32
Ínicio
>
Civil
>
Clássicos Forense
>
Estudos e Comentários
>
Revista Forense
CIVIL
CLÁSSICOS FORENSE
ESTUDOS E COMENTÁRIOS
REVISTA FORENSE
Jurisdições internacionais para os litígios de direito privado
Revista Forense
07/06/2021
Revista Forense – Volume 142
JULHO-AGOSTO DE 1952
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Mendes Pimentel
Estevão Pinto
Edmundo Lins
DIRETORES
José Manoel de Arruda Alvim Netto – Livre-Docente e Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Eduardo Arruda Alvim – Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/FADISP
Abreviaturas e siglas usadas
Conheça outras obras da Editora Forense
SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 142
CRÔNICA
DOUTRINA
- O momento consumativo nos crimes contra o patrimônio – Nélson Hungria
- Crise do Direito e direito da crise – Afonso Arinos de Melo Franco
- Delegação de poderes ou de atribuições – João de Oliveira Filho
- O Projeto do Código de Navegação Comercial – João Vicente Campos
- Efeito da remissão pelo executado – Moacir Lôbo da Costa
- Da evicção – Gondim Filho
- A luta contra a fraude fiscal – Camille Rosier
PARECERES
- Poderes do juiz – Motivação da sentença – Atentado – Depositário de bens penhorados – Francisco Campos
- Serviços públicos concedidos e de execução direta – Estão sujeitos a regras e princípios jurídicos autônomos – Taxas aeroportuárias – Crítica de sua conceituação como preço ou tarifa natureza jurídica da taxa aeroportuária – Órgão competente para a sua decretação – inconstitucionalidade da Portaria número 434 – Bilac Pinto
- Incorporação de bens ao patrimônio nacional – Estado de emergência ou de guerra – Suspensão das garantias constitucionais – Direito de propriedade – Desapropriação – F. C. de San Tiago Dantas
- Sociedades estrangeiras – Autorização para funcionar no Brasil – Restrições quanto à nacionalidade de seus representantes – Carlos Medeiros Silva
- Filiação adulterina não contestada pelo pai – Impossibilidade de reconhecimento por terceiro – Antão de Morais
- Doação – Promessa inscrita no registro de imóveis – J. Guimarães Menegale
- Sociedade por ações – Fundos de reserva – Distribuição e retenção – Seguros e capitalização – Lei geral e lei especial – Alcides de Mendonça Lima
NOTAS E COMENTÁRIOS
- Jurisdições internacionais para os litígios de direito privado – Haroldo Valadão
- O debate oral na segunda instância – Carlos Alberto de Carvalho Pinto
- Teoria da imprevisão e cláusula “rebus sic stantibus” – Geraldo Serrano Neves
- Êrro substancial e vício redibitório – Milton Evaristo dos Santos
- Isenção de impostos – Autarquias – Mário Brasil de Araújo
- Natureza e finalidade da convenção coletiva de trabalho – Mozart Vítor Russomano
- Sôbre o projeto brasileiro do código de navegação – A. Scialoja; A. Lefebvre D´Ovidio; G. Pescatore; A. Torrente; D. Gaeta; R. Russo.
- Aumento automático dos salários – Francisco Campos
- Aplauso ao Govêrno do Estado do Paraná – Ari Florêncio Guimarães
BIBLIOGRAFIA
JURISPRUDÊNCIA
- Jurisprudência Civil e Comercial
- Jurisprudência Criminal
- Jurisprudência do Trabalho
LEGISLAÇÃO
LEIA O ARTIGO:
I. O problema da criação de jurisdições internacionais para os litígios de direito privado foi estudado pela União Internacional dos Advogados em vários de seus Congressos
No II, de Paris (1930), a União adotou, de acôrdo com a proposta de Me. L. SARRAN, “le principe de la création de Tribunaux mixtes internationaux, chargés de juger les litiges d´ordre commercial entre les ressortissants des Etats qui auront accepté cette juridiction”.
