GENJURÍDICO
Interdição – Juízo competente – domicílio da mulher viúva – inspeção do interditando mediante precatória ou rogatória

32

Ínicio

>

Civil

>

Clássicos Forense

>

Revista Forense

CIVIL

CLÁSSICOS FORENSE

REVISTA FORENSE

Interdição – Juízo competente – domicílio da mulher viúva – inspeção do interditando mediante precatória ou rogatória

REVISTA FORENSE 159

Revista Forense

Revista Forense

30/10/2023

– A mulher viúva conserva o domicílio do marido, enquanto voluntàriamente não adquire outro próprio.

– A regra da inspeção pessoal do interditando pelo juiz não é absoluta; em casos especiais pode fazer-se por precatória ou rogatória.

– Interpretação do art. 450 do Código Civil.

PARECER

1. A., brasileiro, casado, sempre foi domiciliado e residente nesta Capital e aqui faleceu há poucos dias.

2. Deixou viúva, a senhora B., brasileira, que está atualmente internada num Sanatório na Suíça, por sofrer das faculdades mentais. Em virtude de seu estado, acha-se impossibilitada de sair da casa de saúde.

3. A. e B. eram casados sob o regime comum e tinham, em comunhão, bens de grande valia, não só nesta Capital, onde sempre tiveram a sede de seus negócios, como noutros lugares do Brasil. Há, pois, necessidade de prover sôbre a administração dêsse patrimônio e de promover o competente inventário e partilha. Nessas condições, impondo-se a decretação da interdição de dona B., pergunta-se:

“Qual a lei que, no caso, rege a interdição?

“Qual o juízo competente para decreta-la?

Sendo B. brasileira e domiciliada em São Paulo, a lei que rege a interdição é a brasileira e o juízo competente é o domicílio de B., ou seja, o desta Capital.

Juízo competente

4. Se o domicílio de B. é decisivo determinar a lei e o juízo competente, importa precisar se realmente B. é domiciliada nesta Capital. Dúvida não há que aqui era domiciliado seu marido. Ora, nos têrmos do art. 36, parág. único, do Cód. Civil e do art. 7º, § 7°, do decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Cód. Civil Brasileiro), a mulher casada tem por domicílio do marido, salvo se estiver desquitada a tiver sido abandonada por êle. B. não estava desquitada, nem abandonada por A., que, ao contrário, com o maior desvêlo e carinho, a recolheu, temporàriamente, a famoso estabelecimento especializado da Suíça, a fim de procurar a cura que, infelizmente, até agora não se conseguiu.

5. Mas, se o domicílio de B. era o de A. e, portanto, nesta Capital, ocorre a dúvida: com a morte de A. não cessou o domicílio legal e necessário de B.? Sem dúvida, cessou com o caráter de domicílio legal e necessário; mas continuou o domicílio a ser o mesmo, com o caráter, porém, de real ou voluntário.

6. Esta conclusão provém de que, consoante ensina DERNBURG (“Pandette”, vol. 1, parte 1, § 46, pág. 120, trad. CICALA), “di regola si perde il precedente domicilio solo com l’acquisto di um altro”.

Princípio êste reproduzido pelo artigo 24 do Cód. Civil suíço:

Toute personne conserve sota domicile aussi longtemps qu’elle ne s’em est pas créé un nouveau”.

ESPÍNOLA e ESPÍNOLA FILHO (“Lei de Introdução”, vol. 1, pág. 626) ensinam que assim também é no direito brasileiro:

“Entretanto, há a considerar que, no nosso direito, como, aliás, também sucede na Suíça. (Cód. Civil, art. 24: “Tôda a pessoa conserva o seu domicílio enquanto não adquire um novo”), não se tolera a falta de domicílio, e, pois, tendo o marido, forçosamente, um domicílio, ou um lugar que faça as vêzes deste (residência simples, ponto onde é encontrado entre nós; domicílio anterior, no direito suíço), se não se lhe pode apontar um domicílio real, a mulher, tendo, necessàriamente, o mesmo domicílio legal de seu marido, será demandada onde êste o pode ser”.

