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Sociedade por ações – Subscrição de ações novas – Pedido, causa ou questão e lide

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 145

Revista Forense

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12/11/2021

REVISTA FORENSE – VOLUME 145
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A nacionalidade e a condição dos apátridas – Francisco Campos; José Joaquin Caicedo Castilla; Georges H. Owen; Osvaldo Vial; Mariano Ibérico
  • Expulsão de sócio de sociedade civil e controle jurisdicional – Miguel Reale
  • Do dever de declarar-se falido no prazo legal e suas relações com o requerimento de concordata preventiva – Rui Carneiro Guimarães
  • O Executivo e as leis inconstitucionais – Antônio Carrillo Flores
  • Encargos do Ministério Público no ramo civil – H. da Silva Lima
  • Variações sôbre recursos – L. A. Costa Carvalho
  • Maioria nas eleições presidenciais norte-americanas – Matos Peixoto
  • Sociedades por ações – Substituição de diretores por membros do Conselho Fiscal – Aloísio Lopes Pontes
  • Em defesa do Prof. Rafael Bielsa – Editorial Revista Forense
  • Entidades de direito privado ou de direito público, que recebem ou aplicam contribuições para fiscais – Prestação de contas – Bilac Pinto
  • Sôbre um veto (matéria constitucional) – Alcino Pinto Falcão

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

  • Jurisprudência Civil e Comercial
  • Jurisprudência Criminal
  • Jurisprudência do Trabalho

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

M. Seabra Fagundes, advogado no Distrito Federal.

Sociedade por ações – Subscrição de ações novas – Pedido, causa ou questão e lide

– A questão é a causa; a lide a conseqüência.

– Uma questão subtraída ao âmbito do recurso escapa à apreciação do juízo “ad quem”.

– A infringência de obrigação contratual negativa não invalida o ato violador, se praticado êste conforme os textos legais.

– Interpretação dos arts. 4º, 287 e 289 do Cód. de Proc. Civil.

EXPOSIÇÃO

São os autores e o réu acionistas de certa sociedade anônima. Alegam os autores que, além daquelas já inscritas em seu próprio nome, possuíam outras ações em nome de terceiro, mero proprietário aparente ou fiduciário.

Em 1944 realizou-se um aumento de capital, da sociedade. No prazo reservado aos acionistas para subscrição das novas ações, nos têrmos do art. 111 do dec.-lei nº 2.627, nem os autores nem o fiduciário exercitaram a preferência que lhes cabia. Por isso, as ações foram subscritas pelo réu e por outros.

Em outra demanda foi atacada a validade das assembléias que deliberaram sôbre o aludido aumento de capital, mas, em julgado definitivo, tais assembléias foram consideradas válidas e regulares, acentuando-se mesmo que suas deliberações tiveram finalidade útil e estavam relacionadas com as negociações convencionadas.

Passados três anos, já em 1947, os autores entraram a demandar do réu a entrega das ações que em 1944 êles e o fiduciário deixaram de subscrever. Alegaram que havia um ajuste por fôrça do qual o capital da sociedade seria repartido em determinada proporção, entre êles e o réu, mas êste, violando o ajuste, impossibilitou a subscrição do aumento de capital. A conclusão da inicial da demanda é a seguinte: “… em razão dos “fatos, deve ser reconhecido aos suplicantes o direito assegurado pelo art. 111 da Lei das Sociedades por Ações, e condenado o réu a entregar e transferir a “F… tantas ações… mediante o pagamento a êle, o réu, das respectivas importâncias que despendeu com a subscrição dessas ações, tudo a fim de que se restabeleçam os direitos e interêsses das partes na sociedade, tal qual foi ajustado”.

A sentença de primeira instância concluía por julgar os autores carecedores de ação, pela decadência do direito de subscrição: Verifica-se, pois, que F. e F., apesar de terem ações em seus nomes, não cogitaram da subscrição de novas, relativamente ao aumento de capital. E se é certo que as demais ações pertencentes a F. e F. se achavam em nome de S., delas titular aparente, a verdade é que também êste não exerceu a preferência que lhe cabia, no tocante a novas ações, nem cedeu – o que é de importância no caso – o seu direito de preferência aos autores, como lhe era facultado pelo art. 111, § 3º, do dec.-lei nº 2.627.

“Houve, assim, com relação a tais acionistas, decadência do direito outorgado pelo art. 111 e 2° do citado decreto-lei.

“Observam os autores, porém, não ser a presente ação intentada contra a Cia.,… razão por que o dispositivo referido nenhum alcance tem, no tocante ao direito que lhes cabe de haver do réu as ações que deixaram de subscrever em virtude do proceder doloso e fraudulento do mesmo réu.

