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FAMÍLIAS: afetividade e contemporaneidade – para além dos Códigos
Ricardo Lucas Calderón
01/01/2018
O presente estudo tem por escopo analisar o papel da afetividade nos vínculos familiares contemporâneos. Transformações ocorridas no decorrer do século XX passaram a permitir o reconhecimento de diversas entidades familiares. Este complexo mosaico e a fluidez atualmente percebida no desenvolvimento dessas relações são os desafios do presente. Corolário disso, maiores as dificuldades para o direito de família na busca pelo necessário reconhecimento e proteção efetiva destas relevantes situações jurídicas subjetivas. Apenas os institutos clássicos podem não corresponder ao que a complexa sociedade deste novo milênio está a exigir em questões pessoais subjetivas. Nessa busca, há que se partir dos princípios constitucionais, atentar para os direitos fundamentais envolvidos e, então, analisar a legislação infraconstitucional (codificada e expressa em leis esparsas). Com isso, será possível perceber que a afetividade assume relevância na análise desta temática. Sua compreensão poderá contribuir para uma melhor definição dos contornos da família contemporânea democrática.
INTRODUÇÃO
As transformações políticas, econômicas e sociais ocorridas no século XX levaram à explicitação social de novas entidades familiares, com uma feição diversa da família tradicional de outrora.
As relações entre seus membros sofreram alterações e não se apresentam mais da mesma maneira quando imperava a família enquanto instituição.
Reduzem-se as funções econômicas, políticas, religiosas e sociais da família e, paralelamente, emerge o respeito pela busca da realização individual dos seus integrantes, com especial atenção à sua subjetividade.
Este cenário não permite que se promova uma análise insular dos institutos de direito de família sem que se apreciem as diversas formas de expressão do Direito, se realize o necessário diálogo de fontes e se averigue sua adequação histórico-social.
A interpretação do direito de família neste início de século está a exigir dos juristas muito mais do que a simples leitura, classificação e aplicação das categorias expressamente previstas pela legislação civil. A exegese atual deve partir dos princípios constitucionais, implícitos e explícitos, dedicando especial atenção à temática dos direitos fundamentais e, a partir disto, cotejar a legislação infraconstitucional correlata.
Este proceder permitirá a superação de eventuais insuficiências da estrutura codificada para tratar das questões complexas do direito de família hodierno, o que permitirá melhor reconhecer e tutelar o crescente mosaico de entidades familiares.
A diretriz constitucional é de respeito à liberdade de escolha quando se trata de questões pessoais. A busca deve ser no sentido da obtenção da harmonia possível entre liberdade individual e solidariedade social.
Os novéis conflitos que se apresentam podem levar à percepção de um descompasso entre a realidade social em constante alteração e uma hermenêutica que reste limitada à estrutura codificada estanque. Para dar conta das relações familiares do novo milênio há que se prosseguir com o processo de repersonalização do direito de família, o que leva à procura constante por uma maior inserção da pessoa no centro do ordenamento, sempre com o fito de se respeitar sua subjetividade e a alteridade.
Esta perspectiva acabará por perceber a afetividade como elemento central das famílias deste novo milênio, constituindo-se em verdadeiro vetor das suas relações. Nesse contexto, não serão mais suficientes apenas os aspectos matrimoniais, registrais ou biológicos na sua análise. A complexidade das relações contemporâneas exige que se assimile a afetividade imanente aos agrupamentos familiares que ora se apresentam.
Complexidade e fluidez das relações familiares
A família foi um dos pilares da sociedade ocidental que mais sofreu alterações no decorrer do século passado, possuindo uma nova faceta nos dias atuais. As mudanças sociais e as diversas conquistas obtidas nas últimas décadas delinearam o reconhecimento de diversas entidades familiares[1], que certamente são distintas do modelo de família tradicional de outrora (vinculada ao matrimônio, de matiz eminentemente patriarcal, individualista e patrimonialista).
O avanço da industrialização, as conquistas feministas, a liberalização sexual, a redução do patriarcalismo, a igualdade entre os gêneros, a entrada da mulher no mercado de trabalho, o fim da distinção entre filhos, a possibilidade de dissolução do vínculo conjugal e o surgimento plural de entidades familiares passam a caracterizar um novo momento no direito de família[2].