7. Foi dito acima que o domicílio de B., em conseqüência da morte do marido, continuou o mesmo, mas sob a veste de domicílio real e não mais necessário. É o que resulta desta nota de PACIFICI-MAZZONI (“Istituzioni”, vol. 2, parte 1, página 193, quinta edizione):

“Segundo a Côrte de Apelação de Turim, a mulher pelo só fato da separação legal não perde o domicílio que tinha junto ao marido, substituindo-se pelo domicílio de origem, mas é mister que ela haja escolhido legalmente outro. O domicílio que tinha junto ao marido cessará de ser legal para se tornar real“.

TEDESCHI (“Domicilio”, nº 98, página 249, Cedam, 1936) explica:

“Se no momento da cessação do domicílio legal a sede principal dos negócios e interesses se acha no mesmo lugar do domicílio legal, a pessoa conserva aí o seu próprio domicílio, mas a título de domicílio real“.

Por último, CUNHA GONÇALVES (volume 2, nº 140, pág. 46):

“Há quem afirme conservar a viúva o domicílio do marido enquanto não adquira outro; mas isto é um equívoco, pois a verdade é que o domicílio do marido pré-defunto apenas se converte em domicílio voluntário da viúva”.

Domicílio da mulher viúva

8. Algumas legislações são expressas no sentido de que a viúva continua com o mesmo domicílio do falecido marido. Assim, o Cód. Civil italiano de 1865, artigo 18:

“La moglie che non sai legalmente separata, há il domicilio del marito; divenendo vedova lo conserva, finchè non ne abbia acquistato un altro”.

Da mesma forma, o Cód. Civil uruguaio, art. 33:

La mujer casada no divorciada sigue el domicilio del marido, mientras éste reside en la República. La viuda non divorciada retiene el domicilio de su marido, mientras no pasa a segundas nupcias, ó se establece en otra parte, con ánimo de permanecer”.

9. ESPÍNOLA e ESPÍNOLA FILHO (lugar citado, pág. 631) opõem restrições a esta regra: “pois pode suceder que já tivesse, no curso da sociedade conjugal, um domicílio de fato em lugar diferente do em que, legalmente, era considerada domiciliada, por aí estar o seu marido”.

A observação dos ilustres mestres não procede porque, na constância da sociedade conjugal, a mulher não poderia eleger outro domicílio; e, se pudesse, êsse, naturalmente, prevaleceria sôbre o domicílio necessário, como explicam os tutores do Cód. Civil alemão (edição do “Comité de législation étrangère”, vol. 1, pág. 9, nota ao art. 10). Mas, esta hipótese seria irrealizável no caso da consulta, dada a impossibilidade de B., devido ao seu estado mental, eleger outro domicílio.

10. A regra de conservar a mulher o domicílio do marido, enquanto não adquira outro, tem vários fundamentos. Um deles é que o centro dos negócios e interêsses do casal, com a morte do marido, se desloca automàticamente para a pessoa dela; e, nesse caso, dá-se a conversão do domicílio de leal para real. É o que nos mostra FERRARA (“Parte Generale”, página 555):

L’attribuzione di un domicilio, sia che si tratti di determinarlo per la prima volta, sia che si tratti di mutare quello legale, avviene ope legis, in quanto si verifichino le condizioni da cui la legge fa scaturire quest’effetto giuridico. E poichè l’art. 16 stabilisce che il domicilio civile d’una persona è nel luogo in cui essa ha la sede principale dei propri affari ed interessi, segue da ciò che per stabilire o mutare il proprio domicilio, basta spostare o che si spostato il centro del proprio affari ed interessi“.

