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CIVIL
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Nota Promissória – Interveniente – Aval Posterior Ao Vencimento – Relações Entre Co-Avalistas, de João Eunápio Borges
Revista Forense
14/01/2025
– Interveniente cambial é única e exclusivamente aquêle que no ato do protesto efetua o pagamento por honra de qualquer das firmas.
– É admissível a eficácia cambial do aval prestado, em determinadas circunstâncias, mesmo depois de vencido o título.
– Não é cambial a ação do avalista contra o avalizado.
CONSULTA
O Dr. João Batista de Alvarenga submeteu a meu exame as peças principais
do processo da falência requerida, na comarca de São Paulo, por Antônio Carlos da Nóbrega contra Raimundo Avelino de Macedo, assim como as da ação criminal movida contra o requerente da falência e cópias de duas notas promissórias contendo a reprodução fiel de tôdas as declarações e assinaturas existentes, na posição em que figuram, nos títulos originais. E solicitou o meu parecer sôbre as seguintes questões:
“1ª) Criminoso ou não o ato em virtude do qual Antônio Carlos da Nóbrega, tornando-se possuidor das promissórias com que requereu a falência de Raimundo Avelino de Macedo, lançou nelas o seu aval, pode êle ser considerado interveniente e, em conseqüência, como o supôs o acórdão do Supremo Tribunal Federal, sub-rogado em todos os direitos do Banco-credor?
2ª) Se houvesse pago os títulos na qualidade de interveniente, poderia êle cobrar de Macedo, total ou parcialmente, o que pagou?
3ª) Se fôsse, porém, reconhecida a Nóbrega a qualidade de avalista, poderia êle exigir de Macedo a totalidade do valor das duas promissórias?
4ª) Seria cambial a ação de Nóbrega contra Macedo, para reembolsar-se, total ou parcialmente, do que pagou?
5ª) Cambial, ou não, tal ação, poder-se-ia considerar líquida nos têrmos e para os fins do art. 1º da Lei de Falências, a obrigação de Macedo para com Nóbrega?
6ª) E, em conseqüência, poderia algum juiz ou tribunal, com base nas referidas promissórias, decretar a falência de Macedo ou condená-lo ao pagamento integral de seu valor?
7ª) Finalmente, dadas as circunstâncias de que se revestiram a emissão, a circulação, o preenchimento do nome do beneficiário, o desconto e o pagamento das duas notas promissórias teria Macedo o direito de pagar os títulos a Nóbrega, sem correr o risco de se colocar, êle mesmo, perante Maranhão. Lourenço e demais coobrigados, contra os quais se voltasse regressivamente, na posição de portador ilegítimo, ou de duvidosa boa-fé?”
PARECER
I. Confirmando e desenvolvendo o parecer verbal que sucintamente já proferi sôbre a matéria em exame, devo declarar de início que ela se reveste de tamanha simplicidade e clareza que, prescidindo de todos os demais elementos que me foram fornecidos, a leitura do voto do eminente relator ministro MOTA FILHO foi, por si só, suficiente para justificar as conclusões a que cheguei, no sentido de que o venerando acórdão do Supremo Tribunal Federal que motivou esta consulta, só se pode explicar por um dêstes cochilos a que até o bom HOMERO pagou o seu inevitável tributo…
II. Porque, evidentemente, apesar das considerações feitas pelo eminente relator em tôrno da tormentosa questão “da influência da decisão criminal sôbre a civil”, que S. Ex.ª com razão considera “um dos graves e delicados problemas jurídicos”, não foi, por certo, por haver S. Ex.ª preferido, em pura matéria de fato e de prova, esta àquela versão, que S. Ex.ª julgou cabível o recurso extraordinário contra acórdão que, longe de ferir qualquer dispositivo ou princípio de constituição ou de lei federal, limitou-se a aplicá-los fielmente, ao concluir, como razão de decidir, que, “provada a falsidade dos dizeres lançados no verso das promissórias, não poderiam estas conferir qualidade ao agravante para requerer a falência do agravado-embargante”.
