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CLÁSSICOS FORENSE
CONSTITUCIONAL
REVISTA FORENSE
A propósito da Lei nº 2.970, de M. Seabra Fagundes

Revista Forense
10/04/2025
* Não participamos, data venia, da opinião do Supremo Tribunal, no sentido da inconstitucionalidade da lei nº 2.970, de 24 de novembro dêste ano, que situou a oportunidade de uso da palavra pelos advogados, perante os tribunais, entre o voto do reator e os dos demais juízes. Porém, antes de darmos a síntese das nossas razões, queremos ressalvar a divergência que nos separa daqueles que, apaixonados pelo assunto realmente apaixonante, tanto que nem os magistrados têm permanecido alheios à exalação no tratá-lo – vêem no pronunciamento da Suprema Côrte um atentado à competência legiferante do Congresso e pretendem que o Senado recuse suspender a execução da lei.
A nosso ver o Supremo poderia ter aguardado o primeiro julgamento, no qual um advogado houvesse de usar da palavra, para fulminar em espécie, o texto legal. Fazendo-o, todavia, como o fêz, não parece ter exorbitado. O dispositivo em causa interferindo Com a ordem do julgamento, segundo os textos regimentais, a matéria assumia, embora excepcionalmente, uma generalidade que justificava o seu exame ao ângulo da reforma do Regimento. E, conquanto os tribunais devam manifestar-se sôbre questões dessa natureza, em regra, através de ações ou causas, há casos raríssimos, de certo, em que podem ser induzidos a faze-lo fora dessas vias. Um simples pedido de férias pode obrigar ao exame da constitucionalidade de uma lei.
Pretender que o Senado recuse suspender a execução da lei, caso o Supremo lhe faça, para tanto, a necessária comunicação, atribuindo, a essa atitude, a fôrça de convalidar o texto declarado inconstitucional, ou, pelo menos, de desprestigiar o pronunciamento de inconstitucionalidade, se nos afigura absolutamente indefensável. Jurìdicamente e politicamente.
Jurìdicamente porque, no sistema da nossa Constituição, o Supremo é o árbitro final da constitucionalidade das leis, não cabendo ao Senado, nem de longe, rever os seus critérios. Se o admitíssemos estaríamos tornando ao malsinado e infelicíssimo sistema do art. 96 da Carta de 1937, segundo o qual o contencioso de constitucionalidade das leis tinha a sua palavra final, não no juízo jurídico dos tribunais, porém no critério político do Parlamento. Quando o artigo 64 da Constituição vigente incumbe ao Senado suspender a execução de lei ou decreto declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal, tem uma finalidade estritamente política e de alcance limitado. Não visa a um reexame, pela Câmara Alta, das razões jurídicas do pretório supremo. O seu objetivo é permitir a complementação político do julgado, pela sua extensão a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, porquanto, só alcançando as decisões judiciais as partes em cada feito, apesar de declarada inconstitucional uma lei, cada um dos demais indivíduos afetados por ela terá, não obstante isso, de suportar os ônus de uma demanda para fugir à sua incidência. Pacífica a inconstitucionalidade, por assentada pelo Supremo Tribunal, o Senado, suspendendo á execução da lei, cobre coma proteção do julgado quantos, no país, apesar da declaração de inconstitucionalidade, ainda teriam de ajuizar ações para se liberar dos efeitos do ato legislativo. As autoridades executivas não seriam obrigadas a conhecer e acatar a decisão do Supremo para um caso individual. Mas, se a lei é suspensa, têm elas o dever de não na aplicar. A suspensão reveste um sentido genérico, que não tem o julgado. Equivale a uma revogação e os agentes executivos são tão obrigados a conhecê-la, como o são a conhecer o direito positivo vigorante no país.
