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É preciso pagar aluguel ao ex após o divórcio

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É preciso pagar aluguel ao ex após o divórcio?

Rolf Madaleno

Rolf Madaleno

22/07/2024

O tema pertinente à cobrança de aluguéis pelo uso exclusivo dos bens conjugais por apenas um dos cônjuges ou convivente é recorrente nos pretórios brasileiros, geralmente quando um dos parceiros é afastado do domicílio conjugal ou dele se arreda espontaneamente, e o outro segue residindo no imóvel comum enquanto não se sucede a partilha deste bem. O impasse surge no tocante à definição jurídica que deita sobre este primitivo domicílio familiar, em saber se com a separação de fato ou de corpos, enquanto pendente a partilha oficial dos bens, este imóvel se encontra em condomínio ou em mancomunhão proveniente da meação conjugal ou convivencial. O coproprietário que se retirou da moradia nupcial quer ser financeiramente compensado pelo uso exclusivo do imóvel pelo outro parceiro, mediante a fixação mensal de um aluguel, pois alega haver um favorecimento e incidir o enriquecimento sem causa. Em sua defesa, para não arcar com um custo pelo uso unilateral da antiga moradia comum, o cônjuge ou convivente que detém a posse exclusiva da vivenda sustenta que, enquanto não efetuada a partilha, os bens permanecem em comunhão entre os litigantes, diferindo esta hipótese, em sua substância, da noção de condomínio, no qual caberia a fixação de um aluguel, mas o condomínio só se dá com a efetiva partilha dos bens comuns. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald entendem ser procedente o arbitramento de aluguéis em favor do consorte que perdeu a composse do imóvel com a separação de fato ou de corpos do casal, sob pena de caracterizar o enriquecimento ilícito.1123

A matéria não está pacificada nos tribunais pátrios, embora possa ser afirmado que prevalece o entendimento de ser descabida a cobrança de aluguel pelo uso exclusivo de comum antes de concretizada a partilha. Neste sentido decidiu, por exemplo, a Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível n. 70.023.070.493, em voto relatado pelo Des. Ricardo Raupp Ruschel, datado de 29 de abril de 2008, condicionando a cobrança dos alugueres à realização da efetiva partilha dos bens, pelo fato de inexistir título jurídico que autorize a cobrança de aluguel ou indenização contra aquele que ficou residindo no imóvel comum, porque subsiste a mancomunhão dos bens resultante do casamento que ainda não foi dissolvido, não estando, portanto, dissolvidas as meações que seguem indeterminadas. Inclusive o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou pela inexigibilidade de locativo pela ocupação isolada de imóvel comum, enquanto não operada a partilha, cuidando-se de situação diversa do condomínio. Assim, foi decidido no REsp. n. 3.710/RS, da Quarta Turma, julgado em 21 de junho de 1995, sendo Relator o Ministro Antônio Torreão Braz, com a seguinte ementa: “Casamento. Regime de comunhão universal de bens. Direito ao uso destes. A comunhão resultante do matrimônio difere do condomínio propriamente dito, porque nela os bens formam a propriedade de mão comum, cujos titulares são ambos os cônjuges. Cessada a comunhão universal pela separação judicial, o patrimônio comum subsiste enquanto não operada a partilha, de modo que um dos consortes não pode exigir do outro, que estiver na posse de determinado imóvel, a parte que corresponderia à metade da renda de um presumido aluguel, eis que essa posse, por princípio de direito de família, ele exerce ex proprio jure.” Deste modo, a fixação de aluguel pelo uso exclusivo do imóvel comum só teria incidência depois de finda a partilha com a divisão do imóvel, como, por sinal, decidiu a Oitava Câmara Cível do TJ/RS, na Apelação Cível n. 70.021.404.702, julgada em 1º de novembro de 2007, sendo Relator o Des. Rui Portanova. Mas, no caminho oposto tem se dirigido o STJ em decisão datada de 17 de junho de 2002, relatada pelo Ministro Cesar Asfor Rocha, da Quarta Turma, no REsp. n. 178.130, a vislumbrar o arbitramento de aluguel sobre imóvel pertencente ao casal, a título de indenização, quando a partilha ficou relegada para momento posterior. Em decisão datada de 13 de abril de 2010, sendo relator o Ministro João Otávio de Noronha, a Quarta Turma do STJ, no REsp. n. 1.053.515/SP, por unanimidade, entendeu viável a cobrança de aluguel, após a separação judicial e partilha dos bens,2 e novamente assim decidiu o Ministro João Otávio de Noronha na Terceira Turma do STJ, nos EDcl no Agravo de Instrumento n. 1.424.011/ BA, julgados em 10 de setembro de 2013. Sempre na compreensão de que somente depois da separação ou do divórcio é viável a cobrança de indenização pelo uso exclusivo da habitação comum, o Agravo em Recurso Especial n. 380.473/RJ, da Terceira Turma do STJ, julgado em 05 de junho de 2014, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva referiu ser pacífica a jurisprudência da Corte em só admitir o arbitramento de aluguel a um dos cônjuges por uso exclusivo de bem imóvel comum ao casal somente na hipótese em que, efetuada a partilha do bem, nele permaneça residindo um dos cônjuges. À idêntica conclusão chegou a Quarta Turma do STJ, inclusive com a aplicação da Súmula n. 83/STJ, no Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.377.665/PR, julgado em 21 de maio de 2015, pela relatoria do Ministro Marco Buzzi.3 Assim, também procedeu novamente a Terceira Turma do STJ, no REsp. n. 1.470.906/SP, julgado em 06 de outubro de 2015, e relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,4126 e voltando o STJ a decidir em sentido negativo e não ver caracterizado, nas circunstâncias narradas no feito, o arbitramento de aluguel, conforme REsp. 1.699.013/DF, da relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado na Quarta Turma em 04 de maio de 2021.5