S. Ex.ª conheceu do recurso extraordinário, como está muito claro em seu vota, porque, mesmo depois de “meditar sôbre a conclusão do acórdão recorrido a fls. 159…”, isto é, depois de relegar, como devia, para plano inacessível ao recurso extraordinário, as questões relativas à matéria de fato, entendeu S. Ex.ª que o recorrente Nóbrega, fôsse qual fôsse a verdadeira versão dos fatos, se investira na qualidade de interveniente e, pois, como é de lei, e como ensina CARVALHO DE MENDONÇA, citado pelo eminente ministro-relator, adquiriu “a quantidade de credor cambial” ficando “sub-rogado em toros os direitos daquele cuja firma foi por êle honrada”.
E como tal qualidade não fôra reconhecida pelo acórdão recorrido, S. Ex.ª considerou vulnerados o art. 40, parágrafo único, da Lei Cambial, e, em conseqüência, os dispositivos da Lei de Falências, que o recorrente apontara como ofendidos pelo acórdão paulista. Justificava-se assim o conhecimento do recurso com apoio no art. 101, III, letra a, da Constituição federal…
III. Data venia, porém, o eminente ministro MOTA FILHO laborou em evidente equívoco, a que arrastou os demais componentes da egrégia Turma.
Em conseqüência de tal equívoco e na melhor das intenções – a de sanar as ofensas que o acórdão recorrido teria causado a dispositivos da lei federal – a decisão da Suprema Côrte, essa, sim, é que feriu de morte não apenas o art. 40, parág. único, como o art. 35 e seus §§ 1°, 2° e 3° (in fine), combinados com o art. 56 da Lei Cambial.
IV. Interveniente, com efeito, não é qualquer coobrigado ou qualquer terceiro que paga o título, antes ou depois do vencimento.
Porque a intervenção só é possível “no ato do protesto”, como dispõe expressa e claramente o art. 35 da lei número 2.044.
Intervenientecambial é, pois, única e exclusivamente, aquêle que “no ato do protesto” efetua o pagamento “por honra de qualquer das firmas”.
Para considerar Nóbrega interveniente, o venerando acórdão feriu o art. 35 da Lei Cambial, já que nenhum pagamento efetuou êle “no ato do protesto”.
V. Há mais, porém, e mais grave: na qualidade de avalista (de que Nóbrega se investiu) não podia êle ser interveniente porque “é vedada a intervenção ao emitente ou ao respectivo avalista”, como dispõem, combinados, os arts. 35, § 3°, e 56, alínea, da Lei Cambial.
Admita-se, porém, e Nóbrega pudesse intervir (isto é, não fôsse avalista do emitente) e houvesse pago, por intervenção no ato do protesto.
Por quem, em tal hipótese, teria sido seu pagamento por intervenção? ou, na linguagem da lei, que firma de coobrigado teria sido por êle honrada?
A dos emitentes: “não indicada a firma, entende-se ter sido honrada – a do emitente” (arts. 35, § 2º, e 56 da Lei Cambial).
Pudesse pois Nóbrega ser interveniente, houvesse êle sido interveniente, pelo pagamento no ato do protesto, sua intervenção teria sido por honra da firma dos emitentes, e não da de qualquer dos avalistas. E por fôrça do art. 40, parág. único, segundo o qual
“O interveniente voluntário que paga fica sub-rogado em todos os direitos daquele cuja firma foi por êle honrada”.
Nóbrega se teria sub-rogado em todos os direitos dos emitentes e não nos direitos do Banco portador dos títulos.
Isso é o que está afirmado na lição de CARVALHO DE MENDONÇA, invocada pelo ministro MOTA FILHO, lição que, aliás, se limitou a repetir o que está expresso na lei, precisamente no art. 40, parág. único, que, procurando sanar, o venerando acórdão malferiu tão gravemente.
