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O testamento particular no Código Civil de 2002

CONFIRMAÇÃO

DOCUMENTO

HOLÓGRAFO

PUBLICAÇÃO

TESTAMENTO PARTICULAR

TESTAMENTO PARTICULAR EXCEPCIONAL

TESTEMUNHAS

Sílvio Venosa

Sílvio Venosa

29/12/2015

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1. Características

Essa forma de testamento, também denominado hológrafo (admite-se também a grafia ológrafo), prescinde, em sua elaboração, da intervenção do funcionário do Estado. Nunca foi muito utilizado, principalmente porque há sempre o risco de perda ou desaparecimento da cártula, não bastassem a série de formalidades.

O presente Código Civil procurou simplificá-lo, pois no sistema de 1916 foi a modalidade menos utilizada principalmente porque, além de sofrer os mesmos riscos de perda do testamento cerrado, exigia o Código antigo, para sua execução, que pelo menos três testemunhas comparecessem após a morte do testador, para confirmá-lo. Ademais, nesse ato de última vontade, eram mais difíceis de controlar as pressões dos interessados.

Em seu favor, pode ser mencionada sua rapidez de elaboração, facilidade e gratuidade. A nosso ver, no entanto, a simplificação de suas formalidades no Código de 2002 foi em certo aspecto além do que seria de desejar e pode abrir muitos flancos para a fraude.

O art. 1.876 (antigo, art. 1.645) dispõe acerca dos requisitos:

“O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.

§ 1º?Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.

§ 2º?Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.

A atual lei estatui que o testamento pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico. Não é admitida a assinatura a rogo. Vem aqui novamente à baila a possibilidade da utilização de meios eletrônicos para sua redação. Não havia disposição pertinente no Código de 1916. A jurisprudência, com divergência, admitira o uso da datilografia no testamento particular ao contrário do Código de 2002, que segue o mesmo princípio do Código italiano e do Código suíço, exigindo agora que o testamento particular seja feito de próprio punho ou por meio mecânico. O direito de 1916 exigia apenas que fosse escrito e assinado pelo testador. Podíamos entender que, provado que fosse o próprio testador quem datilografara ou digitara o documento, o requisito estaria preenchido. Não era a melhor solução, nem a solução pretendida, com certeza, pelo legislador de 1916, quando começavam a surgir as máquinas de escrever. Hoje, com a eletrônica e a informática, outros meios de grafia podem ser utilizados. Desse modo, o novel Código suplanta o problema ao admitir a escrita de próprio punho ou por meio mecânico, com a assinatura do testador. Melhor seria que a lei mencionasse meios eletrônicos, pois estamos muito além dos meios exclusivamente mecânicos.

O testamento particular é presa fácil de falsificações, vícios de vontade e outras fraudes. A perícia técnica para apurar se foi determinada pessoa quem datilografou um documento já era muito difícil. Muito mais se se tratar de modernos equipamentos impressores da informática. A prova testemunhal em matéria testamentária é sujeita mais ainda às instabilidades e incertezas conhecidas. Destarte, se partíssemos da premissa de que a lei não proibia a datilografia no testamento particular, toda a prova seria no sentido de afirmar que fora o próprio testador quem acionara o meio mecânico ou eletrônico. A doutrina tradicional mais antiga era peremptória no sentido de que esse testamento devia ser manuscrito, não admitindo nem mesmo o manuscrito em letra de imprensa. Deve ser redigido em papel. Materiais estranhos à escrita normal tornam suspeita a disposição. Na época atual, não havia mesmo que se repelir a elaboração desse testamento por meio mecânico, como inclusive dava a entender o projeto original do mais recente Código, embora as garantias maiores de higidez da cédula decorram mesmo do manuscrito.

Se elaborado por meio mecânico, a lei adverte que o testamento particular não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão. Se escrito de próprio punho, entende-se que as entrelinhas e rasuras devem ser devidamente ressalvadas no texto para que o negócio não perca a validade.