Também TEDESCHI mostra que a conservação do domicilio do marido se funda em que nesse domicílio está também o centro dos negócios e interêsses da viúva, sendo absurdo que passe para outro lugar, à revelia dela, o seu domicílio (lugar citado, ns. 98 e 117).

11. A conservação do domicilio legal da viúva não foi expressamente declarada no Cód. Civil italiano vigente, como o fôra no art. 18 do Código de 1865. O elemento histórico, porém, revela que a doutrina continua a ser a mesma, segundo expõe TEDESCHI (lugar citado, página 250, nota. 2).

Sem dúvida a razão que levou o novo legislador italiano, como os legisladores de outros povos, a não conceder um texto especial ao principio, provém de se tratar de regra geral, aceita pela melhor doutrina e, portanto, dispensável nos artigos de um Código. Eis como MICHELE BATISTA, em sua clássica obra “Domicílio”, seconda edizione, pág. 177, o justifica:

“A viúva continua a ter o domicílio do marido, porque, como já notamos, a lei presume que ela conserva apêgo à casa conjugal, onde, morto o marido, ela fica no govêrno da família. De outro lado, o matrimônio confundiu em unidade, com os afetos, os interêsses dela com os do marido e dos filhos, sujeitando-os a um mesmo govêrno e orientação: e o fato da residência dela no mesmo lugar do marido e a convivência com êle e com os filhos são elementos pelos quais, até prova em contrário, se supõe que ela queira continuar a ter na casa marital a sede dos próprios interêsses, após a dissolução do matrimônio”.

12. Na impossibilidade de reproduzir a lição da doutrina e da jurisprudência, tão fartamente indicada por BAUDRY et HOUQUES-FOURCADE (“Personnes”, tomo 2, nº 1.008, troisième édition, página 189, nota 1), limito-me a transcrever apenas o ensinamento dêsses insignes tratadistas:

“Resta indagar quando cessa o domicílio imposto pela lei, que se pode chamar domicílio de dependência. Cessa, ao menos como domicílio legal, desde o momento em que desaparece o fato ou a causa que lhe servia de fundamento. Assim, o domicílio legal do menor sob tutela ou do interdito cessa no momento em que a tutela termina; o domicílio legal da mulher cessa por ocasião da dissolução do casamento ou da separação de corpos. O efeito não pode sobreviver à causa. Quer isso dizer que o antigo pupilo, a mulher viúva, divorciada ou separada de corpos, perdem de pleno direito, o primeiro o domicílio do tutor, a segunda o domicílio do marido? Não, do contrário ficariam provisòriamente sem domicílio, situação que nossas leis, quanto a nós, não autorizam. E, em todo o caso, a só cessação da causa que dá lugar à atribuição do domicílio legal não faz, forçosamente, supor nessas pessoas a intenção de transferir o seu domicílio; elas conservam, pois, o antigo, enquanto não fizerem o necessário para adquirir um novo. Isto significa, em outras palavras, que seu domicílio de direito se torna um simples domicílio de fato: o domicílio impôsto se transforma em um domicílio voluntário, que, como tal, são livres de abandonar quando julguem oportuno, às vêzes para voltar ao domicílio que tinham primitivamente. Mas, êste não é recuperado por elas de pleno direito, pois tôda a transferência de domicílio exige um elemento intencional e um elemento de fato, que nada pode surprir”.

Esta lição, além de se apoiar na doutrina moderna, vinha de longe. Não é demais transcrever TEDESCHI (“Domicílio”, nº 31):

“Que a viúva conserve o domicílio do marido até que passe a novas núpcias, era estabelecido pelo direito romano, sem considerar outras causas de mudança de domicílio. O direito intermédio, mantendo a regra da conservação, preocupa-se de completá-la, admitindo também outras possibilidades de mudança.