Embora o Judiciário gaúcho também já tenha decidido sob a ótica contrária no Agravo de Instrumento n. 70.008.898.801, Sétima Câmara Cível do TJ/RS, da relatoria da Des.ª Walda Maria Melo Pierro, que admitiu a fixação de aluguéis pelo uso exclusivo da habitação comum, até com o objetivo de agilizar a partilha.6 Em 09 de abril de 2015, a Oitava Câmara Cível do TJ/RS, na Apelação Cível n. 70063309082, relatada pelo Des. Luiz Felipe Brasil Santos, negou a verba indenizatória, dizendo não se tratar em verdade de locação, por se tratar de imóvel utilizado pelo grupo familiar, sobre o qual o consorte morador tem arcado com ônus de manutenção do bem e pagamento de alguns impostos, além de ter sido deferida a penhora no rosto dos autos da ação de divórcio sobre a meação do apelante.

Realmente deve ser procedida a distinção entre condomínio e mancomunhão, não procedendo a cobrança de aluguéis enquanto não formalizada a partilha dos bens e estabelecida a relação de condomínio dos ex-meeiros sobre a antiga habitação ou bem conjugal, posta à exclusiva posse e disposição de um dos esposos ou conviventes.

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NOTAS

1 FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2010. p. 391.

2 “Civil. Embargos de declaração no agravo de instrumento. Família. Separação judicial. Partilha de bens. Imóvel comum utilizado por apenas um dos cônjuges. Ação de arbitramento de aluguel. Possibilidade. Valor mensal. Percepção a partir da citação. 1. Afigura-se viável o ajuizamento, após a separação judicial e partilha dos bens, de ação de arbitramento de aluguel por um dos cônjuges em relação a imóvel sob uso exclusivo e gratuito do outro consorte, com objetivo de assegurar o seu direito à percepção de valor, a título de remuneração mensal, a ser devido a partir da citação. 2. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.”

3 “Agravo Regimental no Recurso Especial. Autos de ação de indenização. Decisão monocrática quenegou seguimento ao apelo extremo. Insurgência da autora. 1. A jurisprudência recente desta egrégia Corte superior é pacífica no sentido de ser devido o pagamento de aluguel ao ex-cônjuge, após a separação judicial e a partilha de bens, pelo outro que utiliza com exclusividade o imóvel comum do casal. Incidência da Súmula n. 83/STJ. 2. Agravo regimental desprovido.”

4 “Recurso Especial. Direito de Família. Patrimônio comum do casal. Posse exclusiva de um dos ex-cônjuges. Aluguéis. Pendência de partilha. Indenização afastada. Dever de prestação de contas. Locupletamento ilícito. Vedação. Momento processual oportuno. 1. O arbitramento de aluguel, bem como o ressarcimento pelo uso exclusivo de bem integrante do patrimônio comum do casal, somente é possível nas hipóteses em que, decretada a separação ou o divórcio e efetuada a partilha, um dos cônjuges permaneça residindo no imóvel. 2. A ruptura do estado condominial pelo fim da convivência impõe a realização imediata da partilha, que, uma vez procrastinada, enseja a obrigação de prestar contas ao outro alijado do direito de propriedade no momento processual oportuno. 3. A administração do patrimônio comum da família compete a ambos os cônjuges (arts. 1.663 e 1.720 do CC), sendo certo que o administrador dos bens em estado de mancomunhão tem o dever de preservar os bens amealhados no transcurso da relação conjugal, sob pena de locupletamento ilícito. 4. Recurso especial conhecidoe provido.”