Houve, inicialmente, a passagem da prevalência da família tradicional (grande família, enquanto instituição), para a família nuclear, composta basicamente pelos cônjuges e descendentes com vistas à satisfação de seus interesses[3].
Como inerente às relações humanas, as transformações não cessaram, sendo que o movimento seguiu seu curso com o reconhecimento de outras entidades familiares, com novos contornos, o que passou a ser designado por alguns autores como família pós-moderna[4].
A busca pela realização dos seus interesses pessoais fez com que os indivíduos paulatinamente abandonassem o cumprimento de funções sociais que seriam apenas inerentes à família-instituição[5].
A transformação é bem sintetizada por João Baptista Villela:
O que foi provavelmente, na história do Ocidente, a mais espetacular transformação sofrida pela família reside na sua passagem de um organismo preordenado a fins externos para um núcleo de companheirismo a serviço das próprias pessoas que a constituem.[6]
Fala-se da desfuncionalização da família, expressão que ressalta importante aspecto desse processo, conforme sustentam os professores portugueses Guilherme de Oliveira e Pereira Coelho:
A desfuncionalização da família reforçou porém sua intimidade, e permitiu que se revelassem, por assim dizer, as funções essenciais e irredutíveis do grupo familiar: nas relações entre os cônjuges, a sua mútua gratificação afectiva, e, por outro lado, a socialização dos filhos, ou seja, a transmissão da cultura, como conjunto de normas, valores “papéis” e modelos de comportamentos dos indivíduos. Embora tal “socialização” se faça também na escola e mesmo fora desta, a família é ainda hoje o grande mediador cultural, nela se operando, como alguém escreveu o segundo nascimento do homem, ou seja, o seu nascimento como personalidade sócio-cultural, depois do seu “primeiro nascimento” como indivíduo físico.[7]
Percebe-se a passagem da família-função para uma família eudemonista[8], que visa à realização e satisfação de seus integrantes, ou seja, uma preocupação com a pessoa acima de qualquer interesse da família enquanto instituição.
Ao tratar da função atual da família contemporânea, Paulo Luiz Netto Lôbo complementa:
A realização pessoal da afetividade, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções econômica, política, religiosa e procracional feneceram, desapareceram ou desempenham papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser finalidade precípua.[9]
É possível perceber o renascimento da subjetividade do indivíduo, traço característico das sociedades modernas, com a possibilidade de cada membro buscar sua satisfação pessoal. Concomitantemente, se desvela o decréscimo da influência de instituições externas como Estado e Igreja[10].
Constata-se a eclosão da família tradicional para o surgimento deste novo modelo: democrático, sociológico, plural e multifacetado. Para alguns, esse período de transição caracterizaria um momento de crise, de instabilidade, mas é possível constatar que, em verdade, se trata de perceber um outro paradigma.
Como a crise é sempre perda dos fundamentos de um paradigma em virtude do advento de outro, a família atual está matrizada em paradigma que explica sua função atual: a afetividade. Assim, enquanto houver affectio haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de vida.[11]
Essas novas famílias estão lastreadas em relações afetivas, sendo este seu elemento vital[12], verdadeiro vetor caracterizador e identificador de entidades familiares[13].
O papel conferido à afetividade é de tal relevância que a assimilação do seu atual significado acaba por resultar em uma modificação estrutural da família[14].
Paralelamente a essa transformação, surgiu intenso debate sobre a natureza dos vínculos familiares, se calcados precipuamente em aspectos biológicos ou se a família nuclear e as novas entidades familiares que se apresentavam comportariam outros liames que não apenas os consubstanciados por laços de sangue.
Percebe-se que ainda que tenha havido certo frenesi com a evolução das técnicas científicas que permitiram o apontamento da filiação biológica com alto grau de certeza (tais como os obtidos pelos exames de DNA), as famílias dos dias contemporâneos não seguem adotando o critério biológico como único ou preponderante na sua formação.
Há muito que a socioafetividade é defendida e sustentada, entre outros, pelo prenunciador estudo de Luiz Edson Fachin, que a define como passível de caracterizar prevalente vínculo de filiação[15].
Espraiam relações afetivas nas mais diversas relações familiares, transparecendo que além do critério biológico (adotado, em geral, pelas legislações), há forte vínculo afetivo tido como conveniente e suficiente para tais relacionamentos pela própria sociedade deste início de século[16].
