
32
Ínicio
>
Civil
>
Clássicos Forense
>
Revista Forense
CIVIL
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Os filhos naturais e o direito de sucessão, de Raimundo Cavalcante Filho

Revista Forense
28/04/2025
SUMÁRIO: Art. 1.605, § 1º, do Cód. Civil. Tendência da legislação social. Concubinato. Filiação ilegítima. O art. 126 da Carta de 1937 e a legislação ordinária. A nova Constituição. Art. 358 do Cód. Civil. A lei nº 883, de 1949. Conclusão.
Art. 1.605, § 1º, do Cód. Civil
1. O codificador civil, prêso às idéias contemporâneas à feitura do Código, não perdeu oportunidade para expressar sua antipatia aos filhos ilegítimos assinalando a diferença que os separa dos legítimos, não obstante as barreiras valentemente levantadas por CLÓVIS, em todos os ensejos, no sentido de nivelar, para todos os efeitos, as duas classes de filhos.
Mas venceram os reacionários, como os denominava CLÓVIS, e essa vitória fêz inserir no Cód. Civil o art. 1.605, e seu § 1º, assim redigido:
“Para os efeitos da sucessão, aos filhos legítimos se equiparam os legitimados, os naturais reconhecidos e os adotivos.
§ 1º Havendo filho legítimo, ou legitimado, só à metade do que a êste couber, em herança terá direito o filho natural reconhecido na constância do casamento”.
O Projeto CLÓVIS – art. 1.773 – não continha a restrição, no que mereceu os aplausos de JOÃO LUÍS ALVES, “Código Civil Anotado”, 2ª ed., São Paulo, 1936, vol. 3°, pág. 33.
O pensamento central de CLÓVIS, a respeito, está resumido nestas palavras:
“Não reconhece o projeto o injusto desconceito com que alguns códigos modernos, imbuídos de prejuízos ábsonos da eqüidade e da lógica, estigmatizam os bastardos, apoucando-lhes a estimação civil” (“Em Defesa dos Projeto”, Rio, 1906, pág. 100).
Mas o codificador fêz ouvidos de mercador a essas palavras, e daí o desigual tratamento preconizado no § 1º do art. 1.605.
2. Atente-se, antes de mais nada, para o seguinte: no § 1º do art. 1.605 está dito que os filhos naturais reconhecidos na constância do casamento herdarão a metade do que herdarem os legítimos, quando com êstes concorrerem. Veja-se bem: reconhecidos na constância do casamento, diz a verba legal, o que leva a concluir, em correta aplicação, que os reconhecidos, antes do casamento, ou depois de dissolvida a sociedade conjugal, sempre herdaram em igualdade de condições com os legítimos e legitimados. A exceção, era para os reconhecidos durante o casamento (cf.: WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, “Curso de Direito Civil” – “Direito das Sucessões”, S. Paulo, 1954, pág. 70; CARVALHO SANTOS, “Código Civil Brasileiro Interpretado”, 4ª ed., 1952, vol. 22, pág. 294; CLÓVIS, “Código Civil”, 5ª ed., 1944, Vol. 6, pág. 64, obs. 2 ao art. 1.605).
3. Pouco a pouco foi desaparecendo a odienta desigualdade entre as duascategorias de filhos, cabendo à legislação social o mérito de haver rompido com o preconceito separativista.
Neste particular destaca RUBENS H. MAIA que desde 1934, com o advento do dec. n° 24.637, de 10 de julho daquele ano, a tendência é equiparar os filhos ilegítimos aos legítimos.
O § 4º do art. 2º do citado decreto tem a seguinte redação: “Para os efeitos desta lei, equiparam-se aos legítimos os filhos naturais e à espôsa a companheira mantida pela vítima que hajam sido declarados na Carteira profissional” (“Equiparação dos filhos naturais aos legítimos e da concubina à espôsa”, in “REVISTA FORENSE”, volume 94, pág. 406).
Também JOÃO CLAUDINO DE OLIVEIRA E CRUZ observa:
“A legislação de previdência social e a Lei de Acidentes do Trabalho foram marcando essa tendência” (“Dos alimentos no direito de família”, Rio, 1956, pág. 66).
ORLANDO GOMES E NÉLSON. CARNEIRO salientaram:
“A tendência para melhorar a condição jurídica do filho adulterino insinua-se em nosso direito através da legislação do trabalho e da previdência social, de conteúdo mais humano, e, sob êsse aspecto, mais realístico” (“Do reconhecimento dos filhos adulterinos”, Rio, 1952, pág. 85).
Tendência da legislação social
4. Quanto à proteção da companheira, OLIVEIRA E SILVA escreveu uma página de sensibilizante humanitarismo, tecendo comentários a um projeto do então deputado NÉLSON CARNEIRO, e que, como as outros de suas autoria, provocou acalorados debates, rematando OLIVEIRA E SILVA:
“Surpreende a oposição de alguns representantes da Igreja de Cristo a um projeto rico de sentido humano e sentido cristão: o de amparar aquelas que viveram, dignamente, dando filhos ao país, com o funcionário, de quem partilharam os eternos sacrifícios na manutenção de um lar. O amai-vos uns aos outros, de Cristo, tão deslembrado na indiferença, no egoísmo e na confusão do pós-guerra, precisa ser entendido como estímulo não só à bondade, como, também, à solidariedade humana, ou seja, salvar da penúria ou da degradação milhares de humildes brasileiras” (“Direito da Companheira”, in “Rev. do Serviço Público”, ano XIV, vol. 1°, nº 1º; janeiro de 1951, pág. 87).
Essa tendência protecionista da legislação social à companheira recebeu louvores de ORLANDO GOMES (“A Crise do Direito”, págs. 208 e segs.) e de muitos outros, não faltando, porém, os que lhe opõem resistência, destacando-se, em escrito recente, o prof. WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, para quem estender o braço protetor aos concubinos será, sem dúvida, afetar e comprometer a estabilidade e dignidade da família legítima” (“Curso de Direito Civil”, “Direito de Família”; pág. 23, 2ª ed., São Paulo, 1955).
Concubinato
No campo estritamente civil a situação é outra. O concubinato não gera direitos, o ajuntamento de duas pessoas de sexos diferentes, não casadas, é considerado ilícito. É que a família legítima nasce com o casamento, está dito na vigente Constituição, que nesta tocante nada inovou.
Mas os concubinatos proliferam e engendram relações que não podem continuar à margem do direito. É um fenômeno social que está reclamando com urgência as vistas do legislador. Conhecemos pessoas não casadas que vivem como tal, durante tôda uma vida, trabalhando e constituindo um lar que em nada difere, do ponto de vista moral, do lar que recebeu a chancela da lei.
Não pregamos o amparo às mancebias de cunho efêmero, embora consideradas concubinatos, no sentido lato, para certos efeitos. Somos pôr uma assistência sem reservas à mulher que se entrega, a um homem, guardando-lhe fidelidade, dando-lhe o seu amor, a sua dedicação e a sua mocidade estuante de vigor e sexo, porque essa mulher, ninguém cristãmente negará, é digna de proteção, porque sua vida é honesta, é inatacável, e por isso merece respeito e um tratamento compatível com a sua dignidade. Não se pode chamar de desonesta a u’a mulher só porque não é casada com o homem a quem se dedicou de corpo e alma fora do casamento. Já é tempo de acabar com êsses preconceitos que só revelam atraso e, sobretudo, falta de caridade.
Diz-se freqüentemente que proteger a concubina é concorrer para o enfraquecimento da família legítima. A assertiva não é verdadeira. A família legítima continuará cercada do mesmo respeito e acatamento de que sempre gozou. O que se pretende, ao invés de menosprezar a família legalmente constituída, é cobrir com uma relativa proteção os lares que se formaram ao largo da lei e que não podem continuar fora da sua esfera de ação.
A atenção que se vem dando ao concubinato é exatamente o meio mais prático e eficiente de combatê-lo, estabelecendo entre os concubinos vínculos de direitos e obrigações, até agora inexistentes, e salvar a sociedade do crescente desregramento de costumes que a vicia nos dias correntes. O que se quer é dar um sentido moral àquilo que muitas vêzes nada tem de imoral, mas que um exagerado e falso puritanismo manda que assim o seja.