O que pode o Senado, no exercício dessa atribuição política, é retardar a suspensão do ato inconstitucional, atendendo a certas conveniências, nunca, no entanto, como se tem insinuado, por considerar o julgado errôneo juridicamente, ou mal inspirado. Menos ainda por tê-lo como atentatório à missão legiferante do Congresso, pois quando o Supremo Tribunal diz que o Poder Legislativo exorbitou está exercendo função que lhe foi, confiada pela Lei Suprema (art. 101, número III, letras b, c e d, e art. 200), e dêsse exercício não podem resultar melindres. Também o presidente da República quando veta uma lei não fere o Congresso, ainda que declare fazê-lo por contrário o texto ao interêsse nacional (Constituição, art. 70, § 1º), nem o Poder Executivo se pode sentir atingido quando as Câmaras Legislativas recusam converter em lei um projeto por êle a elas enviado (Constituição, art. 67). Essas contradições são naturais na dinâmica do regime, cujo êxito, aliás, repousa, em parte, na sua possibilidade. Todavia, o Senado, tendo diante de si uma comunicação de pronunciamento de inconstitucionalidade, pode considerar que, estando em elaboração legislativa lei destinada a reger a matéria objeto do ato declarado inconstitucional, em têrmos que fogem aos havidos por conflitantes com a Carta Magna, é de aguardar a promulgação do novo texto. Fá-lo-á sob a consideração política de que não convém proclamar, sem restrições, a inexistência de legislação sôbre aquela matéria, quando na iminência de corrigir-se a falha. Com isso evitará a repercussão psicológica de um fato em determinado setor do direito positivo (tributário, penal, etc.). Terá em conta que, embora inconstitucional a lei, muitos preferirão sujeitar-se a ela, ao invés de suportar os trabalhos e encargos próprios das demandas judiciais. Manter uma situação dessas por longo tempo será menos defensável, mas fazê-lo em virtude de circunstâncias especiais e brevemente superáveis, é razoável. Pode também o Senado, diante de uma decisão tomada por pequena maioria de votos e na iminência da aposentadoria compulsória de alguns ministros, aguardar que a tese do aresto se repita num próximo julgado.
É verdade que aludindo o art. 64 à suspensão da lei pelo Senado, quando declarada a inconstitucionalidade “por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”, não se enquadra bem, no seu texto, uma deliberação de natureza administrativa. A expressão decisão definitiva sugere, pelo seu sentido técnico-processual, uma manifestação do Supremo como órgão judicante, ou seja, através de alguma das vias de processo, que permitem aos interessados submeter à sua jurisdição determinadas situações contenciosas. Compreende-se que o constituinte a tenha usado com êsse sentido, já porque é pelo conhecimento das ações, era geral, que os tribunais se manifestam regularmente, já porque sòmente nos provimentos conseqüentes de contraditório armado entre as partes nas relações processuais é que as questões se formulam de modo a permitir mais profundo exame.
Isso nós leva a crer que, na espécie, o Supremo Tribunal não tenha o propósito de dirigir-se ao Senado. O que teria a vantagem de deixar os tribunais inferiores com liberdade para o exame da constitucionalidade, conduzindo, provàvelmente, à aceitação do critério inova dor por vários dêles.
Caso, porém, o Supremo Tribunal tenha que a decisão definitiva, de que fala o art. 64, é qualquer manifestação de vontade sua, contra a qual não caiba suscitar uma outra manifestação – e na espécie, tal como se pronunciou a egrégia Côrte, não há cogitar de segundo pronunciamento seu – e leve ao conhecimento do Senado a deliberação no sentido da inconstitucionalidade, ainda aí quer parecer-nos que o que fica bem à Câmara Alta é render-se à opinião do Poder Judiciário. Ou, pelo menos, silenciar sôbre a matéria, o que é compatível com a sua natureza de órgão político no exercício de uma atribuição também política e, por isto mesmo, podendo julgar, já o deixamos dito, da oportunidade de exercitada.
