que, como o segrêdo profissional, só pode ser quebrado sob a responsabilidade do seu detentor, sem coação de quem quer que seja. O perjúrio é impulso natural, a inquisição será o resultado de uma fraqueza ante os sofrimentos.

O ex-presidente TRUMAN, nos Estados Unidos, sustentou que, “se tem algum valor a doutrina da separação dos poderes e a independência da Presidência, deve ser igualmente aplicável a um presidente depois de cumprido seu mandato, quando se trata de interrogá-lo sôbre atos ocorridos durante sua presidência”.

A doutrina assim sustentada está expressa em uma carta ao presidente da Comissão.

“Apesar de meu desejo pessoal de cooperar com sua Comissão”, disse o ex-presidente TRUMAN, “vejo-me obrigado, por meu dever para com o povo dos Estados Unidos, a declinar o cumprimento da intimação.

“Ao fazê-lo, cumpro com as estipulações da Constituição dos Estados Unidos e sigo uma longa linha de precedentes, que começa com o próprio GEORGE WASHINGTON, em 1796.

“Desde essa data, os presidentes JEFFERSON, MONROE, JACKSON, TYLER, POLK, FILLMORE, BUCHANAN, LINCOLN, GRANT, HAYES, CLEVELAND, THEODORE ROOSEVELT, COOLIDGE HOOWER e FRANKLIN D. ROOSEVELT se negaram a atender às intimações ou aos pedidos de informação de vários tipos, pelo Congresso.

“A razão que fundamenta esta doutrina constitucional, claramente estabelecida e universalmente reconhecida, foi apresentada sucintamente pelo professor CHARLES WARREN, uma de nossas principais autoridades constitucionais, da maneira seguinte:

“Nesta longa séria de lutas do Poder Executivo para manter sua integridade constitucional, tiramos uma conclusão legítima de nossa teoria de govêrno… Sob nossa Constituição, cada ramo do govêrno está destinado a ser um representante, coordenado, da vontade do povo… A defesa de seus direitos constitucionais pelo Poder Executivo se converte, portanto, e em verdade, na defesa dos direitos populares; defesa das faculdades que o povo lhe conferiu.

“Foi neste sentido que o presidente CLEVELAND falou de seu dever para com o povo: o dever de não renunciar a nenhuma das faculdades de seu grande cargo. Ao mesmo se referia o presidente BUCHANAN, quando declarou que o povo tem direitos e prerrogativas na execução de seu mandato pelo presidente, e cada presidente tem o dever de fazer com “que nunca sejam violados em sua pessoa”, mas passá-los a seu sucessor inalterados por algum precedente perigoso”.

“Ao manter seus direitos contra um Congresso que excede os limites de sua competência, o presidente não se representa a si mesmo, mas ao povo.

“O presidente JACKSON repeliu uma tentativa do Congresso de anular a separação doa poderes, com estas palavras:

“Quanto a mim, repelirei tôdas as tentativas dêsse gênero como atentados contra a justiça, assim como contra a Constituição, e estimarei que é meu sagrado dever para com o povo dos Estados Unidos resisti-las, como resistiria ao estabelecimento da inquisição espanhola”.

“Poderia recomendar-lhe” – continuou TRUMAN – “a leitura da opinião de uma das comissões da Câmara dos Deputados, de 1879, relatório 141, datado de 3 de março de 1879, 45º Congresso, 3ª Sessão, no qual a Comissão de Justiça da Câmara disse o seguinte:

“O Poder Executivo é independente de cada uma das Câmaras do Congresso, como cada Câmara do Congresso é independente do Executivo, e aquêles não podem exigir os arquivos da ação dêste, nem tampouco de seus funcionários, contra seu consentimento, tal como o Poder Executivo não pode pedir nenhum dos arquivos ou as atas da Câmara ou do Senado”.

“Deve ser óbvio para você, pois que, se tem algum valor a doutrina da separação dos poderes e da independência da Presidência, deve ser igualmente aplicável a um presidente depois de cumprido seu mandato, quando se trata de interrogá-lo sôbre atos ocorridos durante sua presidência. A doutrina se esboroaria e o presidente, contràriamente à nossa teoria básica do govêrno constitucional, se converteria em um mero braço dos ramos legislativos do govêrno, se soubesse que ao fim de seu mandato cada um de seus atos poderia estar sujeito a uma investigação oficial e a uma possível de formação, para servir a propósitos políticos.

“Não obstante, se sua intenção é investigar meus atos como indivíduo, seja antes ou depois de minha presidência, desde que não estejam relacionados com nenhum de meus atos como presidente, com prazer comparecerei ante sua Comissão. Sinceramente, Harry S. Truman”.

O caso do presidente BUCHANAN se referia ao protesto que fêz, dirigido à Câmara dos Deputados. Votara esta uma resolução, nomeando uma comissão de cinco membros, para investigar se o presidente ou algum alto funcionário do governo teria, por dinheiro, sinecuras, ou por qualquer outro meio impróprio, exercido influência sôbre a ação do Congresso ou sôbre alguma comissão pró ou contra a passagem de alguma lei relativamente aos direitos de alguns Estados ou Territórios.

Excetuado o caso singular, dizia ele, em seu Protesto de 28 de março de 1860, dirigido à Câmara dos Deputados, do impeachment, em nenhum outro a Constituição Investiu a Câmara dos Deputados com poder, jurisdição, ou supremacia sôbre o presidente.

Não protestava em virtude de razões pessoais relativamente a êle próprio, presidente, mas pela razão de ser violação dos direitos de um harmônico executivo ramo do govêrno e subversivo de sua constitucional independência (“Messages and Papers of the Presidents”, vol. V, páginas 614-625).

Em outra mensagem de 22 de junho de 1860, voltando sôbre o mesmo assunto, fez uma declaração relevante. Se em investigação legislativa fica provado que o interesse público requer a demissão de algum membro do governo, nenhum presidente tem existido que, depois de lhe dar a devida atenção, tenha hesitado em aplicar o remédio. “If in a legislative investigation it should appear that the public interest require the removal or any officer of the Government, no President has ever existed who, after giving him a fair hearing, would hesitate to apply the remedy”.

O vice-presidente da República, além de ser órgão do Poder Executivo, faz parte do Senado, como seu presidente nato e, como parte, participa das imunidades parlamentares, que cabem aos membros do Congresso Nacional, não sòmente aos deputados e senadores. Não podendo ser conduzido debaixo de vara, não está obrigado a comparecer compulsòriamente.

Os ministros de Estado se, nos Estados Unidos, estão a coberto de intimação, no Brasil, porém, desde que podem ser convocados e são obrigados a comparecer perante a Câmara dos Deputados, o Senado Federal ou qualquer das suas comissões, quando uma ou outra Câmara os convocar para, pessoalmente, prestar informações a acêrca de assunto prèviamente determinado, Constituição, art. 54, evidentemente podem ser convocados pelas Comissões de Inquérito.

Funcionários públicos, porém, da União podem se negar a comparecer, desde que o presidente da República o proíba, assumindo a responsabilidade dos atos dos mesmos. Nos Estados Unidos muitos altos funcionários se negaram a comparecer, alegando tratar-se de segredo de Estado, nas relações exteriores. Em outros casos, os presidentes determinaram que nenhuma comunicação fôsse feita sôbre o assunto.

Não tem o art. 53 da Constituição amplitude excedente da competência constitucional de cada uma das Casas do Congresso Nacional, nem por ele a Câmara dos Deputados ou o Senado se tornou o poder supervisor, controlador, fiscalizador de todos os outros, o Executivo e o Judiciário, ou poder supervisor, controlador, fiscalizador dos poderes dos Estados, suas autoridades, e das funções dos administradores dos Municípios e de seus funcionários.

Dentro da sua função já é grande o seu poder de inquirir sôbre fatos determinados.

Ultrapassar, porém, o âmbito de sua competência, é o que o art. 53 da Constituição não deu, nem à Câmara dos Deputados, nem ao Senado.

VII. INQUIRIR TESTEMUNHAS SOB COMPROMISSO

A inquirição de testemunhas sob compromisso qualifica-as para o crime de falso testemunho, como dispõe o art. 4º, n° II, da lei n° 1.579, de 18 de maio de 1952;

“Constitui crime fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha”.

Não podem ser admitidos como testemunhas, Cód. Civil, art. 142, os loucos de todo o gênero, os cegos e surdos, quando a ciência do fato, que se quer provar, dependa dos sentidos, que lhes faltam, os menores de 16 anos, o interessado no objeto do litígio, bem como o ascendente e o descendente, ou o colateral, até o terceiro grau de alguma das partes por consangüinidade ou afinidade, os cônjuges.

Ninguém, outrossim, pode ser obrigado a depor de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segrêdo (Cód. Civil, art. 144).

O art. 206 do Cód. de Proc. Penal dispõe que a testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou filho adotivo do acusado, salvo quando não fôr possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

Entendemos que, nas Comissões Parlamentares de Inquérito, não prevalecem essas regras, exceto quanto aos loucos, aos menores, porquanto nos casos determinados não há partes, nem acusados, pão se trata ali de pleitos, nem de inquéritos com fins judiciais, senão de fatos sôbre os quais possam se exercer as funções de cada uma das casas do Congresso Nacional. No momento em que a finalidade do inquérito ultrapasse sua finalidade de auxiliar efetivo ou potencial da legislação, cessa o dever de depor da testemunha.

Não nos parece, porém, constitucional a disposição que qualifica crime “calar a verdade”. Hoje, a Constituição assegura ser inviolável a liberdade de consciência, art. 141, § 7°.

Outrora, a expressão liberdade de consciência significava liberdade de culto, liberdade de religião, liberdade de crença. A Constituição de 1891 não se referia à liberdade de consciência. Foi na de 1934 que apareceu essa explícita garantia. Distinta da liberdade de crença, pois o texto estabelece que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença”, por liberdade de consciência se entende tudo quanto a indivíduo resolva, sôbre algum assunto, de se calar ou de não se calar a respeito.

Pràticamente a liberdade de consciência é a liberdade que o indivíduo tem de se calar ou de não se calar a respeito de algum assunto.

Não pode ser crime, portanto, calar a verdade como testemunha.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, estabelece no art. 18 que todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião.

Distinta a liberdade de consciência das demais liberdades, que, outrora, estavam incluídas no seu lato sentido, tornou-se hoje liberdade, com sentido próprio, a de calar ou a de não calar o que dentro na consciência de cada um se achar.

Aquilo, porém, que a testemunha diga pode ser falso, quer por deturpar a verdade, quer por negar a verdade.

Nestes casos, como a pessoa se manifestou, sua manifestação pode ser averiguada em face da verdade: conforme seja esta apurada, tal a declaração da testemunha pode ser considerada.

Diferente é o nosso direito estatuído do direito inglês, por exemplo, devendo-se o intérprete de premunir dessa diferença. Na Inglaterra, como diz PIERRE, ob. cit., pág. 618, leis que remontam a JORGE III atribuem ao Parlamento poderes ilimitados em matéria de inquéritos. Tôda pessoa citada por uma Comissão de Inquérito é obrigada a comparecer, exibir suas escriturações, contratos ou papéis que sejam reclamados; a Comissão tem o direito de diretamente prender e trazer diante dela a testemunha recalcitrante. Sob ordem do presidente, o oficial encarregado prende a pessoa do delinqüente e procede ao seu encarceramento. Contra a testemunha que recusa de atender à citação parlamentar, a Câmara impõe a multa que lhe apraza fixar: pode decidir que sua sentença seja ouvida de joelhos pelo delinqüente à barra da mesa. Milhares de pessoas foram assim presas e punidas por ordem das Câmaras inglêsas no correr de três séculos.

Pela nossa lei a testemunha é intimada por ordem do presidente da Comissão. Em caso de não-comparecimento sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada pela Comissão ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre a testemunha, para, por sua vez, requisitar da autoridade policial a apresentação da testemunha, ou determinar que seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da fôrça pública.

Embora a lei estabeleça que “o processo e a instrução dos inquéritos obedecerão ao que prescreve esta lei, e no que lhes fôr aplicável, as normas do processo penal”, há que se fazer distinção quanto às penalidades, pois a lei sòmente se referiu ao art. 218 do Cód. de Proc. Penal. Não se referiu ao art. 219 do mesmo Código. O juiz não poderá, portanto, impor à testemunha faltosa prisão até 15 dias, sem prejuízo do processo por crime de desobediência, e condená-la no pagamento das custas da diligência. Se a lei tivesse sòmente declarado que as testemunhas seriam intimadas de acôrdo com as prescrições estabelecidas na legislação penal, tôdas as disposições relativas a essa intimação seriam aplicadas. Referiu-se, porém, expressamente, no caso de não-comparecimento sem motivo justificado, ao artigo 218 do Cód. de Proc. Penal.

No caso Wainer, o juiz condenou a 15 dias de prisão, concedendo-lhe habeas corpus o Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Nos Estados Unidos, como nos informa o eminente autor argentino CARLOS MARIA BIDEGAIN, “El Congreso de Estados Unidos de América”. pág. 162, “as pessoas citadas para declarar ou exibir documentos, que não compareçam voluntàriamente ou que, havendo comparecido, se neguem a responder a pergunta pertinente, podem ser penadas com muita não menor de 100 dólares nem maior de 1.000 e prisão em cárcere comum por não menos de um mês nem mais de 12 meses. As testemunhas não podem negar-se a declarar sob pretexto de que seu testemunho ou exibição de documentos poderia prejudicá-las de algum modo com nota de infâmia. Produzido o desacato pela testemunha, os fatos devem ser expostos ao conhecimento da Câmara; o presidente do Senado ou da Câmara (Speaker), segundo o caso, certifica essa circunstância, sendo obrigação do fiscal do distrito de Colúmbia denunciar o acusado ante o Grand Jury. Já se tem visto que êsse procedimento legal pode ser deixado de lado pelas Câmaras, se preferirem castigar elas mesmas o desacato”.

Nos Estados Unidos, como em nosso País, a finalidade da investigação é a de obter Informação para seu emprêgo na função legislativa.

No caso Kilbourn vs. Thompson, a Côrte Suprema entrou na cogitação da infrutuosidade da investigação para fins de legislação. Como diz BIDEGAIN, ob. cit., página 165 com isso a Côrte significou que a investigação devia referir-se à matéria sôbre a qual o Congresso tivesse jurisdição, como, outrossim, vinculando-se com o exercício de suas funções legislativas, devia resultar evidente que seu propósito era, o de recolher informações para legislar.

Há corrente de opinião no sentido de se presumir propósito de legislar em tôda abertura de inquérito parlamentar.

O auxílio direto à ação legislativa dá direito à investigação, decidiu-se nos Estados Unidos no caso Sinclair vs. United States.

Os efeitos produzidos pelas leis podem ser objeto de investigação, para o fim de o Congresso os conhecer, como salienta BIDEGAIN, ob. cit., pág. 165, citando MC GEARY (Nélson), “The Development of Congressional Investigative Power”, e ANDREOZZI (Manuel), em “Facultades Implícitas de Investigación Legislativa y Privilegios Parlamentares”, págs. 166-168.

A doutrina da “presunção do propósito legislativo” significa, como foi dito no caso Townsend vs. United States por uma Câmara federal de Distrito, que “a faculdade de uma comissão designada pela Câmara dos Representantes para realizar audiências (hearings) não deve medir-se pela existência ou ausência de recomendações de legislação”.

No caso United States vs. Norris (1837), a Côrte Suprema declarou que “o Senado, ao adotar a resolução pela qual se autoriza a uma comissão especial a investigar gastos de campanha dos candidatos senatoriais, número de pessoas contribuintes, montante das contribuições, métodos e gastos e todos os fatos relacionados com os mesmos, não excede seus poderes, desde que o Congresso pode, dentro de sua província constitucional, determinar investigações e compelir à produção de provas com fito ao possível exercício de sua função legislativa ou no possível cumprimento de seu dever de determinar a validade da eleição de seus membros” (BIDEGAIN, ob. cit., pág. 166. No caso Sinclar vs. United States ficou bem assentado que as perguntas devem ser feitas à testemunha com o fito de auxiliar a função legislativa.

“Conforme nossa opinião em Mac Grain vs. Daugherty”, – lê-se naquele caso, – “duas proposições foram estabelecidas definitivamente: uma, a de que as duas Câmaras do Congresso. em suas relações separadas, possuem só os poderes que lhes estão expressamente concedidos pela Constituição, senão também os poderes auxiliares que sejam necessários e apropriados para fazer efetivos os poderes expressos; e a outra, que nenhuma Câmara está investida de um poder geral para investigar nos negócios particulares e obrigar a exibir provas, senão sòmente do poder limitado de investigar que exista quando se aplique a regra de interpretação que acabamos de enunciar. Êsse caso demonstra que, se bem o poder de investigar seja auxiliar essencial e apropriado da função legislativa, deve ser exercido com a devida consideração pelos direitos das testemunhas, e que uma testemunha pode recusar-se legalmente a responder quando os limites do poder são excedidos, ou quando as perguntas feitas não são pertinentes à matéria investigada”.

BIDEGAIN, ob. cit., pág. 167, extrai dos julgamentos da Suprema Côrte dos Estados Unidos os seguintes princípios:

1. As faculdades de investigação podem exercitar-se não só quando as Câmaras atuam em sua capacidade jurisdicional, senão também em auxílio de sua função legislativa.

2. O “propósito legislativo” de uma investigação deve julgar-se com critério amplo.

3. Quando os direitos e liberdades de um cidadão se achem em jôgo, as Câmaras não são juízes finais de seus direitos e privilégios e a legalidade de sua ação pode ser questionada ante os tribunais.

4. As testemunhas podem negar-se a responder perguntas que não estimem pertinentes à matéria investigada, ou que impliquem uma acusação contra si mesmas e possam submeter à decisão dos tribunais a questão acêrca da pertinência da pergunta; porém, o êrro de direito não constitui dirimente para a aplicação da penalidade por desacato.

VIII. AS CONCLUSÕES DOS INQUÉRITOS

Razoàvelmente destinados ao auxílio da legislação, os inquéritos, porém, têm finalidades especiais: umas políticas, outras para levar ao conhecimento da opinião pública certos fatos, que precisam ter nela repercussão, outras para habilitar as Câmaras ao julgamento de certo procedimento de algum ou de alguns de seus membros incompatível com o decôro parlamentar, outras genuinamente legislativas. Conforme a finalidade, assim as respectivas conclusões.

Terminam sempre os inquéritos, diz a lei, por projeto de resolução.

Êste projeto de resolução é que as Câmaras podem aprovar ou não.

O relatório não é submetido à aprovação. Não é parecer. E peça da Comissão. Não cabe às Câmaras mandarem incluir ou excluir certas passagens do relatório. A Câmara dos Deputados, na caso Wainer, não aprovou emenda para excluir tópicos relativos ao presidente da República.

Quando a finalidade do inquérito consistir em se apreender bem um fato para se fazer alguma lei sôbre o assunto, a conclusão pode conter um projeto de lei, ou pode conter a indicação para se enviar o processo à Comissão Parlamentar permanente a fim de preparar o projeto de lei.

Se a finalidade principal foi de trazer ao conhecimento da opinião pública certos fatos, o projeto de resolução pode consistir em que se faça ampla publicação do processo, ou então que seja remetido a alguma Comissão Permanente para, com pleno conhecimento dêle, sugerir à Câmara o que ocorra de útil para sanar os males encontrados.

O que não pode fazer objeto de resolução é a remessa do relatório à Justiça comum para proceder criminalmente contra pessoas que tenham cometido crimes apurados nos inquéritos.

Não cabe ao Poder Legislativo ou a cada uma de suas câmaras indiciar criminosos ou considerar certos fatos como crimes.

Pode uma conclusão declarar que a Mesa da Câmara, à vista do que consta no inquérito, deva remeter cópia do relatório ou de papéis às autoridades policiais, ao Ministério Público, ou às autoridades judiciárias, a fim de procederem como de direito.

A própria Comissão pode fazer essa remessa. As Câmaras, porém, são as que não podem deliberar sôbre isso, para que não invadam o princípio da não-intervenção nas Justiças dos Estados.

Essa cautela é para se evitar conflito entre o Poder Legislativo da União e as autoridades policiais, Ministério Público, ou judiciárias dos Estados, que poderão agir por forma diferente da sugerida, em virtude daquele principio.

Os inquéritos podem, outrossim, apurar fatos que constituam crimes de responsabilidade do presidente da República, ou dos ministros de Estado.

A conclusão, pela Comissão, de inquérito dessa natureza pode consistir em artigos de acusação para o processo do impeachment. PUTNEY, “On Constitutional Law”, pág. 222, traz o texto dos artigos de impeachment contra o presidente ANDREW JOHNSON, dos Estados Unidos.

É da natureza dos crimes de responsabilidade que os artigos do impeachment, processo político que é, sejam apresentados por um ou mais deputados, ou por alguma Comissão especial ou permanente da Câmara dos Deputados. A lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, que define os crimes de responsabilidade e que regula o seu processo, permitiu a qualquer cidadão oferecer denúncia. Não tornou, porém, privativo do cidadão o oferecimento de denúncia por crimes de responsabilidade.

Seria inconcebível que só o cidadão pudesse denunciar o presidente da República pelo crime de responsabilidade de tentar dissolver o Congresso, ou o de impedir o funcionamento de qualquer das suas Câmaras, ou o de violar as imunidades dos membros do Congresso, ou o de decretar o estado de sítio, estando reunido o Congresso, ou, no recesso dêste, sem haver comoção interna grave, nem fatos que evidenciem estar a mesma a irromper, o presidente decrete o estado de sítio.

Seria, com efeito, absurdo que um deputado ou uma Comissão da Câmara dos Deputados não tivesse o direito de apresentar a denúncia.

AURELINO LEAL, em sua “Teoria e Prática da Constituição”, pág. 437, de acôrdo com a doutrina norte-americana, consignou que “a denúncia contra o presidente e os seus ministros, nos crimes conexos, pode ser dada à Câmara por qualquer cidadão, deputado ou Comissão da Câmara”.

Tratando-se de responsabilidade política, aos representantes dos poderes políticos é que compete, por natureza, a iniciativa da ação. Aos cidadãos, em particular, só a lei, por disposição expressa, é que poderia dar tal direito.

Nos Estados Unidos, a denúncia pode ser apresentada por qualquer membro da Câmara, pelo residente da República em mensagem, pelas legislaturas dos Estados, eu por qualquer parte interessada. “Impeachment procedure may be set in motion when a charge is made against a civil officer by a member of the House, by the legislature of à state, or by other interested parties” (JOHNSON, “Government in the United States”, pág. 345).

Por qualquer membro da Câmara dos Deputados, ensina MUNRO, “The Government of the United States”, pág. 299. “The accusation is made by some member of the House of Representatives from the floor of that body”.

O inquérito é mesmo a forma ou o elemento para poder o representante preparar os artigos da denúncia. “It is necessarily empowered to act as an inquest in preparing the articles which take place of an indictment” (HARE, “American Const. Law”, II, pág. 855).

TUCKER, “Const. Law”, I, pág. 423, MACDONALD, “American State Government and Administration”, pág. 191, KIMBALL, “The National Government of the United States”, pág. 289, referem-se, o primeiro, aos membros da Câmara dos Representantes e à comissão, enquanto os outros sòmente aos membros da Câmara dos Deputados. “When an officer”, diz TUCKER, “is suspected of being guilty of impeachable offense, a member, or a committee of the House (as in the case of Belknap), reports the facts to the House with a resolution either to draw up articles of impeachment or to apoint a committee for doing it”. MACDONALD diz que “any member of that body may offer a resolution of impeachment, which is at once refered to an appropriate committee”. O ensino de KIMBALL é nos seguintes têrmos: “Impeachment proceedings are commenced in the House when some member moves as a question of the highest privilege – the impeachment of some officer”.

Êste privilégio dos membros da Câmara dos Deputados ou de Comissão dessa Câmara, deu-o nossa lei também aos cidadãos.

A Comissão Parlamentar de Inquérito pode, pois, apresentar, quando seja caso, como resolução, os artigos de denúncia contra o presidente da República ou contra seus ministros, nos crimes conexos como do presidente.

Podem, outrossim, as conclusões conter uma resolução que expresse os sentimentos da Câmara relativamente, por exemplo, ao cumprimento de determinadas leis, como a do jôgo. Cumprindo às autoridades estaduais manter em vigor essa lei, obrigá-las a Câmara dos Deputados ou o Senado não o podem. Manifestarem, porém, ambos, ou cada Casa do Congresso, um apêlo para que seja a lei cumprida, objeto é de resolução. Cada Casa do Congresso pode manifestar, por resolução, seus sentimentos relativamente a determinado assunto (BIDEGAIN, ob. cit, nº 404).

Não só por meio de lei o Congresso se dirige à Nação. Por resolução ou por moção pode também se dirigir à Nação, da mesma forma como o presidente da República, por manifesto, o faz quando entenda oportuno.

IX A COMPETÊNCIA JUDICIAL PARA CONHECER DOS ATOS DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO

A competência judicial para conhecer dos atos das Comissões Parlamentares de Inquérito, que ofendam direitos de terceiros, ou de quem não se sinta com obrigação de atender às suas injunções, é do Supremo Tribunal Federal, como foi por êste resolvido no caso Samuel Wainer.

Requerido habeas corpus ao juiz comum, recorrendo êste para o Supremo Tribunal Federal, adotou a egrégia Côrte o voto do ministro MÁRIO GUIMARÃES. “Não tenho dúvidas em reivindicar, para esta Côrte, a competência originária. Reconheço que os textos legais não são expressos. Mas recentemente ainda, no julgamento do mandado de segurança número 1.959,* aceitou êste Tribunal a sua competência para conhecer do pedido quando proviesse a violência de ato de qualquer das Câmaras do Poder Legislativo. Assim argumentou o notável aresto, que foi relatado pelo Sr. ministro LUÍS GALLOTTI: “Se compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer do mandado de segurança contra ato da Mesa de uma Câmara Legislativa, competente também há de ser, por mais forte razão, já que outro Tribunal superior a êle não existe, para conhecer do pedido quando o ato impugnado é da própria Câmara”.

“Não há distinguir”, – continuou o ministro MÁRIO GUIMARÃES, cujo voto é notável pela síntese magnífica que fêz das doutrinas e assuntos atinentes às Comissões Parlamentares de Inquérito, – não há distinguir, para êste efeito, entre Câmara e Comissão. A autoridade de que emana a violência, num e noutro caso, é sempre o Poder Legislativo”.

“Não são, assim, as Comissões Parlamentares de Inquérito um órgão distinto, criado pelo Congresso. São o próprio Congresso que, por motivos de economia e eficiência de trabalho, funciona com reduzido número de membros, conservando o aspecto representativo de sua totalidade, tanto que dessas comissões devem fazer parte elementos de todos os partidos – art. 53, parág. único, da Constituição”.*

______________

Notas:

* N. da R.: Publicado na “REVISTA FORENSE”, vol. 148, pág. 152.

* N. da A.: Publicado neste volume, página 375.

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II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
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  5. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
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