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A Constituição Federal de 1988 Como Fundadora de Um Novo Modelo de Acesso à Justiça

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Nathaly Campitelli Roque

Nathaly Campitelli Roque

23/10/2018

Como amplamente noticiado, a Constituição Federal de 1988 fez 30 anos neste mês. É a segunda Carta Constitucional mais longeva do País (a mais duradoura foi a Constituição Política do Império, que vigorou entre 1826 e 1891). Em todos esses anos, foi comemorada como texto democrático e criticada por seu caráter prolixo e repetitivo. Foi emendada 99 vezes (tendo alguns de seus trechos mais alterados do que outros) e sempre conviveu com a ideia de ser substituída por um novo texto.

Independentemente das críticas, não se pode negar que a chamada Carta Cidadã consagrou diversos novos direitos, alguns dos quais são inquestionáveis atualmente – tidos quase como intocáveis e sobre os quais a sociedade não admitiria retrocesso. Um desses direitos é o do amplo acesso à Justiça, entendido tanto como o acesso ao Poder Judiciário quanto o acesso aos direitos de forma geral.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu art. 5º, XXXV, que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direitos seria excluída da apreciação do Poder Judiciário. Essa garantia, já tão normalizada no cotidiano, foi uma grande novidade: desde 1937 (quando a Constituição Federal de 1934 foi revogada), não havia a consagração de um direito de acesso ao Poder Judiciário em caráter tão amplo.

Devemos lembrar-nos de que tradicionalmente os diplomas constitucionais brasileiros impunham restrições ao amplo acesso ao Poder Judiciário. Com exceção da Constituição Federal de 1934, é o que se constata desde a Constituição Imperial de 1824 até a Constituição de 1967/1969. Nesta última, verifica-se que o art. 11 do Ato Institucional nº 5 estabelecia estarem excluídos da apreciação do Poder Judiciário todos os atos praticados com fundamento no referido ato institucional. Tal ato também excluía a possibilidade de pleitear habeas corpus nas situações ali mencionadas (art. 10).

Da mesma forma, ganhou status constitucional a garantia de patrocínio jurídico aos que comprovem insuficiência de recursos, além da expressa consagração dos direitos de ampla informação exercíveis contra os órgãos públicos (direito de certidão e petição, assim como um remédio constitucional próprio – o habeas data); a proteção contra provas ilícitas; o direito de publicidade dos atos processuais;  e o direito de ser julgado pela autoridade competente, entre diversas novidades no rol de direitos fundamentais. São todos eles cláusulas pétreas, como estabelece o § 4º do art. 60 da CF.

Entretanto, o acesso à Justiça que se pretendia à época era mais amplo: mais direitos foram contemplados – como a proteção ao trabalhador, ao contribuinte, ao empreendedor (urbano e rural), ao consumidor, à infância e à juventude, ao idoso, ao indígena, além da implantação de políticas específicas quanto a saúde, seguridade social, educação, cultura, desporto, inovação e tecnologia, comunicação social, entre diversos temas.

Aqui, o texto constitucional é acusado de ingressar em pormenores que deveriam ser resolvidos por leis infraconstitucionais e, assim, poderiam ser mais bem adaptados às modificações do quadro sociopolítico-econômico responsáveis pela carta de valores que ilumina os novos (e velhos) fatos. No entanto, um olhar mais atento à história constitucional do Brasil e do mundo leva à conclusão um pouco diversa.

Em primeiro lugar, foi seguida a tendência das constituições dirigentes da época (tendência que se consolidou após a 2ª Guerra Mundial e se espalhou pelo mundo na década de 1970, com a queda das ditaduras tanto na Europa quanto na América Latina, África e Ásia). Logo, qualquer comparação com a exígua Constituição Americana não se justifica, pois esta foi concebida em outra época, sob o fundamento de outros valores.

Além disso, havia a preocupação em evitar que os novos direitos fossem revogados por alterações políticas posteriores (o que se mostrou fundada com o passar do tempo).

Conclui-se, então, que a nossa longa, prolixa e repetitiva Constituição Federal objetivou garantir que os direitos consagrados no sistema jurídico brasileiro (sejam eles já clássicos ou novíssimos) pudessem ser acessíveis no Brasil a qualquer pessoa (brasileira ou não, residente ou não). E elegeu como seu garante o Poder Judiciário, sem excluir a responsabilidade do Poder Executivo e do Poder Legislativo em tal finalidade.

Como dissemos no início deste artigo: ninguém mais consegue pensar em não ter a possibilidade de contar com o acesso a seus direitos e de não poder contar com o Poder Judiciário se necessário for para tal intento. Contudo, precisamos ter claro que, se o acesso à Justiça (amplo, como querido pela Constituição Federal) não foi efetivado nos termos contemplados, decerto a responsabilidade não é do Texto Supremo.

É inegável, porém, que muitos avanços ocorreram. É facilmente constatável (e as pesquisas empíricas a tal respeito assim o demonstram) que é de amplo conhecimento a existência dos direitos do trabalhador, do consumidor e de acesso à saúde e à educação. Inexistentes em muitos Estados antes da Carta de 1988, as Defensorias Públicas são uma realidade.

É certo que o Poder Judiciário tem que lidar com um grande aumento de causas (muitas delas repetidas e de interesse de um pequeno grupo de litigantes), que a Defensoria Pública ainda não atinge todas as comarcas e seções judiciárias do País, e que determinados direitos ainda não estão devidamente disseminados, ou seja, ainda há muito por fazer para alcançar a meta constitucional.

Devemos, assim, ter a consciência de que não se muda a sociedade por decreto (nem por Constituição). E também não nos cabe desistir do plano por ele se revelar trabalhoso.

Cabe a nós assumir nossa responsabilidade pela realização de seus termos e, como operadores e/ou estudiosos do Direito, buscar os melhores meios para que tal garantia seja efetivada, e, sobretudo, zelar para que nenhum regresso em direitos seja admitido – em especial, o acesso à Justiça.

P.S. No dia 25/10, o Grupo Editorial Nacional | GEN fará o lançamento da obra Constituição Federal Comentada, da qual diversos autores participaram (o que me inclui). Aguardamos todos na Livraria Cultura da Avenida Paulista, a partir das 19 horas.


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