A seguir, no 3º Congresso, de Luxemburgo (1931), a União, considerando o relatório de Me. L. SARRAN em nome de uma comissão especial composta dos Srs. KAUFFMANN, SALANSAR, STEPHANOWITCH, VAES, SARRAN et VAUGHAN WILLIAMS, êste como perito, e, ainda, os debates ali realizados, aprovou, acêrca da criação de Tribunais Mistos Internacionais, o seguinte voto: “Quant à la compétence de ces tribunaux. Que cette compétence comporte les litiges naissant de contrats commerciaux, ou de conflits en matière de propriété intellectuelle. Qu´elle soit ouverte à toutes les personnes physiques ou morales, dcmiciliées dans un des Etats participants. Qu´elle soit librement accepté ou refusée par les intéressés, lesquels auront le choix entre le tribunal mixte international, l´arbitrage ou la juridiction de droit commun”. “Quant à la procedure Qu´en attendant la codification internationale en voie de réalisation, l´intention des parties soit recherchée quant à la législation à appliquer et qu´en tas de doute, ce soit le tribunal mixte lui-même qui décide de la législation à appliquer par lui. Que les décisions des tribunaux mixtes soient assimilées aux décisions de la justice natienale, quitte à observer certaines formalités, qui devraient être des plus simples, pour constater le prononcé de la sentence d´une manière authentique et parer aux faux ou aux subterfuges”. “Quant à la composition des tribunaux mixtes. Qu´il y ait pluralité de pays et que ceux-ci soient nommés pour une durée plutôt longe”. “Quant à la représentation et à l´assistance des parties. Que les règles en vigueur des divers pays soient respectés. Qu´il n´y ait point de juridiction d´appel, toute reserve étant faite quant à la necessité d´une juridiction de revision” (“Compte Rendu du Congrès de Luxemburg”, páginas 18 a 35 e 61).
Finalmente, o IV Congresso, da Haia (1932), “confirmant les résolutions de ses précédents congrès: de Paris (1930) et de Luxembourg (1931) en faveur de la Création de Tribunaux mixtes internationaux; considérant qu´en l´état actuel des rapports entre peuples, l´organísation de telles juridictions perait être la condition préalable du développement du droit international et de la formation d´une jurisprudence international, enrégistre avec confiance l´initiative des Gouvernement belge et français et émet le voeu qu´une prochaine entente intervienne entre les deux pays, qui soit suivie le plus rapidement possible par les autres nations” (“Compte Rendu du Congrès de la Haye”, págs. 26 a 29 e 57).
II. Me. L. SARRAN acentuara na discussão: “quelle juridiction nationale, si élévée et respectable soit-elle, pourrait prétendre échapper aux soupçons… les justiciables (trouveront) la foi indispensable dans l´impartialité des juges”.
E Me. L. HENNEBIQ sublinhara que os Tribunais Arbitrais Mistos deveriam, diversamente do que vinham fazendo os juízos arbitrais; utilizados pelos comerciantes, “faire de la jurisprudente internacionale“.
Me. VAES e o Sr. VAUGHAN WII.LIAMS, particularmente o primeiro, preferiram manter o sistema de juízos arbitrais existentes, através da cláusula compromissória, com um mínimo de despesas, sem “compliquer la compétence par la superposition d´une juridiction mixte qui serait plus difficile et plus lente à mettre en mouvement et qui sortirait du cadre de nos habitudes acquises”.
III. Vê-se, do que acabamos de expor, que os Congressos da União Internacional dos Advogados aceitaram, tìmidamente, a idéia de se criar uma Jurisdição Internacional para os litígios de direito privado, com o nome de “Tribunais Mistos Internacionais”, e de forma bem restrita, para “os litígios provenientes de contratos comerciais ou de conflitos em matéria de propriedade intelectual”, jurisdição “acessível a tôdas as pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas em um dos Estados participantes”, “livremente aceita ou recusada pelos interessados, que terão opção entre o tribunal misto internacional, o juízo arbitrai ou a jurisdição comum”.