De tal intervenção, impossível em face da lei, mas admitida no acórdão, nenhum direito, cambial ou extracambial, teria, pois, advindo para Nóbrega contra Macedo; a não ser que, na escala ascendente dos absurdos e da ilegalidade, se chegasse a admitir que o emitente, que paga, pode voltar-se cambial e regressivamente contra os avalistas.
VI. A questão do aval posterior ao vencimento do título é campo aberto às divergências dos juristas, não a resolvendo expressamente nem a nossa Lei Cambial nem a Lei Uniforme de Genebra.
Inclino-me à opinião dos que, como BONELLI e PONTES DE MIRANDA admitem a eficácia cambial do aval prestado, em determinadas circunstâncias, mesmo depois de vencido o título (“Do Aval”, nº 59, págs. 113 e segs.).
Mas, evidentemente, do aval que o seja efetiva e honestamente, isto é, que tenha a função de garantir uma obrigação cambiária, mesmo vencida.
Isto é, do aval dado, embora depois, do vencimento, mas antes do pagamento. E, é óbvio, do aval que não constitua simples manobra, fraudulenta ou não, no sentido de frustrar, em prejuízo de todos ou de alguns coobrigados, os efeitos normais do pagamento ou, por exemplo, da prescrição das obrigações cambiais.
Suponha-se um título prescrito ou prestes a prescrever, no qual um testa-de-ferro do portador lance o seu aval e, recebendo o título quitado, vá cobrá-lo em seu nome, mas em proveito de seu comparsa, baseando-se no art. 53 da Lei Cambial, segundo o qual o prazo da prescrição, para o avalista que paga, começa a contar-se do dia dêsse pagamento!
Esta simples possibilidade de se transformar o aval póstumo em cômodo meio de interromper prescrições cambiais está evidenciando o cuidado e o discernimento com que devem ser encarados e desmascarados os falsos avalistas.
Sobretudo quando o aval é dado não para garantir um pagamento, mas para possibilitar um recebimento indevido.
VII. Feitas estas considerações iniciais sôbre a possibilidade, em tese, do aval posterior ao vencimento, admita-se, para o exame da questão proposta no item 3° da consulta, que seja verdadeira, sem restrições, a versão de Antônio Carlos da Nóbrega para os fatos que deram origem à emissão, à circulação, ao desconto e ao pagamento das duas promissórias.
Nóbrega “comprou uma partida de pedras preciosas de Eduardo Ferreira Barbosa e em pagamento, lhe deu duas promissórias assinadas pela Fazendas
Reunidas Casa Branca Ltda. com o nome do beneficiário em branco. Se os títulos não fôssem pagos, se obrigaria a saldá-los”.
Quer isso dizer que ao negociar as promissórias ainda em branco, isto é, na sua fase pré-cambiária, antes pois de serem notas promissórias, uma vez que nossa lei não as admite ao portador, Nóbrega, conforme afirma, assumiu extracambialmente a obrigação de saldá-las, se não fôssem pagas pelos emitentes dos quais se constituiu garante.
Isto é, teria assumido verbalmente a posição e a obrigação de “avalista dos emitentes”, precisamente a que assumiu, depois, formalmente, ao lançar nos títulos pagos a sua tardia declaração de aval.
Observe-se que não há desacôrdo entre as partes em relação à história das promissórias desde o momento em que – com o nome do beneficiário ainda em branco – passaram das mãos de Eduardo Ferreira Barbosa para as de Napoleão Maranhão, até aquêle em que foram levadas a desconto no Banco Nacional Interamericano S.A.
Em pagamento de um automóvel, Napoleão Maranhão, avalizando-as, deu-as a Luís Lourenço. E êste, a fim de descontá-las no Banco, teve de completá-las assumindo nos títulos o lugar do beneficiário, até então em branco, e endossá-las. Além do endôsso, exigiu o Banco, como condição do desconto, que Luís Lourenço e o seu avalista Raimundo Avelino de Macedo lançassem também suas assinaturas no verso dos títulos. De fato, Raimundo Avelino Macedo assinou, como avalista de Lourenço. Para efeitos cambiais, porém, tornou-se avalista dos emitentes.
VIII. Para a fase posterior ao vencimento e ao pagamento dos títulos, acolha-se, para argumentar, a versão de Nóbrega: pagou êle os títulos, na qualidade de avalista dos emitentes, cancelou o aval de Napoleão Maranhão e, como legítimo possuidor das promissórias em seu poder, requereu, com êles, a falência de seu coavalista Raimundo Avelino de Macedo:
Como é sabido, contra a maioria de nossos cambialistas, mas com SARAIVA e LOPES DA COSTA, e sòlidamente apoiado em nossa lei, não admito seja cambial nem mesmo a ação do avalista contra o avalizado (“Do Aval”, nº 57, págs. 132 e segs. ).
Quanto às relações entre coavalistas e à ação de uns contra outros, doutrina e jurisprudência, no Brasil, na Itália e em tôda parte, encontram-se há muito unificadas no sentido de negar o caráter cambial da ação de regresso entre co-avalistas. Todos repetem a clássica lição de VIVANTE:
“La legge non attribuisce carattere cambiario a quest’azione che si svolge nei rapporti esistenti fra persone che erano il soggetto della stessa ed unica obbligazione cambiaria. Questi rapporti interni sono regolati o da patti speciali, o da presunzioni di legge, nei quali la cambiale non può valere come titolo del credito, perchè la sua vita è finita” (“Trattato”, 3° vol., nº 1.188 e nota 181, pág. 299 da 5ª ed.,); e a de BONELLI, para quem, à falta de vínculo cambial entre coavalistas, “l’azione di regresso fra loro dipende degli eventuali rapporti extracambiari tra loro esistenti. Un avallante può trovarsi in rapporto di fideiussione verso un altro obbligato cambiario, como può mancare qualsiasi rapporto sottostante fra più avallanti, ciascun dei quali ha prestato la propria firma affatto independente degli altri…” (“Della Cambiale”, nº 185, pág. 357).
IX. As divergências, a respeito, limitam-se ao seguinte: enquanto para alguns as relações entre coavalistas se regem pelas normas que disciplinam as obrigações solidárias comuns, inclusive a presunção do art. 913, in fine, do Código Civil, uma vez que na generalidade dos casos a eventualidade da divisão por quotas iguais entre êles, ainda que não estipulada expressamente, está na intenção comum dos coavalistas; para outros, ao contrário, a presunção deve ser no sentido da inexistência daquela intenção, de sorte a negar-se qualquer regresso, mesmoextracambial, entre coavalistas, a não ser que tal regresso se fundamente em acôrdos expressamente pactuados ou resultantes, de modo inequívoco, das circunstâncias de cada caso. Porque, como já salientava BONELLI, “pode faltar qualquer relação subjacente entre vários avalistas”.
X. Há, pois, pleno acôrdo entre todos: presumida ou não, ex vi legis, a existência de relações extracambiais entre coavalistas, nenhum regresso entre êles deverá ser admitido, cambial ou extracambialmente, quando inexistirem, de fato, quaisquer relações subjacentes entre êles. E a prova de tal inexistência não exige acôrdo expresso, podendo resultar irrecusàvelmente das circunstâncias de cada caso.
XI. O caso em exame é, a respeito, muito elucidativo. Verifica-se por êle, que o Banco, ao descontar as notas promissórias de Luís Lourenço, não se contentou com o seu endôsso: além da declaração de endôsso, teve êle de lançar no verso outra assinatura, juntamente com a de Macedo, numa posição que, cambialmente, ex vi do art. 15 da Lei Cambial, o colocou na situação de avalista dos emitentes. O mesmo aconteceu com Raimundo Avelino de Macedo que, para avalizar Lourenço, acabou igualmente equiparado, para os efeitos cambiais, aos emitentes.