Diversos fatores fazem com que se perceba um grande número de famílias recompostas, monoparentais, simultâneas, aumentando o vasto mosaico das entidades familiares. O próprio avanço das técnicas de reprodução assistida leva à necessidade de uma nova definição de família que agregue, também, estas novas e instigantes relações.
A força dos fatos sociais impulsiona a afetividade para o núcleo das relações familiares e esta dinâmica social exige dos juristas novas respostas para demandas que lhes são apresentadas[17].
Passa a ser estritamente necessária a consideração de aspectos sociológicos, subjetivos e histórico-sociais na análise das famílias, uma vez que somente com esses aportes se compreenderá o contexto de determinada situação jurídica subjetiva.
A liberdade em questões pessoais abriu espaço para ampla diversidade, que reflete os múltiplos valores que colorem uma sociedade. O princípio constitucional da solidariedade exige o respeito e garante o exercício dessas escolhas, indicando o convívio harmônico de todas elas.
O que ressalta no exame destas novas famílias é a percepção de que estão em movimento constante, amoldando-se de acordo com o contínuo caminhar social. Muito mais do que instituto jurídico, família é realidade em movimento[18].
Ciente das dificuldades conceituais decorrentes dessa aparente incerteza, a análise deverá sempre partir dos princípios constitucionais para a legislação, doutrina e jurisprudência[19].
Nessa singra, a afetividade assume papel preponderante, sendo de vital relevância para correta percepção das famílias deste novo milênio.
repersonalização do direito de família: solidariedade e afetividade
O direito civil vive um momento de repersonalização[20] que busca voltar sua centralidade à pessoa. No direito brasileiro, esse movimento assume papel de dever a partir da Carta de 1988, que não deixa dúvidas sobre o primado da pessoa no ordenamento.
A Constituição Federal brasileira vai além e indica de modo específico como se deve perseguir esta valorização em nossa sociedade: torna cristalina a opção pela superação do individualismo de outrora por uma concepção mais social, mais solidária, ciente do sentido de alteridade, conforme descreve Maria Celina Bodin de Moraes.
O abandono da perspectiva individualista, nos termos em que era garantida pelo Código Civil, e sua substituição pelo princípio da solidariedade social, previsto constitucionalmente, acarretou uma profunda transformação no âmago da própria lógica do direito civil – que se faz notar nas mais recônditas minudências do sistema.[21]
A eleição da solidariedade como princípio de índole constitucional certamente não constitui regra meramente programática, ao contrário, é norma possuidora de conteúdo material, de caráter cogente e vinculante.
Em que pese a ausência de um conceito unívoco e perene de solidariedade, é possível descrever o conteúdo de tal princípio de acordo com o pensamento jurídico corrente, e quem executa bem essa tarefa é Erhard Denninger:
solidariedade significa um vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que nos compele a oferecer ajuda, enquanto se apóia na similitude de certos interesses e objetivos de forma a, não obstante, manter a diferença entre os parceiros na solidariedade.[22]
O princípio da solidariedade atravessa todos os ramos do direito, deixando sua indelével marca[23]. Nas questões de família, essa influência resta ainda mais visível e necessária. Nas palavras de Paulo Luiz Netto Lôbo,
a Constituição e o direito de família brasileiros são integrados pela onipresença dos dois princípios fundamentais e estruturantes: a dignidade da pessoa humana e a solidariedade. (…) O macroprincípio da solidariedade perpassa transversalmente os princípios gerais do direito de família, sem o qual não teriam o colorido que os destaca, a saber: o princípio da convivência familiar, o princípio da afetividade, o princípio do melhor interesse da criança.[24]
A repersonalização do direito de família no Brasil deve refletir a aplicação do princípio da solidariedade, de modo a não corresponder a uma retomada do individualismo, já que envolve claramente um conjunto de pessoas (e não mais o indivíduo de modo isolado).