Nessa modalidade de testamento, seja de próprio punho, seja por meio mecânico como diz a lei, como se percebe, o Código estabelece o número mínimo de três testemunhas. O testador poderá inserir quantas testemunhas desejar. Como há necessidade de confirmação desse testamento pelas testemunhas, o número maior representa, em tese, maior segurança. Contudo, esse número superior aumenta o risco de serem trazidas testemunhas impedidas, que poderão macular o ato.

O testamento inteiro deve, em princípio, ser redigido pelo testador. Não vicia o ato o fato de ter sido copiado de minuta, rascunho ou anotações. Se não há controle de linguagem, o testador redige como bem quiser, com erros, contradições, linguagem grosseira, borrões, entrelinhas etc. O trabalho depois será do intérprete, do juiz.

O testamento particular pode ser redigido em língua estrangeira, contanto que as testemunhas a compreendam (art. 1.880; antigo, art. 1.649). Todas as testemunhas devem conhecer a língua utilizada pelo testador. Uma única que não o saiba torna o negócio nulo. A data também aqui não é requisito essencial, embora seja útil e deva ser colocada. Em sua ausência, caberá à prova fixá-la. Também a lei não exige o reconhecimento de firma ou de letra do testador, nem o depósito oficial. Não há também como defendermos a necessidade de unidade de tempo e lugar na elaboração do testamento. Há que ser exigido que exista unidade de contexto, com as mesmas testemunhas e mesmas formalidades. A assinatura do testador é essencial. Mesmo manuscrito, sem sua assinatura, não haverá testamento.

Assim, para que o ato tenha validade, exigem-se a redação e a assinatura do testador, a leitura e a assinatura das testemunhas. A leitura, de acordo com o atual Código, será feita pelo testador. Na lei anterior, como não havia especificação, admitia-se a leitura por uma das testemunhas, pelo testador e até mesmo por um estranho ao ato. O vigente Código foi expresso no sentido de que a leitura seja sempre feita pelo disponente, nos parágrafos do art. 1.876.

No sistema de 1916, mesmo válido o documento, para que o testamento ganhasse eficácia, havia necessidade da confirmação do ato por pelo menos três testemunhas (arts. 1.647 e 1.648). Doravante, conforme o art. 1.878 do presente Código, as testemunhas testamentárias devem ser convocadas para confirmar o negócio testamentário ou, pelo menos, sobre sua leitura perante elas, e se reconhecem as próprias assinaturas, assim como a do testador. Pela regra, todas as testemunhas que participaram do ato devem ser convocadas. Contudo, a importante inovação vem expressa no parágrafo único do art. 1.878:

“Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade.

Embora não caiba ao jurista raciocinar sobre fraudes, nesse caso a simplificação, a nosso ver, abre larga margem de dúvidas. O testamento, qualquer que seja sua modalidade, é um dos negócios mais suscetíveis a fraudes e a ataques de nulidade. Toda a carga da responsabilidade, nesse caso, é transferida ao juiz, nessa disposição legal aberta, o qual poderá confirmar o testamento perante apenas uma das testemunhas. Como temos sempre sustentado, quando há uma cláusula aberta, caberá aos interessados apontar os caminhos ao magistrado. Melhor seria que a lei simplesmente dispensasse essa formalidade das testemunhas confirmatórias. Por outro lado, devem ser esgotadas as possibilidades de localização das testemunhas não encontradas. Nesses processos avulta de importância o papel do Ministério Público. Não há que se entender a ausência das testemunhas mencionada na lei como a ausência técnica, definida nos arts. 22 e seguintes, mas como impossibilidade de sua localização.

É conveniente que o testador descreva todos os atos realizados. As testemunhas devem ouvir a leitura. Suas assinaturas devem ser lançadas na presença do testador. Se houver mais de uma folha, é conveniente que testador e testemunhas assinem todas as folhas, com numeração. As testemunhas não necessitam recordar com particularidades as disposições, mas delas terão conhecimento. Tal é importante para o ato de confirmação após a morte do disponente. Perante tantos óbices impostos pela lei, nada impede que o testador faça várias vias de igual teor do testamento, todas com assinatura, sua e das testemunhas. Se houver diferença entre os exemplares, haverá mais que um documento e portanto testamentos plúrimos. Caberá o exame à prova, altamente complexa nessa seara.

