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Fraude e contrato de namoro ou de coparentalidade
Rolf Madaleno
18/01/2022
Neste trecho do livro Fraude no Direito de Família e Sucessões, Rolf Madaleno, Ana Carolina Madaleno e Rafael Madaleno discutem fraude e contrato de namoro. Leia agora!
Fraude e contrato de namoro ou de coparentalidade
Namorar, diz Ana Cecília Parodi, é uma espécie de relacionamento romântico em sentido estrito, o que significa que seus laços não possuem força jurídica de constituição de família.[92]. Ela faz até uma distinção prática entre namoro e namoro firme, [93]. que é uma expressão ultrapassada, já que o namoro firme foi substituído pelo namoro qualificado, sem que as duas designações identifiquem a mesma situação fatual, pois o namoro firme de alguns anos atrás, quando também existia o noivado como uma fase posterior, denotando um compromisso mais solene e um meio caminho para o casamento, não lembra em nada o namoro qualificado da atualidade. Isso porque, não obstante ainda não existisse família, ao menos o noivado anunciava a intenção futura de querer constituir família e era o resultado de um namoro descompromissado, que se transformou em um namoro firme e que enveredou para o noivado e logo à frente se avizinhavam as chamadas justas núpcias. O namoro qualificado contemporâneo é o namoro da intimidade sexual, que não existia no passado e amiúde, nem na fase de noivado, salvo de forma dissimulada, porque o sexo era consentido socialmente para o casamento, não antes dele, muito menos no namoro firme, tampouco durante o noivado, pois nem namorados nem noivos moravam juntos e raramente viajavam sozinhos, mas casavam cedo para conquistarem as liberdades que hoje desfrutam serenamente, naquilo que a sociedade desandou em nominar de namoro qualificado, que não se identifica, como visto, com o antigo namoro firme e com o ausente e precedente estágio do noivado.
Contratos de namoro e contratos de coparentalidade podem muitas vezes encobrir verdadeiros relacionamentos estáveis e configurativos de uma união estável, com a plena incidência do artigo 1.725 do Código Civil e pelo qual, no silêncio contratual dos conviventes, é aplicado o regime da comunhão parcial de bens às relações patrimoniais, sugerindo Julio Cesar Garcia Ribeiro que: “havendo dúvida em relação aos limites entre o namoro, simples ou qualificado, e a união estável, parece recomendável que os conviventes reconheçam a existência da convivência estável e, valendo-se do permissivo legal contido no artigo 1.725, do diploma civil, ajustem por escrito as suas relações patrimoniais, livres e sem efeitos retroativos”.[94].
Pertinente a observação feita por Zeno Veloso de que no Brasil, em segmentos sociais mais abastados, pessoas que estão se envolvendo em um relacionamento amoroso estão preocupadas em definir os aspectos econômicos de sua vida afetiva e por essa razão estabelecem direitos, deveres e regras bem explícitos para o caso de ruptura, pois temem dúbias interpretações que possam deitar sobre seus vínculos afetivos.[95].
Contudo, contratos de namoro, de convivência ou de coparentalidade não criam automática e inquestionavelmente a instituição contratada pelos partícipes, ou seja, tais convênios formalizados por contrato escrito particular ou por escritura pública não têm valor absoluto e, erga omnes, apenas porque foram livre e conscientemente assinados pelas partes contratantes, imaginando os outorgantes que basta externarem formalmente a relação como um mero namoro para afastarem a realidade fática desenvolvida com o seu relacionamento, como se o contrato escrito apagasse e ignorasse a presença dos pressupostos fáticos que podem ou não[96]. contrariar a vontade escrita perante a vontade vivenciada, porquanto, embora no papel conste o aparente desejo de não formalizar uma vida semelhante ao casamento, o papel desempenhado na vida real termina desmentindo o contrato escrito pela presença de pressupostos de configuração de uma união estável, muitas vezes agravada pela existência de coabitação.
Um contrato de namoro ou de coparentalidade pode, em realidade, estar configurando ou não uma união estável, fazendo todo o sentido a referência doutrinária de Gláucia Cardoso Teixeira Torres, quando assevera que a “interferência não pode ampliar demasiadamente a compreensão de união estável a ponto de impedir o reconhecimento de outras formas de relacionamento breves e passageiras, conforme apontou João Baptista Villela, frequentes na sociedade líquida contemporânea, e gerando direitos e obrigações àqueles que declaradamente, em consenso e livre consentimento, acordaram não o fazer, de modo a garantir a primazia da autonomia da vontade”.[97]. Nessa manifestação escrita, doutrinadores indicam deixar claro inexistir qualquer intenção de constituir família e do descabimento de partilha de patrimônio particular e próprio de cada contratante, presente no relacionamento, e sugerem, inclusive, possa o contrato determinar outros detalhes, por exemplo:
a) que o casal se compromete a ter respeito mútuo;
b) que não poderá haver traição;
c) que, em caso de traição, pode ser exigida indenização pela parte traída;
d) que, em caso de morte, a parte sobrevivente não terá direito a herança;
e) prazo de duração do relacionamento ou previsão de necessidade de renovação do contrato após certo período; e
f) possibilidade de ser incluída cláusula que determine a obrigação da assinatura de contrato de união estável, já definido o regime de bens, caso o casal decida transformar o contrato de namoro em união estável.98 Não obstante, quanto mais cláusulas constem e mais a relação se identifique por seus pressupostos presentes com uma efetiva união estável, de nada valerão as ressalvas, especialmente quando a realidade dos fatos não cansa de desmentir a manifestação escrita, parecendo mais realista contratar de maneira singela a intenção do namoro e que, se porventura o Poder Judiciário identificar nesse relacionamento os indícios identificadores de uma união estável, que então sobre ela recaia, desde o seu início, o regime da separação de bens.