“Acontece, todavia, que regularmente havidas pelo réu as ações em questão – válidas havendo sido julgadas as decisões da assembléia que resolveu o aumento do capital – entraram tais ações para o patrimônio do réu. Se a decadência acima referida resulta, entretanto, de atos de terceiro – o réu, no caso – e se dela decorre dano patrimonial para os autores, é bem de ver que nem por isso cabe o pedido de restituição das ações in specie. Daí a razão por que aos autores não lhes é dado pleitear a entrega das ações, como fizeram”.

Houve apelação e o Tribunal julgou improcedente a prejudicial de carência de ação, determinando, em conseqüência, que o juiz, em nova sentença, apreciasse o mérito da causa. Entendeu o Tribunal que “a ação objetiva, na realidade, a reivindicação de ações que foram subscritas pelo réu e que os autores entendem que lhes pertencem, ações que estão na posse do réu, por haver êste usurpado aos autores o direito que a êles cabia de subscreverem o aumento de capital da sociedade.

“Muito embora a inicial aluda, por mais de uma vez, ao fato de se verem os autores privados do direito preferencial assegurado pelo art. 111 do citado dec.-lei n° 2.627, não é o exercício dêsse direito que êles estão pleiteando. Pretendem reaver do réu, e por isso a ação é dirigida ùnicamente contra êle, pessoalmente, as ações a que se julgam com direito e que dizem se acharem em nome do mesmo réu”.

Contra êste acórdão o réu manifestou recurso extraordinário, porque:

a) negara aplicação ao art. 111 do dec.-lei n° 2.627;

b) decidira extra e ultrapetita, admitindo que os autores alterassem a causa do pedido, após a contestação.

O recurso não foi conhecido. Consoante o voto do relator, o acórdão em foco, apreciando o articulado na inicial, em tôrno do qual se desenvolveram os debates, chegou à evidência de que a lide proposta tem o escopo precípuo de obrigar o réu pessoalmente, diante do ajuste que as partes teriam firmado, a entregar aos autores as ações da companhia aludida na causa, relativas ao aumento de seu capital. È êle réu acusado, segundo ainda ficou acentuado, de se haver apoderado de tais ações por meios fraudulentos, subscrevendo-as indevidamente, com o que usurpara o direito que cabia aos ditos autores, por vinculação já referida.

“Deu-se, assim, primafacie, o exame de questões de fato, conforme competia soberanamente à Justiça estadual, sem se cogitar, tampouco, da transgressão do também citado art. 111, eis que não se pleiteia, bàsicamente, na demanda, a preferência de que trata êsse dispositivo; cuida-se, apenas, de encarar o proceder doloso atribuído ao ora recorrente, cuja prática haveria prejudicado o direito daquela preferência, colimando-se o restabelecimento dêsse direito por meio da reivindicação dos títulos litigiosos. Eis o que, em última análise, haverá de ser decidido, afastada portanto a preconizada prejudicial de carência de ação, como já o fêz o acórdão sub censura”.

Voltaram os autos à primeira instância e o juiz, adstrito ao entendimento do Tribunal local e do Supremo, que conceituaram a ação como de reivindicação, assim a julgou, e improcedente.

Nova apelação

Nova apelação dos autores, provida nestes têrmos: “Assim decidem pelas considerações de fato que se seguem e das quais resulta não se poder negar que a deliberação da assembléia geral, antes de realizada a operação de crédito de que deveria provir o numerário necessário ao resgate da divida, importou flagrante violação ao ajuste segundo o qual na futura constituição da nova sociedade o capital social seria distribuído…

“… Do mesmo modo que o fizera na sua primeira sentença, ainda desta feita o Dr. juiz de direito situou a questão fora do seu verdadeiro plano de julgamento, entendendo que os autores objetivam a reivindicação de ações da nova sociedade. Partindo, assim, de errôneo pressuposto, estabelecendo uma falsa premissa, foi levado a uma conclusão menos acertada.

“Na realidade, o que os autores objetivam é compelir o réu ao cumprimento do ajuste que antecedeu as negociações para organização da sociedade”.

Por isso condenou o réu “na forma do pedido inicial”, isto é, a entregar aos autores as ações que lhes deveriam caber, na conformidade do ajuste referido.

Posteriormente, em embargos declaratórios, acentuou que as ações deverão ser entregues com os dividendos produzidos desde sua emissão.

*

Assim exposto o assunto, formulam-se quesitos, adiante transcritos e respondidos.

