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Guarda Compartilhada

ARTS. 1.583 A 1.585

GUARDA COMPARTILHADA

LEI 13.058/2014

PODER FAMILIAR

Gediel Claudino de Araujo Junior

Gediel Claudino de Araujo Junior

08/12/2016

O tema da “guarda compartilhada” ganhou súbita importância com a vigência da Lei 13.058/2014, que alterou a redação de alguns artigos do Código Civil (arts. 1.583 a 1.585). A mais controvertida das alterações, ainda em início de aplicação, é aquela que determina que na falta de acordo entre os pais quanto à guarda dos filhos menores, o juiz deve aplicar a “guarda compartilhada” (art. 1.584, § 2º, CC). Veja-se, até então doutrina e jurisprudência defendiam a guarda compartilhada como ideal a ser buscado na criação dos filhos, mas nunca se cogitara impô-la aos pais.

A hipótese causou ainda maior estranheza pelo fato de impô-la justamente quando há “desacordo” entre os genitores (“quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada”). De início, a discussão geral foi no sentido que tal medida seria impossível na prática, mostrando uma tendência de que a norma seria então ignorada pelos juízes (como tantas outras), mas logo em seguida veio o Superior Tribunal de Justiça e reafirmou a imperatividade da nova norma. Em julgamento recente, a Ministra Nancy Andrighi declarou que “o texto legal irradia, com força vinculante, a peremptoriedade da guarda compartilhada” (STJ, Recurso Especial 1.626.495-SP, dj 15.09.2016).

Como se vê, não há fuga. Salvo casos extremos de inaptidão para o exercício da guarda por parte de um dos pais, fato a ser provado nos autos, não havendo acordo entre os genitores o juiz deverá aplica-la ao caso.

Diante desta nova realidade, há que se entender o que seja efetivamente “guarda compartilhada”.

O próprio Código Civil, art. 1.583, § 1º, oferece os parâmetros da guarda unilateral e compartilhada ao declarar que “compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”.

Segundo o texto legal, guarda compartilhada é a divisão de direitos e obrigações entre os pais que não vivam sob o mesmo teto; a ideia central é que os pais, mesmo separados, cuidem conjuntamente dos filhos, que continuem a participar efetivamente da vida deles. Na guarda unilateral, um dos pais se torna o guardião e passa a cuidar diretamente dos filhos (alimentação, moradia, roupas, educação, assistência médica etc.), enquanto que o outro segue com a sua vida, se limitando a pagar pensão alimentícia e, quando muito, visitando esporadicamente as crianças. Esta percepção do que representa a guarda unilateral é importante para se entender o instituto estudado, visto que nesta se pretende justamente o contrário do que ocorre na primeira; isto é, na guarda compartilhada se busca garantir que ambos os genitores cuidem diretamente dos interesses dos filhos menores; ninguém vai se limitar a pagar pensão, embora esta obrigação não fique afastada. Neste novo regime, ambos os pais devem repartir os direitos e principalmente as responsabilidades, devem realmente participar da vida dos filhos, da sua rotina, do seu dia-a-dia, seja os levando à escola, seja participando de reuniões pedagógicas, seja os acompanhando ao médico ou à natação. Exige, e pressupõe, a constante participação de ambos os genitores na vida dos filhos.

Não se deve, ainda, confundir a guarda compartilhada com a guarda alternada, em que os pais simplesmente dividem entre si o tempo dos filhos (por exemplo, uma semana com cada um); a guarda compartilhada é mais que isso, ela demanda, exige, a efetiva participação dos pais na vida dos filhos; ou seja, a intenção é manter ambos os pais na vida dos filhos (em todos os seus aspectos).

Uma pergunta, no entanto, persiste: como aplicar na prática? Não basta, como se disse, simplesmente dividir o tempo entre os pais (guarda alternada), mas é claro que a imposição da guarda compartilhada passa também pela divisão do tempo e das obrigações atinentes aos filhos pelos pais; ou seja, pode sim o juiz determinar que os menores fiquem alguns dias com a mãe, por exemplo, de domingo até quarta-feira, e depois com o genitor; pode o juiz estabelecer a casa do pai como domicílio do menor e simplesmente dividir as responsabilidades, dizendo, por exemplo, que cabe a mãe levar e buscar as crianças na escola regular e ao pai leva-los ao curso de inglês e natação. Não havendo consenso, coisa das mais comuns, o juiz deverá com ajuda de a sua equipe multidisciplinar impor parâmetros que preservem as crianças e ensinem os pais; ou seja, que eles devem dividir as responsabilidades diárias dos filhos.

Posso imaginar muitos, ao ler este texto, declarando que na prática isso é simplesmente impossível, seja pela simples intransigência de um dos pais, seja pela falta de recursos da nossa lenta justiça. A força destes argumentos não tem o condão de afastar a inevitável percepção de que zelar efetivamente pelos “superiores interesses dos menores” é aplicar a guarda compartilhada, que tem o condão de manter ambos os pais, com suas visões distintas, na vida dos filhos; esse objetivo deve ser buscado sempre, mesmo que a princípio tenha-se que lidar com a intransigência de um ou de ambos os pais, mesmo que os processos e os recursos se arrastem na justiça.

Mudar uma cultura patriarcal não será fácil, principalmente porque neste caso as resistências vêm de todos os lados: das mulheres, que não conseguem abrir mão da guarda unilateral dos filhos, como se estes fossem sua propriedade pessoal; dos homens, que preferem continuar simplesmente pagando pensão alimentícia, como se este gesto representasse todo a sua obrigação como pai; dos juízes, que optam sistematicamente pela simplicidade da guarda unilateral, ao invés de se dar ao trabalho de fazer cumprir a lei. A estes últimos, faço meu o alerta que a Ministra Nancy Andrighi lhes dedicou no acórdão citado anteriormente: “não devem os julgadores privilegiar o detentor de uma prévia guarda unilateral (provisória ou não) que se bate, sistematicamente, contra a concretização da guarda compartilhada. Ao revés, deve se valer da possibilidade de reduzir as prerrogativas atribuídas ao detentor da guarda, em verdadeiro processo educativo, até que se amaine a irrazoável oposição, momento em que a relação (guarda compartilhada) poderá novamente ser equilibrada, sempre zelando pelo, e visando o bem-estar do menor”.


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