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FILOSOFIA DO DIREITO
Reflexões sobre direito e advocacia
Sílvio Venosa
01/12/2015
Tenho sempre procurado mostrar os caminhos profissionais aos bacharelandos. A conclusão do curso e a proximidade do exame de qualificação da OAB têm sempre surgido como um fantasma, como um novo vestibular para a vida profissional. Assim, entendo oportuno enfocar o tema, sob aspectos que às vezes passam despercebidos aos futuros operadores do Direito.
Neste novo século, abrem-se novas e inovadoras perspectivas, não somente no Brasil mas em todo mundo ocidental, para a aplicação do Direito. A par de aspectos vanguardeiros que podemos analisar, há sempre que se recordar que a escola de Direito é, de todos os cursos de nível superior, a que abre o mais amplo leque de profissões que o bacharel pode abraçar, quer nos campos exclusivamente jurídicos quer em campos paralelos. Ademais, o curso jurídico ensina a compreender a vida e a sociedade. Nisso há sempre que ter presente as palavras do mestre Goffredo Telles Júnior, nas aulas que recepcionava os calouros nas velhas Arcadas: Meus alunos, esta escola, antes de ser uma faculdade de Direito, é uma escola da vida. De fato, o curso de Direito transforma a pessoa, seja aquele recém saído do curso médio seja aquele que procura o Direito como um segundo curso universitário. Sob esse prisma, sempre enfatizamos que o médico será melhor médico, o engenheiro, melhor engenheiro, o economista melhor economista, e assim por diante, ao concluírem eles o curso jurídico. E o jovem que se bacharela por primeira vez será, sem dúvida, um ser humano melhor, porque melhor compreenderá a sociedade.
Porém, de qualquer forma, os futuros operadores do Direito devem estar cientes das perspectivas profissionais para nossa era. O sectarismo de nossos cursos jurídicos no passado, bem como o cartorialismo e nepotismo que nos agrilhoam desde tempos coloniais são obstáculos árduos de superar. Há que ser afastada a idéia arraigada de nossos jovens bacharéis, os quais em insistente maioria, de que só no funcionalismo público encontrarão um salário seguro e um porto tranqüilo para a velhice. Não se diga que não devem ser incentivadas as verdadeiras vocações para a Magistratura, o Ministério Público e outras funções públicas. Mas esses cargos somente devem ser exercidos por quem efetivamente tenha verdadeira vocação, o ideal mais alto de servir à sociedade de coração aberto, com dedicação e desprendimento. Nada mais decepcionante e prejudicial à sociedade do que a mediocridade ocasionada pelo exercício de uma função sem vocação.
Por outro lado, o exercício da advocacia permite atualmente uma série muito ampla de escolhas. O futuro dessa profissão no mundo ocidental e em nosso País, mesmo em comunidades menores, flutua entre dois extremos bem nítidos:
De um lado a carreira nos mega-escritórios, organizações que no Brasil congregam até mais de quinhentos advogados, com planos de carreira internos, com possibilidades profissionais efetivas e uma série de campos de especialidade dentro do atendimento à média e grande empresa. No outro extremo dessa moderna advocacia situa-se o que o mercado convencionou chamar de “butiques jurídicas”, escritórios com poucos profissionais, mas altamente especializados em um determinado nicho social e jurídico. A tendência cada vez mais marcante é a do desaparecimento dos escritórios ou advogados generalistas. A sofisticação do Direito atual não aponta outro caminho. Tanto num como noutro extremo dessas duas modalidades de estruturas profissionais, são inúmeros os novos campos jurídicos que estão a exigir continuamente novos profissionais, muitos inclusive desbravadores de caminhos muito pouco trilhados: direito das franquias, direito ambiental, direito do consumidor, direito da internet, direito do agro negócio, direito esportivo, direito das agências reguladores, direito do petróleo, direito das telecomunicações, direito da energia elétrica, planejamentos tributários, direito da administração pública, direito societário, contratações internacionais, sucessão de empresas, implantações de capital estrangeiro etc. etc. Mesmo no direito penal, são novos os campos de especializações em crimes tributários, crimes pela internet, crimes financeiros etc. O direito de família, de seu lado, abre um campo quase autônomo do direito civil, exigindo um profissional de perfil específico, mormente para o deslinde dos novos conceitos de entidades familiares e possibilidades de fertilização assistida. Descortina-se, portanto, um vasto leque de opções ao novel bacharel, cuja escolha certamente lhe permitirá uma vida digna.