Parecer sobre caso de Sociedade por ações

Primeiro quesito. Dado que, em aresto definitivo, o Tribunal de São Paulo havia assentado que a demanda objetiva a reivindicação de ações, era lícito àquele Tribunal, em aresto posterior, conceituar a mesma demanda não mais como ação de reivindicação, e sim como ação tendente a compelir o réu ao cumprimento de um ajuste? Êste segundo aresto implica ofensa ao princípio do art. 289 do Cód. de Proc. Civil, segundo o qual nenhum juiz poderá decidir novamente as questões já decididas?”

Definida a natureza da ação pelo primeiro julgado, e tendo acarretado essa definição conseqüências peculiares, inclusive a de vincular o juízo inferior ao exame do pedido á êsse prisma, sob pena de se pôr em xeque com o juízo superior. recebendo ainda virtual confirmação do Supremo Tribunal, no acórdão com que repeliu o recurso extraordinário, não seria possível tornar atrás conceituando a demanda de modo diferente.

A situação que assim se criou, percebe-se de logo com segurança, é jurìdicamente anômala.

O problema que se apresenta, como por vêzes ocorre pela singularidade das situações criadas, é apenas de enquadramento, nos textos legais, da anomalia constatada. Diz respeito à subsunção do caso excepcional, dentro das regras às quais o legislador circunscreveu os poderes do juiz no tempo e no conteúdo.

Artigo 289

Temos que o segundo aresto da côrte paulista pode ser apreciado como infringente, não apenas do art. 289 do Cód. de Proc. Civil, referido na consulta, mas ainda dos arts. 287, parág. único, e 4º do mesmo estatuto. Ora de frente, ora por via oblíqua.

O art. 289 veda, salvo duas exceções que discrimina, decida o juiz “novamente as questões já decididas relativas à mesma lide“. Distingue, portanto, entre questões e lide.

Cumpre, assim, para perquirir-lhe o sentido e entendê-lo, fixar os conceitos que se traduzem nessas palavras.

A questão é a causa; a lide a conseqüência.

Questão, como define CARNELUTTI, é “todo ponto dúbio de fato ou de direito, tôda incerteza em tôrno da realidade de um fato ou em torno da sua eficácia jurídica” (“Lezioni di Diritto Processuale Civile”, ed. Cedam, vol. IV, págs. 2-3). Em outras palavras: é a dúvida suscitada, seja a propósito da existência ou do sentido de um fato, seja quanto à espécie ou à inteligência da norma a ele aplicável.

A lide é o conflito de interesses que nasce em conseqüência da dúvida assim suscitada sôbre os fatos ou o direito (CARNELUTT1, ob. cit., vol. I, págs. 125-128). É a situação contenciosa oriunda dos pontos de vista opostos em que se colocam dois ou mais interessados. É o litígio da terminologia usual e tècnicamente despreocupada dos processualistas reinícolas e pátrios.

Pràticamente, as questões não são mais do que os diversos aspectosjurídicos que se discutem no processo, que constituem, enfim, a tessitura da relação processual. Uns originários, suscitados nas peças fundamentais de defesa (inicial e contestação), outros intercorrentes, que, não sendo responsáveis pelo nascimento da lide, vêm contudo alimentá-la, multiplicando os pontos de divergência entre os interessados e procrastinando a sua solução (questões incidentes).

A lide encontra nas questões a sua origem e finda pela solução delas.

Na espécie, a lide se traduziu num conflito de interêsses em tôrno de ações emitidas para aumento do capital da sociedade. Foi a propósito do destino dessas ações que os interêsses econômicos das partes – autores e réu – se puseram em choque.

As questões, isto é, as controvérsias de fato e de direito, das quais nasceu esse conflito, compreendem a interpretação das atitudes do réu quanto ao aumento do capital social (aspecto de fato), da oportunidade e do conteúdo da demanda intentada contra ele, quer em face da Lei das Sociedades por Ações (pretensão de tornar efetivo o direito de subscrição do aumento de capital), quer em face do Cód. Civil (pretensão à propriedade das ações, cuja subscrição teria sido feita por outrem – o réu – com infringência da lei), etc.

Ora, se assim é, e se, quanto à natureza do pedido, se pronunciou o primeiro acórdão considerando a ação como reivindicatória, não podia o segundo tornar atrás dessa afirmativa para dizê-la ação por inadimplemento contratual.

A questão concernente à natureza ou conteúdo do pedido – uma das questões da lide – já estava resolvida. Não seria possível, portanto, sem ferir o art. 289, novo pronunciamento sôbre ela.

Dir-se-á, talvez, que êste dispositivo tem em vista apenas as questões que constituam objeto do dispositivo dos julgados, visando deixar expressa a ocorrência de preclusão, após cada decisão parcial.