Certamente o direito de família deve observar e respeitar a liberdade e intimidade de cada um, essenciais quando do tratamento de questões familiares. Esse paradoxo entre o comando geral de solidariedade e o respeito à individualidade é apenas aparente, pois
a solidariedade instiga a compreensão da família brasileira contemporânea, que rompeu os grilhões dos poderes despóticos – do poder marital e do poder paterno, especialmente – e se vê em estado de perplexidade para lidar com a liberdade conquistada. Porém, a liberdade não significa destruição dos vínculos e laços familiares, mas, reconstrução sobre novas bases. Daí a importância do papel da solidariedade, que une os membros da família de modo democrático e não, autoritário, pela co-responsabilidade.[25]
A aplicação do direito exige a apreciação de fatos perceptíveis concretamente, o que faz com que a solidariedade jurídica envolva condutas verificáveis, exigíveis nas relações familiares. Haverá solidariedade quando houver cooperação, respeito, entre-ajuda, cuidado[26].
O grande legado deixado pela solidariedade no direito de família é o princípio da afetividade que, nesse ramo do direito, seguirá a viagem iniciada pela solidariedade e atravessará transversalmente todos os seus institutos.
Afetividade: status de princípio jurídico
Foi Paulo Luiz Netto Lôbo o precursor da disseminação do estudo da afetividade como princípio implícito no direito de família brasileiro, com apontamentos de tal relevância que permitem que suas ideias sejam tomadas como marco teórico do tema[27].
Uma das principais características da sua análise é o fato de não citar a afetividade apenas pontualmente, ao tratar de uma questão específica do direito de família (como a filiação, por exemplo), mas sim permitir que ela passe em revista todos os institutos de direito de família, consistindo em verdadeiro princípio norteador.
A importância do autor e seu papel precursor nesse assunto são reconhecidos, entre outros, por Rodrigo da Cunha Pereira, “(…) mas foi Paulo Luiz Netto Lôbo quem deu ao afeto o status de princípio jurídico (…)”[28].
Com base em uma análise principiológica constitucional, Paulo Lôbo parte da afetividade para, sob sua influência, redefinir todos os institutos de direito de família.
O reconhecimento do afeto como valor de natureza constitucional também é admitido por Luiz Edson Fachin que, ao tratar do tema da paternidade, afirma:
a Constituição de 1988, ao vedar o tratamento discriminatório de filhos, a partir dos princípios da igualdade e inocência, veio a consolidar o afeto como elemento de maior importância no que tange ao estabelecimento da paternidade. Foi para a Constituição o que já estava reconhecido na doutrina, na lei especial e na jurisprudência.[29]
Certamente a afetividade é novo vetor caracterizador das entidades familiares e, consequentemente, norteador da análise que vise à necessária contextualização dos institutos.
Na esteira do entendimento pioneiro de Paulo Luiz Netto Lôbo, parte da doutrina passa a admitir a afetividade como princípio do direito de família, mesmo sem sua positivação expressa[30].
A instabilidade impera em grande parte das relações pessoais, o que acaba por ocasionar problemas e conflitos de diversas ordens, muitos deles imprevistos pela legislação expressa e de difícil solução concreta.
O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás, um outro princípio do direito de família é o da afetividade.[31]
As possibilidades conferidas pela consideração da afetividade como princípio do direito de família são diversas. A jurisprudência, ainda que de modo assistemático, vem recorrendo ao princípio em diversos julgados, muitos deles de difícil acertamento judicial[32].
Já no campo da doutrina são inúmeras as relações desenvolvidas entre afetividade e famílias[33]. Paulo Lôbo auxilia a perceber algumas destas dimensões:
A doutrina jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do princípio da afetividade em variadas situações do direito de família, nas dimensões: a) da solidariedade e da cooperação; b) da concepção eudemonista; c) da funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade e de seus membros; d) do redirecionamento dos papéis masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade; e) dos efeitos jurídicos da reprodução humana medicamente assistida; f) da colisão de direitos fundamentais; g) da primazia do estado da filiação, independentemente da origem biológica ou não biológica.[34]
Seja pelos avanços científicos ou mesmo pelo exercício da livre opção pessoal, é possível perceber que são cada vez mais diversas, complexas e variadas as conformações familiares que se apresentam. Ante a dificuldade do desafio de se tutelar tais situações, se mostra adequada a utilização em maior escala dos princípios jurídicos e das cláusulas abertas que facilitam a assimilação desta realidade.
As características destas famílias e as próprias peculiaridades das relações pessoais atualmente travadas permitem perceber que a afetividade exsurge com papel preponderante.
As dimensões acima descritas são apenas algumas das possíveis entre as várias existentes, mas servem para demonstrar como no atual contexto histórico-social famílias e afetividade estão indissociavelmente imbricadas.