Impugnar o critério formal do Supremo para dizer que, embora entendendo êste ter havido no caso uma decisão definitiva, tal não houve, afigura-se-nos de todo o ponto inaceitável. O intérprete máximo dá Constituição e das leis do país, aquêle que sôbre o seu sentido profere a palavra irreversível das decisões da instância extraordinária, não há de ter qualquer dos seus critérios, em matéria de fixação do entendimento dos textos constitucionais ou leais, sujeito à impugnação por outro poder do Estado. Se tal fôra possível; estaríamos diante de um sistema suicida, pois que instalados dentro do seu próprio mecanismo, fatôres de subversão da vida das instituições.
Lei nº 2.970
Não é atirando o Poder Legislativo contra o Judiciário que serviremos à estabilidade e aperfeiçoamento das instituições constitucionais brasileiras. Nem é possível esquecer que o monopólio jurisdicional do contencioso de constitucionalidade das leis tem constituído, entre nós, um dos fatôres mais úteis ao equilíbrio dos poderes do Estado e à preservação dos direitos individuais:
O Supremo entendeu que a lei número 2.970, tendo disposto sôbre o momento do uso da palavra pelos advogados, por ocasião dos julgamentos, interferiu com a regulação da ordem dos seus trabalhos, o que é matéria regimental. E sendo da competência de cada tribunal, por fôrça do art. 97, nº II, da Constituição, elaborar o respectivo regimento, o ato do Congresso, invadindo êsse campo privativo das côrtes de justiça, tornou-se conflitante com a Lei Suprema. Assim formulado o problema, transplanta-se êle para o campo da natureza e do conteúdo das disposições regimentais. A lei é inconstitucional por ter invadido o âmbito da matéria regimental. Mas, como conceituar a matéria estritamente regimental? Se é fácil fazê-lo em se tratando de horários e dias de sessões, precedência dos magistrados no que diz com os assuntos submetidos ao plenário, ou a propósito da organização dos serviços internos dos tribunais (divisão em seções, denominações e atribuições de servidores, subordinações hierárquicas, etc.), não o é, no entanto, quando sé está diante de normas, formalidades ou têrmos dos julgamentos, pois aqui as matérias regimental e processual se confundem muitas vêzes, sendo pràticamente impossível distingui-las.
Veremos, a seguir, pelos próprios precedentes do egrégio Supremo Tribunal, que o que se poderia afigurar, prima facie, estritamente próprio do regimento interno, aparece freqüentemente nas leis processuais, limitando-se o regimento a repeti-las. E sendo a lei, em matéria de processo, o principal, cabe ao regimento ceder a ela, quando ambos se mostrem conflitantes. Êsse foi, aliás, o critério que adotou o Cód. de Proc. Civil (artigo 1.049), tem suscitar controvérsias, apesar de muitas modificações trem sido impostas, pelos seus dispositivos, aos regimentos dos diferentes tribunais do país.
Essa interpenetração de leis de processo e textos regimentais é, de resto, menos grave, na sua significação jurídica, do que a que ocorria em certos setores, entre o direito material e o direito formal, quando da União a competência para legislar sôbre o primeiro e aos Estados competindo dispor sôbre o segundo (Constituição de 1891). Todavia, sempre se superou a dificuldade, em casos típicos como o da legislação sôbre falências, na qual era impossível separar, sensatamente, as disposições materiais das de processo, pelo prevalecimento da competência mais importante – a da União, que dizia com o direito substantivo – sôbre a de menor relêvo – a dos Estados no concernente à forma.
O único critério de conteúdo, a que se pode recorrer para extremar a matéria regimental da de processo, é o da economia interna. Será regimental o que disser com a economia interna dos tribunais. No entanto, longe está esse critério, de oferecer base segura à distinção. Basta exemplificar com alguns casos fora do Cód. de Proc. Civil, ou dentro dêle, para o constatarmos.
A, Constituição de 1937, tal como a de 1946, atribua aos tribunais “elaborar os,regimentos internos” (art. 93, a). Sob a sua vigência, e conquanto estatuísse o Regimento Interno do Supremo Tribunal, então vigente, que o presidente e o vice-presidente da Côrte seriam “eleitos por seus pares em escrutínio secreto, para servirem por três anos” (art. 7°), sobreveio o dec.lei nº 2.770, de 11 de novembro de 1940, que no art. 1° dispôs:
“O presidente e o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal serão nomeados por tempo indeterminado, dentre os respectivas ministros, pelo presidente da República e considerar-se-ão empossados mediante publicação do respectivo ato no “Diário Oficial”.