Na verdade, essa é uma ilação a tirar do texto, mas não a única, nem mesmo de tanto relêvo que por si só o explique como inovação em nosso processo civil.

Para consignar a perda parcial da jurisdição, à proporção que o juiz vai decidindo dentro do processo, bastaria o sistema de recursos, que funciona em função dos diversos despachos ou decisõs interlocutórias proferidas (arts. 842 e 851 do Cód. de Proc. Civil).

Os velhos Códigos processuais dos Estados, como o regulamento nº 737, careciam de disposição idêntica, e, no entanto, jamais se admitiu pudesse o juiz ou tribunal reconsiderar as decisões interlocutórias, sem que para tanto se lhe outorgasse momento específico (agravo e embargos infringentes ou de nulidade).

Mas se tal se admitir, ter-se-á de considerar – não há como fugir à alternativa – que a anômala situação nascida do segundo aresto do Tribunal paulista dá lugar à invocação do art. 287, parág. único.

A reconsideração do ponto de vista expresso no primeiro acórdão, sôbre a natureza da ação, traduz uma violação do princípio da coisa julgada, tal como o consagra êsse texto.

E que, segundo nêle se dispõe, não sòmente o conteúdo do dispositivo exprime a decisão. Também os motivos, quando constituam premissa necessária do julgamento, se têm como matéria decidida, fazendo, portanto, coisa julgada.

Oa, no caso de que se trata, a fixação da natureza do pedido foi premissa necessária da rejeição da prejudicial, pois, se não caracterizada como reivindicatória a ação, os autores teriam decaído do direito de preferência porque não exercido no prazo fixado pela assembléia geral, que, nos têrmos do art. 111, § 2°, da Lei das Sociedades por Ações, deliberou o aumento de capital.

Nem é possível pretender que a natureza reivindicatória do pedido não seria essencial à rejeição da prejudicial de decadência, argumentando-se que, uma vez afastado o enquadramento da ação no citado art. 111, § 2º, da Lei das Sociedades por Ações, qualquer que fôsse a ação tida como cabível afastada estaria a argüição de caducidade do jus agendi.

Certo não sòmente o atribuir-se à demanda caráter reivindicatório, seria razão para excluir a caducidade do direito dos autores. Outra qualquer que fôsse a ação, contanto que não assente, originariamente, no dispositivo citado, estaria rejeitada a prejudicial. Mas, na espécie, o motivo em que o aresto se baseou, a premissa que êle construiu, para, daí partindo; chegar à rejeição da preliminar, foi a de que a ação era reivindicatória. Esta a situação no caso concreto e, por conseguinte, a situação a considerar. Não é possível argumentar em tese, quando se está diante de uma espécie definida. Não importa o que poderia ser; importa o que é. O texto legal se destina a reger casos concretos e não conjeturas.

É bem verdade que o princípio consagrado no § 2° do art. 287, não pertinente apenas ao nosso direito, recebe, dos autores em geral, acolhida cautelosa pelas demasias a que pode dar ensejo (LOPES DA COSTA, “Direito Processual Civil”, 2ª ed., vol. III, pág. 124; JOSÉ ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil”, 1939, pág. 413; EDUARDO COUTURE, “Fundamentos do Direito Processual Civil”, versão portuguêsa de RUBENS GOMES DE SOUSA, págs. 357-360).

Mas não é menos verdade que a prudência no acolhê-lo não exclui se admita a sua aplicação, quando conclusão e motivos se integrem como um todo.

Entendimentos sobre o assunto

Para EDUARDO COUTURE, as questões que tenham sido objeto de debate expresso no processo, embora sem dar lugar a uma decisão explícita, devem considerar-se “implìcitamente resolvidas em um ou outro sentido como antecedentes lógicos da decisão” (ob. cit., pág. 359).

E LOPES DA COSTA afirma que “a última conclusão da sentença e o pressuposto de que ela derivando são elementos que se possam reparar, antes compõem um todo incindível, formando a substância da coisa julgada” (ob. e vol. cits., pág. 127).

Aliás, como adverte CARNELUTTI, há casos até em que o julgado é contido exclusivamente nos motivos, sendo indispensável ter êstes em conta para lhe poder conhecer e medir a extensão (ob. cit., volume IV, págs. 432-433).

Mesmo PONTES DE MIRANDA e PEDRO BATISTA MARTINS, particularmente inclinados a restringir o princípio da integração dos fundamentos no dispositivo, admitem façam coisa julgada os “motivos de que a parte dispositiva expressa seja conseqüência necessária” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, 1947, vol. II, pág. 356) e sustentam que “se há de forçosamente considerar decidida, de modo implícito e virtual, pela sentença”, a “premissa necessária de sua conclusão”, a premissa sem cuja aceitação “inaceitável se torne a conclusão” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, 1942, vol. III, pág. 346).

E, de certo modo indo até mais longe, já assentou o Supremo Tribunal, sobre voto do insigne ministro OROZIMBO NONATO, que o julgado não alcança apenas as questões às quais expressamente se reporte, senão também aquelas cuja solução esteja implícita nos seus termos (rec. extr. nº 8.462, “REVISTA FORENSE”, volume 121, págs. 106-108).

Ora, o primeiro acórdão é explícito, e mesmo insistente, no afirmar a natureza reivindicatória do pedido, para daí afastar o caráter que o réu atribuía à demanda – ação destinada a fazer valer o direito de subscrição ao aumento de capital – e decidir repelindo a preliminar de decadência: “A ação objetiva, na realidade, a reivindicação de ações que foram subscritas pelo réu e que os autores entendem que lhes pertencem……………………………………………………………………………………………..

“Pretendem reaver do réu, e por isso a ação é dirigida contra ele, pessoalmente, as 900 ações a que se julgam com direito ………………………………………………………………………………………………………..

“Desse modo não se cogita de ação fundada naquele dispositivo legal (reporta-se ao art. 111, § 2º, da Lei das Sociedades por Ações, de cuja aplicação decorreria a decadência do jus agendi), devia ser ela julgada pelo seu merecimento, repelida a argüição de decadência e apreciando o juiz as alegações das partes.

“É o que determinam com o provimento parcial da apelação e na conformidade do dispositivo dêste acórdão”.

Sem dúvida possível vincula-se o motivo (natureza reivindicatória da ação) ao provimento (rejeição da prejudicial de decadência).

Nem é possível conter o princípio nos estritos limites da exemplificação em que se repetem alguns autores: a sentença que julga procedente ação reivindicatória reconhece virtualmente o domínio do autor.

Isto seria reduzi-lo a uma regra inócua, inconseqüente, sem razão alguma incorporada pelo legislador à codificação processual.

Se o domínio é, sempre, o fundamento do pedido reivindicatório, se pela natureza mesma da ação reivindicatória não é possível intenta-la sem base no domínio, não seria mister recorrer ao preceito do art. 287, § 2º, para ter como pressuposta pela sentença, que defere pedido de reivindicação, a qualidade de proprietário do autor.

Então seria o caso de exemplificar, igualmente, com as ações de desquite, renovatória de contrato de locação, divisória, de petição de herança, e tantas outras, para inferir-se, por aplicação daquele texto, que a procedência delas importa o reconhecimento das qualidades de cônjuge, de locatário, de condômino, de herdeiro, nos respectivos autores. Mas para isso deduzir das sentenças acolhedoras de tais pedidos não haveria necessidade de texto específico, pois que cada uma daquelas qualidades representa pressuposto necessário de cada uma daquelas ações. Nenhuma delas pode ser intentada com êxito, senão por quem seja cônjuge, locatário, condômino, herdeiro.

O texto do Código há de ter outro alcance que não êsse, incapaz de justificá-lo como inovação. Há de abranger exatamente os casos que, não encontrando solução nos pressupostos mesmos de cada ação, exijam, pela sua configuração imprevista, disciplina especial. Há de abranger aquêles casos em que motivos eventuais (e não os peculiares a tôdas as ações da mesma natureza) sirvam de base necessária à conclusão.

O art. 4° da codificação processual restringe o conhecimento do juiz ao objeto do pedido. Ora, assente pelo Tribunal, quando foi levado a apreciar o seu conteúdo para decidir a prejudicial de decadência (primeiro acórdão), que a demanda tinha por finalidade reivindicar certo número de ações, a decisão posterior (segundo acórdão), emprestando-lhe sentido absolutamente diverso, fugiu à. restrição legal. Julgou extra petita.

Evidentemente, se o julgador, no apreciar o pedido, empresta-lhe determinada conceituação, ele passa a ser o que a sentença diz que é. O seu conteúdo e c seu sentido passam a ser aquêles que, na interpretação da vontade do autor, das objeções do réu e da prova, se afiguram ser ao juiz. A manifestação deste, com o cunho de ato decisório, fixa determinado critério, pelo que não comporta retificação, salvo dentro dos prazos de recurso e no âmbito que a lei assina aos recursos.

Pode-se dizer que o contraditório é fixado pela litiscontestação, subjetivamente, isto é, dentro dos limites com que as partes supõem demarcar o litígio. Mas é na decisão que lhe sucede que ele se fixa objetivamente.

Se esta decisão é a própria sentença definitiva, não há cogitar de sua repercussão prática como ato de fixação do contraditório, pois o define ao mesmo tempo que põe têrmo à lide. Confundindo-se o momento de defini-lo com o julgamento mesmo da lide, perde qualquer interesse o exame da sua extensão.