Isso constitui hoje prática generalizada na vida bancária do Brasil: a fim de tornar dispensável o protesto cambial, vexatório para os clientes e de omissão prejudicial aos Bancos, nos casos de títulos a êles endossados, passou a ser norma invariàvelmente seguida, a de exigir que os tomadores dos títulos descontados, ao endossá-los, lancem também, em prêto ou em branco, a declaração de aval pelo emitente.
Prática que a doutrina e a jurisprudência têm acolhido favoràvelmente e que me parece perfeitamente legítima (“Do Aval”, nº 30, pág. 38), uma vez ressalvada nas relações extracambiais dos coobrigados a sua verdadeira e exata posição.
XII. Cambialmente, perante qualquer legítimo portador do título, aquêle tomador, que assumiu simultâneamente a obrigação de endossador e a de avalista do emitente, não poderá alegar a ineficácia de seu aval para, por exemplo, invocar a falta do protesto cambial oportuno e, em conseqüência, a exoneração de sua responsabilidade. Estará exonerado, como endossador; mas continuará obrigado, como avalista do emitente.
Suponha-se, porém, que um dos verdadeiros avalistas do emitente, depois de pagar o título, no vencimento, pretendesse cobrar daquêle endossador–avalista a sua quota-parte, por considerá-lo seu coavalista.
É êste, porém, um caso que, devido à prática bancária assinalada, ocorre a todo momento, e no qual a presunção autorizadora do rateio estará automàticamente afastada, por não oferecer a menor resistência à prova em contrário, resultante das circunstâncias que envolveram a operação do desconto e o lançamento do endôsso-aval.
Autorizar o rateio, em casos como êstes, seria sancionar injustiças e possíveis espoliações. Imagine-se o caso de alguém que concorde em emprestar a um desconhecido qualquer, A, a quantia de Cr$ 1.000.000,00, exigindo, porém, como condição do negócio o aval de B, de notória idoneidade financeira, em promissória emitida pelo devedor A.
Levado o título a desconto em um Banco, êste, como de praxe, exige, além do endôsso, que o tomador avalize o título “pelo emitente”.
Vencido o título, estando A insolvente, paga-o ao Banco o avalista B e, na qualidade de coavalista do tomador, vai exigir dêle a metade do que desembolsou…
É claro que nem o direito cambial, nem o direito comum, que rege as relações entre coavalistas, pode levar a tais conclusões absurdas, injustas e ridículas.
XIII. Voltando às duas promissórias em exame e diante do exposto, impõe-se assim a seguinte conclusão: formal e cambialmente, em face de qualquer terceiro de boa-fé, Macedo seria havido como avalista dos emitentes, apesar de haver dado seu aval para possibilitar o desconto do título, em benefício exclusivo do endossador Lourenço. Perante Nóbrega, porém, nas circunstâncias de que o caso se revestiu, e em tôrno das quais as partes não divergem, a verdadeira posição de Macedo é idêntica à que teria perante um avalista dos emitentes (Nóbrega) um avalista do endossador. Claro, pois, que, pago o título por Nóbrega, em virtude do compromisso que assumira com Eduardo Ferreira Barbosa, na qualidade de garante dos emitentes, sòmente dêstes e não de Macedo poderia exigir o reembôlso do que pagou ao Banco.
XIV. Demos, porém, mais um passo no terreno das concessões e das hipóteses favoráveis a Nóbrega. E atribua-se a Macedo, mesmo perante Nóbrega, a situação de avalista dos emitentes, fazendo-se inteira abstração de todos os fatos e circunstâncias já focalizadas a fim de que prevaleçam ùnicamente e sem contrastes, as declarações constantes dos títulos e a presunção de ser igual no débito comum a parte de cada avalista, nas suas relações extracambiais.