Esse novo quadro da advocacia está a exigir um esforço maior das faculdades para adaptar seus currículos às novas necessidades de mercado. A OAB, de seu lado, deve certamente repensar no exame que promove para ingresso nos seus quadros. Não vivemos mais uma fase de exacerbação do processualismo. O advogado moderno não terá necessariamente o perfil de um tribuno, aquele que peticiona e faz sustentações orais perante os tribunais ou o Júri. A maior porcentagem dos profissionais dos grandes escritórios mencionados nunca redigiu, em anos e anos de atividade, uma petição inicial, contestação ou recurso. Nem por isso são menos competentes, menos bem sucedidos ou menos importantes do que os que atuam no chamado setor litigioso. Esses profissionais atuam nos diversos campos de advocacia de prevenção e de assessoria que prescindem de atividade jurisdicional. Pelo contrário: o estágio atual aponta para soluções das pendências em sede de negociação, conciliação e arbitragem. A esse fenômeno os juristas europeus denominam fuga do Judiciário. De fato, as grandes questões que movem o mundo nunca vão aos tribunais. Seria um verdadeiro desastre mercadológico e social, por exemplo, que duas grandes empresas multinacionais litigassem em juízo, em qualquer país. Para esse perfil, exige-se um profissional capacitado a atuar mormente no mercado internacional.
Do outro lado, para os que não foram abençoados pela fortuna, o ordenamento está a implantar o acesso à justiça por meio de juizados de conciliação, campo que também exige formação específica do bacharel, que contará com auxílio de profissões auxiliares, como psicólogos, pedagogos, assistentes sociais etc.
Essa fuga ao Judiciário está, portanto, a exigir profissional do Direito que necessariamente não deve ser profundamente versado nos complexos meandros de nosso processo. Isto aponta para uma nova perspectiva para nossas escolas de Direito, que devem abandonar a idéia de que o advogado é apenas aquele que litiga em juízo. A tradição de nosso ensino jurídico por mais de cento e cinqüenta anos pautou-se por essa diretriz.
Mercê dessa posição, há que se pensar mesmo numa modificação do exame de qualificação, quiçá estabelecendo duas classes de advogados, aquele com habilitação processual e aquele com habilitação para a consultoria em geral. Por outro lado, mesmo para os chamados advogados litigantes, não é aconselhável nem oportuno que o advogado recém ingressado no quadro profissional já possa de plano atuar inexperientemente nos tribunais superiores, sendo de se exigir um estágio temporal de efetiva advocacia, por exemplo, para que possa fazer sustentações perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, como ocorre em outros países.
É necessário ter coragem para acompanhar as transformações sociais, para incrementar o mercado de trabalho, para recompor a posição social do advogado em nosso meio, obtendo assim maior respeito da sociedade à qual serve, e para dar alento aos milhares de jovens que saem dos cursos jurídicos a cada ano.Aqui traçamos algumas idéias para reflexão. Outras, talvez mais criativas e mais apropriadas, serão trazidas pelos doutos. Algo porém deve ficar patente: o imobilismo sob as vestes de um falso tradicionalismo não nos leva a lugar algum. Se desejarmos um país mais justo e mais honesto, comecemos pela vontade de mudar para o melhor e para o possível, sem idéias preconcebidas. Voltaremos ainda a este tema e a tantos outros que ficam em aberto neste nosso texto.
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