Não enxergamos diferença entre u’a mulher que durante 20 anos, ou mais, por exemplo, guarda fidelidade a um homem, dêle concebendo numerosa prole e com êle partilhando da bonança e da desventura, mas não casou, e u’a mulher casada. Não vemos diferença porque ambas são dignas do mesmo respeito e do mesmo tratamento. O Brasil está cheio – notadamente o interior – de pessoas casadas só no religioso. Um lar assim constituído é ilegal, mas não é imoral, e com esta conclusão por certo concordarão os falsos puritanos. É uma decorrência da nossa deformada mentalidade religiosa, que precisa ser olhada com bons olhos.
Do ponto, de vista legal os assim casados são concubinos estão fora do direito. A mulher, particularmente esta, é a maior vítima. Os filhos serão reconhecidos, terão todos os direitos assegurados aos filhos legítimos. A mulher, pelo contrário, continuará com o anátema da concubinagem e ficará fatalmente na miséria quando o homem morrer ou a abandonar.
Nunca hesitamos em aplaudir a humana jurisprudência iniciada pelo culto Tribunal de Justiça de São Paulo e hoje seguida por quase todos os Tribunais do país, inclusive o Supremo Tribunal Federal, garantindo à concubina o direito de ser indenizada pelos serviços domésticos ou rurais prestados ao seu amásio, como também o direito à meação nos haveres adquiridos com o seu concurso, admitindo-se, neste caso, uma sociedade de fato.
Óbvio que essa chamada sociedade de fato deve ser provada. É necessário, porém, apreciar essa prova com liberalidade, no sentido de proteger a mulher, pois seu concurso é mais de caráter doméstico, já incentivando o concubino com o seu amor e o seu desvêlo, já no timão da economia caseira.
A cooperação da mulher é anônima. Seu lugar é o lar e não o mundo dos negócios. Seria absurdo exigir sempre da mulher sua participação nos negócios. Não é isso o que se exige, evidentemente. Se a mulher prova que deu ao concubino a assistência efetiva que normalmente um marido recebe da espôsa, se prova que dirigiu os trabalhos domésticos com aprumo e sensatez, prova ao mesmo tempo a sociedade de fato a que alude a jurisprudência, é meeira.
Não concebemos nada mais desumano do que tirar da concubina, que ajudou a economizar, que concorreu para a prosperidade do seu concubino, e entregar a um parente dêste que nenhuma participação teve na aquisição do acervo. A concubina entregou ao concubino o seu corpo, o seu amor, a sua vida e gastou as suas energias nos quefazeres domésticos servindo a um homem como a mais completa das espôsas, enquanto o parente do concubino que vai recolher a herança foi estranho a todos êsses fatos.
Em tôrno dêste assunto é de grande proveito conhecer o artigo de doutrina de VALDEMAR LANA, in “REVISTA FORENSE”, vol. 85, págs. 304 a 310, e a jurisprudência que se segue: in “Rev. dos Tribunais”, vols. 202, pág. 230; 194, página 748; 212, pág. 287; 153, pág. 168; 157, pág. 697; 164, pág. 235; 212, pág. 2.30; 210, pág. 217; 201, pág. 237; 190, pág. 773; 183, pág. 778; 179, pág. 278; 208, pág. 169; in “REVISTA FORENSE”, vols. 130, página 148, e 85, pág. 122; in “Direito”, volumes 37, pág. 330, e 31, pág. 340.
Nunca regateamos aplausos a essa tão bem orientada jurisprudência; que preencheu uma lacuna da nossa legislação civil. Deixemos o concubinato de lado e voltemos ao assunto nodal dêste modesto trabalho. Foi apenas uma ligeira digressão.
5. A legislação que a seguir apontaremos dá bem uma mostra do amparo que se vai estendendo aos filhos naturais.
O dec. nº 54, de 12 de setembro de 1954, manda pensionar os filhos de qualquer condição. A lei nº 367, de 31 de dezembro de 1936, que criou o I.A.P.I., art. 9º, letra a, confere pensão aos filhos de qualquer condição menores ou inválidos, desde que dependam econômicamente do associado. Igualmente dispõe o artigo 32, letra a, do dec. nº 2.122, de 9 de abril de 1940, que reorganizou o I. A. P. C. e, no art. 15, letra a, do decreto-lei nº 1.355, de 19 de janeiro de 1939, que organizou o I. P. A. S. E., encontra-se a mesma disposição. O dec.-lei nº 7.036, de 10 de novembro de 1944, art. 11, letra a, que reformou a Lei de Acidentes do Trabalho, não mudou de rumo.
Outros diplomas legais poderiam ser citados, no mesmo diapasão, mas vamos encerrar a lista com o dec.-lei n° 4.737, de 24 de setembro de 1942, dizendo que “o filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio pode, depois do desquite, ser reconhecido ou demandar que se declare sua filiação”, hoje revogado pela lei nº 883, de 21 de outubro de 1949, de âmbito maior, como se percebe lenda o art. 1º:
“Dissolvida a sociedade conjugal, será permitido a qualquer dos cônjuges o reconhecimento do filho havido fora do matrimônio e, ao filho, a ação para que se lhe declare a filiação”.
6. O grito de completa redenção dos filhos naturais foi dado pela Constituição de 1937, art. 126, que lhes abriu novos horizontes, no dizer de NÉLSON CARNEIRO (“A filiação adulterina em face do decreto-lei nº 4.737”, in “REVISTA FORENSE”, vol. 162, págs. 363 a 376).
O art. 126 da Constituição de 1937 está escrito com os seguintes têrmos:
“Aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, à lei assegurará igualdade com os legítimos, extensivos àqueles os direitos e deveres que, em relação a êstes, incumbem aos país”.
Esta regra constitucional, tão logo veio a lume, provocou uma verdadeira celeuma entre os juristas e os tribunais, versando a discussão sôbre se o texto constitucional nivelava aos legítimos também os filhos espúrios, que por sua vez se subdividem em adulterinos e incestuosos, aos quais o art. 358 do Código Civil interdita o reconhecimento, seja o voluntário, seja o compulsório.
7. ÁLVARO COSTA, hoje catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Ceará, escolheu o assunto como tese para disputar a docência-livre de Direito Constitucional, ao tempo em que essa cadeira era por êle interina e brilhantemente regida. Dispôs-se, então, a provar que o art. 126 da Constituição de 1937 fizera desaparecer qualquer separação entre os espúrios e as outras categorias de filhos (“A constituição e os filhos naturais”, Fortaleza, 1944).
O ministro FILADELFO AZEVEDO e MÚCIO CONTINENTINO, como veremos adiante, sustentaram o mesmo ponto de vista. Essa doutrina não vingou. A jurisprudência negou-lhe apoio, como fàcilmente se comprova percorrendo os repertórios de julgados.
Saiu da moda muito cedo.
8. Mas uma dúvida perdurou: o artigo 126 da Constituição de 1937 revogou o § 1° do art. 1.605 do Cód. Civil?
As discussões giraram derredor de uma interrogação: o art. 126 da Carta estadonovista era auto-aplicável, ou dependia de regulamentação?
O enunciado da invocada verba constitucional suscita controvérsia. Dizendo “a lei assegurará igualdade com os legítimos”, alguns exegetas compreenderam que sua aplicação estava subordinada a uma lei ordinária. Do lado oposto ficaram outros, formando maioria, sustentando que a equiparação dos filhos ilegítimos aos legítimos se operou com a vigência da Lei Maior de 1937, sem necessidade de lei ordinária regulando a igualdade já assegurada. Para saber se o § 1° do art. 1.605 do Cód. Civil foi revogado é preciso primeiro dar resposta à pergunta acima formulada.
9. O Prof. COSTA CARVALHO, em escrito recente, deu pela inaplicabilidade imediata do art. 126 da Lei Magna de 1937, entendendo-o subordinado a uma lei ordinária que nunca veio a lume.