5 Recurso Especial. Ação de arbitramento de aluguel. Ex-cônjuge que reside no imóvel comum com a filha do ex-casal, provendo seu sustento. Uso exclusivo e enriquecimento sem causa. Não caracterização. 1. O uso exclusivo do imóvel comum por um dos ex-cônjuges – após a separação ou divórcio e ainda que não tenha sido formalizada a partilha – autoriza que aquele privado da fruição do bem reivindique, a título de indenização, a parcela proporcional a sua quota-parte sobre a renda de um aluguel presumido, nos termos do disposto nos artigos 1.319 e 1.326 do Código Civil. 2. Tal obrigação reparatória – que tem por objetivo afastar o enriquecimento sem causa do coproprietário – apresenta como fato gerador o uso exclusivo do imóvel comum por um dos ex-consortes, a partida inequívoca oposição daquele que se encontra destituído da fruição do bem, notadamente quando ausentes os requisitos ensejadores da chamada “usucapião familiar” prevista no artigo 1.240-A do citado Codex. Precedentes. 3. Na hipótese dos autos, desde o divórcio das partes, o ex-marido reside no imóvel comum em companhia da filha (cujo sustento provê quase que integralmente), sem efetuar nenhum pagamento à ex-esposa (coproprietária) a título de aluguel. 4. Como é de sabença, enquanto o filho for menor, a obrigação alimentícia de ambos os genitores (de custear-lhe as despesas com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte) tem por lastro o dever de sustento derivado do poder familiar, havendo presunção de necessidade do alimentando; ao passo que, após a maioridade civil (dezoito anos), exsurge o dever dos pais de prestar alimentos ao filho – em decorrência da relação de parentesco – quando demonstrada situação de incapacidade ou de indigência não proposital, bem como por estar o descendente em período de formação escolar profissionalizante ou em faculdade, observando o trinômio “necessidade de quem recebe, capacidade contributiva de quem paga e proporcionalidade”. Inteligência da Súmula 358/STJ. 5. A prestação alimentícia, por sua vez, pode ter caráter pecuniário – pagamento de certa soma em dinheiro – e/ou corresponder a uma obrigação in natura, hipótese em que o devedor fornece os próprios bens necessários à sobrevivência do alimentando, como moradia, saúde e educação. 6. A despeito da alternatividade característica da obrigação de prestar alimentos, o artigo 1.707 do Código Civil enuncia o princípio da incompensabilidade, que, nos termos da jurisprudência desta Corte, admite mitigação para impedir o enriquecimento indevido de uma das partes, mediante o abatimento de despesas pagas in natura (para satisfação de necessidades essenciais do alimentando) do débito oriundo de pensão alimentícia. 7. Nesse contexto normativo, há dois fundamentos que afastam a pretensão indenizatória da autora da ação de arbitramento de aluguel. Um principal e prejudicial, pois a utilização do bem pela descendente dos coproprietários – titulares do dever de sustento em razão do poder familiar (filho menor) ou da relação de parentesco (filho maior) – beneficia a ambos, motivo pelo qual não se encontra configurado o fato gerador da obrigação reparatória, ou seja, o uso do imóvel comum em benefício exclusivo de ex-cônjuge. 8. Como fundamento secundário, o fato de o imóvel comum também servir de moradia para a filha do ex-casal tem a possibilidade de converter a “ indenização proporcional devida pelo uso exclusivo do bem” em “parcela in natura da prestação de alimentos” (sob a forma de habitação), que deverá ser somada aos alimentos in pecúnia a serem pagos pelo ex-cônjuge que não usufrui do bem – o que poderá ser apurado em ação própria -, sendo certo que tal exegese tem o condão de afastar o enriquecimento sem causa de qualquer uma das partes. 9. Ademais, o exame do pedido de arbitramento de verba compensatória pelo uso exclusivo de imóvel comum por ex-cônjuge não pode olvidar a situação de maior vulnerabilidade que acomete o genitor encarregado do cuidado dos filhos financeiramente dependentes, cujas despesas lhe são, em maior parte, atribuídas. 10. Hipótese em que o provimento jurisdicional – pela improcedência da pretensão autoral – submete-se à regra rebussic stantibus, notadamente por se tratar de controvérsia que guarda relação com institutos de direito

de família. 11. Recurso especial não provido” (REsp. n 1699013/DF).

6 “Agravo de instrumento. Separação judicial. Partilha de bens. Pedido de locativos incidente sobre imóvel usufruído pela mulher. Situação especial do feito, no qual o varão, após a separação de corpos, afastou-se da residência comum, levando consigo o filho do casal – possibilidade de se estabelecer uma retribuição pelo uso exclusivo do bem para o cônjuge que, afastado, não pode exercer qualquer ato de posse sobre o imóvel. Termo inicial a partir desta decisão. Providência que objetiva a agilização da partilha. Valor do bem – pretensão do cônjuge virago de aquisição da meação do varão – demora no tramitar do feito – tais questões devem ser examinadas na origem, onde o feito deve ser agilizado. Respeito aos princípios do devido processo legal e duplo grau de jurisdição. Agravo provido em parte, por maioria” (TJ/RS. Sétima Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 70.008.898.801. Relatora: Des.a Maria Berenice Dias. Julgado em 18.08.2004).

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