Tratando-se, no entanto, de decisão interlocutória, se nela se antecipa à fixação do contraditório, o fato reveste o maior relêvo no desenrolar futuro da relação processual, por isto que compromete o juízo para a sentença definitiva. Esta não poderá exceder os extremos assim determinados à demanda.

Poderá parecer que o momento para apreciar a natureza da ação não era o do primeiro julgamento do Tribunal, e sim o em que se tivesse de analisar o pedido em si. Desde, porém, que se ponderem devidamente as circunstâncias do caso, ver-se-á que, ao contrário, aquela era, precisamente, a oportunidade de caracterização do pedido. Para repelir a preliminar de decadência era indispensável excluir a enquadração do pedido no art. 111, § 2º, da Lei das Sociedades por Ações, e para chegar a tal exclusão era indispensável caracterizar a ação proposta. O momento para o exame dêsse aspecto jurídico, isto é, dessa questão, era, precisamente, o da apreciação da preliminar de decadência.

Nem há confundir a natureza do pedido (aspecto essencial) com a denominação da ação (aspecto secundário).

Desde que apto o pedido ao objetivo visado, a denominação que se empreste à demanda carece de significação maior. Assim já se entendia no direito anterior ao Cód. de Proc. Civil e, em face dêste, que retirou à impropriedade da ação o cunho de nulidade processual (art. 276), com maioria de razão assim se há de entender.

Mas, uma coisa é o nome atribuído à ação pelo autor, no ato de ajuizá-la, e outra é a conceituação do pedido pelo juiz da causa ao ter de pronunciar-se.

Enquanto ali o equívoco é inexpressivo ou corrigível, exatamente porque a apreciação da causa pelo juiz cria ensejo para tal, aqui se está diante de pronunciamento decisório do Estado, de conseqüências naturalmente definitivas.

Não influi sôbre a espécie, para autorizar a duplicidade de critérios adotada, a circunstância de tratar o primeiro acórdão de uma questão prejudicial e o segundo envolver o julgamento do pedido em seu conteúdo intrínseco.

A relação processual é uma só. Guarda, apesar das fases em que se desdobra, absoluta unidade substancial. Conduz, conseqüentemente, a um provimento substancialmente uno do órgão judicante. Já tivemos, aliás, ocasião de ressaltá-lo (“Dos Recursos Ordinários em Matéria Civil”, ed. “REVISTA FORENSE”, págs. 204-205). Se êsse pronunciamento se desdobra em várias decisões, isso decorre de necessidades práticas na metodização do seu desenrolar. Mas, afinal de contas, questões preliminares e sentença definitiva se entrosam, constituindo, no conjunto, o julgamento da lide pela decisão da totalidade das suas questões.

Se tivermos em vista a maneira por que se processa o julgamento colegial quando envolve questões preliminares (processuais ou de mérito) e questões definitivas (de mérito), tomando-se os votos em relação àquelas, proclamando-se o respectivo resultado e sòmente então se passando ao exame das demais, para, após apreciadas, proclamar-se o resultado do julgamento, veremos que a divisão em fases não quebra a unidade da sentença como ato de composição do litígio.

Em fundo, o julgamento não se subdivide de maneira diversa, quando as decisões sôbre questões processuais e mérito (ou sòmente sôbre o mérito, desde que êste comporte diferentes aspectos) se sucedem em momentos distantes no tempo, e quando elas têm lugar, em instantes diversos porém próximos, como costuma ocorrer perante os tribunais, onde o exame das questões preliminares antecede, na apuração e proclamação, o das demais.

Não será, portanto, essa partição formal do pronunciamento que justifique abstrair da unidade substancial da lide para decidir numa segunda fase em contradição com o que se decidiu em outra. anterior.

Cumpre notar que o exame da decadência é uma questão de mérito, pois diz respeito à existência da relação jurídica substanciai entre as partes. O ser formulada como preliminar não é que lhe tira êsse caráter; significa apenas antecipação a outras questões de forma ou de fundo. Decidindo, portanto, êsse ponto, o acórdão julgou uma parte do mérito (CHIOVENDA, “Istituzioni di Diritto Processuale Civile”, 2ª ed., vol. II, seç. I, páginas 489-490). O que cumpria, após isso, era prosseguir, quando azado o momento, na apreciação dêle.