Após reconhecer que “A constituição de 1937 pretendeu mesmo estabelecer a igualdade entre a prose regular e a prole irregular contra orientação até então pacifica, do direito brasileiro”, externa a respeito do controvertido assunto o seu ponto de vista:
“Não se efetivou, porém, êsse propósito de igualamento entre filhos legítimos e naturais por falta de lei ordinária que regulasse, para a devida e conveniente aplicação prática, o princípio estabelecido pelo dispositivo em aprêço (art. 126). E não se diga que não é assim, quando assim é que é. Basta que se analise o texto do art. 126, continente do preceito: “a lei, disse êsse, facilitando o reconhecimento, assegurará aos filhos naturais igualdade com os legítimos”. A lei que viesse – assegurará – assegurará, dizia a Constituição, e não assegura – a ser elaborada para dar como e aplicação prática ao preceito teórico contido no dispositivo constitucional, teria por finalidade precípua estabelecer regras apropriadas e capazes de facilitar o reconhecimento dos filhas naturais para, então, feito êsse, assegurar-lhes a prometida igualdade com os legítimos. Esta lei não veio, como a Constituição não disse que assegura ou que fica assegurada aos filhos naturais a igualdade com os legítimos. Não impôs imperativamente para o presente; limitou-se a possibilitar uma situação futura. Disse com clareza meridiana e condicionou a promessa: a lei, facilitando, assegurará. Só mesmo mediante lei ordinária poderia estabelecer normas, fixar regras e criar um processo em têrmos de facilitar o reconhecimento e assegurar a igualdade sucessória” (“Concorrência á sucessão paterna, de filho natural com filho legítimo”, in “Lições de direito e jurisprudência dos tribunais”, vol. 2º, pág. 198).
Na pág. 199 o acatado mestre é mais incisivo ao assegurar que o falado artigo 126 não é auto-executável e, por isso, “não revogou, como se entendeu, a regra do § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil, que, como estava, então, continua em pleno vigor para o efeito de aplicar-se às hipóteses que nela caibam e de regular, em suma, a situação sucessória dos filhos naturais quando, não reconhecidos antes do casamento ou depois da viuvez do progenitor, concorrem com filhos legítimos dêste”.
De acôrdo com estas palavras do professor COSTA CARVALHO ainda hoje os filhos naturais reconhecíveis só herdarão em pé de igualdade com os legítimos se o reconhecimento fôr anterior ao casamento, ou durante a viuvez do progenitor, estando, assim, vigente o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil.
10. Não está só o Prof. COSTA CARVALHO. Tem boa e confortadora companhia como é a do eminente ministro CASTRO NUNES, que muito antes sustentou a mesma opinião em voto do qual extraímos êste lance que encerra o pensamento capital do seu erudito autor:
“Nestas condições, a questão, tal como se apresenta – e sinto divergir, nesta parte, dos têrmos em que pôs a questão o ministro FILADELFO AZEVEDO, com o qual estarei de acôrdo na conclusão – é exatamente a seguinte: a Constituição (de 1937), no art. 126 – ainda neste ponto divirjo de S. Exª – não revogou o Cód. Civil. A cláusula constitucional oferece um subsídio ao intérprete: é uma cláusula diretória e não mandatória, consoante distinção encontradiça nos expositores do direito americano.
“Há certas cláusulas que não têm caráter imperativo; êste artigo constitucional me parece que é uma delas; é uma direção para o legislador, para que êle se oriente, no rumo dessas idéias e a própria letra do dispositivo diz: “a lei assegurará…” De modo que é de alguma forma uma direção à obra legislativa, que terá de orientar-se, de então por diante, no sentido de uma condição mais liberal para os filhos ilegítimos. O mais que se pode dizer é que ela forneceu também ao intérprete oficial da lei elementos e subsídios que lhe permitem alargar o conceito da lei e proteger ou amparar a situação dos filhos naturais tal como se fêz em relação aos filhos dos desquitados” (voto in “Rev. de Direito”, vol. 144, pág. 252).
Filiação ilegítima
Mas hão ficou no dueto. Um tríduo de ouro se forma com a presença do professor ODILON DE ANDRADE, que em parecer datado de 4 de novembro de 1940, sôbre o tema, respondeu:
“Como se vê, a Constituição (de 1937) não dispõe de modo a tornar desde logo imperativa a igualdade entre filhos legítimos e naturais. Limitou-se a recomendar que o fizesse a lei ordinária. E esta lei ainda não foi promulgada, dando cumprimento ao preceito constitucional. Está em vigor o artigo 1.605, § 1°, do Cód. Civil enquanto aquêle preceito não fôr regulamentado. Esta é a opinião abalizada de ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, em seu apreciado livro “Investigação da Paternidade”, nº 106″ (“Reconhecimento de Filiação Ilegítima”, “Concurso de Sucessão”, in “REVISTA FORENSE”, vol. 85, págs. 329 a 333).
Para que não passe por alto, um reparo desde logo deve ser feito às palavras do provecto ODILON DE ANDRADE: o mestre ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA não o arrima, pois não afina com o seu medo de pensar. É verdade que na primeira edição da citada produção do Prof. ARNOLDO seu pensamento não ficou bem expresso, dando margem, como êle mesmo reconhece, na 2ª edição, como mais abaixo mostraremos, a que fôsse tido como partidário dos que, apregoam que continua em vigor o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil.
Os expositores que acabamos de citar são os maiores expoentes que encontramos, na pesquisa que fizemos, que negam a aplicação imediata do art. 126 da revogada Carta política de 1937, e por êsse motivo têm ainda como vigorante o § 1° do art. 1.605 do Cód. Civil.
O art. 126 da Carta de 1937 e a legislação ordinária
11. A maioria dos nossos direitistas, como vamos ver, está em campo adversário pugnando pela completa equiparação dos filhos ilegítimos aos legítimos, em face do art. 126 da Constituição revogada, que, para os componentes desta segunda ala, retirou tôda fôrça do § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil.
Em CLÓVIS fomos buscar esta passagem:
“A Constituição de 1937, art. 126, ab-rogou o § 1° dêsse artigo (o 1.605), assegurando igualdade entre os filhos naturais e os legítimos, quanto aos direitos e deveres que, em relação a êstes, incumbem aos pais. Em face dêsse dispositivo, parece que desapareceu a razão de ser da limitação da herança dos filhos naturais, na sucessão dos pais” (“Código Civil”, 5ª ed., 1944, volume 6, pág. 65, obs, 4, b, ao art. 1.605).
Noutra oportunidade – em data posterior – o inesquecível civilista não mais disse parece, desta vez escrevendo com firme convicção:
“O filho natural reconhecido na constância do casamento tinha direito sòmente à metade do que coubesse ao legítimo ou legitimado, com quem concorresse (art. 1.605, § 1°). O art. 126 da Constituição vigente (de 1937), porém, manda igualar os direitos do natural dos legítimos; portanto desapareceu a restrição constante do art. 1.605, § 1º. Ainda que reconhecido na constância do casamento, o filho natural recebe, na sucessão hereditária, quinhão igual ao do legítimo” (“Direito das Sucessões”, 4ª ed., 1945, pág. 128).
ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, arrolado por ODILON DE ANDRADE como seu partidário, não o é, como já fizemos sentir anteriormente, e como atestarei estas palavras:
“Debateu-se, na vigência da Carta Política de 1937, se seu art. 126 devia ser imediatamente aplicado, ou se dependia de regulamentação. De nossa parte, quis-nos parecer, ao tratar da matéria na primeira edição desta monografia, que, enquanto a lei ordinária não determinasse como se facilitaria o reconhecimento dos filhos naturais, esclarecendo o alcance da locução empregada, que tinha, na técnica jurídica, além de um sentido amplo, outro mais restrito, do qual eram excluídos os espúrios, não se poderia considerar derrogada a restrição do art. 358 do Cód. Civil, que lhes vedava o reconhecimento. Subsistiria êsse preceito odioso, por mais injusto que parecesse. Reconhecido, entretanto, o filho natural, voluntária ou judicialmente, o preceito constitucional entrara imediatamente em vigor, tornando-se inaplicável, enquanto vigorou, o § 1º do artigo 1.605” (“Investigação da Paternidade”, nº 106, 2ª ed., 1947, págs. 127 a 128).