2.?Testamento Particular Excepcional

Nosso Código de 1916 não admitia o testamento nuncupativo, a não ser como modalidade do testamento militar. O direito anterior a 1916 admitia o testamento nuncupativo como forma ordinária. Nessa modalidade, chegava-se mesmo a possibilitar o testamento oral, quando o testador, em perigo de vida, não tinha tempo de fazer testamento escrito. Exigia-se, no entanto, a presença de seis testemunhas.

Em disposição surpreendente que certamente trará celeumas doutrinárias e infindáveis contendas, o Código de 2002 introduz modalidade de testamento que açambarca a hipótese do testamento nuncupativo e outras situações extremas. Trata-se, realmente, de outra modalidade de testamento. Dispõe o art. 1.879:

“Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.

Esse dispositivo não constava originalmente no Projeto do atual Código. O artigo foi sugerido pelo Professor Miguel Reale, tendo sido introduzido pela Emenda nº 483-r, do Senador Josaphat Marinho. Mais uma vez, a carga de responsabilidade pela confirmação desse testamento excepcionalíssimo será do juiz, com tudo aquilo que se sustenta em torno das chamadas disposições abertas.

A primeira questão que aflora é definir quais seriam essas circunstâncias excepcionais que podem ensejar forma tão simplificada de testamento. Exige também a lei que essa excepcionalidade seja declarada na cédula. Não se admite que essa cédula testamentária seja redigida por meios mecânicos. Nem há que se pensar, portanto, na possibilidade de utilização de meios eletrônicos. Esse testamento, mais do que qualquer outro, há de obedecer à legalidade, ou seja, à tipicidade estrita.

A primeira situação excepcional que nos vem à mente é justamente a proximidade da morte do disponente e a impossibilidade de ele recorrer às formas ordinárias. Alerte-se, contudo, que esse testamento não se confunde com os testamentos especiais. Em princípio, quando estiver aberta a possibilidade de testar sob a forma de testamento marítimo, aeronáutico ou militar, não é de ser admitido o testamento excepcional.

Outra questão que deve ser lembrada diz respeito à cessação das condições excepcionais e à possibilidade de o testador ratificar o testamento anterior ou elaborar novo testamento pelas vias ordinárias. Se o disponente usa da faculdade do art. 1.879 por entender que está à beira da morte, mas depois sobrevive dias, meses ou outro período que lhe permitia testar sob a forma ordinária, não pode ser dada validade ao testamento excepcional. Toda essa série de aspectos fáticos deve ser examinada pelo juiz. O Código deveria ter previsto um prazo após a cessação da excepcionalidade para que novo testamento fosse elaborado sob pena de caducidade do excepcional, como faz no testamento marítimo (art. 1.891). Nesse caso, se o testador não morrer na viagem, nem nos 90 dias subseqüentes a seu desembarque em terra, onde possa fazer, na forma ordinária, outro testamento, o testamento marítimo e o aeronáutico caducarão. O ordenamento italiano, em situação semelhante, no testamento lavrado em estado de calamidade pública, assina um prazo de eficácia de três meses depois da cessação da causa, para que o testamento perca sua eficácia. Parece-nos que a lacuna em nossa lei a esse respeito é injustificável e nem o Projeto nº 6.960, se apercebeu da falha. Uma das principais características do testamento excepcional é a efemeridade, sua curta eficácia temporal. O exame desse importante aspecto nesse testamento, como se nota, ficará relegado ao critério da jurisprudência no caso concreto, mas não pode ser dispensado.

Aliás, o testamento aeronáutico parece ser um paradoxo, pois não é crível que, numa aeronave em perigo, tenha seu comandante tempo e disponibilidade de preocupar-se com o testamento de um passageiro ou tripulante (art. 1.889). No entanto, aqui, sem dúvida, poderá estar presente uma situação excepcional que autorize o testamento de próprio punho, assim declarado pelo testador, conforme o art. 1.879. Tomando exemplos da legislação comparada, poderíamos imaginar outras circunstâncias excepcionais, como estar o disponente tomado de moléstia considerada contagiosa, impedindo o contato com terceiros; em local isolado por inundação ou outra intempérie, em local em estado de calamidade pública. Em algumas dessas situações excepcionais, revive-se, de certa forma, o testamento tempore pestis do passado remoto. Em todas as situações, porém, o que deve ser analisado pelo juiz é o fato de o testador estar impossibilitado de se utilizar das formas ordinárias ou mesmo especiais de testamento. Essa deve ser a primeira preocupação do juiz. De qualquer forma, o testamento em estado de necessidade ou em circunstâncias excepcionais, como diz a lei, encontrará seu espaço, nas hipóteses nas quais os testamentos especiais não são aplicáveis.

Somente o futuro nos dirá se andou bem o legislador ao quebrar o sistema formalista e introduzir essa modalidade tão simplificada de testamento.

3.Publicação e Confirmação do Testamento Particular (Disposições Processuais)

O testamento particular, seja ordinário ou excepcional, só pode ser executado, ainda que formalmente válido, após sua publicação em juízo, com citação dos herdeiros legítimos (art. 1.877; antigo, art. 1.646).

O art. 1.130 do CPC dá legitimidade ao herdeiro, legatário ou testamenteiro para requerer, depois da morte do testador, a publicação do testamento. Serão inquiridas as testemunhas do instrumento.

As testemunhas devem comparecer e reconhecer a autenticidade do documento (art. 1.878; antigo, art. 1.648 do Código Civil e art. 1.133 do CPC). Veja o que falamos a respeito da confirmação do testamento por uma única testemunha. Assim, o juiz ouve o Ministério Público e confirma o testamento, aplicando os arts. 1.126 e 1.127 do CPC atinentes às demais modalidades. Nesse procedimento, deverão ser intimados para a inquirição das testemunhas (art. 1.131 do CPC):

“I – aqueles a quem caberia a sucessão legítima;

II – o testamenteiro, os herdeiros e os legatários que não tiverem requerido a publicação;

III – O Ministério Público.”

Há que se entender que o convivente deve também ser intimado, pois concorrerá na herança. Os não encontrados serão intimados por edital. A oitiva é tão-só das testemunhas instrumentárias. Após a audiência, os interessados terão cinco dias para manifestarem-se sobre o testamento (art. 1.132 do CPC). Os depoimentos das testemunhas é que convencerão o juiz da autenticidade ou não do documento. No sistema de 1916, como enfatizamos, se não localizadas pelo menos três testemunhas, o testamento não podia ser executado. Devem-se esgotar, como vimos, os meios de localização. O cuidado do magistrado, quando se tratar da oitiva de apenas uma testemunha no atual sistema, deve ser redobrado, como reiteramos.

A matéria pode também ser discutida pelos meios processuais ordinários. Se o juiz tiver dúvidas, deve remeter as partes às vias ordinárias, extinguindo o processo.

A exigência das três testemunhas confirmatórias era o grande inconveniente do testamento particular no Código de 1916. Se mais de duas tivessem falecido ou desaparecido, tornava-se impossível executar o testamento. A possibilidade de confirmação por uma única testemunha no Código de 2002 facilita e incentiva a elaboração desse testamento, mas abre brechas de nulidade, como vimos. Além disso, o depoimento testemunhal é falho, embora as testemunhas não devam se recordar das disposições testamentárias, mas das formalidades do ato. Melhor seria, perante essas premissas, que simplesmente fosse abolida a necessidade das testemunhas confirmatórias.

O Anteprojeto de 1972 havia inovado bastante no tocante a essa modalidade, tendo ocorrido profundas alterações no Projeto de 1975, que se converteu no corrente Código Civil. Além da redução das testemunhas de cinco para duas, o anteprojeto determinava o reconhecimento da firma e da letra do testador e da firma das testemunhas, conforme direitos estrangeiros. O oficial público lançaria nota de “apresentação” do testamento. De qualquer forma, esse procedimento tornaria mais complexo o testamento particular.


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