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Prisão em Alimentos Indenizatórios: posição contrária (Flávio Tartuce) e posição favorável (Fernanda Tartuce).
Flávio Tartuce
13/06/2016
Prisão Civil em Alimentos Indenizatórios: posição contrária
Flávio Tartuce
Os alimentos indenizatórios, ressarcitórios, indenitários ou de responsabilidade civil estão tratados pelo art. 948, II, do Código Civil como hipótese de lucros cessantes. Tal preceito trata das indenizações devidas em casos de homicídio, como ocorre em casos de atropelamentos, acidentes de trânsito e acidentes de trabalho, entre as suas principais hipóteses fáticas. De acordo com a norma, com destaque: “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”.
Como se pode perceber, como o caput do dispositivo menciona “sem excluir outras indenizações”, os valores pagos não excluem os danos morais ou extrapatrimoniais, cuja reparação é muito comum em situações tais. O inciso I trata de danos emergentes, valores que são reembolsados aos familiares que pagaram tais valores ou despesas.
No que concerne ao inciso II da norma civil, doutrina e jurisprudência majoritárias têm entendido que se deve levar em conta a vida provável daquele que faleceu com base na expectativa fixada pelo IBGE. De qualquer forma, ressalve-se que para que os familiares tenham direito à indenização, há necessidade de um vínculo de dependência econômica dos autores da demanda em relação ao falecido. A título de exemplo, assim concluindo, a ilustrar: “a estimativa de idade provável de vida para o recebimento da pensão é feita quando a indenização é pedida, por exemplo, pelos pais, em face da morte de algum filho, pois aí pode ser usada tabela do IBGE sobre qual seria a idade provável de vida da vítima” (STJ, AgRg no Ag 1.294.592/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 03/12/2010).
Tal conclusão é perfeita, pois procura analisar o ato ilícito e a consequente responsabilidade civil de acordo com o meio que os cerca. Sendo assim, pode-se denotar, em certo sentido, a finalidade social da responsabilidade civil. Consigne-se que, atualmente e conforme as últimas pesquisas realizadas pelo IBGE, a expectativa de vida no Brasil gira em torno dos 74 anos.
No que concerne à forma de cálculo dessa indenização, a mesma jurisprudência superior tem entendido que, em regra, deve-se fixar a indenização em 2/3 do salário da vítima, que serão multiplicados pelo número de meses até que seja atingida a mencionada idade limite. Se o morto era registrado, tendo carteira de trabalho, devem ser incluídos as férias, os valores correspondentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o décimo terceiro salário (ver, a ilustrar: STJ, AgRg no Ag 1.419.899/RJ, SEGUNDA TURMA, DJe 24.09.2012, citado em REsp 1.279.173/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 04.04.2013, com o mesmo entendimento). Isso, repita-se, sem excluir a indenização por danos morais decorrentes da morte de pessoa da família.
Pois bem, questão que sempre foi debatida entre os civilistas e processualistas diz respeito à possibilidade de se pleitear a prisão civil do devedor desses alimentos indenizatórios, com fulcro no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988. Nossa jurisprudência superior vinha se posicionando de forma contrária à sua viabilidade, pois os únicos alimentos que fundamentam a possibilidade de prisão civil são os familiares, devidos nos casos de parentesco, casamento ou união estável (art. 1.694 do Código Civil), posição que é compartilhada por este autor.
Nessa esteira, concluiu o Tribunal da Cidadania que, “segundo a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é ilegal a prisão civil decretada por descumprimento de obrigação alimentar em caso de pensão devida em razão de ato ilícito” (STJ, HC 182.228/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 11.03.2011). Em reforço, entre os primeiros precedentes, colaciona-se: “a possibilidade de determinar-se a prisão, para forçar ao cumprimento de obrigação alimentar, restringe-se a fundada no direito de família. Não abrange a pensão devida em razão de ato ilícito” (STJ, REsp 93.948/SP, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02.04.1998, DJ 01.06.1998, p. 79).
O Novo CPC supostamente reacendeu o debate sobre a prisão civil em casos de não pagamento desses alimentos indenizatórios. Isso pelo fato de seu art. 533 estar inserido no mesmo capítulo que trata do cumprimento da sentença que reconhece a exigibilidade da obrigação alimentar, prevendo o art. 528 do próprio Estatuto Processual a possibilidade de prisão civil em caso de alimentos familiares.