Na pág. 128, nota 56, o Prof. ARNOLDO faz esta ressalva: “Esclarecemos assim nosso pensamento, evitando equívocos quanto ao nosso ponto de vista”.
Assim, fica esclarecido que ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA é de opinião que o art. 126 da Constituição de 1937 ficou dependendo de regulamentação quanto aos filhos espúrios, aplicando-se, porém, imediatamente, aos demais filhos ilegítimos, a respeito dos quais ficou inoperante o § 1º do art. 1.605 do Código Civil.
Esta interpretação não é isolada. O doutíssimo Prof. DOLOR BARREIRA também foi, inicialmente, contra a aplicação imediata, do art. 126, mas bordejou, aceitando, por último, como o professor ARNOLDO, sua aplicação imediata aos ilegítimos reconhecidos, antes, depois ou na vigência do casamento, fazendo exclusão apenas dos espúrios, cuja equiparação ficou dependendo de uma lei diretória.
Eis como se expressou o profundo DOLOR BARREIRA:
“Em primeiro lugar, sempre me pareceu – admitindo-se, gratia argumentandi, que a expressão filhos naturais incluísse o adulterino – que o citado art. 126 não podia operar desde logo, ou, em outros têrmos, ser imediatamente aplicável, pois êle próprio – de uma clareza meridiana – fazer depender a sua aplicação do advento de uma lei que asseguraste a igualdade dêsses filhos com os legítimos”. E, logo abaixo: “Não sou, contudo, alheio à doutrina, a que a jurisprudência aderiu, de que, tratando-se de filho natural in specie, ex soluto ex soluta, reconhecido êle, voluntária ou judicialmente, a equiparação aos legítimos estaria assegurada, pois nessa parte o preceito constitucional entrara, imediatamente, em vigor, operara, desde logo, não dependendo de lei regulamentadora”.
E, linhas abaixo, deixa bem claro seu pensamento:
“O art. 126 da Constituição de 1937 – em conclusão – derrogou o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil, mas deixou de pé e inataeado o art. 358 do mesmo Código, que vedava aos filhos adulterinos o reconhecimento” (“Da condição jurídica dos filhos adulterinos”, in “Direito”, vol. 66, págs. 18 a 51. Êste importante trabalho ainda pode ser consultado in “Rev. da Faculdade de Direito do Ceará”, 2ª fase, 1951, vol. 5°, páginas 83 a 125).
Como se depreende destas palavras o seu autor professa que o art. 126 da Constituição de 1937 não era auto-aplicável referentemente aos filhos adulterinos e incestuosos, que formam a classe dos espúrios, mas, em se tratando de simplesmente naturais, que são os reconhecíveis na doutrina do nosso Cód. Civil, o preceito constitucional operou efeitos desde que vigorou, e, dessarte, ab-rogou o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil.
ANTÔNIO BUGIJA DE SOUSA BRITO é de opinião que o fim único do art. 126 da Carta de 1937 foi revogar o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil e o disse nestes têrmos:
“Como prometemos no item 1º dêste trabalho vamos dizer o fim único alçado pelo art. 126, inscrito na Carta de 10 de novembro. Como se sabe, concorrendo filho legítimo ou legitimado com natural reconhecido, a êste caberá a metade da porção que couber ao primeiro (art. 1.605, § 1°, do Cód. Civil). Portanto ao natural apenas uma parte lhe cabia, 50% do que seria dividido. O art. 1.605, § 1º, está, por isso, revogado. “Para que haja a igualdade entre o legítimo e uma das espécies do ilegítimo, ou seja o natural, é preciso que tanto um como outro tenha o mesmo quinhão. O art. 126 da Constituição (de 1937) “assegura essa igualdade. É só” (“Qual a verdadeira interpretação do artigo 126 da Constituição de 1937?”, in “Direito”, vol. 30, págs. 43 a 49).
Sintonizando com os catedráticos DOLOR BARREIRA e ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, êste doutrinador admitiu o nivelamento aos legítimos de uma das espécies dos ilegítimos, isto é, dos simplesmente naturais, excluídos os espúrios.
FRANCISCO FERNANDES SOBRAL também escreveu – pelo menos é o que se depreende da sua exposição – que o art. 126 da Constituição de 1937 é auto-executável em relação aos simplesmente naturais, dependendo, porém, de regulamentação quanto ao filho de danado coito, no dizer das Ordenações, ou seja, no caso, o adulterino.
Dirigindo-se aos simplesmente naturais êste estudioso explica:
“A igualdade outra coisa não será senão a revogação cara e insofismável do referido § 1° do art. 1.605, do nosso instituto civil, equiparando-se a prole natural à legítima, para todos os efeitos, em vida dos pais, ou post montem. Não é outra a conclusão a que se chega diante da exegese do citado art. 126 da novíssima Carta, e no qual se encerram três proposições: a) aos filhos naturais, a lei facilitará o reconhecimento; b) aos filhos naturais, a lei assegurará igualdade com os legítimos; c) aos filhos naturais, a lei estenderá os direitos e deveres que em relação a êstes incumbem aos pais. Não há prova mais cabal de equiparação de direitos e de fato, entre filhos legítimos e filhos naturais, não havendo mais razão de ser a restrição do Código quanto aos direitos dos reconhecidos na constância do casamento, os quais, por semelhante situação, não deixam de ser naturais também. E isso está, de acôrdo com a orientação doutrinária da Constituição outorgada, em relação ao assunto, e em que é manifesta a influência de um socialismo cristão mais tolerante com as faltas alheias, a pregar a igualdade de todos os filhos, por direito natural emanado do criador de todos os sêres” (“A proteção dos filhos naturais, na Constituição de 1937”, in “REVISTA FORENSE”, vol. 75, págs. 271 a 273).
O desembargador COSTA E SILVA, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em voto proferido no dia 12 de maio de 1952, no qual mais uma vez revelou sua reconhecida competência, parece que também faz uma interpretação restrita, compreensiva apenas dos filhos naturais in specie:
“Dispõe o § 1º do art. 1.605 do Código Civil que, havendo filho legítimo ou legitimado, só à metade que a êste couber, em herança terá direito o filha natural reconhecido na constância da casamento (art. 358). Antes do casamento, ou após a viuvez do progenitor, se reconhecido o filho, teria quinhão igual ao do legítimo ou legitimado: Promulgada a Carta de 10 de novembro de 1937, estabeleceu-se no art. 126 que, aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei assegurada igualdade com os legítimos. Essa disposição constitucional ab-rogou o referido, § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil. A igualdade de direitos reconhecida eliminou a restrição hereditária dos filhos naturais” (voto in “Rev. dos Tribunais”; vol. 209, página 405).
12. Vimos até agora os que consideraram o art. 126 da Constituição de 1937 auto-executável em relação aos naturais in specie, excluídos os adulterInas. Veremos, neste número; os que o compreenderam de aplicação imediata sem esclarecer o alcance do dispositivo, ou melhor dito, sem referência expressa a esta ou àquela categoria de ilegítimos.
Assim se manifestou ANÍBAL FREIRE quando consultor-geral da República:
“A Constituição de 1937 avantajou-se à de 1934 na precisão e limpidez dos seus dispositivos referentes à situação dos filhos naturais. Embora declare (artigo 124) a família constituída pelo casamento indisssolúvel, estabelece em têrmos categóricos no art. 126: “Aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade com os legítimos, extensivos àqueles os direitos e deveres que em relação a êstes incumbem aos pais”. As leis não podem ter um sentido puramente abstrato. São normas reguladoras das atividades humanas e sociais e, na sua elaboração, o legislador não ficou desatento à circunstância essencial de sua aplicação na vida real. Já se objetou que o art. 126 da Constituição de 10 de novembro visava apenas a não criar óbices processuais; ao reconhecimento dos filhos naturais. Esta interpretação diminui o alcance social e jurídico do dispositivo constitucional. Seria ela legítima se o artigo se limitasse à alusão a facilidades no reconhecimento. Mas o artigo sintetiza o princípio de alta relevância jurídica da igualdade dos filhos naturais com os legítimos, até nos direitos e deveres que formam a base da solidariedade, união e culto pela família. Não é uma indicação restrita de salvaguarda de tricas forenses: é um enunciado de humanitarismo jurídico, abrindo clareiras no campo em que os filhos inocentes sofriam as conseqüências dos erros dos pais” (parecer in “REVISTA FORENSE”, vol. 82, pág. 288, e também citado por NÉLSON CARNEIRO, in “REVISTA FORENSE”, vol. 102, pág. 364, nota 6).