A percepção aguçada de Paulo Luiz Netto Lôbo e sua consistente defesa da afetividade como princípio implícito[35] vital no direito de família brasileiro, decorrente do princípio constitucional da solidariedade, certamente permite um outro olhar sobre os diversos institutos familiares.
Substrato e contornos do princípio
O princípio da afetividade no direito de família advém do princípio constitucional da solidariedade, revelando-se de forma implícita em diversas disposições da Constituição[36].
A aceitação da afetividade como princípio pode desempenhar relevante papel no ordenamento brasileiro, de modo a orientar a interpretação das diversas disposições legais.
Nos dizeres de Paulo Luiz Netto Lôbo, “O princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III) e da solidariedade (art. 3°, I)”[37].
É fato que o Código Civil não pode ser considerado o único instrumento jurídico para solucionar as questões familiares, já que seu modelo prioritário de regras (mesmo com algumas delas de conteúdo aberto) com alguns princípios explícitos, se mostra insuficiente para regular a totalidade dos instigantes conflitos familiares do presente.
Situações complexas exigirão uma análise a partir dos princípios constitucionais, com consideração dos direitos fundamentais envolvidos, para então se averiguar a adequação da aplicação das regras positivadas.
A adoção de cláusulas gerais e conceitos indeterminados pelo Código Civil de 2002, ao tratar de temas do direito de família, com expressões abertas e abstratas, até mesmo ressalta a relevância da análise do princípio da afetividade, pois sua compreensão poderá auxiliar na concretude de tais conteúdos[38].
Uma visão estritamente dogmática pode reduzir os vínculos familiares apenas aos laços ligados por aspectos biológicos ou registrais, o que por vezes pode engessar a família em conceitos reducionistas e predeterminados. Diante disso, a aceitação do princípio da afetividade permite a busca pela emancipação das concepções de família e parentesco, viabilizando sua necessária contextualização[39].
Há relações familiares contemporâneas consubstanciadas por forte vínculo afetivo, consagradas por um afeto público, explícito, estável e duradouro, mas que não possuem vínculos biológicos[40] ou registrais[41].
Uma das possibilidades, que se entende a mais adequada, é a análise de tais situações a partir do princípio da afetividade, o que permitirá melhor reconhecer e tutelar estas relações.
Deve-se, portanto, buscar em um sistema de princípios, direitos fundamentais e regras (codificadas ou esparsas) a unidade que se espera de um ordenamento, sempre com o intuito de promover a proteção da pessoa e consagrar os valores constitucionais.
Reflexos legislativos
O princípio da afetividade nas relações familiares não possui previsão expressa em nossa legislação, nem no texto constitucional, nem no texto infraconstitucional; não constava do Código de 1916 e nem mesmo o recente Código Civil de 2002 o adotou de modo explícito.
Nas recentes alterações legislativas de temas atinentes ao direito de família se percebe o surgimento de referências expressas à afetividade no texto legal, o que é um certo avanço e indica tendência.
Isso pode ser percebido claramente na chamada Lei Maria da Penha[42], na Lei da Guarda Compartilhada[43] e também na nova Lei da Adoção[44].
As remissões à afetividade nestas disposições de lei certamente são indicativo do caminho que será percorrido e, desde logo, reafirmam o caráter principiológico do tema.
O projeto de Estatuto das Famílias[45] também constatou a relevância da afetividade, tanto que a adota de forma expressa no rol de princípios que devem balizar sua interpretação, consagrando-a como um dos pilares fundamentais (a proposta de estatuto também prevê vários outros princípios específicos do direito de família: dignidade, solidariedade, igualdade, convivência familiar e melhor interesse da criança, descritos no seu art. 5º[46]).
Este projeto se mostra mais adequado ao tratamento do direito de família brasileiro, neste particular, porque reconhece a importância da adoção de princípios para tentar melhor responder às demandas dessas complexas famílias do novo milênio e, dentre eles, inclui explicitamente a afetividade.
A positivação da afetividade como princípio fundamental – tal como consta na proposta de Estatuto das Famílias – certamente viabilizará sua difusão de forma ainda mais vigorosa e profícua, entretanto, cabe deixar claro que não se trata apenas de defender uma proposta de lege ferenda, como a constante no projeto de lei acima exposto, pois já há elementos no tecido normativo para sustentar a afetividade como princípio de lege lata.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão da afetividade como princípio parte da interpretação sistemática e teleológica dos valores constitucionais, que acaba por evidenciar seu relevo como elemento norteador de todo o direito de família.