O projeto dum Alto Tribunal Franco-Belga, examinado no 4º Congresso da União, baseado em uma resolução da Câmara dos Deputados da França, de 27 de junho de 1929, ampliou a competência do tribunal para outros litígios de natureza civil e para os conflitos oriundos de convenções de direito privado (aí compreendidas as medidas acessórias daqueles processos), e, bem, assim, para os pleitos dos Estados contratantes agindo como pessoas de direito privado; a competência seria obrigatória, salvo no concernente aos Estados, e sempre com a ressalva do direito de recorrer ao juízo arbitrai.
Êsse projeto não vingou, embora visasse à criação dum Tribunal internacional entre dois países, que constituem, como tem sido tantas vêzes observado, “um bloco jurídico”, (Me. VAES).
IV. A matéria fôra estudada ao Instituto de Direito Internacional, primeiramente em relatório completo, dos Srs. F. DE LA BARRA e ANDRÉ MERCIER, a respeito do processo da arbitragem, que concluiu por um voto de estudo da questão, aprovado pelo Instituto (“Annuaire”, 1927, II, págs. 505 a 629).
E, posteriormente, em outro relatório, também completo, do professor SEFERIADES, acêrca do problema do acesso dos particulares às jurisdições internacionais (“Annuaire”, 1929, I, págs. 505 a 558; e “Recueil des Cours de l´Académie de Droit International de la Haye”, 51, págs. 5 a 117).
O professor SEFERIADES aprovava as idéias dos Srs. DE LA BARRA e MERCIER em prol de ser instituída jurisdição internacional especial, também para os litígios entre particulares de nacionalidade diferente, “tant au point de vue de la “garantié d´impartialité” qu´à celui de la solution des conflits de compétence entre jurisdictions d´Etats différents”.
Limitava-se, contudo, em seu relatório, aos litígios entre um particular e um Estado estrangeiro, e propunha o acesso direto dos particulares à Côrte Permanente de Justiça Internacional contra Estados estrangeiros como credores por obrigações contratuais; prejudicados por violação de tratados ou convenções ou por um fato ilegal, delito ou quase-delito, dum Estado estrangeiro, interessados na solução dum conflito positivo de nacionalidade; propunha, ainda, o acesso àquela Côrte dos Estados que pretendessem agir contra particulares, de um outro Estado, e admitia sempre a participação no litígio do Estado a que pertencesse o particular, autor no litígio.
Mas o Instituto, em sua reunião de New York, aprovou apenas esta resolução: “L´Institut de Droit International est d´avs qu´il y a des cas dans lesquels il peut être désirable que le droit soit reconnu aux particuliers de saisir directement, sous des conditions à déterminer, une instance de justice internationalé de leurs différents avec des Etats” (“Annuaire”, 1929, vol. III, pág. 311).
A “International Law Association” estudou, outrossim, o assunto; por intermédio de sua seção húngara, na Conferência de Estocolmo, 1924, aprovando um voto para que a Sociedade das Nações tomasse a iniciativa da criação duma Côrte Permanente de Justiça internacional em matéria civil e para decidir de processos de caráter privado, quer entre particulares e Estados estrangeiros, quer entre particulares pertencendo por sua nacionalidade, domicílio ou residência, a países, diferentes.
Na Conferência, de Budapest, 1934, a seção francesa da Associação apresentou um ante-projeto do Prof. DE LA PRADELLE, com uma diretriz decididamente restritiva, duma Convenção Bilateral instituindo um Tribunal Internacional de Direito Privado, “qui porte le nom de tribunal mixte”“est permanent”, formé par trois membres, deux juges nationaux… et un Président de nationalitétierce“, para todos os litígios de natureza civil e comercial entre indivíduos pertencentes aos Estados contratantes que não tiverem nem domicílio nem residência habituais num mesmo país contratante, entre os Estados contratantes, entre um dos Estados contratantes e indivíduo pertencente ao outro, e, ainda, de todos os litígios, relativos à aplicação das Convenções Internacionais de Direito Privado, com a faculdade, todavia, para o Estado, de declinar, sem declaração de motivo, da competência do referido Tribunal.