Em verdade, o teor do art. 533 do CPC/2015 repete o que constava do art. 475-Q do CPC/1973, com algumas alterações. De acordo com o caput da nova lei, quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, caberá ao executado, a requerimento do exequente, constituir capital cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão. Além de previsão na lei anterior, a formação desse capital já era reconhecida pela Súmula 313 do STJ.
Nos termos do seu 1º, esse capital, representado por imóveis ou por direitos reais sobre imóveis suscetíveis de alienação, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do executado. Ademais, constitui patrimônio de afetação, vinculado para o pagamento dos citados alimentos, o que constitui novidade frente ao sistema anterior.
Em complemento, está previsto que o juiz poderá substituir a constituição desse capital pela inclusão do exequente em folha de pagamento de pessoa jurídica de notória capacidade econômica ou, a requerimento do executado, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz (art. 533, § 2º, do CPC/2015, correspondente ao mesmo parágrafo do art. 475-Q do CPC/1973). Igualmente sem qualquer alteração, se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação, o que para muitos representa ser a sentença sujeita à cláusula rebus sic stantibus (art. 533, § 3º, do CPC/2015 e art. 475-Q, § 3º, do CPC/1973).
Também, sem qualquer mudança frente ao sistema processual anterior, está previsto que a prestação alimentícia poderá ser fixada tomando por base o salário-mínimo (art. 533, § 4º, do CPC/2015, equivalente ao art. 475-Q, § 4º, do CPC/1973). Por derradeiro, finda a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas (art. 533, § 5º, do CPC/2015 e art. 475-Q, § 5º, do CPC/1973).
Essas são as regras e sanções previstas para os alimentos indenizatórios, decorrentes do ato ilícito, sem qualquer menção à prisão civil. Sendo assim, não cabe ao julgador fazer interpretações extensivas para cercear a liberdade da pessoa humana, ainda mais em uma realidade em que defende um Direito Civil Constitucionalizado e Humanizado. Reitere-se a posição anterior, consolidada no sentido de que prisão civil somente é possível nas situações de inadimplemento da obrigação relativa aos alimentos familiares. Esperamos que essa conclusão continue sendo o posicionamento da nossa jurisprudência superior.
Prisão Civil em Alimentos Indenizatórios: posição favorável
Fernanda Tartuce
A questão em análise pode ser apresentada de forma singela: a proteção máxima conferida aos alimentos (com possível execução sob pena de prisão) é pertinente apenas ante a inadimplência de alimentos baseados em vínculos familiares ou incide também sobre a falta de pagamento de pensões decorrentes de ato ilícito fixadas em demandas indenizatórias?
Embora perguntas simples possam inspirar respostas do mesmo tipo, é interessante lembrar que nem sempre todos os pontos relevantes do questionamento são considerados em abordagens singelas. Uma forma que pode contribuir para uma análise mais elaborada é contextualizar a dúvida à luz de certo caso; tal perspectiva é valiosa por concretizar a hipótese e permitir uma apreciação humanizada da situação. Considere que Jodeilde, aos 8 anos de idade, restou órfã após seus pais falecerem no acidente de veículos causado por Lupércio; este foi posteriormente condenado, em demanda indenizatória, a pagar alimentos de dois salários mínimos mensais à criança com base no art. 948, II do Código Civil (“no caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”). Não tendo havido o voluntário pagamento do valor devido a Jodeílde a título de obrigação alimentar, cabe executar Lupércio sob pena de prisão?
A Constituição Federal prevê, no art. 5º LXVII, que não haverá prisão civil por dívida – salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.
A regra se justifica porque o instituto dos alimentos tem por base valores importantes: dignidade, urgência e solidariedade humana são vetores interpretativos primordiais para o adequado delineamento de respostas a eventuais dúvidas surgidas na aplicação das normas sobre o tema.
A dignidade é contemplada porque, sem condições de contar com um patrimônio mínimo que assegure o acesso a bens essenciais, não há como exercer de modo eficiente o direito à autodeterminação. A urgência é evidente, já que o pagamento da pensão alimentícia serve para suprir as necessidades cotidianas da pessoa dependente. A solidariedade humana, enquanto amparo e dever assistencial, é uma exigência do sistema jurídico porque, infelizmente, nem sempre há espontaneidade no devotamento de cuidado aos necessitados. Se o ordenamento jurídico reforça a solidariedade em relação a parentes (em relação a quem, por haver vínculo, existe maior chance de prestação de auxilio mutuo), obviamente deve haver ainda maior estímulo quando não há proximidade que anime o devedor a auxiliar o credor da obrigação alimentar.
À luz de tais considerações, pergunta-se: Jodeílde precisa que a norma constitucional incida em seu favor? Para atender à sua dignidade com urgência, considerando que é remota a chance de Lupércio mostrar solidariedade em relação a uma órfã com quem não tem liame parental, a resposta é evidentemente positiva.
Quando a Constituição Federal menciona a possibilidade de prisão em virtude do inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentar, não faz distinção quanto à fonte; revela-se essencial, portanto, considerar o conteúdo (obrigação alimentar inadimplida voluntária e sem escusas) e não a origem (relação familiar ou ato ilícito).
No plano infraconstitucional, os dispositivos que preveem prisão por inadimplemento de pensões alimentícias não apresentam restrições à incidência do encarceramento; não há expressa diferenciação em relação aos casos ligados à seara familiar.
O Código de Processo Civil não tem tradição de limitar a incidência da prisão à execução de alimentos referentes a contextos familiares. Confirmando tal tendência, o Novo Código de Processo Civil refere-se hipóteses ligadas a pensão alimentícia como sendo referentes à exigibilidade da obrigação de prestar alimentos; a expressão, que é ampla, não expressa qualquer distinção em relação à fonte da obrigação.
O Novo Código traz ainda mais um ponto em favor da posição aqui defendida: o art. 533, ao mencionar a possibilidade de constituição de capital em demandas reparatórias que preveem alimentos indenizatórios, foi inserido no capítulo regente da execução de prestações alimentares em geral; percebe-se, portanto, que o legislador, longe diferenciar pensões alimentícias, atuou no sentido de aproximar seus regimes executivos.
Vale também destacar que o Novo Código buscou incrementar ainda mais a efetividade da execução alimentícia ao prever o protesto do nome do executado e afirmar que a justificativa do executado precisa expor a comprovação de fato gerador da impossibilidade absoluta de pagar a pensão devida (Lei 13.105/2015, art. 528 §§ 1º e 2º).
Não há no ordenamento, portanto, norma que justifique a diferenciação apta a excluir a possibilidade de prisão no inadimplemento de obrigações alimentares fixadas a título de reparação por ato ilícito; interpretação diversa prejudica indevidamente as vítimas de atos ilícitos ao retirar a eficácia potencializada pela coerção inerente à execução sob pena de prisão.
A execução de alimentos engendrada no sistema jurídico brasileiro, como autêntica tutela diferenciada, visa propiciar maior efetividade à proteção de um direito considerado especial pelo ordenamento.
Apesar disso, há quem responda negativamente à pergunta, afirmando haver restrições à incidência da prisão. Há diversas decisões nesse sentido; muitas delas, porém, não enfrentam os argumentos expostos, limitando-se a afirmar, sem maiores digressões, que a possibilidade de requerer a execução sob pena de prisão deve ser considerada em perspectiva restritiva, sendo pertinente apenas em casos de inadimplemento verificados em contextos familiares. É possível crer, porém, em mudança no cenário jurisprudencial: cada vez mais há entendimentos prestigiando a concretização de compreensões que conduzam a um “processo civil de resultados”.
O posicionamento pela impossibilidade de execução sob pena de prisão no caso de alimentos decorrentes de ato ilícito distancia o intérprete da missão protetora do processo; a tutela jurisdicional precisa funcionar bem, incidindo seus ditames de modo eficiente em prol de quem vive a árdua situação de precisar exigir alimentos em juízo.
Espera-se que a triste situação de vítimas como Jodeílde – que precisará recompor sua vida em um cenário marcado por significativas restrições – não seja piorada pela falta de efetividade da execução alimentícia que precisará promover em face do devedor que, de modo voluntário e inescusável, restar inadimplente.
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