“Eis como a regra é respectivamente enunciada por POTHIER: “Enfin il y a le domicile qu’une femme tient de son mari, et qu’elle conserve étant devenue veuve; jusqu’à ce qu’elle s’em soit choisi et établi um autre, ou qu’elle se soit remariée“; e, antes dele, por DOMAT: “Les veuves retiennent le domicile qu’avauent leurs maris au temps de leur mort, et ne reprennent pas le premier domicile par le simple effet de cette mort; mais elles peuvent, ou reprendre ce premier domicile, ou em choisis um autre“.

13. Vejamos agora. Se ninguém perde o domicílio que tem sem adquirir um novo; se a viúva conserva o domicílio legal até que providencie a aquisição de outro; se ninguém, como prescreve o art. 34 do Cód. Civil, pode mudar de domicílio sem manifesta intenção de o mudar; se B., pelo seu estado de alienação mental, está impedida de manifestar essa intenção: é evidente que ela conserva nesta Capital, onde tem todos os seus negócios e interêsses, como viúva-meeira, o seu domicílio.

14. A simples residência na Suíça, para tratamento de saúde, não produz efeitos jurídicos. Primeiro, porque, em regra, a residência fora do domicílio não influi neste. É do que nos lembram PLANIOL, RIPERT et BOULANGER (tomo 1, nº 537, troisième édition):

La résidence a beaucoup moins d’importance que le domicile. En principe, elle no produit pas d’effets juridiques”.

É a razão nela qual, com o consentimento do marido, a mulher pode residir em lugar diverso do domicílio, sem que êste se transfira para o lugar da residência. É o que se pode ler no “Nuovo Digesto Italiano”, na excelente monografia do professor VINCENZO BARATTA, subordinada ao título “Domicílio, residenza e dimora” (nº 5, pág. 179):

“A mulher casada, não separada legalmente, tem o domicílio do marido; por conseqüência, como efeito do matrimônio e desde o momento de sua celebração, ela perde sem mais o seu domicílio e adquire o do marido. Sôbre essa norma não exerce nenhuma influência a efetiva convivência com êle, a residência em comuna diversa da do marido, ou outro elemento de fato, que pudesse de qualquer modo provar a existência de uma diversa vontade“.

No mesmo sentido, AUBRY et RAU (vol. 1, § 143, cinquième édition):

“A mulher casada tem seu domicílio junto a seu marido, mesmo quando resida em outro lugar, com o consentimento dêste”.

15. Então, a internação em um hospital para tratamento de saúde, é que jamais importará em mudança de domicílio. Di-lo o art. 26 do Cód. Civil suíço:

Le séjour dans une localité en vue d’y fréquenter les écoles, ou le fait d’être placé dans un établissement d’éducation, un hospice, un hôpital, une maison de détention, ne constituent pas le domicile”.

E esta é, igualmente, a regra do direito brasileiro. CLÓVIS BEVILÁQUA, comentando o art. 34 do Cód. Civil, observa justamente que ausências temporárias, como a do enfêrno, que se aparta do domicílio em busca de tratamento, não exercem nenhuma influência quanto à permanência do domicílio. Em se tratando, então, de domicílio legal, a questão não merece sequer ser levantada. Mas ausência temporária não significa breve ausência. Pode ser prolongada, consoante bem explica CARVALHO SANTOS (com. ao art. 31, nº 11):

“O estudante, maior, terá seu domicílio no lugar onde estuda? Não, por lhe faltar o ânimo definitivo de residência. A sua residência no lugar da escola é prolongada, mas não definitiva. “Nem chega a ser pròpriamente uma residência, mas, sim, simples morada. E a morada temporária, em determinado lugar, sem ânimo, de fixação definitiva nêle, por mais prolongada que seja, não poderá ser havida como domicílio”.