Convém destacar as seguintes palavras da exposição de motivos do anteprojeto: “L´intérêt d´un tel tribunal est notamment de: 1º) donner aux individus le droit de citer, directement, en matière contractuelle, civile ou commerciale, les Etats étrangers, qui, devant les tribunaux internes, sont actuellent autorisés, par un certain nombre de jurisprudentes, à se prévaloir de l´immunsté, de jurisdiction; 2°) assurer une décision, qui ait, par èlle-même autorité de chose jugée et force exécutoire immédiate dans les deux Etats qui l´organisent; 3º) rendre manifeste l´impartialité des juges; 4º) éviter les contradictions de jugement et supprimer la nécessité de l´instance interne préalable, en cas de déni de justice, à l´instancé internadonale” (“Report of the Thirty-eight Conference”, Budapeste, pág. 74).
Êsse anteprojeto foi aprovado, com exclusão da cláusula declinatória de competência pelo Estado, e recomendado aos diferentes Governos, que, entretanto, não o tomaram, ainda, em consideração.
O Sr. EMERIC VADASZ combateu o anteprojeto. Ele declarou mesmo: “Ce projet est inspiré par la méfiance… Cette méfiance n´esf nullement fustifiée. Je sufis convaicu que tous les juges de tous les payes se dresseront et protesteront contre elle comme un seul homme. Personne n´est en mesure d´invoquer à l´appui de cette suspicion des cas qui pourraient être censidèrés sériéusement comme des arguments concluants. Mais moi je me sufis livré à des recherches datis les archives des tribunaux de la majéure partie des Etats européens en compulsant des centaines de dossiers de procès entre nationaux et étrangers. J´ai constaté que ces derniers ont gagné ou perdu leurs procès dans une proportion sensiblement identique que les justiciables nationaux des tribunaux respectifs en général. La suspicion en bloc de parti pris doit donc être éliminée. L´impartialité des juges jugeant les affaires de nationaux d´un autre Etat ne doit pas être mise en doute” (“Report” citado, pág. 96).
V. Ùltimamente foi a matéria objeto de um notável estudo de CHARLES CARABIBER (“Les Juridictions Internationales de Droit Privé”), Paris, 1947, em que êle defende com grande entusiasmo a criação de tribunais internacionais de direito privado para os litígios de particulares contra outros particulares de nacionalidade ou domicilio diferentes, ou contra um Estado estrangeiro, e enumera como da competência exclusiva dos tribunais’ internacionais de direito privado, as questões decorrentes’ da interpretação e da execução das convenções de direito internacional privado, provenientes da inexecução de tratados relativos à proteção da propriedade industrial, comercial, literária e artística; provenientes da apreciação das convenções internacionais bilaterais ou multilaterais em matéria de dupla tributação; provenientes de delitos ou quase-delitos, de “mesures arbitraires” contra os estrangeiros “en raison de la compétence pour violation d´un traité international”; provenientes de obrigações assumidas pelo Estado em virtude da emissão de um empréstimo público, embora apresentando para o Estado aspecto de direito público; os conflitos positivos e negativos de nacionalidade, e, enfim, os litígios oriundos da execução de obrigações contratuais civis ou comerciais entre particulares de nacionalidades diferentes ou pondo em conflito um particular com um Estado que não seja o seu, sobretudo para esta última categoria “étant donné qu´il est à craindre que les juridictions nationales ne soient pas d´une objectivité absolue s´agissant d´un différend dons lequel se trouve impliqué l´Etat”. E assim conclui: “Au lieu de chercher d´emblés à créer des juridictions à caractère Universel, il convient de passer par des relais: “celui des accords bilatéraux ou multilatéraux donnant naissance à des tribunaux mixtes: celui des tribunaux régionaux”; celui enfia des tribunaux établis en considération de systèmes juridiques groupant plusieurs Etats obéissant à des normes juridiques analoques ou présentant des affinités certains” (CHARLES CARABIBER, IX, ob. cit., pág. 354).