Em abono do ponto de vista restritivo do poder de reconsideração do juiz, ponto de vista decorrente da lei, – artigos 289 e 287, parág. único, e 4°, citados, – nos fornece a doutrina, a outro ângulo, precioso subsídio aplicável à espécie, proclamando que a cognição no juízo de apêlo não há de ter amplitude maior do que aquela que poderia alcançar no juízo de primeiro grau: “O juiz superior, no exame que lhe foi devolvido, deve comportar-se como teria podido e deveria comportar-se o juiz a quo, do qual êle toma a posição” (“Il Poteri del Giudice de Apello”, ed. Cedam, pág. 62).

Desde que, pela afirmação reiterada (no juízo de apêlo e, depois, no extraordinário), se houve a ação como reivindicatória, restringiu-se, para o juízo de primeira instância, o âmbito do conhecimento do mérito. Só lhe seria permitido, – salvo se pudesse conceber a sua rebeldia diante do julgado, – aceitando o ponto de vista do juízo superior, examinar a ocorrência ou não dos pressupostos de ação dessa natureza. Os julgados das instâncias superiores condicionavam o seu pronunciamento, limitavam-lhe o âmbito.

Ora, se o conhecimento na instância ad quem há de ser o mesmo conhecimento possível na instância de primeiro grau, como admitir que o juízo de apêlo ultrapasse limite que êle próprio impôs ao juízo inferior?

Art. 824 do Código processual

Nem o art. 824 do Código processual – onde se diz que a apelação devolverá à superior instância o conhecimento integral das questões suscitadas e discutidas na ação – autoriza o aresto em grau de apêlo a superpor-se, em amplitude à cognição possível do juízo a quo. O objetivo da regra ali firmada é, tão-sòmente, deixar claro que, embora adotado o sistema oral no processo perante a primeira instância, não fica privado o juízo de segundo grau do exame das provas e aspectos ligados à imediatidade. O seu conhecimento das questões será integral, isto é, tão amplo quanta o do juízo apelado.

Tanto é assim que o art. 825 limita a substituição da sentença apelada, pela proferida em grau de apêlo, à matéria que tiver sido objeto do recurso.

Dessarte, uma questão subtraída ao âmbito do recurso (como a de que se trata, pois sôbre ela já não se podia pronunciar o juízo de grau inferior) escapa à apreciação do juízo ad quem.

Segundo quesito. Desde que houve violação do ajuste, dado o proceder do réu, que teria usurpado aos autores o direito de subscrição ao aumento de capital, aquela violação deveria se resolver necessàriamente em perdas e danos, nos têrmos dos arts. 159 e 1.056 do Cód. Civil? E legítima a execução específica no caso de inadimplemento de uma obrigação contratual?”

O inadimplemento contratual tem sempre como conseqüência o pagamento de perdas e danos

O inadimplemento contratual tem sempre como conseqüência o pagamento de perdas e danos, que poderão substituir integralmente a prestação originária (ocorrendo, assim, a denominada execução por substituição), ou apenas majorá-la. Esta é a regra consagrada pelo nosso Cód. Civil (art. 1.056) e dominante no direito das obrigações (GIORGI, “Teoría de las Obligaciones”, versão castelhana, vol. II, pág. 155; CUNHA GONÇALVES, “Tratado de Direito Civil”, 1929, vol. I, pág. 260; M. I. CARVALHO DE MENDONÇA, “Doutrina e Prática das Obrigações”, 3ª ed., vol. II, págs. 5-6; VON TUHR, “Derecho Civil”, versão castelhana, vol. III, págs. 156-157).

Se a obrigação consiste numa prestação pecuniária, o inadimplemento apenas a agrava. Soma-se ao valor primitivamente devido o do prejuízo oriundo da mora (Cód. Civil, art. 1.061).

Traduzindo-se a obrigação em dar (coisa certa ou em espécie), a mora do devedor tem como conseqüência imitir-se o credor na posse da coisa (por mandado de imissão, sendo imóvel, ou de busca e apreensão, sendo móvel), se existente, ou, inexistindo, em pagar valor a ela equivalente, condenado ainda o réu, num caso como no outro, a indenizar os prejuízos advindos do retardamento (Código Civil, arts. 864, 867, 870; Cód. de Processo Civil, arts. 993-994).

No caso de consistir a obrigação numa prestação pessoal, o inadimplemento acarreta a conversão do fato (fazer ou não fazer) em dinheiro, acrescendo-se ao valor arbitrado para essa conversão (dano emergente) o valor dos prejuízos derivados da mora (lucros cessantes) (Código Civil, art. 1.059). A regra é a execução por substituição. A impossibilidade natural de coagir a vontade humana pela fôrça física, a orientar-se num dado sentido, ou a frustração material do objetivo visado, porque consumada a infringência do preceito proibitivo, levam a substituir o ato dependente da vontade do devedor pela apreensão, por parte do credor, de coisas do seu patrimônio (VON TUHR, ob. cit., vol. I, págs. 325-326). Sòmente quando a lei o preveja, de modo expresso, abrem-se exceções a êsse critério. Tal o caso, por exemplo, de obrigação de fazer quando fungível a prestação (Cód. de Proc. Civil, arts. 1.000-1.003). Fora das exceções designadas em lei, as prestações devidas originàriamente in natura converter-se-ão sempre em moeda.

O pedido, tal como caracterizado pelo segundo acórdão, decorre do inadimplemento de uma obrigação de não fazer.

O réu teria infringido ajuste entabulado com os autores, promovendo o aumento do capital social antes do momento convencionado (quando ainda não realizada certa operação de crédito) e subscrevendo ações a êstes reservadas. Teria descumprido a obrigação contratual, que lhe impunha só agir em dado momento e dentro de certos limites.

Ora, assim sendo, se figura o inadimplemento de uma obrigação que se resolve numa prestação pessoal, não há cogitar da execução em espécie.

Aliás, no que concerne às obrigações de não fazer, ainda mais tranqüilo é o princípio da conversão da prestação em valor pecuniário.

AUBRY e RAU têm como inerente à sua natureza a redução a dinheiro: “As obrigações de não fazer se resolvem, por sua natureza, em perdas e danos, no caso de contravenção por parte do devedor” (“Cours de Droit Civil”, 6ª edição, vol. IV, pág. 63).

E CARVALHO SANTOS é incisivo, quando vê na reparação pecuniária “a única solução possível” para o seu inadimplemento (“Código Civil Brasileiro Interpretado”, 2ª edição, vol. 14, pág. 176).

Igual opinião manifesta CUNHA GONÇALVES, afirmando que “não é possível coagir ninguém a cumprir obrigações negativas” (ob. cit., vol. I, pág. 260).

No mesmo sentido PINTO DO AMARAL (“Código de Processo Civil Comentado”, ed. Saraiva, vol. V, pág. 341).

É verdade que, muito excepcionalmente, se sugere uma hipótese de execução, in natura, das obrigações de não fazer: quando a abstenção dê origem a um estado de fato permanente em condições de ser retificado. Tal o que acontece, no exemplo invocado por GIORGI, do que, obrigado a não plantar em um jardim, contraria a obrigação plantando (ob. cit., vol. II, pág. 155). E possível destruir as plantas que hajam brotado.

Mas êsse caráter de permanência é raríssimo. Em geral, o descumprimento das obrigações negativas é instantâneo nos seus efeitos e, por isto mesmo, irretratável.

No caso de que se trata, os efeitos do ato positivo do réu (a quem se teria impôsto uma atitude de abstenção) foram instantâneos e definitivos. Erigiram-no em proprietário das ações, cuja subscrição competiria aos autores.

A subscrição, conquanto feita em falta ao ajuste, obedeceu às formalidades legais. Tudo se processou com obediência à legislação sôbre sociedades por ações. Por isto, o réu adquiriu, em face da lei, a propriedade das ações que subscreveu.

O desrespeito ao que teria sido pactuado não afeta o seu ato. Fá-lo apenas responsável pelas conseqüências do mesmo danosas aos outros pactuantes.

A infringência da obrigação contratual negativa não invalida o ato violador, se praticado êste conforme as normas legais. A letra do contrato não tem fôrça para se superpor aos textos legais, afetando, inclusive, a posição de terceiros. A sua fôrça coercitiva não vai ao ponto de impossibilitar, efetiva e definitivamente, o exercício de direitos que a lei faculta. Atua com o poder limitado de uma convenção, e, violada, acarreta as conseqüência pertinentes à infração de quaisquer convenções: a composição do prejuízo em dinheiro.

Se alguém, por exemplo, se obriga, contratualmente, a não adquirir determinado imóvel, e, não obstante, o compra, satisfazendo os requisitos impostos pelo Cód. Civil (art. 82), o ato aquisitivo é válido. Não é possível desfazê-lo. O que cumpre ao sujeito ativo da obrigação negativa infringida é pedir o ressarcimento econômico do prejuízo.

Uma vez que a infração contratual atingiu, plena e irretratàvelmente, o seu objetivo, – a aquisição da propriedade das ações, – não há cogitar senão de compor, em dinheiro, os prejuízos dela, decorrentes para os autores.

Tomar ao réu as ações – execução em espécie – só seria possível se atribuída a terceiro – os autores – a sua propriedade. Mas esta hipótese o segundo acórdão a afastou, ao negar à demanda o caráter reivindicatório.

É o que nos parece.

Distrito Federal, 4 de agôsto de 1951.

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