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EC 125 – Relevância da questão federal na admissibilidade dos recursos especiais
Marco Aurélio Serau Junior
22/08/2022
Após longo tempo de debates e tramitação no Congresso Nacional foi promulgada em 14/7/22 a Emenda Constitucional 125, que introduziu o requisito da relevância da questão federal como critério de admissibilidade do recurso especial.
Conforme explanamos em obra de nossa autoria, os recursos extraordinário e especial possuem uma dinâmica bastante diferenciada para sua admissibilidade, havendo previsão de requisitos tanto no CPC como no próprio Texto Constitucional:
“O STF e o STJ são Tribunais com função diferenciada das demais instâncias jurisdicionais.
Além de competências originárias e recursais bem específicas, compete ao primeiro a guarda da Constituição (art. 102, caput, da CF), que é exercida através do controle de constitucionalidade concentrado (por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade, etc.) ou difuso (através do recurso extraordinário); cabe ao segundo a uniformização da interpretação e preservação da legislação infraconstitucional (papel que decorre da hermenêutica do art. 105, III, da CF), através do julgamento do recurso especial.
Essa função diferenciada do STJ e do STF traz importantes consequências em relação à compreensão dos requisitos de admissibilidade e ao modo de processamento do recurso especial e do recurso extraordinário, vez que se tratam, portanto, de recursos excepcionais, de natureza jurídica constitucional-processual, voltados não à reforma de uma decisão judicial, mas sobretudo ao exercício daquela jurisdição específica.”
(DONOSO, Denis; SERAU JR., Marco Aurélio. Manual dos Recursos Cíveis – Teoria e Prática, 7ª ed., Salvador: Juspodivm, 2022, p. 431)
Emenda Constitucional 125
É nesse sentido que podemos compreender a recente Emenda Constitucional 125/22, especialmente no que introduz o § 2º ao art. 105 da Carta Magna:
§ 2º No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.
Da mesma forma que operado que a repercussão geral da questão constitucional, trazida pela Emenda Constitucional 45/04, assim como a transcendência do recurso de revista em relação ao TST, temos na relevância da questão federal a ideia de sublinhar a natureza diferenciada da jurisdição do STJ.
O instituto da relevância da questão federal não é autoaplicável, pois a Emenda Constitucional 125/22 indica que o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso “nos termos da lei”.
Assim, fica evidente que essa exigência processual somente será aplicável após a vigência da norma regulamentadora, que estabelecerá, mais amiúde, os requisitos para demonstração da relevância da questão federal, tal qual é aplicado em relação à repercussão geral em relação ao recurso extraordinário.
Nesse ponto, compreendemos que a regulamentação poderá/deverá seguir a mesma trilha já percorrida pela regulamentação da repercussão geral (contida no art. 1.035 do CPC).
É importante também diferenciar a relevância da questão federal do tópico dos recursos especiais repetitivos (art. 1.036 e seguintes, do CPC). Enquanto a sistemática de julgamento dos recursos especiais repetitivos é técnica de gestão processual, a exigência da relevância da questão federal constitui verdadeiro filtro de admissibilidade do recurso especial, tal qual já operado pela repercussão geral em relação ao recurso extraordinário.
Presunção de relevância da questão federal
Além das características da relevância da questão federal que serão trazidas pela norma regulamentadora mencionada no art. 105, § 2º, da Constituição Federal, vale dizer que o § 3º do mesmo dispositivo constitucional já indica algumas situações em que a relevância da questão federal é presumida:
- Ações penais;
- Ações de improbidade administrativa;
- Ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários-mínimos;
- Ações que possam gerar inelegibilidade;
- Hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça;
- Outras hipóteses previstas em lei.
Em linhas gerais, temos a presunção da relevância da questão federal por pertinência temática (ações penais e ações de improbidade administrativa), por valor de alçada (aquelas cujo valor da causa ultrapasse 500 salários-mínimos), em virtude dos efeitos (aquelas que possam ensejar inelegibilidade) ou em razão de ofensa ao sistema de precedentes judiciais (aquelas situações em que o acórdão recorrido contrarie a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça).
Por fim, registra-se uma cláusula de abertura, propiciando que a legislação futura venha a criar outras situações em que a relevância da questão federal também será presumida (por exemplo, futura alteração na legislação das ações civis públicas pode indicar que esses processos coletivos são dotados de relevância presumida).
Diante deste arranjo normativo, compreende-se que a presunção de relevância da questão federal sempre dependerá de previsão legal expressa, seja no próprio § 3º, do art. 105, da Constituição Federal, seja na norma regulamentadora do instituto, seja por obra de legislação específica.
Vigência
A Emenda Constitucional 125/22 entrou em vigor na data de sua publicação (art. 3º).
Em relação ao Direito Processual Intertemporal, a aplicação da relevância da questão federal está delineada no art. 2º da Emenda:
Art. 2º A relevância de que trata o § 2º do art. 105 da Constituição Federal será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor desta Emenda Constitucional, ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de que trata o inciso III do § 3º do referido artigo.
Como é regra no Processo Civil, a exigência da relevância da questão federal será cabível apenas aos recursos especiais interpostos após a vigência da Emenda Constitucional 125/22.
Porém, é necessário esclarecer melhor este ponto: somente será aplicável aos acórdãos de Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais publicados após a vigência da Emenda Constitucional.
Ademais, só é viável a configuração da relevância da questão federal de imediato nas hipóteses presumidas tratadas no § 3º do art. 105 do Texto Constitucional.
Em relação às hipóteses gerais de relevância da questão federal, referidas no art. 105, § 2º, da Constituição Federal, somente será exigível a partir do momento em que advier a norma regulamentadora, conforme explicitado no tópico anterior.
Repercussão nas ações previdenciárias
É possível tecermos, desde já, alguns comentários iniciais a respeito da repercussão da Emenda Constitucional 125/22 em matéria previdenciária.
O primeiro ponto reside em identificar que infelizmente as ações previdenciárias não foram elencadas no rol de temas que possuem presunção de relevância da questão federal.
Diante disso, será necessário demonstrar, no caso concreto, a configuração desse requisito de admissibilidade, nos termos da futura norma regulamentadora do § 2º do art. 105 da Constituição Federal.
É importante esclarecer que a multiplicidade de processos, que é típica das ações previdenciárias, é elemento definidor do julgamento pela sistemática dos recursos especiais repetitivos (art. 1.036 e seguintes do CPC).
Esse ponto, todavia, não corresponde necessariamente à relevância da questão federal, que certamente caminhará por senda semelhante à da repercussão geral, exigindo um escopo que extrapola o mero interesse das partes em disputa: a perspectiva de interesse social, econômico, político ou jurídico, tal qual aparece na repercussão geral no recurso extraordinário.
Tomando por empréstimo o que ocorre no âmbito do STF, vislumbra-se que as causas previdenciárias não são dotadas intrinsicamente de repercussão geral, a qual é aferida no tema concreto. Porém, sabe-se que são inúmeros os temas previdenciários processados e julgados pelo STF no âmbito da repercussão geral.
Consideramos que essa mesma dinâmica será adotada no bojo do STJ, mesmo a partir da introdução do requisito da relevância da questão federal.
Todavia, não se pode perder de vista também a forte perspectiva de jurisprudência defensiva embutida na ideia de criação de mais requisito de admissibilidade para a interposição do recurso especial, visando reduzir, por vias oblíquas, a questão do número elevado de recursos em tramitação no STJ, e esse aspecto pode afetar negativamente a admissibilidade dos recursos especiais em matéria previdenciária.
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