Note-se que foram aí incluídos sobretudo litígios de direito público, delitos ou quase-delitos do Estado, conflitos de nacionalidade, empréstimos públicos do Estado, dupla, tributação internacional, ou indistintamente, questões de direito público ou de direito privado, quando fundadas em interpretação ou execução de convenções ou tratados internacionais embora o autor sustente que todos êsses litígios, mesmo os fiscais, sejam de direito privado pelo seu objeto.
Mas é justamente neste último domínio que se observa um movimento bem recente “en faveur de la création, à titre permanent, de tribunaux supranationaux de droit public fiscal, pour trancher les procès entre les Etats et les étrangers”, segundo a expressão dum autor, MAXIME CHRÉTIEN, que acaba de escrever um estudo profundo sôbre “Le Problème des Règlements Juridictionnels de Litiges Internationaux d´Ordre Fiscal”, no Clunet (1951, págs. 30-64 e 508-568, particularmente a pág. 550).
Examina o autor, inicialmente, a jurisdição dos tribunais nacionais, que considera precária quer pela abstenção de julgamento quanto a certos litígios – os que se apresentam entre dois Estados, e entre um Estado estrangeiro (autor ou réu) e um particular, – quer pela timidez do julgamento, pois nos casos em que o adversário do Estado é um estrangeiro, os tribunais demonstram maior acanhamento e menor imparcialidade de que nos casos em que o adversário do Estado é um nacional.
Considera, afinal, os sistemas possíveis de decisão internacional: de numerosos tribunais bilaterais pelo modêlo dos Tribunais mistos, “qui facilitérait le règlement des conflits fiscaux“; dum único tribunal coletivo que êle prefere, pois “favoriserait le développement d´une jurisprudence internationale”; e duma Côrte fiscal Internacional, ou duma Câmara fiscal na Côrte Internacional de Justiça“, que êle escolhe, para evitar os inconvenientes que decorrem da “multiplication de tribunaux collectifes”.
Na Organização das Nações Unidas, um projeto da Austrália, criando uma “International Court of Human Rights”, não teve êxito. Essa Côrte seria acessível aos Estados, grupos de pessoas e indivíduos, com competência em grau de recurso, “from all decisions of the Courts of the States bound by the obligations contained in the declaration of Human Rights, in which any question arises as to the rights of citizenship, or the en joyement of human rights ar fundamental freedoms” (apud H. LAUTERPACHT, in “Recueil des Cours”, págs. 70-84). Embora o professor H. LAUTERPACHT considere os indivíduos e outras pessoas jurídicas que não o Estado também sujeitos do direito internacional, êle não apoiou o citado projeto (“Recueil” cit., págs. 70-85).
Nos Estados Americanos existiu durante 10 anos, criada a 20 de dezembro de 1907, uma Côrte de Justiça Centro-Americana organizada por cinco Repúblicas, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua e El Salvador, em que se admitia o acesso dos particulares de um dos Estados contra um dos outros Estados por violação de tratados ou convenções e outros casos de natureza internacional, com ou sem o apoio de seu govêrno, desde que esgotados os recursos admitidos no país respectivo, e, também; em caso de denegação de justiça (SANCHEZ DE BUSTAMANTE, “Derecho Internacional Público”, I, págs. 511-515).
VI. Comecemos, para o estudo do problema, da situação atual da justiça interna ou nacional e da justiça internacional.
A respeito da justiça do direito comum, de aplicação geral, encontramos os tribunais nacionais com competência para todos os litígios entre particulares e entre particulares e o Estado do Tribunal e, até em certos casos excepcionais, entre aquêles e o próprio Estado estrangeiro, quaisquer que sejam a nacionalidade, b domicílio, ou a residência do particular, e qualquer que seja a regra de direito aplicável: interno, público ou privado, ou internacional, salvo no que concerne ao juízo arbitral escolhido pelos interessados na demanda e tornado efetivo pela cláusula compromissória e o reconhecimento das sentenças arbitrais.
Em outro extremo acha-se uma justiça especial: um tribunal internacional, a Côrte de Justiça Internacional e as Côrtes de Arbitragens, para os litígios entre os Estados e as reclamações indiretas, formuladas por um Estado que age, em proteção de seus nacionais, contra um outro Estado.
VII. O principal motivo invocado para a criação de tribunais internacionais de direito privado ou de direito público com o acesso direto dos particulares, é a falta de imparcialidade, a desconfiança dos tribunais nacionais quando se trata de decidir litígios entre estrangeiros ou pessoas domiciliadas ou residentes no estrangeiro e os nacionais ou pessoas domiciliadas ou residentes no Estado do Tribunal, sôbretudo no caso em que a demanda é entre Estado e um estrangeiro ou uma pessoa domiciliada ou residente no estrangeiro.
Não podemos aceitar esta acusação de alta de parcialidade dos tribunais nacionais, quando julgam litígios nos quais são interessados estrangeiros ou pessoas domiciliadas ou residentes no estrangeiro.
Verificamos que no Brasil e nos principais Estados da América e da Europa, representados na União Internacional dos Advogados, decidem os tribunais internos os processos com absoluta imparcialidade, não levando em consideração a nacionalidade, o domicílio ou a residência das partes, mesmo no caso em que uma destas é o Estado a que pertence o Tribunal.
Observa-se mesmo que, no julgamento daquele gênero de litígios, os juízes nacionais são mais rigorosamente imparciais quando no seu próprio país, integrando os tribunais internos, do que no ambiente internacional, se funcionam na qualidade de membros de uma Côrte Internacional.
A respeito dos litígios de ordem fiscal, o que acontece é existirem, às vêzes, juízes mais ou menos inclinados a decidirem a favor do Estado embora o façam sem considerar jamais a nacionalidade, o domicílio ou a residência os contribuintes. Mas os tribunais de apelação e as côrtes supremas aí estão sempre para assegurar, finalmente, a imparcialidade dos julgamentos.
A existência, de raras exceções de juízes que decidam sem imparcialidade não justificaria a criação de tôda uma nova jurisdição internacional para os litígios de direito privado e de direito público. Seria mister buscar, para o caso, outro corretivo.
VIII. Outra razão apresentada para se criarem tribunais internacionais, e que justificaria também a criação de tribunais de direito privado e de direito público, seria o estabelecimento de uma jurisprudência internacional.
Parece-nos, entretanto, que uma jurisprudência verdadeiramente internacional não pode ser criada nem por Tribunais Mistos, bilaterais, ou multilaterais, nem por tribunais regionais…
O grande número de tribunais internacionais tornaria contraditória, em lugar de unificada, qualquer jurisprudência que pretendessem estabelecer.
A jurisprudência internacional deve ser fixada por um Tribunal de Justiça Internacional, agora pela Côrte de Justiça Internacional de Haya, a que pertence a maioria absoluta dos Estados.
Doutra parte, a grande contribuição ao progresso do direito internacional é devida não diretamente à jurisprudência, mas à doutrina internacional, coletiva, com as sociedades sábias, internacionais e profissionais: o Instituto de Direito Internacional, a International Law Association, o Instituto Americano de Direito Internacional, a Comissão e n Conselho de Jurisconsultos Americanos, a Comissão Jurídico Interamericano, a União Internacional dos Advogados, etc., ou individual, com os tratados e as obras dos homens de ciência, dos juristas, dos professôres.
IX. O terceiro motivo invocado em prol da criação de jurisdições internacionais, seja de direito privado, seja de direito público, concerne aos litígios oriundos ou provenientes da apreciação, da interpretação ou da inexecução de tratados e convenções internacionais, ou de princípios reconhecidos de direito internacional: convenções de direito internacional privado, tratados relativos à propriedade intelectual, comercial, literária ou artística, convenções sôbre dupla tributação, casos de denegação de justiça, etc.
Encontramo-nos, agora, no bom caminho, no da competência ratione materiae, da aplicação de regras e de princípios de direito internacional.
Eis um assunto no qual a última palavra deve caber, evidentemente, à Justiça Internacional.
Vê-se, aliás, nos diversos projetos de criação de jurisdições internacionais de direito privado ou de direito público, que a grande maioria dos casos enquadrados na sua competência diz respeito á aplicação de normas de direito internacional.
Mas a aplicação de uma, regra de direito internacional se dá como a de uma regra, por exemplo, de direito constitucional: é sempre uma questão de direito, que pode portanto surgir em qualquer momento, seja qual for o litígio e em cada uma das instâncias do processo.
Não se poderia retirar de um Tribunal nacional a faculdade de aplicar uma regra de direito internacional, isto é, de aplicar o direito.
O professor H. BATIFFOL bem o acentuou com estas palavras: “Les tribunaux arbitraux mixtes, qui constituient de véritables juridictions internationales de droit privé, pour des matières d´ailleurs étroitement circonscrites, ont disparu sans qu´on ait tente d´élargir leur compétence. La raison de ce fait se trouve certainement dans l´observation que l´élément international ne changeant pas la nature du litige, il a toujours paru arbitraire et peu utile d´enlever un procès au juge le plus accessible et le plus qualifié pour apprécier la substance des affaires de ce genre. Une affaire de loyers arrièrés ne doit pas être envoyée devant une juridiction internationale sous prétexte que le locataire est étranger. Il se peut d´aildeurs que cette extranéité soulève de dìfficiles questions, ait sujet, par exemple, de l´application d´un traité, mais c´est un fait général que la moindre affaire de justice de paix peut soulever le cas échéant les questions de príncipe les plus graves. Les régles de compétence se fondent sur l´objet des litiges” (HENRI EATIFFOL, “Traité Elémentaire de Droit International Prive”, 1949, pág. 693).
Pode, contudo, acontecer que de uma decisão final da justiça nacional, após o esgotamento de todos os recursos, resulte a violação de uma regra ou de um princípio reconhecido de direito internacional, invocados no litígio.
Seria justo admitir; nesse caso, era defesa da norma de direito internacional, um recurso (pourvoi en cassation, writ of certiorari, recurso extraordinário) de qualquer interessado no litígio, particular ou Estado, perante a Côrte Internacional de Justiça da Haya.
É sistema adotado em Estados de organização federativa, para defesa duma norma contida na Constituição federal.
Aliás diversos projetos estabeleceram acesso direto à Côrte Internacional de Justiça, e a Sexta Conferência de Direito Internacional da Haya aprovou um Protocolo estabelecendo recurso para a Corte Permanente de Justiça Internacional da Haya a respeito da interpretação das convenções de direito internacional privado (“Recueil des Textes Usuels de Droit International”, NIBOYET et GOULÉ, II, pág. 458).
X. O último argumento apresentado para a criação de tribunais internacionais de direito privado, e que é, aliás, mais próprio para tribunais de direito público, reside na necessidade do estabelecimento de uma jurisdição para os casos em que os tribunais nacionais se recusam a julgar com base na imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros e dos agentes diplomáticos.