CARVALHO SANTOS estriba-se em AUBRY et RAU e MERLIN para comprovar o seu asserto. Quanto à ausência para tratamento da saúde, cinjo-me à seguinte passagem dêsse preclaro comentador (com. ao art. 31, nº 5):

“Conhecidas estas noções, pode-se agora verificar serem perfeitamente jurídicas as decisões do Supremo Tribunal Federal, ao firmarem estas verdades: não se pode considerar domiciliado em um lugar quem aí se acha transitòriamente, em tratamento de saúde; nem desloca a competência do fôro a residência temporária do réu em uma cidade de verão”.

16. B. não foi levada à casa de saúde, na Suíça, em caráter definitivo. Foi a esperança de cura que determinou a sua transferência em caráter temporário. Isso, não importa, como bem salientam ENNECERUS-NIPPERDEY (vol. 1, § 89, pág. 404), deslocação de domicílio, aliás impossível porque o domicílio legal é o que a lei determina e não o que as pessoas possam querer. Assim, acentuam aquêles escritores, não transfere o seu domicílio “el enfermo que ingresa en un sanatorio con el fin de seguir un tratamiento”.

17. Verificado, assim, que a lei competente é a brasileira e que a interdição deverá ser processada nesta Capital, domicílio de B., passemos ao último quesito:

“No caso de ser o Juízo desta Cidade, poderá êle, em face do disposto no artigo 450 do Cód. Civil brasileiro, rogar ao juiz da Suíça que proceda pessoalmente ao exame e nomeie os profissionais de que fala êsse dispositivo legal, aceitado posteriormente êsses exames e laudos para o fim de aqui decretar a interdição?”

Sem dúvida alguma. Respondo de maneira positiva e passo a dar as razões de meu voto. Não me deterei na explanação da parte referente ao exame pericial, à vista do que expressamente se contém nos arts. 13 e 213 do Cód. de Processo Civil. É providência que se pratica diàriamente no fôro sem nenhuma contestação. Já o mesmo não acontece com o exame de B., pelo juiz, à vista do que prescreve o art. 450 do Cód. Civil:

“Antes de se pronunciar acerca da interdição, examinará pessoalmente o juiz o argüido de incapacidade, ouvindo profissionais”.

Pode o exame do interditando ser feito por outro juiz, que não o que processa a interdição? É a grave dúvida que passarei a resolver.

18. Das citações, que vou fazer, ressaltará: 1º) que o exame pessoal do argüido pelo juiz é indispensável, sob pena de nulidade; 2°) que, entretanto, excepcionalmente, o exame poderá ser deprecado a outro juiz, quando o argüido esteja fora da jurisdição do juiz, no país ou no estrangeiro, e não possa ser transportada para o lugar onde se processa a interdição; 3°) que o exame poderá até ser dispensado quando resulte provado que o argüido se recusa a comparecer, uma vez que não pode ser conduzido debaixo de vara.

19. Quanto ao primeiro ponto – nulidade – e ao terceiro – abstenção voluntária do argüido – ouçamos ESTEVÃO DE ALMEIDA e CUNHA GONÇALVES. O primeiro (“Manual do Código Civil”, volume 6, nº 415, pág. 520) escreve:

“O exame pessoal deve-se entender que compreende o interrogatório, feito pelo juiz mesmo ao argüido de incapacidade. Prescrevem-no rigorosamente, como formalidade substancial: o Código Civil português, art. 317, o italiano, art. 327, o francês, art. 496, e outros. Como formalidade de ordem pública que é, prescindindo-se dela, considera-se nula a sentença que decretou a interdição. E se com essa falha a interdição é repelida, tem-se entendido também violada a lei na sua letra e no seu espírito. Se se dá a abstenção voluntária do argüido, é que não poderia êste queixar-se de inobservância dessa formalidade legal, mas é necessário que esteja patente a impossibilidade de proceder-se ao interrogatório”.