WAGNER BARREIRA também é omisso. Aliás essa omissão do talentoso civilista cearense é justificável, uma vez que abordou êste aspecto da evolução do direito em nota a um trabalho que tem como tema capital assunto muito diverso. São palavras suas:
“Essas facilidades de reconhecimento foram, entre nós, indicadas em sentido programático no art. 126 da Constituição de novembro de 1937, que equiparou aos filhos legítimos os naturais” (“Liberdade e Dirigismo Contratual”, Fortaleza, 1955, pág. 44, nota 33).
13. Uma plêiade de escritores conceituados foi mais além sustentando que a Constituição de 1937, art. 126, era auto-aplicável e equiparou aos legítimos não só os filhos naturais in specie, como também os adulterinos.
O ministro FILADELFO AZEVEDO é um dos integrantes do grupo:
“Mas, de há muito me convenci de que o art. 126 da Constituição (de 37) não podia ser limitado à proteção dos filhos naturais stricto sensu: abrangendo, antes, todos os filhos ilegítimos, quer os simplesmente naturais, quer os espúrios” (voto in “Rev. de Direito”, volume 144, pág. 250).
MÚCIO CUNTINENTINO faz brilhante exposição sôbre o falado art. 126 da Constituição de 1937, e conclui:
“As considerações aqui sumàriamente expostas indicam que o constituinte de 1937 não podia ter em vista, no art. 126, apenas os simplesmente naturais. A hermenêutica, que assim se compreende, reduz a Constituição a mera repetidora do Cód. Civil, o que não é tolerável. Portanto os filhos naturais a que aluda o art. 126 são todos êles, todos os ilegítimos ou extramatrimoniais como veio a denominá-los a nova legislação” (“Paternidade dos filhos adulterinos”, in “Direito”, vol. 20, págs. 405 a 415).
ÁLVARO COSTA, conforme dissemos no início dêste trabalho, forcejou por convencer no mesmo sentido, rematando:
“Que a expressão filhos naturais, de que trata o art. 126 da Constituição (de 37), equivale a filhos ilegítimos de tôda espécie” (“A Constituição e os filhos naturais”, Fortaleza, 1944, pág. 22).
Mais pròximamente dois juristas de grande projeção debateram o tema em livro de rara oportunidade: ORLANDO GOMES e NÉLSON CARNEIRO:
“É pensamento uniforme entre os juristas que êsse preceito constitucional (art. 126 da Constituição de 37) revogou o dispositivo do Cód. Civil (parece que se reporta ao art. 358) que tratava desigualmente o filho legítimo e o filho natural” (“Do reconhecimento dos filhos adulterinos”, Rio, 1952, pág. 84).
Os dois festejados publicistas reconhecem, porém, que o ponto de vista por êles também esposado não logrou vitória. Nem podia, acrescentamos nós. É que a Constituição de 1937, art. 126, empregando o têrmo naturais, quis evidentemente se referir aos naturais in specie, ex soluto ex soluta, ou, em outras palavras, aos reconhecíveis no sistema do Cód. Civil. Levada na devida conta a mais apreciada classificação dos filhos ilegítimos, outra não podia ser a interpretação do discutido art. 126.
Vem dos antigos, com aceitação dos mais modernos, a seguinte divisão: filhos legítimos e ilegítimos. Êstes, os ilegítimos, se subdividem em naturais e espúrios. Estes, os espúrios, por sua vez, se desdobram em incestuosos e adulterinos.
Filhos legítimos são os provindos de pessoas unidas por casamento válido, ou putativo; ilegítimos, os gerados por pessoas não casadas; naturais, também chamados naturais simples, simplesmente naturais ou naturais in specie, são os nascidos de pessoas não impedidas de casar; espúrios são os concebidos entre pessoas impedidas de contrair casamento ou porque são parentes em grau proibido, e neste caso o filho espúrio se diz incestuoso, ou porque já são casadas, e neste caso o filho espúrio se diz adulterino.
BORGES CARNEIRO classificou:
“Os filhos que nascem fora do matrimônio se chamam ilegítimos naturais bastardos. Naturais: êles são naturais pròpriamente ditos, ou espúrios” (“Direito Civil de Portugal”, Lisboa, 1837, volume 2º, pág. 250, § 179).
LIS TEIXEIRA disse que os ilegítimos ou bastardos compreendem: “as espécies de naturais, adulterinos, incestuosos, sacrílegos e vulgares” (“Curso de Direito Civil” ou “Comentário às Instituições de Melo Freire”, 3ª ed., Coimbra, 1856, 1ª parte, pág. 325).
COELHO DA ROCHA classificou:
“Os filhos ou são legítimos, ou ilegítimos, conforme são provindos de matrimônio, ou de ajuntamento ilícito. Os ilegítimos, vulgo bastardos, ou são naturais ou espúrios” (“Instituições de Direito Civil”, 6ª ed., Coimbra, 1886, vol. 1, págs. 38 a 39, § 60).
TEIXEIRA DE FREITAS consolidou:
“Art. 207. Os filhos ilegítimos são naturais ou espúrios” (“Consolidação das Leis Civis”, 3ª ed., Rio, 1896, pág. 170).
Não é diferente no direito canônico, conforme divulga BATISTA DE MELO apresentando duas categorias de filhos ilegítimos:
“1º Filhos naturais pròpriamente ditos, compreendidos nela todos os que eram nascidos ex soluto ex soluta, isto é, de duas pessoas que se podiam casar;
“2º Os filhos nascidos de pessoas entre as quais o casamento não se podia realizar”. “E êstes”, continua o autor, “são adulterinos e incestuosos” (“Direito de bastardia”, nº 40, pág. 48).
Esta divisão, propagada pelos nossos avoengos, é a mais adotada pelos escritores contemporâneos (cf.: ORLANDO GOMES e NÉLSON CARNEIRO, “Do reconhecimento dos filhos adulterinos”, Rio, 1952, págs. 15 e 16; CLÓVIS, “Direito da família”, 7ª ed., Rio, 1943, págs. 320 a 321, § 67; WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, “Curso de Direito Civil” – “Direito de Família”, – 2ª ed., São Paulo, 1955, pág. 328; CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “Efeitos do reconhecimento de investigação de paternidade ilegítima”, Rio, 1947, pág. 3; ZICARELLI FILHO, “Investigação da paternidade natural”, Curitiba, 1941, pág. 15; A. ALMEIDA JÚNIOR, “Paternidade”, Editôra Nacional, 1940, pág. 157; SOARES DE FARIA, “Investigação da paternidade ilegítima”, 2ª ed., São Paulo, 1926, pág. 25; ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, “Investigação de paternidade”, 2ª ed., São Paulo, 1947, pág. 35; SORIANO DE SOUSA NETO, “Do reconhecimento voluntário dos filhos ilegítimos”, 2ª ed., São Paulo, 1928, pág. 25; SERPA LOPES, “Lei de Introdução ao Código Civil”, Rio, 1944, volume 2, nº 206, pág. 253).
ÁLVARO COSTA entende, mas sem razão, contrariando a doutrina vitoriosa, como já ficou demonstrado, que os naturais compreendem os ilegítimos, e não os ilegítimos os naturais, isto porque os filhos são grados conforme à natureza e, assim, dos naturais se ramificam os outros.