Mas a regra da imunidade de jurisdição comporta exceções importantes, consagradas pela doutrina: pelo Instituto de Direito Internacional em primeiro lugar (Resoluções votadas no curso da XXXVI Sessão de Nova York, V, arts. 12 e segs., in “Annuaire de l´Institut”, 1929, vol. II, págs. 309-310), em Convenções Internacionais, pelo Código Bustamante, arts. 333 e segs., pela Convenção de Bruxelas de 10 de abril de 1926, sôbre regras referentes à imunidade dos navios de Estado, pela jurisprudência de diversos Países: Itália, Bélgica, Suíça, etc. (apud BOSCO, “Rivista di Diritto Internazionale”, 1929, págs. 45 e segs., e LEMONON, “Nouvelle Revue de Droit Int. Prive”, VI, 1939, pag. 561).
Além disto, a conseqüência da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros é o reenvio do litígio aos tribunais do Estado nêle implicado. Quanto aos agentes diplomáticos, a imunidade vigora no exercício de sua missão e, durante este período, um litígio em que êle seja parte deverá ser também reenviado aos tribunais dos respectivos países (HILDEBRANDO ACCIOLY, “Tratado de Direito Internacional”, trad. espanhola, II, pág. 361).
Não acreditamos que os tribunais do Estado ou do Estado do agente diplomático, protegidos pela imunidade, se recusem também a julgar os litígios intentados contra os referidos Estados ou agente diplomático.
Podemos informar que no Brasil os tribunais têm competência para todos os litígios contra o Brasil ou um de seus Estados ou um de seus agentes diplomáticos, nos casos em que o tribunal estrangeiro declinou ou declinaria de sua competência para ó julgar em virtude do princípio da imunidade de jurisdição. As Constituições federais do Brasil, desde a primeira de 1891, artigo 59, I, d, até a atual, de 1946, art. 101, I, d, estabeleceram mesmo a competência do Supremo Tribunal Federal nos processos movidos por um Estado estrangeiro contra a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e com a aprovação doutrinária do “Marshall” brasileiro, de PEDRO LESSA (“Do Poder Judiciário”, págs. 71-75).
É orientação geralmente admitida no direito dos Estados’ Americanos, desde a Constituição dos Estados Unidos, de 1787, art. 3°, Sec. II, até a mais recentemente modificada, a da República Argentina, arts. 95 e 96.
Se acontece, por fim, que os tribunais nacionais do Estado ao qual pertence o particular e mesmo os do Estado implicado na demanda se declarem incompetentes com base em uma norma de direito internacional, o interessado poderá se dirigir diretamente à Côrte da Haya em recurso para defesa da referida norma de direito internacional.
Trata-se, pois, de um caso compreendido na categoria de recurso ratione materiae, antes examinado sob o nº IX.
Relativamente aos conflitos de leis de competência judiciária, negativos, a jurisprudência adota, correntemente, o critério de dar competência ao tribunal nacional para evitar uma denegação de justiça. Neste sentido, o Cód. de Proc. Civil de Portugal contém regra expressa, art. 65, letra d.
XI. Concluímos, conseqüentemente, que o problema não consiste em criar novas jurisdições internacionais, quer de direito privado quer de direito público, quer bilaterais, multilaterais, regionais…
Pensamos, atendendo em parte a certos projetos, sobretudo aos dos professores SEFERIADES e MAXIME CHRÉRTIEN, que a solução deve ser encontrada na ampliação da competência da Côrte Internacional de Justiça.
É necessário precìpuamente assegurar a aplicação das normas de direito internacional, das regras estabelecidas nos tratados e convenções internacionais, e mesmo dos princípios reconhecidos do direito internacional.
Foi com esta finalidade que se criou um tribunal internacional, competente, organizado pela grande maioria dos Estados: a Côrte Internacional da Haya.
Dando aos particulares o direito de se dirigir diretamente àquela Côrte, em recurso contra as decisões finais dos tribunais nacionais por violação de uma norma invocada de direito internacional, levamos em consideração as justas propostas que figuram em todos os projetos de criação de jurisdições internacionais de direito privado e de direito público.
Sobre o autor
Haroldo Valadão, professor da Faculdade Nacional de Direito.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS
I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:
- Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
- Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
- Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
- A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
LEIA TAMBÉM: