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Afinal, o Min. Alexandre de Moraes é (ou não) impedido de relatar o caso de tentativa de golpe de estado?

GOLPE DE ESTADO

MIN. ALEXANDRE DE MORAES

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Pedro Coelho

Pedro Coelho

17/12/2024

Pedro Coelho[1]

Recentemente, descortinou-se uma investigação da Polícia Federal – vinculada ao Supremo Tribunal Federal – quanto à prática de (suposta) tentativa de golpe de Estado[2] e abolição do estado democrático de direito[3].

Consoante indicado no relatório da Polícia Federal (acesse aqui as 884 páginas[4]), entre outras atividades, o planejamento dos executores envolvia o assassinado dos então recém-eleitos presidente e vice-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, bem como o Ministro do STF e então presidente do TSE, Alexandre de Moraes, antes da cerimônia de posse, no que chamaram de plano “Punhal Verde e Amarelo”.

A partir da publicização da operação investigativa, diversas questões jurídicas surgiram e um intenso debate se evidenciou entre especialistas. Um dos tópicos que merecem uma cuidadosa e desapaixonada análise, é sobre o eventual impedimento do Ministro Alexandre de Moraes em ser relator do caso.

Aliás, esse tema teve sua apreciação concluída na sexta-feira 13 de dezembro de 2024 pelo plenário do STF e, por 9 votos a 1, a Corte afastou qualquer obstáculo ao exercício jurisdicional. De acordo com a defesa dos investigados, os principais fundamentos do eventual impedimento do Ministro seriam o fato de ele ser vítima direta dos crimes persecutidos, não poderia julgar o caso, bem como por ele ser diretamente interessado no feito (art. 252, IV, do CPP).

Inicialmente, em relação ao argumento de que o Ministro seria vítima dos delitos investigados, advirta-se que essa tese não se sustenta. Apesar de o seu assassinato fazer parte da trama golpista, não se está diante do delito de homicídio, porém – como anotado anteriormente – se trata de crime de tentativa de golpe de estado e abolição do estado democrático de direito, cujos sujeitos passivos são o Estado e a coletividade. Não há, nesse caminhar, uma vítima individualizada.

Sobre esse ponto, aliás, conforme pontificado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, a simples alegação de que o Min. Alexandre de Moraes seria vítima dos delitos em apuração não conduz ao automático impedimento de Sua Excelência para a relatoria da causa, até mesmo porque os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de estado têm como sujeito passivo toda a coletividade, e não uma vítima individualizada. Logo, se fosse acolhida a tese suscitada pela defesa, todos os órgãos do Poder Judiciário estariam impedidos de apurar esse tipo de criminalidade contra o Estado democrático de Direito e contra as instituições públicas. Por essas razões, o Plenário do Supremo Tribunal Federal rejeitou questões preliminares que buscavam afastar a relatoria do Min. Alexandre de Moraes em processos que apuram os atos antidemocráticos do 8 de janeiro (vide Pet 9.825-AgR e à AP 1.060)[5].

Vale salientar que no âmbito do julgamento da Ação Penal 1044, o ex-deputado federal Daniel Silveira foi condenado por, entre outras coisas, proferir uma sucessão de ofensas e ameaças aos ministros da Suprema Corte. À época, considerando justamente o enquadramento da conduta ao crime do art. 359-L do CPB, a titularidade passiva seria do Estado/Coletividade e não dos Ministros individualizadamente, a conclusão foi de competência da Suprema Corte, sem qualquer mácula de impedimento[6].

Registre-se que as hipóteses de impedimento alinhavadas na legislação processual penal são de caráter exaustivo, consonante entendimento pacífico dos Tribunais Superiores[7] e doutrinário[8]. As causas de impedimento “são circunstâncias objetivas relacionadas a fatos internos ao processo capazes de prejudicar a imparcialidade do magistrado. Costuma-se dizer que dão ensejo à incapacidade objetiva do juiz, visto que os vínculos que geram impedimento são objetivos e afastam o juiz independentemente de seu ânimo subjetivo. Há, pois, uma presunção absoluta de parcialidade”[9].

Sobre o tema, o Ministro Gilmar Mendes destaca que o STF não admite a extensão do alcance das hipóteses arroladas no artigo 252 do Código de Processo Penal, justamente por não ser  possível ao Judiciário legislar para incluir causa não prevista pelo legislador. Essa inclusão pode se dar por analogia pura e simples, como também pela dita interpretação extensiva, que nada mais é do que a inclusão, a partir de um referencial legal, de um item não previsto em um rol taxativo[10].

Superada, pois, a argumentação de que o Ministro Alexandre de Moraes seria vítima dos crimes investigados para fins de impedimento do art. 252, IV do CPP, notadamente em relação à impossibilidade de interpretação ampliativa do dispositivo, ainda resta analisar a afirmativa de que haveria um interesse direto do Ministro no deslinde da causa.

Contudo, ao menos de acordo com a histórica jurisprudência e compreensão majoritária da doutrina, esse óbice também não se sustenta. É que o impedimento do juiz se caracteriza caso ele – ou as pessoas a ele vinculadas (art. 252, IV) possua interesse direto no resultado do processo. O interesse direto se verifica, no plano jurídico, quando os efeitos da coisa julgada penal repercutirem, de maneira imediata, em relação jurídica material, de natureza civil, do magistrado ou das pessoas a ele vinculadas.

Segundo a doutrina, “quanto à circunstância de serem eles (juiz, cônjuge e parentes) diretamente interessados no feito, pensamos que as únicas situações em que se faria ela presente seriam no âmbito não penal, como, por exemplo, quando a sentença penal puder dar origem a direitos ou interesses subjetivos daquelas pessoas fora daquele processo. É dizer: quando a coisa julgada penal influir em demanda ou implicar vantagem jurídica a qualquer uma delas (reparação de danos morais, por exemplo)[11]”. Haverá de ser reconhecida a hipótese de impedimento em face da presença do interesse direto quando as pessoas mencionadas no art. 252, IV do CPP possam titulares de um interesse de natureza não penal em face do acusado (v.g., reparação do dano causado pelo delito)”[12].

Diante de todas essas considerações, a maioria absoluta dos Ministros do Supremo Tribunal Federal concluíram pela inexistência de óbice ou impedimento algum para a permanência do Ministro Alexandre de Moraes na qualidade de Relator do caso em testilha. A única divergência se deu por parte do Ministro André Mendonça. Segundo ele, ainda que do ponto de vista forma, “o sujeito passivo do crime de organização criminosa é a “sociedade”, assim como, quanto aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, o sujeito passivo é a “democracia”. Entretanto, isso não altera o fato de que, de acordo com o iter cogitado, os atos executórios atingiriam diretamente o e. Ministro Relator. Atos esses que, em tese, configurariam ilícitos penais autônomos acaso não verificada a consunção pelos delitos suso mencionados —em relação aos quais, inclusive do ponto de vista dogmático, ele seria a vítima”[13].


[1]Pedro Coelho é Defensor Público Federal, professor de Direito Processual Penal e Leis Penais Especiais em cursos para concursos e pós-graduação e é autor da Editora Método .

[2] Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.

[3] Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)

[4] https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2024/11/relatorio-pf-tentativa-de-golpe.pdf

[5] https://www.migalhas.com.br/arquivos/2024/12/F28AC98988E258_barroso-stf.pdf

[6] Se sorte diversa fosse compreendida, ele somente seria julgado pelos Ministros Nunes Marques e André Mendonça, os únicos não incluídos nos impropérios feitos pelo agente.

[7] STF, 2ª Turma, HC 94089/SP, Rel. Min. Ayres Britto, julgado em 14/2/2012 e STJ, 5ª Turma, HC 162491/SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 04/08/2016.

[8] A título de exemplo, vide BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Editora RT, p. 322-323.

[9] LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1183.

[10] HC 97.544, Relator ministro Eros Grau, Relator p/ acórdão: ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 21/09/2010.

[11] PACELLI, Eugênio, e FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 6ª ed. São Paulo: Atlas: 2014, p. 508.

[12] LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 4 ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 1186.

[13] https://www.migalhas.com.br/arquivos/2024/12/C44A0BE40A8350_stf-mend.pdf

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