Isto não se contesta, quanto à geração dos filhos, todos êles, inclusive os legítimos. Exatamente para diferençar os legítimos dos ilegítimos, que são ambos gerados conforme à natureza, e são, assim, naturais, todos êles, exatamente para diferençar, repetimos, a doutrina elaborou a classificação que acabamos de ver.
O Prof. ÁLVARO COSTA amparou-se em CARLOS DE CARVALHO, que, na sua “Consolidação”, fêz consignar no art. 122:
“O parentesco é: a) Legítimo e natural, por consangüinidade ou cogitação”.
Partindo dêste enunciado concluiu o Prof. ÁLVARO COSTA:
“Daqui vem que, no sistema da “Consolidação” de CARLOS DE CARVALHO, natural se opunha a legítimo, o que vale dizer que filho natural era o filho ilegítimo” (“A Constituição e os filhos naturais”, Fortaleza, 1944, pág. 11).
Tomando-se como ponto de partida a divisão consolidada por CARLOS DE CARVALHO, em que se louvou o jovem catedrático cearense, a conclusão a que chegou está correta, pois a Constituição de 1937 diz, no art. 126 – filhos naturais – e nestes estão compreendidos todos os ilegítimos, inclusive os adulterinos, como quer o Prof. ÁLVARO COSTA.
Mas acontece que CARLOS DE CARVALHO, neste tocante, é voz isolada, sem seguidores, no Brasil, e por isso ÁLVARO COSTA ficou mal amparado.
O legislador constituinte de 1937 não desconhecia a classificação seguida pelos juristas pátrios e portuguêses, sendo de presumir, com boas razões, que empregou filhos naturais no sentido de naturais in specie, excluindo, assim, do seu raio de ação, os espúrios.
Como remate ainda pode ser invocada a autoridade do mais metódico dos nossos juristas, o profundo LAFAYETTE, que se incorpora à maioria, ensinando:
“Os filhos ilegítimos, no estado atual do nosso direito (escreveu em 1869), dividem-se em duas classes: naturais e espúrios“. E acrescentou esta nota: “Esta é hoje a verdadeira classificação. Todo o ilegítimo que não é espúrio entra na classe dos naturais, e, vice versa, pertence à classe dos espúrios todo o ilegítimo que não é natural” (“Direitos de família”, 1956, 5ª ed. anotada por JOSÉ BONIFÁCIO, pág. 301, § 120).
14. Parece-nos fora de qualquer dúvida que a Constituição de 1937, art. 126, não alcançou os filhas espúrios.
Por outro lado temos, como irrefutável que equiparou os naturais in specie aos legítimos, revogando, assim, o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil.
Além dos autores já arrolados que dão apoio a esta tese, podemos trazer ainda à colação CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:
“Outorgada a Carta Constitucional de 1937, ficou estabelecido no art. 126 a completa igualdade de direitos e deveres do filho natural reconhecido, relativamente aos filhos legítimos, e desta sorte foi revogado o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil. Sendo, como é, um dispositivo constitucional auto-executável (FILADELFO AZEVEDO), o direito à sucessão atribuído ao filho natural não pode sofrer restrição, ainda que ocorra posteriormente ao seu nascimento o enlace matrimonial do seu progenitor, e se realize o reconhecimento na pendência da sociedade conjugal” (“Efeitos do reconhecimento de paternidade ilegítima”, Rio, 1947, pág. 172).
ZICARELLI FILHO também difunde que, “em face do art. 126 da Constituição federal de 10 de novembro de 1937, qualquer restrição aos direitos hereditários dos filhos naturais desapareceu, ficando êles em tudo igualados aos legítimos” (“Investigação da paternidade natural”, Curitiba, 1941, pág. 133, nº 293).
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, em obra recentemente entregue ao público, não deixou bem claro seu pensamento a respeito da controvérsia, mas percebe-se que se acomoda à torrente dos que sustentam que o art. 126 da Constituição de 10 de novembro de 1937 revogou o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil (“Curso de Direito Civil” – “Direito das sucessões”, São Paulo, 1954, págs. 70 e 71).
15. Afinando com a doutrina acima exposta decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal em acórdão da lavra do então desembargador e hoje ministro ROCHA LAGOA, datado de 2 de julho de 1943:
“Art. 126 da Constituição (de 37) e art. 1.605 do Cód. Civil. Em face da Constituição (de 37) que no art. 126 assegura aos filhos naturais igualdade com os legítimos, ficou derrogado o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil”. E, no corpo do acórdão: “Ocorreu, assim, a derrogação tácita prevista no art. 183 da Constituição (de 37) vigente, segundo o qual só continuam em vigor as leis que, explícita ou implìcitamente, não contrariem as suas disposições” (in “Direito”, vol. 24, pág. 379).
16. Os doutôres que entenderam o art. 126 da Constituição de 1937 dependendo de lei ordinária fizeram centro do seu argumento nestas palavras do dispositivo constitucional: “aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade com os legítimos“.
Na expressão a lei assegurará assentaram as bases do seu raciocínio, concluindo que a igualdade entre os naturais e os legítimos ficou subordinado à existência de uma lei que nunca veio. O argumento é especioso, impressiona à primeira vista, mas um exame mais meditado convence em sentido contrário e mostra o quanto êle tem de ilusório.
A Constituição é a lei suprema, o espinhaço, pode-se dizer, de todo o corpo legislativo de uma nação. Nenhuma lei ordinária pode contrariá-la, sob pena de inconstitucionalidade, sob pena de não valer, de não ser executada. Se é assim, se a Constituição de 1937 – admitindo-se o argumento dos que negaram auto-execução ao art. 126 – mandou assegurar igualdade entre os filhos naturais e os legítimos, nenhuma lei poderia dispor em sentido contrário, restringindo, por exemplo, essa igualdade, mandando continuar em vigor o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil, porque quebraria o princípio inscrito na Constituição.
Se a lei ordinária não podia prescrever a exceção, claro, claríssimo que desde logo, isto é, desde que entrou em vigor a Constituição de 1937, ficou incorporado ao patrimônio dos filhos naturais in specie o direito de serem tratados em igualdade de condições com os legítimos.
O argumento é hàbilmente manejado pelo Prof. ÁLVARO COSTA:
“É que a Constituição exprime a vontade mais alta, a que se deve obediência e a que tôdas as leis se curvam. Dêsse modo, estabelecido constitucionalmente o direito ou garantia, por certo que os parlamentos não o poderão restringir ou abafar. Expresso o direito, ainda que sob a forma de que a legislação ordinária o deverá observar, está êle criado, e esta criação não será resultante da lei ordinária, que apenas terá de submeter-se ao seu império” (“A Constituição e os filhos naturais”, Fortaleza, 1944, pág. 20).
É com a mesma arma que esgrime o publicista CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:
“Não vale objetar, como faz o professor ODILON DE ANDRADE, que a linguagem da lei orgânica parece condicionar a equiparação a um futuro regulamento: “A lei assegurará igualdade com os legítimos”, e não colhe a argumentação porque o estabelecimento da igualdade de direitos e obrigações é um preceito de tôda extensão. A norma constitucional estatuiu um sistema, segundo o qual as leis ordinárias terão de tratar com a mais ampla igualdade uns e outros filhos. Se não pode a lei tratá-los desigualmente, mas, ao contrário, se tem de assegurar sempre sua igualdade, a conclusão é que o § 1º do artigo 1.605 do Cód. Civil não pode prevalecer contra o inciso da Carta Constitucional (de 37), porque a igualdade de direitos, preconizada nesta, sofre a restrição estabelecida naquele. Não há mister que uma lei ordinária revogue o preceito restritivo do Cód. Civil, uma vez que êste preceito não poderá ser aplicado, e ter-se-á tornado inócuo, em confronto com o princípio estatuído na lei constitucional. Efetivamente, dizendo a Carta (de 1937) que a lei assegurará igualdade, dito está que a lei não poderá consagrar a desigualdade. Estabelecendo no § 1° do art. 1.605 um tratamento desigual, tornou-se inaplicável desde 10 de novembro de 1937, e, desaparecendo a exceção restritiva, ao direito sucessório do filho natural, em concurso com os legítimos prevalece, de acôrdo com o art. 126 da Carta de novembro, regra consignada no corpo do art. 1.605, em tôda a sua plenitude: para efeitos sucessórios, aos filhos legítimos, equiparam-se os naturais reconhecidos” (“Efeitos do reconhecimento de paternidade ilegítima”, Rio, 1947, páginas 172 a 173).