Nem sempre é fácil distinguir um namoro de uma união estável, muito embora possa na maioria das vezes ser claramente diferenciado um contrato de coparentalidade de um contrato de união estável e este não se confunde com o contrato de mero namoro, embora em outras oportunidades o contrato de coparentalidade possa dissimular verdadeiros relacionamentos estáveis, causando espanto, dúvidas, inseguranças, ganância e incredulidade.
Uma mostra disso pôde ser amplamente pesquisada na mídia brasileira quando ela se debruçou sobre a tragédia que ceifou a vida do apresentador Antônio Augusto Moraes Liberato, escrevendo centenas de páginas expondo a vida ntima do televisivo Gugu, a despeito do destino dos seus bens com a abertura da sua sucessão, e acerca da condição ou não de qualificação como companheira sobrevivente, da médica Rose Miriam Di Matteo, mãe biológica, registral e socioafetiva dos filhos comuns havidos entre eles por técnicas de inseminação artificial, para cuja geração da prole teriam firmado um contrato de coparentalidade, embora a sociedade imaginasse se tratar de sua companheira em mu relacionamento familiar que teria iniciado em 2001 e terminado com a morte do artista em 29 de novembro de 2019.
Saiba mais sobre o livro!
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NOTAS
[92] “Ação de reconhecimento de união estável post mortem. Pressupostos. Affectio maritalis. Coabitação. Publicidade da relação. Prova. Má-fé. Revogação da AJG. 1. Não constitui união estável o relacionamento entretido sem a intenção clara de constituir um núcleo familiar. 2. A união estável assemelha-se a um casamento de fato e deve indicar uma comunhão de vida e de interesses, reclamando não apenas publicidade e estabilidade, mas, sobretudo, um nítido caráter familiar, evidenciado pela affectio maritalis, que, no caso, não restou comprovada. 3. Ficando evidenciado que o relacionamento era, no máximo, de mero namoro, pois ausente prova cabal da residência sob o mesmo teto e da intenção de constituir família, a improcedência da ação se impõe. 4. Correta a revogação do benefício da AJG que havia sido deferido à autora, pois, além de ela ter arcado com as despesas processuais nas outras ações, o presente feito configura verdadeira lide temerária, na medida em que já restou comprovado na ação de anulação de casamento que a relação dela com o falecido foi de mero namoro. 5. Se a autora insiste em buscar o reconhecimento de uma relação com contornos de um casamento com o de cujus, quando já foi anulado o casamento viciado e comprovado que a referida relação não passou de um namoro, alterando a verdade dos fatos e agindo de forma temerária, justifica-se plenamente o reconhecimento da litigância de má-fé e a aplicação da multa processual adequada. Incidência dos art. 80, incs. II e V, c.c. art. 81 do CPC. Recurso desprovido” (TJRS, 7.ª Câmara Cível, Apelação Cível 70081365330, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 14.08.2019).
[93] PARODI, Ana Cecília. Manual dos relacionamentos. Campinas: Russel, 007. p. 53-54.
[94] RIBEIRO, Julio Cesar Garcia. Manual de direito da família. Florianópolis: Habitus, 2021. p. 144.
[95] VELOSO, Zeno. Direito civil. Temas. Belém: Anoreg, 2018. p. 297.
[96] “Recurso especial e recurso especial adesivo. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável, alegadamente compreendida nos dois anos anteriores ao casamento, c.c. partilha do imóvel adquirido nesse período. 1. Alegação de não comprovação do fato constitutivo do direito da autora. Prequestionamento. Ausência. 2. União estável. Não configuração. Namorados que, em virtude de contingências e interesses particulares (trabalho e estudo) no exterior, passaram a coabitar. Estreitamento do relacionamento, culminando em noivado e, posteriormente, em casamento. 3. Namoro qualificado. Verificação. Repercussão patrimonial. Inexistência. 4. Celebração de casamento, com eleição do regime da comunhão parcial de bens. Termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada, para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. Observância. Necessidade. 5. Recurso especial provido, na parte conhecida; e recurso adesivo prejudicado”. (STJ, 3.ª Turma, REsp 1.454.643/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 03.03.2015 – grifos do original).
[97] TORRES, Gláucia Cardoso Teixeira. O contrato de namoro e sua (in)eficácia jurídica no ordenamento brasileiro. Revista IBDFAM. Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, v. 38, p. 43, mar./abr. 2020. 98 SILVA, David Roberto R. Soares da; ESTEVAM, Priscila Lucenti; VASCONCELLOS, Roberto Prado de; RODRIGUES, Tatiana Antunes Valente. Planejamento patrimonial, família, sucessão e impostos. São Paulo: Editora B18, 2018. p. 26-27