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A autorização como forma de outorga de serviços públicos o caso das apostas de quota fixa

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A autorização como forma de outorga de serviços públicos: o caso das apostas de quota fixa

APOSTAS DE QUOTA FIXA

BETS

LOTÉRICA

Ingo Wolfgang Sarlet

Ingo Wolfgang Sarlet

23/07/2025

Tema que, embora não seja novo, atraiu novos holofotes mais recentemente, diz respeito às possibilidades e limites do recurso à autorização como forma de outorga de serviços públicos. O caso que aqui se seleciona para ilustrar o problema, diz respeito ao acirrado debate que ora se trava no Supremo Tribunal Federal em relação à legitimidade constitucional da Lei nº 14.790/2023, que tem por objeto a regulação das atividades lotéricas de aposta de quota fixa, mais conhecida como Lei das Bets. Como é notório, tal legislação foi impugnada mediante uma série de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, dentre as quais se destaca a ADI nº 7.749, promovida pelo Procuradoria-Geral da República (PGR).

Dentre os diversos pontos questionados na referida ADI, o que aqui se busca apresentar e discutir diz respeito à alegada inconstitucionalidade do “próprio método de entrega da prestação do serviço em tela”, uma vez que a Lei nº 14.790/2023 institui a autorização como instrumento de outorga do serviço público lotérico da modalidade de aposta de quota fixa, o que, conforme sustenta a PGR, violaria o artigo 175, caput, da Constituição Federal (CF), que determina que incube ao poder público prestar serviços públicos diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, mediante licitação.

Por mais que mereça todo o respeito e consideração o entendimento sustentado pela PGR, e sem que se vá aqui discutir o mérito de outros argumentos esgrimidos contra a Lei 14.790/2023, o fato é que tal linha de raciocínio soa equivocada, inclusive em face da própria jurisprudência do STF.

O fato é que as loterias são serviço público no Brasil, embora não o sejam por força de disposição constitucional, mas sim, por escolha legislativa, cabendo ao legislador definir o regime de outorga de tais serviços. Ademais, a utilização de autorização para outorga de serviços públicos não é estranha à CF, e, no caso específico, acaba por ser a opção que melhor atende ao interesse público e à proteção dos direitos e valores constitucionais implicados.

Calha gizar que não se encontra, na CF, qualquer disposição que atribua titularidade estatal às atividades lotéricas. Se as atividades lotéricas – incluídas aí as apostas de quota fixa – são serviços públicos, o são por escolha do legislador, e não do constituinte. No próprio julgamento conjunto das ADPFs nº 492 e 493 e da ADI nº 4.986, sobre o qual a PGR erige seu argumento, o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, deixa o ponto claro: “desde 1932, como visto, o legislador não hesita em atribuir um regime de direito público a essas atividades”. Note-se, assim, que é o legislador ordinário, e não o constituinte, que atribui o regime de direito público às atividades lotéricas.

No mesmo sentido, o ministro Luís Roberto Barroso, em texto doutrinário datado de 2000, assim definiu a questão:

Formalmente serviço público

As atividades lotéricas, logo se vê, não tem natureza essencial de serviço público, mas são assim qualificadas por desígnio legislativo, atendendo a fins estratégicos e de conveniência da administração. Conquanto seja extenso o tratamento doutrinário às loterias como serviço público, concepção hoje encampada pelo STF [2], a categorização se dá por adoção de perspectiva formalista de serviço público, segundo a qual, como explicou o ministro Gilmar Mendes, em seu voto na ADPF nº 492/RJ, “o que define o serviço público não é a avaliação subjetiva da relevância social da atividade, mas antes o próprio regime jurídico de direito público ou privado que lhe é correlato”. O ministro Barroso reconhecia que não se trata de “atividade vital ou indispensável para a comunidade”[3]; Caio Tácito já lecionava que o serviço lotérico “não tem a natureza ontológica ou essencial de um serviço público próprio, como prerrogativa inerente à atividade do Estado”[4]; Alexandre Santos de Aragão, por seu turno, inclui as loterias na categoria das “atividades econômicas exploradas pelo Estado, em regime de monopólio ou não, que possuem, naturalmente, interesse público, mas que não são relacionadas diretamente com o bem-estar da coletividade, mas sim com razões fiscais, estratégicas ou econômicas”[5].

Apesar de formalmente serviço público, portanto, a atividade lotérica não apresenta a essencialidade de um serviço público típico. Daí que não se fala em obrigação do estado em prestar serviços lotéricos, nem se cogita em obrigação de universalização dos serviços de apostas, nem há de se falar em dever de continuidade dos serviços lotéricos e de apostas, o que seria exigível se se tratasse de um serviço público essencial. O que se quer destacar com isso, é que é preciso compreender as atividades lotéricas e de apostas como sendo serviço público por motivo de conveniência administrativa, e não como uma atividade essencial que mereça um regime jurídico especial por se tratar de uma atividade prestacional com vista à promoção do bem-estar da comunidade.

Autorização como instrumento para outorga

A exploração de serviço público por autorização é, portanto, constitucional e é legítima. A delegação de serviços públicos por meio de concessão e permissão, precedida de licitação, busca assegurar os princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e eficiência, mas não deve ser encarada como um fim em si mesma, o que o e. STF vem explicitando em diversas oportunidades. O ministro Luiz Fux, relator da ADI nº 4.923, no qual se discutia a constitucionalidade do Novo Marco Regulatório da Televisão por Assinatura, definiu muito bem a questão:

Mais recentemente, tal racionalidade foi explicitada também na ADI nº 5.549, que reputou constitucional a previsão de autorização como instrumento para outorga da prestação regular do serviço de transporte coletivo interestadual e internacional de passageiros desvinculada da exploração de infraestrutura. Conforme explicou o ministro Luiz Fux:

O ministro André Mendonça em seu voto também bem enquadrou a questão:

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