FILADELFO AZEVEDO, igualmente combatendo os que divulgam que o artigo 126 da Constituição de 1937 não era auto-executável, contra-argumenta com vantagem:
“Se não nos ativéssemos à interpretação rigidamente literal, veríamos que a lei referida naquele texto constitucional (de 1937) não seria, pròpriamente, uma lei futura: embora pudessem leis futuras, por exemplo, desenvolver as facilidades prometidas, desde logo ficara equiparada a situação dos filhos legítimos aos ilegítimos. Assim, desde 10 de novembro de 1937, se revoga o artigo 1.605 do Cód. Civil, que atribuía aos ilegítimos apenas a metade da cota hereditária dos legítimos” (voto in “Revista de Direito”, vol. 144, pág. 250).
17. E foi na sombra do mesmo argumento que resolveu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal em acórdão redigido pelo desembargador RAUL CAMARGO, em 31 de agôsto de 1943:
“A Constituição de 1937, art. 126, garantiu a igualdade de direitos aos filhos naturais. A expressão constitucional a lei assegurará não significa que o preceito ficaria na dependência de lei regulamentadora. A igualdade ficou desde logo assegurada, para produzir todos os seus efeitos. Ficou desde então incorporada ao patrimônio dos filhos naturais” (in “REVISTA FORENSE”, volume 97, pág. 115).
18. À vista do exposto, temos que o art. 126 da Constituição de 1937 revogou o § 1° do art. 1.605 do Cód. Civil, o que significa dizer que os filhos naturais, uma vez reconhecidos, voluntária ou judicialmente, antes ou depois do casamento, com exceção dos espúrios, passaram a herdar em igualdade de condições com os filhos legítimos.
19. Veio, porém, a Constituição de setembro de 1946, que revogou a de 10 de novembro de 1937, sem fazer nenhuma referência ao art. 126 da Carta revogada, nem ao princípio ali inscrito. Isto deu azo a que se discutisse sôbre se o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil, que foi revogado pela Carta caduca, se restabeleceu com a promulgação da Constituição de 1946. Não. A vigente Constituição não restaurou aquêle revogado parágrafo no nosso Estatuto Civil. E não o ressuscitou porque existe um princípio que diz:
“A derrogação de uma lei derrogatória não faz por si só com que recobre seu antigo vigor a lei antiga, pois é necessária uma declaração expressa nesse sentido (lei restauradora) (DIEGO ÉSPIN CANOVAS, “Manual de Derecho Civil Espanol”, Madri, 1951, vol. 1, pág. 84).
CARLOS MAXIMILIANO levantou a suspeita:
“Se é revogada, pura e simplesmente, uma lei revogatória de outra, volta esta, ipso facto, ao seu antigo vigor?” E começa a responder: “O caso de ab-rogação expressa é raro: mais ainda o tem sido o de uma norma exclusivamente revogatória de outra por sua vez eliminadora de uma terceira”. Finalmente responde: “Na dúvida não se admite a ressurreição da lei abolida pela ultimamente revogada. Exige-se a prova do propósito restaurador, a declaração expressa, a legge rippristinatoria, dos italianos” (“Hermenêutica e Aplicação do Direito”, 4ª ed., Rio, 1947, págs. 435 e 436).
A nova Constituição
Êste forte elemento doutrinário mereceu, entre nós, a sagração da nova Lei de Introd. ao Cód. Civil (dec.-lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942), art. 2º, § 3º, que ostenta a seguinte redação:
“Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
OSCAR TENÓRIO comentou-o por esta forma:
“A revogação das leis é um processo de sucessão, ou de substituição. O advento de uma lei resulta às vêzes na morte de outra. Esta não ressuscita, mesmo quando a lei que a eliminou do mundo jurídico também se extinguiu. Sòmente por disposição expressa do legislador a lei morta ressuscita, volta a ocupar lugar no sistema jurídico do país. É o que determina o § 3º do artigo 2º da Lei de Introdução:
“Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
“A lei restauradora, chamada repristinatória, é a expressão da vontade do legislador, que se não subordina à manifestação dos motivos que ditaram sua conduta” (“Lei de Introdução ao Código Civil”, 2ª ed., Rio, 1955, pág. 92).
Êste princípio, não obstante de há muito discutido na doutrina, é uma inovação do nosso sistema legal (CLÓVIS, “Código Civil”, 7ª ed.; 1944, vol. 1, página 108).
Antes, porém, da vigente Lei de Introdução ao Cód. Civil, ESPÍNOLA e ESPÍNOLA FILHO, escrevendo no império da anterior Lei de Introdução, que regulava o assunto diversamente, doutrinavam:
“Muitas vêzes, uma lei que ab-rogou lei anterior e, por sua vez, revogada. ” Dessa ab-rogação, só por si, não resulta que a primeira lei, a qual deixara de existir por ab-rogação expressa ou tácita da segunda, se restaure ou revigore, por haver desaparecido a lei que a ab-rogara. Como faz ver STOLFI, quando uma lei ab-roga uma lei anterior, esta ficou definitivamente abolida e não poderá continuar a produzir efeito, ainda quando desapareça a lei que a revogou; a abolição da lei ab-rogatória não é suficiente para restituir a vida à lei precedente” (“Tratado de Direito Civil Brasileiro”, nº 28, Rio, 1939, vol. 2°, pág. 120).
Se a Constituição de 1946, revogando a de 1937, nada disse expressamente sôbre o art. 126 da Carta revogada, que equiparou os filhos naturais aos legítimas, claro que continuou de pé a regra inscrita na Constituição revogada, pois para que ela desaparecesse, e se restaurasse o § 1° do art. 1.605 do Cód. Civil, era preciso que a Constituição de 1946 o tivesse dito expressamente. E como não o disse, continua revogado o § 1º do artigo 1.605 do nosso Cód. Civil.
Tudo isso faz concluir, sem sombra de dúvida, que desapareceu a restrição contida no § 1º do art. 1.605 do Código Civil, o qual continua inoperante, o que importa em dizer que, nos dias correntes, os filhos naturais ex soluto ex soluta herdam em pé de igualdade, sem a menor restrição com os legítimos (cf. PONTES DE MIRANDA, “Tratado de Direito Privado”, t. IX, 2ª ed., § 967, nº 2, página 81, e § 971, nº 2, pág. 98).
É êste o alto magistério do desembargador COSTA E SILVA:
“Promulgada, a Carta de 10 de novembro de 1937 estabeleceu, no art. 126, que aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei asseguraria igualdade com os legítimos. Essa disposição constitucional ab-rogou o referido
§ 1º do art. 1.605 do Cód. Civil. A igualdade de direitos reconhecida eliminou a restrição hereditária dos filhos naturais. É certo que, na Constituição federal, de 18 de setembro de 1946, não se reproduziu o preceito do citado art. 126 da Carta de 1937. Parece que houve omissão intencional, pois, na vigente Constituição, se consagram princípios, no capitulo da família, quase idênticos aos da Carta anterior. Assim, ficou revogado o aludido art. 126. Entretanto, não se restabeleceu a exceção consignada no § 1° do art. 1.605. A lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência (art. 2º, § 3º da Lei de Introd. ao Cód. Civil)” (voto in “Rev. dos Tribunais”, vol. 209, pág. 405).
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, após fazer referência aa § 3º do art. 2º da Lei da Introd. ao Cód. Civil, avança:
“Assim, pelo fato de ter a Carta de 1937 deixado de vigorar a partir de 18 de setembro de 1946, silenciando a nova sôbre a equiparação, não se restaurou o preceito do art. 1.605, § 1°, referido. Quando entrou em vigor a Carta de novembro, êsse dispositivo ficou abolido definitivamente, não podendo produzir qualquer efeito só pelo fato de ter caducado a lei que o ab-rogou. Para que a lei revogada possa restaurar-se, após a abolição da lei revogadora, necessário é que a nova lei expressamente o determine” (“Efeitos do reconhecimento de paternidade ilegítima”, Rio, 1947, págs. 228 a 229).