O reconhecimento da afetividade, com a primordialidade sustentada por Paulo Luiz Netto Lôbo, é medida que se impõe, sendo que as alterações legislativas que o adotaram reforçam sua relevância e sua essencialidade.
Em que pese breves referências à afetividade aparecerem com certa constância na legislação, doutrina e jurisprudência, é possível notar que o assunto ainda não recebeu o tratamento que reflita seu relevante papel no direito de família.
A afetividade tem inserção no nosso ordenamento jurídico, de forma implícita, a partir do princípio constitucional da solidariedade, com intensidade que a eleva a vetor norteador dessas relações familiares.
Essa assimilação poderá permitir uma melhor compreensão desta instigante sociedade contemporânea, complexa e fluída, de modo a viabilizar a necessária contextualização e adequação histórico-social das diversas disposições legais.
A realidade se impôs e segue exigindo revisitação e redefinição das categorias de direito de família com a árdua tarefa consagrar princípios constitucionais e direitos fundamentais também na seara do direito privado.
Calha, aqui, a observação de Luiz Edson Fachin: “Clama-se, e não é de agora, por um direito de família que veicula amor e solidariedade”[47].
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[1] “O modelo tradicional de família ocidental, já objeto, desde o século XIX, das críticas fechadas e concêntricas do marxismo e do existencialismo, é agora submetido a uma contestação cada vez mais difusa que, no nosso país, tem origens diversas. A difusão do consumismo e a progressiva erosão de uma efetiva prática da moral católica de vida, a ampliação de movimentos de liberação do poder constituído e das suas instituições e, sobretudo, um notável renascimento de instâncias individualistas e libertárias também nos costumes, estão entre as causas da formação de relações familiares estranhas ao modelo estruturado pela organização estatal ou pela igreja.” (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 986-987)
[2] FACHIN, Luiz Edson. Direito de Família: elementos críticos à luz do novo Código Civil Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 31.
[3] OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família. 4. ed. Curitiba: Juruá, 1998. p. 12.
[4] “Funda-se, portanto, a família pós-moderna em sua feição jurídica e sociológica, no afeto, na ética, na solidariedade recíproca entre os seus membros e na preservação da dignidade deles. Estes os referenciais da família contemporânea.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; Direito das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 5)
[5] “(…) sob a concepção eudemonista de família, não é o indivíduo que existe para família e para o casamento, mas a família e o casamento que existem para seu desenvolvimento pessoal, em busca da aspiração à felicidade.” (FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992. p. 25)
[6] VILLELA, João Baptista. Família hoje. Entrevista concedida a Leonardo de Andrade Mattietto. In: BARRETO, Vicente (Org.). A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 71-72.
[7] OLIVEIRA, Guilherme de; PEREIRA COELHO, Francisco. Curso de direito de família.
4. ed. Coimbra: Coimbra, 2008. v. 1, p. 101.
[8] MICHEL, Andrée. Modèles sociologiques de la famille dans les sociétés contemporaines. Archives de philosophie du Droit: réforme du droit de la famille. Paris: Sirey, 1975. p. 127-136.
[9] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil – Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 15.
[10] “Cada indivíduo organiza as suas ‘estratégias de sobrevivência’ que se orientam cada vez mais intensamente para o amor, para a intimidade, para a vida a dois, que se tornou a nova esperança, a nova religião.” (OLIVEIRA, Guilherme de; PEREIRA COELHO, Francisco. Op. cit., p. 103)
[11] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil – Famílias. Op. cit., p. 1.