CUNHA GONÇALVES escreve (vol. 2, nº 265, pág. 654):

“Não diz, porém, a lei civil, nem a processual, qual a conseqüência do fato de o argüido recusar comparecer em juízo, a fim de se sujeitar ao exame e ao interrogatório. No direito francês tem-se entendido que, em tal caso, a ação deve prosseguir, lacrando-se auto em que se declare a impossibilidade de proceder ao interrogatório, não bastando a simples declaração de que o argüido não compareceu. Parece-me que idêntica solução deve ser entre nós adotada, visto que o argüido não pode ser trazido ao tribunal sob prisão, nem lhe pode ser imposta a cominação de confesso, que a lei não admite e seria cientificamente insuficiente”.

20. Dessas duas transcrições decorre: que, apesar de constituir nulidade a falta de exame, essa falta, todavia, não anulará o processo, quando haja impossibilidade de interrogar o interditando, porque êle se recusa a comparecer. A impossibilidade decorre do fato de não poder o argüido ser conduzido debaixo de vara. Nosso Tribunal de Justiça já admitiu duas vêzes esta violência (“Rev. dos Tribunais”, vols. 88, pág. 47, e 90, página 445). Todavia, a doutrina é unânime no condenar semelhante arbitrariedade. Se o argüido se recusa a comparecer, a solução não é cometer um atentado contra a liberdade individual, aplicando, por analogia, disposições que o legislador criou para um caso especial: o das testemunhas rebeldes. A solução, adotada na França e na Itália, é, nesse caso, prosseguir no processo. Ouçamos DEMOLOMBE (“Tutelle”, vol. 2, nº 511, pág. 345, troisième édition):

Si, en effet, le défendeur n’étant pas dans l’impuissance de se présenter, s’y refuse, après avoir dûment mis en demeure de le faire, il ne saurait invoquer ensuite le défaut de l’interrogatoire, qu’il ne peut plus imputer qu’a lui-même. Il faut bien qu’il en soit ainsi; autrement, il dépendrait de lui d’arrêter la marche de la procédure et de rendre impossible la solution judiciaire du procès!”

ZACHARIAE-CROME (vol. 3, § 582, nota 13) salientam: “ma non possono essere impiegati mezzi coercitivi”.

PIOLA, em seu clássico e estimadissímo tratado “Delle persone incapaci”, condena nestes têrmos a violência (vol. 1, seconda edizione, nº 103, pág. 605):

“O interdicendo ou inabilitando não tem obrigação de prestar-se ao interrogatório: para a existência de uma obrigação é necessário a possibilidade de meios coercitivos para lhe obter direta ou indiretamente o adimplemento, mas o ato de que se trata é de tal natureza que não pode ser coativamente obtido…

“As providências do Tribunal nos casos que o réu não compareça para responder ao interrogatório, não podem consistir na ordem de conduzir o mesmo réu, perante o Tribunal ou o juiz delegado, por meio da fôrça pública: o interdicendo ou inabilitando, réu no juízo de interdição ou de inabilitação, não é uma testemunha à qual se aplique o que se acha disposto no art. 239 do Código de Processo”.

Nesse caso, o processo continua sem o interrogatório, conforme se fará constar em têrmo nos autos (nº 104, págs. 605 e 608). E o juiz suprirá a falta por outros meios legais de prova, conforme ensina RICCI (vol. 1, parte 2, Turim, 1929, nº 302, pág. 444).

21. Vejamos, agora, a outra questão: que, excepcionalmente, estando o argüido fora da jurisdição do juiz, no país ou no estrangeiro, e não possa ser transportado para a comarca onde se processa a interdição, cabe agir por meio de deprecada ou rogatória.

É, ainda, DEMOLOMBE (lugar citado, nº 506) quem nos dá assa lição:

“Mas, não obstante, se não for possível observá-lo (interrogatório pessoal pelo juiz da interdição), seja em razão do estado de saúde do réu, que não poderia ser transportado para a câmara do conselho, seja em razão de seu afastamento, deve ser interrogado em sua residência por um dos juízes para isso delegado, assistido do escrivão”.

E os outros juízes (como entre nós acontecerá na segunda instância, quando haja recurso) agirão conforme o que constar do interrogatório feito pelo juiz delegado, consoante, ainda, expõe RICCI (nº 302):

“Quando o juiz delegado deva proceder às interrogações, não só pode êle fazer conceito exato da alteração mental da pessoa que tem diante de si, como, sendo obrigado a fazer constar de têrmo as perguntas e respostas, os demais juízes também, pela leitura destas, podem derivar fundados elementos de convicção”.

Inspeção do interditando mediante precatória ou rogatória

22. Já se viu, portanto, que a regra da inspeção pessoal não é tão absoluta que não possa, em casos especiais, sofrer atenuações. E a lição provém de autores, que interpretam disposições legais tão rigorosas quanto o art. 450 do Cód. Civil. Mas, examinemos, primeiro, o caso de ausência no país. A precatória é admissível? PIOLA nenhuma dúvida tem a respeito (lugar citado, pág. 605):

Se l’interrogando si trovi fuori della circoscrizione del Tribunale procedente, il presidente di questo Tribunale può richiedere il presidente del Tribunale del luogo in cui i’interdicendo od inabilitando si trova, per la delegazione di uno dei giudici acciò proceda all’intarrogatorio”.

23. Entre nós não é diferente a solução. Assim decidiu o Tribunal de São Paulo, em acórdão da lavra de POLICARPO DE AZEVEDO JÚNIOR (“Rev. dos Tribunais”, vol. 68, pág. 318):

“Sendo inconveniente, por prejudicial à saúde do interditando, o seu transporte para a comarca onde se processa a interdição, pode e deve ser o exame, previsto no art. 450 do Cód. Civil, feito mediante precatória, cabendo agravo, fundado em dano irreparável, do despacho que resolve de modo diferente”.

Assim também o Tribunal de Minas Gerais (“Rev. dos Tribunais”, vol. 159, pág. 314):

“No processo da interdição, de ordinário, ocorrem circunstâncias, a cujo império escapam os princípios do imediatismo da prova e da identidade do juiz em certos atos. Assim, tratando-se de doente mental recolhido a estabelecimento próprio fora da jurisdição do juiz da causa, se realizarão perante outro juiz os atos do exame e da perícia, quebrada destarte a rigidez do imediatismo e da identidade”.

O Supremo Tribunal Federal não pensa diversamente, consoante a seguinte decisão citada por OTÁVIO KELLY (“Interpretação do Código Civil no Supremo Tribunal Federal”, vol. 1, pág. 240, com. ao art. 450):

“Não constitui nulidade o fato de ser o interditando ouvido por um juiz e a interdição decretada por outro que, eventualmente, esteja a substituir o primeiro, se as diligências feitas tornam certo que se trata de um enfêrmo mental, em evolução para a demência, incapaz, pelo seu estado, de reger sua pessoa e administrar os seus bens”.

24. A precatória, portanto, é admissível tratando-se de doente residente no país, mas não na comarca onde se processa a interdição. Contudo, se o interditando estiver no estrangeiro? Caberá a carta rogatória? Cabe, sem contestação possível, pois o respeito recíproco das nações civilizadas impõe que, guardadas as condições legais de investidura, de jurisdição e de processo, tanta valia tem o ato do juiz nacional como o do estrangeiro. Por isso, quando a hipótese raríssima se ofereceu, a decisão foi dada sem hesitar. E o que se verifica na obra, de doutrina sempre segura, de BAUDRY-CHÉNEAUX et BONNECARRÈRE (“Personnes”, vol. 5, nº 844, pág. 806):

“Se o réu está na impossibilidade de se apresentar, proceder-se-á ao interrogatório, por um juiz delegado, no domicílio do réu. Se êle reside no estrangeiro, enviar-se-á uma carta rogatória ao juiz da residência. Evidentemente, deve-se equiparar à abstenção voluntária o fato de o réu entregar-se a uma série de deslocações para impedir a execução da carta rogatória”.