E esta doutrina foi sufragada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que em acórdão recente, pois datado de 15 de setembro de 1952, relatado pelo desembargador AUTRAN DOURADO, decidiu:
“A Constituição de 1937, em seu artigo 126, revogou o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil, igualando, assim, para os efeitos da sucessão, os filhos naturais aos legítimos. Nem mesmo o fato de ter a Constituição de 1937 perdido a eficácia, altera a situação, uma vez que” a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência, como está escrito no art. 2°, § 3°, da Lei de Introd. ao Cód. Civil” (in “Revista dos Tribunais”, vol. 209, pág. 404).
Uma vez demonstrado que o filho natural in specie, reconhecido antes, na constância ou depois do casamento, herda, sem qualquer restrição, em igualdade de condições com o filho legítimo, chega o momento de examinar a situação do filho adulterino, que é muito diferente.
Art. 358 do Cód. Civil
20. Como é sabido, o art. 358 do Cód. Civil proíbe o reconhecimento do filho espúrio, que se desdobra em incestuoso e adulterino. Quanto ao incestuoso continua a proibição. Quanto ao adulterino a situação se modificou, não tanto quanto era de se esperar, mas alguns direitos hoje lhe são assegurados.
A condição jurídica do filho adulterino está presentemente regulada pela lei nº 883, de 21 de outubro de 1949, que reza no art. 1º:
“Dissolvida a sociedade conjugal, será permitido a qualquer dos cônjuges o reconhecimento do filho havido fora, do matrimônio e, ao filho, a ação para que se lhe declare a filiação”.
Nos têrmos desta disposição legal o filho adulterino pode ser reconhecido, por qualquer dos pais, mas só depois de dissolvida a sociedade conjugal, e a dissolução se opera, como é elementar e sabido, com a morte de um das cônjuges, com a anulação do casamento e com o desquite, amigável ou judicial. Se o adulterino, dissolvida a sociedade conjugal, não é reconhecido voluntàriamente, tem ação para pedir judicialmente a declaração de sua paternidade.
Note-se a diferença: enquanto o simplesmente natural pode ser reconhecido em qualquer oportunidade, – antes, na constância do casamento ou depois de dissolvida a sociedade conjugal, – o adulterino só pode ser reconhecido após a dissolução da sociedade conjugal.
Outra diferença: os efeitos do reconhecimento da paternidade do filho adulterino não têm a amplitude de que goza o filho natural in specie reconhecido, pois êste, como acabamos de ver, herda em igualdade de condições com o filho legítimo, sem a menor restrição, em virtude da revogação do § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil, enquanto aquêle, ou seja o adulterino, recebe, como herança, a título de amparo social, a metade da herança que tocar ao filho legítimo ou legitimado.
A lei nº 883, de 1949
É o que prescreve o art. 2° da lei nº 883:
“O filho reconhecido na forma desta lei, para efeitos econômicos, terá o direito, a título de amparo social, à metade da herança que vier a receber o filho legítimo ou legitimado”.
Êste dispositivo tem sido fonte de acirrados debates que se travaram principalmente em tôrno do sentido das palavras a título de amparo social.
Duas correntes se formaram: uma vendo nas palavras a título de amaro social um autêntico direito sucessório conferido aos filhos adulterinos reconhecidos; outra entendendo que a tais filhos foi conferido apenas um direito a alimento (cf.: ORLANDO GOMES e NÉLSON CARNEIRO, “Do reconhecimento dos filhos adulterinos”, Rio, 1952, páginas 231 a 250; HORÁCIO BATISTA DE MOURA, “Reconhecimento dos filhos espúrios”, in “Rev. dos Tribunais”, vol. 194, págs. 33 a 35; LAUDO DE CAMARGO, “Reconhecimento de filhos adulterinos”, in “Direito”, vol. 77, págs. 5 a 6; JOÃO DE OLIVEIRA FILHO, “Filhos adulterinos reconhecidos”, in “REVISTA FORENSE”, vol. 134, págs. 40 a 45).
Os três primeiros são de opinião que o art. 2° da lei n° 883 conferiu aos adulterinos reconhecidos um direito sucessório, deu-lhes qualidade de herdeiros, enquanto o último citado entende que foi conferido apenas um direito a alimento.
Pensamos que a razão está ao lado dos três que sustentam que os adulterinos são herdeiros, desde que reconhecidos nos têrmos da lei nº 883.
ORLANDO GOMES e NÉLSON CARNEIRO (loc. cit.) alinham vários argumentos, todos irrespondíveis, salientando-se êstes dois: na falta de descendentes legítimos e ascendentes, os adulterinos reconhecidos são chamados à sucessão. Se não fôssem herdeiros não seriam chamados; o direito que a lei nº 883 lhes confere não pode ser de natureza alimentar, pois os alimentos são devidos apenas aos parentes que não podem se manter com os seus próprios recursos, já porque são pobres, já porque não podem trabalhar, o que não acontece relativamente aos filhos adulterinos reconhecidos nos têrmos da lei nº 883, que mesmo sendo ricos participam da herança dos seus pais.
Não querendo entrar no âmago desta disputa, porque a oportunidade não permite, remetemos o leitor mais curioso para os autores acima citados, e que se ocupam do assunto com abundância de detalhes. O que nos cabe esclarecer, neste momento, é apenas o seguinte: o art. 2º da lei n° 883 diz que o filho adulterino reconhecido recolhe a metade da herança que vier a receber o filho legítimo ou legitimado.
Que vier a receber: está na verba legal, como se dissesse: concorrendo com filho legítimo ou legitimado. Se o filho adulterino reconhecido não concorre com filho legítimo ou legitimado, e sim com filho simplesmente natural reconhecido, nenhuma restrição sofre o seu direito. Herdarão em pé de igualdade. Isto porque o dispositivo só fala em filho legítimo ou legitimado.
Não se pode chegar a outra conclusão à vista do disposto no art. 2º da lei nº 883. A restrição – é bom repetir – foi criada em atenção à família legítima, e daí o adulterino reconhecido herdar, em concurso com filho legítimo ou legitimado, a metade do que herdam êstes; quando o concurso se estabelece entre adulterinos e simplesmente naturais reconhecidos, herdam todos em pé de igualdade.
21. Concluindo, é esta a situação dos filhos ilegítimos no estado atual do nosso direito:
a) os filhos ilegítimos simplesmente naturais, uma vez reconhecidos, estão equiparados para todos os efeitos ao filho legítimo ou legitimado, e herdam sem qualquer distinção, pois continua revogado o § 1º do art. 1.605 do Cód. Civil brasileiro;
b) os adulterinos reconhecidos nos têrmos da lei nº 883, concorrendo com filhos legítimos ou legitimados, terão direito à metade da herança a êstes deferida;
c) os filhos adulterinos concorrendo só com filhos naturais in specie reconhecidos, herdam em igualdade de condições com êstes;
d) concorrendo filhos legítimos, naturais reconhecidos e adulterinos, aplica-se a regra citada no art. 2º da lei nº 883, no que diz respeito aos filhos adulterinos. Em outras palavras: os legítimos e naturais in specie herdam em igualdade de condições, enquanto os adulterinos reconhecidos na conformidade da lei n° 883 herdam apenas a metade do que herdarem os legítimos e naturais in specie reconhecidos.
SORIANO NETO, em parecer datado de 27 de outubro de 1953, e publicado na revista “Direito”, vol. 88. págs. 41 a 62, sustenta que o filho adulterino reconhecido nos têrmos da lei nº 883 herda em igualdade de condições com o filho legítimo.
Não assiste razão ao douto professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Recife. A lei nº 883 é muito clara, não comporta discussão.
Já vimos linhas acima que a restrição está na lei e só resta obedecê-la.
Temos como exatas as conclusões contidas nas letras a, b, c e d.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:
- Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
- Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
- Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
- A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
LEIA TAMBÉM: