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De advogado para advogado: impugnação ao cumprimento da sentença
Elpídio Donizetti
05/05/2020
Nosso Escritório foi contratado para atuar num processo na fase do cumprimento da sentença. O autor, nosso constituinte, embasado no título judicial, pleiteava o recebimento do seu crédito, uma quantia de R$ 5.300.000,00. Em impugnação, o devedor alegou que o título era inexequível (art. 525, §1º, inciso III, do CPC), ao fundamento de que, em processo anterior, o mesmo pedido formulado pelo autor havia sido julgado improcedente em sentença com trânsito em julgado.
Questão prática. Você é advogado. No caso sob o seu patrocínio, verifica-se a ocorrência de duas coisas julgadas; ou seja, a mesma questão de mérito, entre as mesmas partes, com idêntico fundamento, foi decidida de formas distintas. Siga o interesse do seu cliente. Defender o cliente, com ética e boa fé, é o papel do advogado.
Para o STJ, a última coisa julgada é que deve prevalecer. Com o julgamento do EAREsp 600.811/SP, na jurisprudência, as opiniões divergentes restaram superadas. A Corte Especial do STJ, nesse recurso, firmou entendimento “de que se deve privilegiar a coisa julgada que por último se formou – enquanto não desconstituída por ação rescisória -, eis que, sendo posterior, tem o condão de suspender os efeitos da primeira decisão” (trecho do voto do Relator, Ministro Og Fernandes).
Antes de tratar especificamente do caso concreto que me motivou a escrever este curto texto, vou dar uma palhinha sobre a coexistência de coisas julgadas.
A litispendência e a coisa julgada são aspectos de um mesmo fenômeno: a reprodução de ação. “Há litispendência, quando se repete ação que está em curso (art. 337, § 3º)”. “Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado” (art. 337, § 4º). Lembre-se de que não só a identidade dos três elementos da demanda (partes, causa de pedir e pedido) implica coisa julgada, mas também a identidade quanto à relação jurídica discutida em juízo. Tanto a litispendência como a coisa julgada conduzem à extinção da última relação processual instaurada (art. 485, V). Entretanto, pode ocorrer de o juiz não tomar conhecimento da coisa julgada, proferir sentença de mérito na segunda demanda ajuizada e essa sentença vir a transitar em julgado. Nesse caso, como forma de garantir a intangibilidade da coisa julgada, o legislador contempla a hipótese de rescisão da última sentença, a fim de se restabelecer o primado da coisa julgada emergente da sentença anterior. Todavia, passado o prazo de dois anos sem o ajuizamento da rescisória, temos a aparente coexistência de duas coisas julgadas.
Como essa coexistência levaria ao absurdo de dois regulamentos imutáveis para o mesmo caso concreto, não diverge a doutrina acerca da necessidade de que apenas uma prevaleça. Nelson Nery entende que, se a segunda coisa julgada ofendeu a primeira, não deve prevalecer, principalmente à luz do art. 505 (art. 471 do CPC/1973), que veda ao juiz decidir novamente questões já decididas. Compartilhando desse entendimento, afirma Luiz Rodrigues Wambier que, “se a própria lei não pode ofender a coisa julgada, que dirá outra coisa julgada! Parece que este argumento é fundamental, e que realmente define a questão, porque é de índole constitucional”. A nosso ver, essa é a corrente mais adequada. Havendo superposição de duas ou mais “coisas julgadas”, apenas a primeira deveria prevalecer.
Contudo, outra corrente doutrinária reconhece eficácia apenas à segunda sentença. Segundo essa corrente – por todos, cito aqui os juristas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, não teria sentido pensar que a segunda coisa julgada, que poderia ser desconstituída até determinado momento, simplesmente “desaparece” quando a ação rescisória não é utilizada.
Voltemos ao caso concreto. E agora? Você segue a corrente dos juristas, que, tal como este que vos escreve, defende que a primeira coisa julgada é que deve prevalecer? Ou prevaleceria o STJ? Depende. Em trabalho acadêmico, mostre que conhece todas as correntes e filie-se a uma, ou sustente uma terceira, caso tenha musculatura para tanto. No processo, pode até apresentar as correntes divergentes (chover no molhado e mostrar sabença, para inflar o ego), mas o que realmente vai decidir a parada é o precedente (a jurisprudência), principalmente em se tratando de uma decisão do órgão especial do STJ. Sem dúvida, no estágio atual do sistema jurídico brasileiro, o precedente (sobretudo o qualificado, como o acórdão no qual embasamos a defesa do nosso cliente) se afigura como a primeira espécie normativa. Do ponto de vista da jurisprudência, a segunda coisa julgada é que deve prevalecer, porque assim pensa a maioria dos ministros que participaram do julgamento do referido recurso. Ponto.
Caso interessasse ao cliente o conteúdo da primeira decisão transitada em julgado, ajuizaríamos uma ação rescisória (se ainda não ultrapassado o prazo decadencial de dois anos), pleiteando a rescisão do segundo julgado, ao fundamento de que essa segunda decisão de mérito ofendeu a coisa julgada (art. 966, IV). Mas se o prazo para a rescisória já estivesse esgotado (é grave, hein!?), como Advogado, seguindo a linha da doutrina majoritária, por certo você insistiria na prevalência da primeira coisa julgada. Você terá muita dificuldade para mudar a jurisprudência. Mas em direito tudo é possível.
Mas ao nosso cliente, como já dissemos, interessava a segunda coisa julgada. Afinal, na primeira sentença ele nada ganhou; na segunda, a sorte estava a seu favor, e então ganhou (embora ainda não tenha posto a mão na grana) R$ 5.300.000,00. No contrato de prestação de serviços jurídicos nos comprometemos em atuar com a melhor técnica na defesa dos interesses do cliente. É um contrato de meio. O resultado, além de uma série de fatores, depende da técnica jurídica e da gestão do processo. Aqui, deixamos de lado a nossa convicção pessoal e cumprimos o avençado.
Na manifestação à impugnação formulada pela parte adversa, sustentamos preliminarmente que a impugnação ao cumprimento da sentença não constituía meio idôneo para arguição de vícios anteriores à sentença. Em impugnação, apenas um vício referente à fase de conhecimento pode ser suscitado: o que trata da falta ou nulidade da citação, e mesmo assim se o processo correu à revelia do réu.
Argumentamos ainda que, de qualquer forma, em se admitindo a análise da alegação de inexequibilidade do título, em razão de coisa julgada anteriormente formada, melhor sorte não assistiria ao executado. Ocorre que, conforme assentado no julgamento dos Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial (EAREsp 600.811/SP), a última coisa julgada é que deve prevalecer. O vento, ou melhor, a jurisprudência da corte máxima em direito infraconstitucional, estava a nosso favor. A impugnação foi rejeitada, houve recurso, inclusive ao STJ. Superadas as idas e vindas do processo – com as quais estamos acostumados -, finalmente todos estamos satisfeitos.
O cliente vai receber o seu crédito e o Escritório os honorários que lhe são devidos.
Para finalizar: boas demandas para você!
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