A muitos dir-se-ia regulada aí matéria tìpicamente regimental, como fôsse a da escolha do presidente e do vice-presidente do egrégio pretório, a de duração dos respectivos mandatos, a da maneira de se empossarem êles. A nós mesmo nada nos parece mais caracteristicamente da economia de um colégio deliberante, do que a designação daquêle que deva presidir aos seus trabalhos e encarnar a sua representação oficial. No entanto, a Suprema Côrte, não sabemos se com opiniões divergentes ou sem elas, mas ao caso isso pouco importa, admitiu a validade daquele ato legislativo, que tão fundamente lhe alterava o regimento e por alguns anos, até que um novo decreto-lei lhe restituísse a prerrogativa, teve à presidência ministro designado pelo presidente da República. É que de certo se admitiu, tão imprecisa é a conceituação da matéria regimental, fôsse dado ao Poder Legislativo, no uso da sua competência, para legislar sôbre organização judiciária da União, dispor a respeito da presidência dos respectivos tribunais.
Certo, êsse, como outros precedentes, não obrigam o Supremo Tribunal, que pode rever os seus juízos, e é até de desejar que o faça, em função de novas realidades sociais, de novas sugestões da doutrina, da diferente mentalidade dos ministros que se sucedem no tempo. Nem o deslustra em nada ampliar hoje o conteúdo da matéria regimental, quando ontem o acanhou. É característico da Jurisprudência nos países latinos, e, pois, dos critérios interpretativos em geral, a reconsideração dos problemas a novos ângulos, conduzindo às conclusões também novas. Ao contrário do que se passa nos países anglo-saxônicos, em que o precedente jurisprudencial tem quase fôrça de lei, só dificilmente se deixando superar.
O Supremo Tribunal entendeu, como vimos, que o momento de uso da palavra, pelo advogado, durante os julgamentos, deve ser designado no regimento e não na lei de processo. É assunto da economia interna da côrte, e se até então fôra dispensável afirma-lo era porque, antiga a praxe de uso da palavra pelos advogados, após o relatório, as leis, inclusive o Cód. de Proc. Civil, vinham ao encontro do que já era norma regimental. Inovando a lei, surgiu o conflito lei-regimento, e, com êle, a necessidade de proclamar a natureza regimental da norma.
Mas, data venia, se a sustentação oral é um ato do processo, cabe ao legislador situá-lo no curso da causa e lhe demarcar o conteúdo e extensão. Não é o ocorrer em sessão que o descaracteriza, para deferir-se aos tribunais a sua regulação. Assim como à lei fica designar o prazo e a oportunidade processual das alegações escritas, a ela há de ficar, igualmente, dispor sôbre o momento próprio e a duração das razões orais, que acompanham os julgamentos. A defesa oral e as razões escritas se identificam, em seu conteúdo, como atos de sustentação do direito do litigante.
Vejamos, na série de atos peculiares ao julgamento em segunda instância, como diversos outros, até mais intimamente atinentes à ordem dos trabalhos, foram regulados no Cód. de Proc. Civil de maneira não constante dos regimentos, quer do Supremo Tribunal, quer dos Tribunais de Justiça, sem que se lhes objetasse inconstitucionalidade. O art. 874, caput, dispõe sôbre qual o juiz revisor nas apelações, nos embargos de nulidade ou infringentes, nas revistas, nas ações rescisórias. Êsse mesmo artigo, nos §§ 3º e 4º, estatui sôbre a organização e publicidade da pauta dos julgamentos. No art. 875, § 2°, se dá o critério de escolha do relator para o acórdão. O art. 879 reza sôbre a preferência do recurso adiado em relação aos demais. E no seu parágrafo único se dispõe sôbre a prorrogação dás sessões para a ultimação de julgamentos iniciados.
Essas matérias são tôdas da economia interna dos tribunais. Algumas até sendo de estranhar que a lei as regulasse, como a que referimos por último, pois a duração das sessões se prende, sem dúvida possível, à intimidade de qualquer colégio deliberante.
Se formos a outras leis, aí estarão as de falências (art. 203), de acidentes do trabalho (art. 841) e do mandado de segurança (art. 17) determinando preferência, entre os feitos a julgar, para os agravos por elas regulados. Que algo mais intimamente ligado à ordem dos trabalhos nos tribunais, que a ordem de chamada dos processos a julgamento?
Esta última lei interferiu ainda com providência da intimidade do tribunal, quando, determinando a apresentação dos mandados de segurança, em mesa, tão logo esgotado o prazo de exame dos autos pelo relator (art. 17), excluiu-os pràticamente das pautas a publicar no “Diário Oficial”.
Assim, cada tribunal não é livre no organizar a sua ordem do dia. Fá-lo-á sem mencionar, certos feitos, e, de outro lado, deverá julgá-los mesmo os não havendo mencionado.
Os exemplos poderiam multiplicar-se.
No entanto, nada se. objetou até hoje contra isso, apesar de se tratar de providências não contempladas, inicialmente, pelos regimentos internos. É que as duas grandes regras na confluência de leis de processo e regimentos internos parecem ser a da prevalência daquelas sôbre estas e a da natureza supletiva dos textos regimentais. Onde não houver texto de lei, aí o regimento é soberano; quando sobrevier texto legal, o regimento a êle cede. Isso, aliás, não desmerece o papel dos regimentos, porquanto algo ainda lhes resta a construir, se propósito construtivo houver.
Êsses fatos e circunstâncias provam, sem sombra de dúvida, que não há fórmula capaz de permitir fixar, com exatidão, o que seja, em substância, material regimental. E isso nos leva a concluir, pelo menos, que a lei nº 2.970 não se mostra manifestamente inconstitucional. A matéria que regulou, embora a alguns parecendo própria de regimento interno, não se pode dizer que o seja manifestamente, isto é, de modo a excluir dúvida razoável. Ora, consoante princípio tranqüilo, aplicado sempre pelos tribunais brasileiros, à frente o pretório excelso, sob a inspiração dos critérios exegéticos das côrtes e autores norte-americanos, pioneiros no contencioso de constitucionalidade, e segundo todos os tratadistas brasileiros da matéria, desde RUI BARBOSA, com a sua campanha evangelizadora nos primeiros anos da República, até LÚCIO BITTENCOURT, com a notável monografia que o consagraria dos mais doutos juristas do país, só se declara inaplicável uma lei por contravir à Constituição se o choque entre ela e esta é flagrante e manifesto.
Ao prisma da conveniência e da utilidade, a medida adotada pela lei número 2.970 se nos afigura plausível, sem restrições.
O objetivo do processo judicial é, em última análise, a apuração da verdade dos fatos para a adequada aplicação a êles do direito positivo. Tudo, portanto, que, sem inconveniente maior, contribua para a mais segura apuração dos fatos e aplicação do direito, vai ao encontro da sua finalidade, aprimorando-o. Ora, é sabido que, muita vez, pela omissão de um esclarecimento oportuno, os melhores juízes, sob o pêso de enorme sobrecarga de trabalho, que lhes fatiga a atenção, incorrem em equívocos ou omissões fatais ao destino das pretensões ajuizadas. A crônica do fôro aponta diversos episódios que o comprovam, alguns ocorridos no próprio Supremo Tribunal, e muitos advogados os referem sucedidos com clientes seus. Se o uso da palavra, pelo advogado, após o voto do relator, pode reduzir – e é certo que o pode – êsses casos de êrro judiciário por equívoco ou omissão, ai está uma razão bastante para louvar alei, que o instituiu.
Não faz muito tempo – trata-se de caso do nosso conhecimento direto – uma dessas omissões, fulminantes para a relação de direito ajuizada, ocorria no plenário do egrégio Supremo Tribunal, tão-sòmente porque, após o voto do relator, não se ensejava nenhuma oportunidade à interferência do advogado. Tratava-se de recurso de mandado de segurança, no qual o procurador-geral argüira uma preliminar de intempestividade. O prazo expirara a 23 de agôsto, dizia-se, e o recurso estava protocolado de 24, embora datada daquele dia a petição. O relator, juiz acima de qualquer restrição pelo saber e pela integridade, votou acolhendo a preliminar e os demais o acompanharam com um gesto simbólico de cabeça. Acontecia, no entanto, o seguinte: o dia 24 de agôsto (1954) fôra feriado nacional e, ainda mais, feriado estadual no Estado de onde provinha o recurso, circunstância esta documentada com o respectivo “Diário da Justiça”. Demais disso, numa superfetação de prova do notório, o recorrente fizera juntar aos autos certidão, da qual constava que a Secretaria do Tribunal a quo não funcionara naquele dia. Como, pois, admitir que o recurso fôra interposto a destempo, louvando-se na data do protocolamento da petição, se êsse dia fôra feriado nacional e estadual, e se nêle, nem por absurdo, a Secretaria do Tribunal funcionara? Sem dúvida alguma; se o plenário pudesse ter ouvido o advogado, após o voto do relator, até êste teria retificado o seu pronunciamento. Tanto mais quanto o recorrido, que bem deveria conhecer a situação, se abstivera de argüir a intempestividade. A não ser que se quisesse presumir, contra o recorrente, que não valendo a data do protocolo, o recurso tivesse sido interposto a 25, ou noutro dia depois dêsse…
Temem alguns juízes que a crítica do advogado, ao voto do relator, resulte menos respeitosa. Para a linguagem agressiva ou ferina, há o corretivo da admoestação da Presidência e até da cassação da palavra. O causídico pouco educado, tanto se conduzirá mal nessa oportunidade, como em qualquer outra em que use da palavra. Se a crítica fôr educada, ainda que veemente e demolidora, o que cabe aos juízes é se advertirem de que, nêles, a autoridade para dizer do direito dos indivíduos se deve temperar pela humildade em reconsiderar os erros acaso cometidos. O juiz que superpõe o amor próprio ao dever de corrigir-se do êrro cometido não está à altura da grave missão de julgar. Esquece, aliás, que há um juiz que, um dia, nos julgará a todos. A que grandezas não atingiria a Justiça quando, analisado o seu voto pelo advogado, o relator tivesse a nobreza de reconsiderar-se. Ou quando o tribunal fôsse levado a divergir do seu voto, ante as objeções ouvidas ao patrono da parte? Será que pode haver duas opiniões sôbre o problema ético do juiz diante do êrro?
Nos embargos, muitas vêzes, e sempre nos recursos de revista e nas ações rescisórias, a critica oral do advogado aos arestas impugnados se faz, sem quebra do devido respeito, perante alguns ou todos os juízes que os proferiram. Dessa circunstância, no entanto, contingência mesmo do feitio de tais remédios processuais, jamais resultaram os inconvenientes do tratamento desrespeitoso ou das suscetibilidades feridas.
No Regimento Interno do Tribunal do Rio Grande do Norte, em virtude de emenda por nós oferecida em dias de 1945, quando tínhamos a honra de integrar aquela côrte, figuram as seguintes disposições:
“Durante a sustentação oral e os debates, qualquer desembargador poderá interrogar o advogado sôbre pontos da sua argumentação e da prova, sem que, entretanto, entre êles se estabeleça diálogo” (art. 41, nº I).
“Ao advogado se permite, durante a discussão e mediante permissão do presidente, oferecer sumariíssimos esclarecimentos sôbre pontos do processo, vedada a dialogação entre êle e os desembargadores” (art. 41, nº II).