Nêles figuram como avalistas (todos os emitentes, por fôrça do art. 15 da Lei Cambial) seis pessoas: Vieira Penteado, Lourenço (êste, como se viu, na dupla qualidade de endossador e de avalista), Macedo, Napoleão Maranhão e o próprio Nóbrega.
Pago o título por Nóbrega, cancelado por êle abusivamente o aval de Maranhão (o avalista que paga só pode cancelar o seu próprio aval e o dos avalistas posteriores – lei art. 24, parág. único), quanto poderia êle exigir de cada um dos coavalistas, e pois de Macedo? Apenas a sexta parte do que pagou, na hipótese, que estamos admitindo de prevalecer, contra a verdade dos fatos, a presunção do artigo 913 do Cód. Civil, de “serem iguais no débito as partes de todos os co-devedores”.
Como, porém, há, entre êles, dois falidos, devendo por fôrça do mesmo artigo 913 ser rateada entre os demais a parte dos coobrigados insolventes, seria evidentemente incerta e ilíquida a possível e hipotética obrigação de Macedo para com Nóbrega, que só poderia pleitear a sua execução por meio de ação ordinária e nunca, em hipótese, alguma, pelo caminho excepcional e violento da falência.
Se as relações entre coavalistas, como vimos e é questão pacífica, não são regidas pelo direito cambial e se tôdas as convenções e situações são possíveis entre os diversos signatários de uma cambial; se, vencida e paga esta, não estando mais em jôgo o supremo interêsse da circulação e do amparo aos terceiros de boa-fé, o direito comum entre coobrigados de mesmo grau retoma a plenitude de seu império (“ivi la sostanxa riprende il sopravento”, na expressão de V. SACERDOTI); se pode não haver, nem ter havido, qualquer espécie de relação, cambial ou extracambial, entre tais coobrigados como, num caso como aquêle de que dá notícia a presente consulta, diante de incertezas que avultam e se evidenciam, pelo simples fato da divergência que na apreciação dos mesmíssimos fatos, das mesmas provas, se verificou entre a Justiça civil e a criminal de São Paulo, como, sem gravíssima ofensa à justiça e à lei, não recusar à obrigação de Macedo para com Nóbrega o caráter de liquidez indispensável a um pedido de falência?
E como não considerar leviano e temerário o procedimento de quem, em tais circunstâncias, se atreve a requerer a falência de alguém que nada deve ou, pelo menos, não sabe se deve, nem quanto deve?
XV. Em um ponto são acordes tôdas as pessoas envolvidas nas questões que motivaram a presente consulta: as duas notas promissórias avalizadas por Raimundo Avelino Macedo foram entregues por Napoleão Maranhão a Luis Lourenço em pagamento de um automóvel. E após o pagamento dos títulos – com dinheiro de Maranhão, como sustenta Macedo, ou com dinheiro de Nóbrega, como êste afirma – foi riscado, em ambos, o aval de Maranhão.
É questão pacífica em direito cambial que, salvo convenção expressa em contrária, a dação do título é feita pro solvendo e não pro soluto, não extinguindo só por si a relação fundamental, ou subjacente, que deu causa ao negócio de emissão ou de transmissão do título.
No caso em exame, Maranhão devia a Lourenço o preço do automóvel que lhe comprou. O fato de, pelos motivos já vistos, terem Lourenço e seu avalista Macedo tomado, nas promissórias, uma posição cambial diferente da que lhes cabia de fato, não modificou, nem podia modificar em nada aquela relação: só com o recebimento integral, por Luís Lourenço, do preço do automóvel, ficaria extinto o débito de Napoleão Maranhão.
Claro, pois, que se Lourenço ou Macedo viessem a pagar o título ao Banco ou a Nóbrega, teriam por fôrça daquela relação fundamental, que a entrega das promissórias visava a reforçar e não a destruir o direito de exigir de Maranhão o pagamento efetivo e integral do preço do automóvel que adquiriu a para cujo pagamento entregou as notas promissórias.
Assim, se Maranhão não pagou os títulos no vencimento, e se o pagamento, por via do regresso pretendido por Nóbrega acabar sendo feito por Macedo e por Lourenço (o vendedor pagando o preço do automóvel que vendeu…), é óbvio que Napoleão Maranhão se verá afinal condenado em ação ordinária proposta pelo vendedor a pagar o preço do automóvel que comprou.
E, independentemente dessa relação fundamental que sobreviveu à entrega das promissórias em pagamento do automóvel, Napoleão Maranhão, na qualidade de avalista do emitente, teria de arcar, com parte ao menos, do pagamento que fôsse efetuado pelo coavalista Macedo.
O cancelamento de seu aval nas duas promissórias (cancelamento muito significativo, no caso) não o isentou da responsabilidade perante os outros coobrigados. Verdade é que o art. 44, parág. Único, da Lei Cambial dispõe que para os efeitos cambiais o endôsso ou aval cancelado é considerado não escrito. Como é, porém, tranqüilo e demonstrei amplamente em nosso “Do Aval”, nº 52, página 95, “além de não ser tão absolutas como parecem as conseqüências dêsse dispositivo, uma vez que o cancelamento do aval não impede a legitimação do avalista cancelado para a ação regressiva contra os obrigados anteriores (e esta legitimação é efeito cambial), note-se que o artigo só se refere aos efeitos cambiais, que não interessam ao caso, desde que cambial não é a ação entre coavalistas”.
Assim, quer na qualidade de comprador de um automóvel pago com as duas promissórias, quer na qualidade de avalista e apesar do cancelamento de seu aval; Napoleão Maranhão estaria exposto a pagar a Macedo ou a Lourenço aquilo que êstes pagassem a Nóbrega.
XVI. E surge daí esta indagação: teria Macedo o direito pagar a Nóbrega o valor das duas promissórias, estando, como estava, na convicção de que fôra justamente Maranhão quem resgatara os títulos, por intermédio de seu amigo Eduardo Ferreira Barbosa?
Embora não figure em nossa lei cambial dispositivo expresso como o artigo 40, alínea final, da Lei Uniforme de Genebra, que subordina a validade do pagamento à ausência de fraude ou culpa grave por parte do devedor, ao efetuar o pagamento, a exigência da boa-fé, tanto por parte do possuidor do título como por parte do devedor, é postulado do direito cambiário universal.
Daí ser aplicável ao nosso direito a lição de VALERI, segundo a qual, entre os fatos impeditivos da validade do pagamento e, pois, da aquisição da cambial por via de seu resgate, se inclui “o conhecimento, ou a ignorância imperdoável, da possibilidade de impugnar, sem dano próprio, a legitimação do possuidor” (“Diritto Cambiario Italiano”, número 123, pág. 308).
Ao próprio emitente do título, nem sempre assiste o direito de pagar, e êle deve recusar o pagamento, se tiver meios de demonstrar a ilegitimidade do portador, “se não quiser cometer fraude e efetuar, pois, um pagamento inválido e não liberatório” (VALERI, ob. cit., n° 243, pág. 301).
E quando o portador do título (como no caso em exame) não o adquiriu normalmente, na circulação cambiária, basta que o devedor “sappia della mancanza di legittimazione, anche se non può provarla perchè non si libem ed abbia, inoltre obligo di non pagare” (LORENZO MOSSA, “Legittimazione del cessionário di cambiale”, in “Riv. del Diritto Comerciale”, 1942, II, pág. 13).
Isto é, o simples conhecimento, ainda mesmo que o não possa provar, da falta de legitimação do portador, impõe ao devedor a obrigação de não pagar. A não ser que se resigne a suportar todos os riscos do pagamento, perdendo o direito de voltar-se, regressivamente, contra qualquer coobrigado.
E, em tais casos, acrescenta MOSSA, porque o devedor não tem o direito de pagar, mas, ao contrário, a obrigação de não pagar, o ônus da prova se transfere do devedor para o portador, cabendo a êste provar a legitimidade de sua posse, “l’onere si rovescia tutto a favore del debitore, quando insorgono circostanze che screditano il possesso” (MOSSA, rev. e loc. cits. supra).
Em tais casos, mesmo quem, como VITTORIO SACERDOTI, sustentava a opinião, hoje superada definitivamente (depois de resolvida a questão, de modo expresso, pela Lei Uniforme), de ser possível o regresso cambial entre coobrigados do mesmo grau, fazia, no entanto, sôbre o ator o ônus de provar a legitimidade de sua pretensão: “… l’one re della prova ricade ancora sull’autore, il quale non può dirsi fondato ad agire, finchè non vi abbia soddisfatto”, porque, não constituindo o formalismo cambiário um fim em si mesmo, mas um meio enérgico de que o direito dotou a economia para a certeza do crédito e a segurança de sua circulação “quello della cambiale è il regno della forma, ma è anche il regno dell’equità” (VITTORIO SACERDOTI, “Il regresso fra coobbligati cambiari di pari grado”, in “Riv. del Diritto Commerciale”, 1913, I, págs. 352 e 353).
XVII. Se tudo isso é certo, e se o conceito de boa-fé não é tão vago como muitos supõem, mas tem contornos jurídicos nítidos de que faz parte a obrigação de ser cauto e diligente, e se, como demonstra superiormente GELLA, não se pode considerar de boa-fé quem adquire um título de crédito quando, “embora não conhecendo os defeitos que invalidam o documento em questão, devera tê-los conhecido, e os conheceria, de fato, se houvesse observado esta diligência média, êste cuidado normal que é corrente observar no comércio dos homens” (A. V. y GELLA, “Los títulos de crédito”, n° 38, pág. 84), é evidente que Macedo não tinha sòmente o direito, mas tinha a obrigação de recusar o pagamento pretendido por Nóbrega.
O simples fato do cancelamento do aval de Maranhão nas duas promissórias, abstração de tudo mais, era suficiente para alertar a atenção de Macedo, uma vez que o avalista que paga sòmente pode riscar o próprio aval e o dos avalistasposteriores, como dispõe o art. 24, parágrafo único, da Lei Cambial.
Porque, ou o pagamento dos títulos foi feito efetivamente por Maranhão, e Nóbrega não podia cobrá-los de Macedo, sob pena de impor a Maranhão o prejuízo resultante de novo pagamento total ou parcial, ao coavalista Macedo; ou foi feito por Nóbrega que, cancelando abusiva e ilegalmente o aval de Maranhão, pretendeu impor aos demais avalistas uma situação cambial diferente da que resultava dos títulos que resgatou.
XVIII. Em conclusão pois: sob pena de causar a si mesmo, a Lourenço ou a Maranhão um prejuízo irremediável, cujo conhecimento criou para êle a obrigação de não pagar, Macedo não podia efetuar o pagamento exigido. E se o fizesse, ao voltar-se regressivamente contra Maranhão, êste lhe oporia eficazmente a negligência, a má-fé, ou a culpa grave com que se portará, diante de Nóbrega e poderia acusá-lo mesmo, com tôda aparência de verdade, de se haver conluiado fraudulentamente com o atual detentor dos títulos, a fim de forçá-lo a pagar duas vêzes as malsinadas promissórias.
Diante do exposto, sem a menor dúvida ou vacilação, – que a matéria não comporta, – respondo negativamente a todos os itens da consulta, na certeza de que os doutos aprovarão êste parecer.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
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- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
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