[12] “Neste contexto, o afeto deve ocupar lugar de destaque e merece maior atenção daqueles que atuam nessa área jurídica. Os operadores, com os olhos voltados para o sujeito, começam a agregar outros elementos àqueles já relacionados à clássica noção jurídica de família, indicando que, em alguns casos, somente a formalidade do vínculo jurídico é insuficiente.” (CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Repensando o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 487-488)
[13] “A afetividade é elemento nuclear e definidor da união familiar, onde a finalidade mais relevante da família é a realização da afetividade pela pessoa no grupo familiar, num humanismo que só se constrói na solidariedade com o outro, a função afetiva a unifica e a estabiliza, onde o respeito, a liberdade e a igualdade são práticas constantes.” (NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001. p. 54)
[14] Ao descrever o quais elementos identificariam a existência de entidades familiares, Paulo Luiz Netto Lôbo afirma: “Em todos os tipos há características comuns, sem as quais não configuram entidades familiares, a saber: a) afetividade, como fundamento e finalidade da entidade, com desconsideração do móvel econômico; b) estabilidade, excluindo-se relacionamentos casuais, episódicos ou descomprometidos, sem comunhão de vida; c) ostentabilidade, o que pressupõe uma unidade familiar que se pretende assim publicamente. (…)” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além dos numerus clausus.Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 3, n. 12, p. 42, jan./fev./mar. 2002)
[15] FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Op. cit., p. 16.
[16] “O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas sobretudo, àquelas afetivas que se traduzem em uma comunhão espiritual de vida.” (PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Op. cit., p. 973)
[17] Como exemplo: parentescos socioafetivos; famílias recompostas; famílias monoparentais; famílias simultâneas; famílias homoafetivas; multiparentalidade; a utilização cada vez maior de técnicas de reprodução assistida, entre outros relevantes litígios contemporâneos.
[18] BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 173.
[19] “(…) a perspectiva de interpretação civil-constitucional permite que sejam revigorados os institutos de direito civil, muitos deles defasados da realidade contemporânea e por isso mesmo relegados ao esquecimento e à ineficácia, repotencializando-os, de molde a torná-los compatíveis com as demandas sociais e econômicas da sociedade atual.” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 22)
[20] CARVALHO, Orlando de. A Teoria Geral da Relação Jurídica. 2. ed. Coimbra: Centelha, 1982.
p. 10.
[21] MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade. In: MATOS, Ana Carla Harmatiuk (Org.). A construção dos novos direitos. Porto Alegre: Núria Fabris, 2008. p. 255.
[22] DENNINGER, Erhard. “Segurança, diversidade e solidariedade” ao invés de “liberdade, igualdade e fraternidade”. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 88, p. 36, dez./2003.
[23] No direito civil isso é palmar, como exemplo, a funcionalização dos diversos institutos jurídicos e a própria objetivação da responsabilidade civil.
[24] LÔBO, Paulo Luiz Netto. O princípio constitucional da solidariedade nas relações de família. In: CONRADO, Marcelo (Org.). Direito Privado e Constituição: ensaios para uma recomposição valorativa da pessoa e do patrimônio. Curitiba: Juruá, 2009. p. 327.
[25] LÔBO, Paulo Luiz Netto. O princípio constitucional da solidariedade nas relações de família. Op. cit., p. 330.
[26] PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme de (Coord.). O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
[27] Cumpre ressalvar que embora se impute a Paulo Luiz Netto Lôbo papel pioneiro na percepção da afetividade como princípio, a constatação da relevância do afeto (socioafetividade) nas relações familiares foi disseminada no Brasil, entre outros, por Luiz Edson Fachin, em suas instigantes obras: Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1992 (na qual sustenta e desenvolve a importância da paternidade socioafetiva a partir da presunção pater is est. – p. 169); e Da paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996 (na qual aprofunda e incrementa o estudo da afetividade – p. 23).
[28] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 3.
[29] FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
v. XVIII: do direito de família, do direito pessoal, das relações de parentesco, p. 27.
[30] “Nosso entendimento é de que o princípio da afetividade funciona como um novo vetor que reestrutura a tutela jurídica do direito de família, que passa a se ocupar mais da qualidade dos laços travados nos núcleos familiares do que com a forma através da qual as entidades familiares se apresentam em sociedade, superando o formalismo das codificações liberais e o patrimonialismo que delas herdamos.” (TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. Multiparentalidade como efeito da socioafetividade nas famílias recompostas. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, v. 10, jun./jul. 2009. p. 38); “A respeito de tal aspecto, pode-se reconhecer como fundamental nas relações familiares contemporâneas, independentemente da sua espécie, a afetividade, que deve ser alçada a valor jurídico de fundamental importância para a constituição e manutenção das famílias modernas.” (GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família. São Paulo: Atlas, 2008. p. 127; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 179)
[31] GROENINGA, Giselle Câmara. Generalidades do Direito de Família. Evolução histórica da família e formas atuais de constituição. In: BARBOSA, Águida Arruda; VIEIRA, Claudia Stein (Coords.). Direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 28.