Êsses textos, cuja adoção pleiteamos invocando o caráter supletivo e complementar dos regimentos dos tribunais, em relação ao processo na instância superior, vão, como se vê, bem além da providência instituída na lei nº 2.970. O tribunal, antes de 1945, rejeitara uma tentativa nossa no sentido do seu acolhimento. Mas a ocorrência, após isso, de um ou outro equívoco, a que nenhuma côrte de justiça se furta, de tal sorte falha é a justiça humana, fêz que os nossos pares prestigiassem a sugestão, à unanimidade, quando, algum tempo depois, por nós reiterada. E cêrca de um lustro ainda julgamos naquele grande tribunal, assistindo à aplicação diária das inovações e utilizando-as como desembargador, sem que outro resultado colhêssemos, que os bons frutos de decisões mais seguras para os juízes e mais tranqüilizadoras para as partes. Não nos consta que, após o nosso afastamento do Rio Grande do Norte, daqueles textos se tenham recolhido efeitos diferentes dêsses. A cautela com que admitida a interferência do advogado no julgamento, o zêlo da presidência, a ética dos causídicos, o seu interêsse natural em utilizar a intervenção para convencer e não para perturbar, tudo concorreu para êsse êxito.
Por que então, providência de alcance mais restrito, iria, pelo país afora, perturbar a paz bucólica dos tribunais? Nem vale supor que em se tratando, naquele caso, da um meio pequena, êsse pudesse ser um fator de comedimento na atuação dos advogados. A circunstância pode atuar também no sentido oposto, exacerbando a paixão da defesa e o amor próprio dos juízes.
Estamos certos de que o processo, perante os tribunais, exige um pouco mais de dinamismo para ganhar em eficiência. Um debate frio, ou nenhum debate, frustra o julgamento colegial na sua essência, porquanto êle se destina ao acertamento do juízo pela permuta de argumentos, pela contradição de opiniões, pelo esmiuçar conjunto das circunstâncias.
Aliás, uma reserva lavra generalizada, entre os advogados que postulam perante o pretório excelso, quanto à sua maneira de julgar. E embora todos se guardem de manifestá-la de público, nada tem, a nosso ver, de desrespeitosa. É a de que pouco se debatem as causas, sendo regra a aceitação silenciosa do voto do relator. Com dizê-lo, pensamos antes servir do que desservir o egrégio Tribunal. Até porque, só poderiam entender mal um depoimento como êste, aquêles que confundissem o juiz, servidor da coletividade nacional, com o indivíduo investido na função judicante, para receber a crítica respeitosa e elevada como um agravo às pessoas. E homens dêsse modesto estalão, felizmente, não nos oferece nenhum a Suprema Côrte da República.
Outra reserva generalizada entre os advogados, e que não dizendo com o Supremo Tribunal, serve a ver como o julgamento em colégio, atarefadíssimas as côrtes de justiça, tôdas a exigirem doe seus componentes o sacrifício de um trabalho exaustivo, vem perdendo em eficiência, é a de que nem sempre atentam, os magistrados para o patrono que ocupa a tribuna. O mal não é de hoje. LEVI CARNEIRO, há alguns anos, já em “O livro de um advogado” (pág. 68), prevenia contra êles os juízes. Nem é sòmente nosso. CARNELLUTTI, nas “Lezioni”, o censura nos juízes italianos (volume II, pág. 181).
Tudo isso, porém, são razões, a mais, para ter como conveniente a providência instituída na lei nº 2.970.
Todavia, sem embargo de tudo isso, por mais que divirjamos da colocação, que do problema em debate vem de fazer o Supremo Tribunal, o que nos cabe é aceitar o seu pronunciamento. E, talvez um dia, a própria Côrte Suprema o venha a rever, tão certo é que, freqüentemente, os tribunais, sensíveis à realidade ambiente e na boa-fé com que Julgam, reconsideram pontos de vista para acolher inovações antes repelidas. Raras são mesmo, entre as grandes construções da jurisprudência brasileira, aquelas cujas teses não tropeçaram, de inicio, na reserva e no espírito cauteloso dos juízes.
______________
Notas:
* N. da R.: Trabalho lido no Instituto dos Advogados Brasileiros, sessão de 20-12-956.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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