Outra não é a doutrina de THÉOPHILE HUC (tomo 3, nº 510, pág. 494):

“Se o francês, réu no processo de interdição, se acha fora de França, o interrogatório será feito pelo juiz estrangeiro do lugar de sua residência, ao qual se dirigirá uma carta rogatória. Se, as deslocações sucessivas do réu impedirem a comissão rogatória de receber execução, e se demonstrar que o fim das deslocações era obter êsse resultado, o Tribunal, encarregado do processo, poderá prosseguir”.

É, ainda, o que se lê em FUZIER-HERMAN et DEMOGUE (“Code Civil Annoté”, vol. 1, com. nº 10 ao art. 496):

“Si le défendeur est un français résidant hors de France, l’interrogatoire pourra être fait, en vertu d’une comission rogatoire, par le juge étranger du lieu de sa résidence. Mais le Tribunal saisi de la demande pourrait passer outre si, par ses déplacements successifs, le defendeur faisait en sorte que l’interrogatoire fût définitivement ajourné”.

No “Répertoire de Droit Civil”, de VERGÉ et RIPERT (Dalloz, 1952, tomo 2, nº 92, in fine, pág. 1.088), a teoria é exposta em idênticas palavras:

“Lorsque le français, défendeur en interdiction, réside hors de France, l’interrogatoire pourra être fait, en vertu de la commission rogatoire par le juge étranger du lieu de la résidence du défendeur. Mais le demandeur pourrait passer outre, si, par des déplacements successifs, le défendeur faisait en sorte que l’interrogatoire fût indéfiniment ajourné”.

25. Fica, assim, respondida a consulta. A interdição de B. deverá ser requerida em São Paulo, lugar de seu domicílio; e o seu exame, pelo juiz e peritos, poderá ser feito na Suíça, mediante carta rogatória. O art. 450 do Cód. Civil não o impede. A disposição existe, com o mesmo rigor em quase todos os países. Mas, é interpretada de modo que o escopo desejado – proteger a pessoa do interditando – seja atingido. Se o exame pessoal não puder ser feito pelo juiz da interdição, outro o fará. O legislador dispõe para os casos normais. As hipóteses raras, insólitas, receberão o tratamento jurídico que seja possível: em alguns países, como na Alemanha, por exemplo, informa PIOLA (lugar citado, pág. 598, nota 2), o interrogatório poderá até ser dispensado, porque o juiz não é obrigado a fazer coisas impossíveis: “l’interrogatorio può essere tralasciato quando esso presenta particolarí difficoltà…”

E dou por encerrado o presente parecer.

São Paulo, 9 de fevereiro de 1954. –

Sobre o autor

Antão de Morais, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:

  1. Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
  2. Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
  3. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
  4. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
  5. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
  6. A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.

III) Política de Privacidade

Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.


LEIA TAMBÉM:

Assine nossa Newsletter

Li e aceito a Política de privacidade

GENJURÍDICO

De maneira independente, os autores e colaboradores do GEN Jurídico, renomados juristas e doutrinadores nacionais, se posicionam diante de questões relevantes do cotidiano e universo jurídico.

Áreas de Interesse

ÁREAS DE INTERESSE

Administrativo

Agronegócio

Ambiental

Biodireito

Civil

Constitucional

Consumidor

Direito Comparado

Direito Digital

Direitos Humanos e Fundamentais

ECA

Eleitoral

Empreendedorismo Jurídico

Empresarial

Ética

Filosofia do Direito

Financeiro e Econômico

História do Direito

Imobiliário

Internacional

Mediação e Arbitragem

Notarial e Registral

Penal

Português Jurídico

Previdenciário

Processo Civil

Segurança e Saúde no Trabalho

Trabalho

Tributário

SAIBA MAIS

    SAIBA MAIS
  • Autores
  • Contato
  • Quem Somos
  • Regulamento Geral
    • SIGA