[32] O Superior Tribunal de Justiça vem se manifestando sobre o tema na análise de alguns casos, o que pode ser constatado nos seguintes julgados: REsp. 1.088.157/PB, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, DJ 04.08.2009; REsp. 878.941/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 17.09.2007, p. 267; REsp. 833.712/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 04.06.2007, p. 347; REsp. 234.833, Rel. Min. Helio Quaglia Barbosa, 4ª Turma, DJ 22.10.2007, p. 276.
[33] Maria Berenice Dias chega a classificar o afeto como um direito fundamental. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 67)
[34] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil –Famílias.Op. cit., p. 51-52. Em nota de rodapé a essa afirmação, o autor cita os doutrinadores que dariam guarida à sua afirmação. Seriam eles: Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Luiz Edson Fachin, Gustavo Tepedino, Rodrigo da Cunha Pereira, Belmiro Pedro Welter e Maria Celina Bodin de Moraes.
[35] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil –Famílias.Op. cit., p. 36.
[36] O substrato constitucional da afetividade como princípio implícito pode ser extraído das seguintes disposições: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6°); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227); e) reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar (art. 226, § 3º).
[37] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil –Famílias.Op. cit., p. 48.
[38] Como se percebe na expressão “ou outra origem” constante da parte final do art. 1.593 do Código Civil (que trata do parentesco, admitindo expressamente além do natural e civil o parentesco de outra origem, em uma clara referência à socioafetividade) ou, ainda, na expressão “comunhão plena de vida” constante do art. 1.511 do Código Civil em vigor, cujo conteúdo também não é definido pelo legislador.
[39] “Esse redimensionamento da família sob as transformações que a distância revela entre o contemporâneo e os precedentes históricos; antes, um agrupamento de base econômica; agora, grupo de companheirismo e lugar de afetividade.” (FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade. Op. cit., p. 23)
[40] “Nas novas configurações familiares, oriundas de descasamentos e recasamentos, há homens que acolhem como seus os filhos de outro homem, mantendo relações parentais com os descendentes de suas parceiras, com os quais não possuem nenhum laço biológico. É o que se costuma chamar de paternidade socioafetiva.” (PAULO, Beatrice Marinho. Ser pai nas novas configurações familiares: a paternidade psicoafetiva. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, v.10, jun./jul. 2009. p. 25)
[41] “A socioafetividade, como acima referida, é um critério para estabelecimento das relações familiares geradas pelo afeto, que se exterioriza na vida social. É um fato a ser apreendido pelo direito.” (BARBOZA, Heloisa Helena. Efeitos jurídicos do parentesco socioafetivo. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister; Belo Horizonte: IBDFAM, v. 9, p. 32, abr./maio 2009)
[42] BRASIL, Lei Federal 11.340/2006, art. 5º, III. Faz remissão expressa à relação afetiva ao definir as relações com incidência de suas disposições.
[43] BRASIL, Lei Federal 11.698/2008. Estipula novos requisitos para a definição do regime de guarda, sendo um deles o afeto. Esta lei altera expressamente os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil brasileiro. Inclui parágrafo segundo no artigo 1.583, com a seguinte redação:
“§ 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la
e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar (…)”.
[44] BRASIL, Lei Federal 12.010/2009. Cita expressamente a afetividade como critério de identificação da família extensa ou ampliada (art. 25º, parágrafo único) e também como fator relevante na definição da família substituta (§ 3º do art. 28).
[45] Tramita no Congresso Nacional brasileiro o Projeto de Lei 2.285/2007, Relatoria do Deputado Federal Sergio Barradas Carneiro (PT/MG), atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados do Congresso Nacional do Brasil, texto elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família.
[46] “Art. 5º. Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação deste Estatuto a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar, a igualdade de gêneros, de filhos e das entidades familiares, a convivência familiar, o melhor interesse da criança e do adolescente e a afetividade”. (Grifei.)
[47] FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 332.
Veja também:
- Abandono Afetivo: reflexões a partir do entendimento do Superior Tribunal de Justiça*
- A socioafetividade nas relações de parentalidade: estado da arte nos tribunais superiores
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