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CIVIL
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Divisibilidade – seu conceito no direito privado
Revista Forense
10/05/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 150
NOVEMBRO-DEZEMBRO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 150
CRÔNICA
Ortotanásia ou eutanásia por omissão – Nélson Hungria
DOUTRINA
- A responsabilidade dos Estados em direito internacional – Raul Fernandes
- Os funcionários públicos e a Constituição – Carlos Medeiros Silva
- Responsabilidade dos juristas no Estado de Direito – José de Aguiar Dias
- Defesa dos postulados essenciais da ordem jurídica – Murilo de Barros Guimarães
- O Código Civil e a nova concepção do direito de propriedade – Abelmar Ribeiro da Cunha
- Evolução do Direito Social brasileiro – A. F. Cesarino Júnior
- Divisibilidade – seu conceito no direito privado – Alcino Pinto Falcão
- A analogia da lei comercial em face das fontes subsidiárias do direito – Mário Rotondi
PARECERES
- Impostos estaduais – Excesso de arrecadação nos municípios – Bilac Pinto
- Instituto do açúcar e do álcool – Fixação de preços – Intervenção do Estado na ordem econômica – Castro Nunes
- Governador – Incompatibilidade do mandato com o cargo de ministro de Estado – Osvaldo Trigueiro
- Testamento – Regras de interpretação – Descendentes e filhos – Fideicomisso – Antão de Morais
- Locação comercial – Retomada para uso próprio – Notificação – Luís Antônio de Andrade
- Deputado – Perda de mandato – Licença para tratamento de interesses particulares – Antônio Balbino
- Requisição de bens e serviços – Tabelamento de preços – Comissão federal de abastecimento e preços – Teotônio Monteiro de Barros Filho
NOTAS E COMENTÁRIOS
- A inconstitucionalidade do prejulgado trabalhista – Alcides de Mendonça Lima
- Responsabilidade civil por danos causados por aeronaves estrangeiras a terceiros e bens a superfície Convenção de Roma – Euryalo de Lemos Sobral
- Sôbre o conceito de Estado – Jônatas Milhomens
- As autarquias estaduais e as concessões de serviços de energias elétrica – José Martins Rodrigues
- A filiação adulterina no direito brasileiro e no direito francês – Válter Bruno de Carvalho
- Recurso ordinário em mandado de segurança – João de Oliveira Filho
- A habitação como acessório salarial – Carmino Longo
- Operações bancárias – Francisco da Cunha Ribeiro
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
SUMÁRIO: Obrigações indivisíveis. Desfavor do legislador e persistência da categoria. Diferenças e confusões. Conflito de direitos. Contratos que exigem necessária colaboração do grupo devedor. Obrigações alternativas e genéricas. Obrigações negativas e de execução continuada Problema de legitimidade. Quanto aos direitos reais: Indivisibilidade das coisas e no direito das coisas. Indivisibilidade e titulariedade in solidum. Propriedade e iura in re aliena. Direitos de fruição; direitos de garantia. Considerações finais.
Sobre o autor
Alcino Pinto Falcão, Juiz no Distrito Federal
DOUTRINA
Divisibilidade – seu conceito no direito privado
I. Obrigações indivisíveis
Muito se fala e mais se abusa ainda dos têrmos divisibilidade e seu antônimo indivisibilidade, no campo do direito; muitas das vêzes, porém, para justificar um fim a demonstrar, contrariando o princípio correto de que “em jurisprudência, mais do que em outro terreno, o fim não justifica os meios”, adverte o professor JEAN BOULANGER (“Usage et abus de la notion d’indivisibilité des actes juridiques”, em o número de janeiro a março de 1950 da “Revue Trimestrielle de Droit Civil”). Na verdade, o professor tem razão; o conceito de ambos os têrmos não é fácil de precisar e enquadrar numa definição, sendo fugidio, mudando de conteúdo conforme o compartimento do direito a que se apliquem. Sua persistência, sua vitalidade, fazem, porém, sobrevivam às mutações e dificuldades e por isso o jurista moderno não pode ainda deixar de preocupar-se com o significado que na linguagem do direito têm os têrmos divisibilidade e indivisibilidade e, na impossibilidade de encontrar uma definição que satisfaça a todos os capítulos do direito privado em que se empregam tais têrmos, na análise é que encontrará o terreno próprio para o respectivo estudo.
II.Desfavor do legislador e persistência da categoria.
Respeito ao patrimônio. A análise, de fato, deve começar pelo próprio patrimônio, prestigiando aquela conhecida sugestão de BEKKER, que com boas razões técnicas aconselhava a que o estudo do direito privado se iniciasse pelo patrimônio e depois viesse o dos direitos, membros daquele.
Entre nós, a figura do patrimônio não existe apenas por construção doutrinária ou por interpretação de dispositivos legais que permitam inferir a sua existência. Ao contrário, o art. 57 do nosso Cód. Civil a êle expressamente se refere:
“O patrimônio e a herança constituem coisas universais, ou universalidades, e como tais subsistem, embora não constem de objetos materiais”.
Divisível ou indivisível? ‘
Divisível, respondem dois eminentes professôres, FADDA e BENSA (em nota às págs., 872 e 673 do vol. I, parte 1ª da tradução italiana de 1902 do “Diritto delle Pandette”, de WINDSCHEID), ensinando não lhes parecer normal a concepção de universalidade, não admitindo ser o patrimônio a própria personalidade; patrimônio como universalidade jurídica não subsiste a não ser para um fim e nos limites do escopo, e quando êste o exigir poderão várias universalidades jurídicas ser colocadas em mãos de uma mesma pessoa.
Essa opinião, apesar de respeitabilíssima, não se ajusta ao nosso direito positivo: a concepção de universalidade está claramente editada no art. 57 supratranscrito e que faz parte da seção V do capítulo I do Livro II do nosso Cód. Civil, seção esta sob a rubrica sugestiva “Das coisas singulares e coletivas”.
No estado atual do direito brasileiro, vige a regra de que a cada indivíduo corresponde um único patrimônio, como bem acentuava CLÓVIS BEVILÁQUA (págs. 211 e 212 de “Teoria Geral do Direito Civil”, Rio, 1929), que acrescentava que os casos em que excepcionalmente a lei autoriza o patrimônio a sofrer uma divisão são devidos à necessidade prática de impedir a junção de bens de procedência diversa. Mas nesses casos não haverá uma situação definitiva: enquanto se apura (deducto aere alieno) o que deve entrar para o patrimônio do sucessor, subsiste, não absorto, o patrimônio do sucedendo, ainda que ambos se achem dentro da esfera da atividade jurídica de uma pessoa.
Em verdade, esta lição está rigorosamente de acôrdo com o nosso direito positivo e em consonância com a opinião conservadora, como a de VON TUHR, que elucida que só excepcionalmente e por fôrça de lei um grupo de direitos poderá, em certa medida, ter existência separada do patrimônio. O indivíduo não poderá dividir arbitràriamente seus direitos patrimoniais em duas massas distintas e, mesmo na hipótese em que se produza uma 1 separação de fato por causa de administrações independentes, sob o aspecto jurídico tudo o que pertencer a uma pessoa integrará seu patrimônio. E isso até sob o prisma dinâmico, temporal: poderá desfalcar-se ou enriquecer-se sucessivamente o conteúdo do patrimônio e êste, ainda que vazio, não se libertará do indivíduo (“Teoria Geral do Direito Civil Alemão”, vol. I, tomo 1°, págs. 394 e 395, § 18, da tradução argentina de 1946; no § 19 estuda os casos de patrimônios especiais, sujeitos a um fim específico, sua causa legal).
E não é o fim que caracteriza o patrimônio geral de uma pessoa, pois que nêle os diferentes elementos (sem conexão entre si quanto ao mais) se acham unidos ùnicamente por sua relação subjetiva comum com a pessoa do titular do patrimônio; no patrimônio especial (que só existe havendo disposição expressa de lei) é que a unidade da massa patrimonial resulta, objetivamente, da unidade do fim a cujo serviço se coloca um determinado conjunto de direitos (RAUL OERTMANN, § 26, n. 2, pág. 151, de “Introdução ao Direito Civil”, edição espanhola de 1933).
Mas, de lege ferenda, talvez se venha a consagrar ã, pluralidade de patrimônios por destino do titular. Um dos obstáculos a vencer será afastar a alegação de que isso trará posição mais fraca para os credores; responde-se, porém, que o credor quirografário com isso não terá prejuízo maior do que no caso de garantias reais que o devedor, em regra, pode conceder sôbre bens do seu patrimônio (CH. BEUDANT et PIERRE VOIRIN, à pág. 26, n. 28, do vol. IV do “Curso de Direito Civil”, Paris, 1938). A socialização do direito, coxas o conseqüente enfraquecimento do direito subjetivo, parece que vai tomando tal corpo, que autores conservadores, como o decano LA MORANDIERE (às págs. 117 e 118 do vol. I da edição de 1947 do “Cours”, de COLIN et CAPITANT), acham que os chamados patrimônios de afetação acabarão por ser a regra, passando um indivíduo a ter vários patrimônios, distintos uns dos outros: “L’on sera amené à admettre que l’individu, qui affecte une partie de son patrimoine à la création d’une entreprise, cesse d’avoir la maitrise de ses biens. L’entreprise, groupant lês intérêts collectifs du patron et des ouvriers, répresentant une part dans lês intérêts économiques généraux de la nation, se détache de celui qui lui a donnê naissance et aura une vie juridique indépendante”.
Essa nova concepção tem sido bafejada por recentes estudos, sobressaindo os que vieram à luz no tomo III de “Travaux de, l’Associátion HENRI CAPITANT pour la Culture Juridique Française”; Paris, 1948, em especial o trabalho de PAUL DURAND; também a lição de R. SAVATIER, em os ns. 15 e segs. de “Les Métamorphoses Economiques et Sociales du Droit Civil d’Aujourd’hui”, Paris; 1948, e, em parte, A. TUNC, às págs. 45-54 do vol. 1° (Pisa, 1947) de “Nuova Rivista di Diritto Commerciale, Diritta dell’Economia, Diritto Sociale”.
Não está, ainda, geoniètricamente delineado o novo conceito: mas dá-se saliência ao caráter institucional; de perenidade, que se diz aderir à moderna conceituação de emprêsa, afastando-se, assim, aquêle característico de transitoriedade do patrimônio dividido a que se referia CLÓVIS BEVILÁQUA (supra). Mas, mesmo assim, PAUL DURAND (loc. cit.) anão considera que no estado atual dó direito francês, Pôsto que avançado, se possa considerar a entreprise como uma universalidade de direito, constituindo um patrimônio; trata-se, para êle, de universalidade de fato: “En effet, une personne juridique ne peut posséder plusieurs patrimoines. Les créanciers de l’entreprise n’on pas un gage limité aux biens de l’entreprise; mais, à l’inverse, ils subissent le concours des autres créanciers du chef d’entreprise. La cession de l’entreprise ase s’accompugrne pas de la transmission du passíf. L’entreprise doit être qualifiée d’universalité de fait”.
A tendência hodierna é o direito privado procurar vestir-se com roupas em moda no direito público e êste não encara o problema da unidade do patrimônio com os olhos do civilista, sendo fácil verificar a pululação dos patrimônios especiais dentro do Estado moderno. O Prof. BUTTGENBACH, da Universidade de Liège, à pág. 69 de “‘Lê Statut dês Entreprises Publiques”, Paris, 1947, assim preleciona: “A unidade do patrimônio é um princípio essencialmente civilista, inspirado pela unidade da pessoa física e sobretudo pelos interêsses dos seus credores. Ela não se impõe absolutamente ao direito público”.
E nem ao direito privado, pode-se profetizar. O direito mercantil, mais progressista do que o civil, muito se vem preocupando (ver ampla bibliografia no exaustivo estudo de F. DE SOLA CAÑIZARES, às págs. 376 a 387 do vol. I, ano de 1948, da “Revue Trimestrielle de Droit Commercial”, de ESCARRA et HOUPIN) com a possibilidade de firmas individuais de responsabilidade limitada, que o Código de 1926 do Principado de Uchtenstein já consagrou. E essa idéia acabará por se tornar vitoriosa: a necessidade prática vencerá as objeções da tradição. No que diz respeito ao patrimônio, a tendência é a vitória da divisibilidade.
III. Obrigações alternativas e genéricas
Quanto às obrigações. 1°) O desfavor com.que se armou o legislador moderno ao encarar a categoria autônoma das obrigações divisíveis e indivisíveis é uma realidade em geral proclamada. O Código NAPOLEÃO, por intermédio de fonte em POTHIER, acabou por dar (artigos 1.217 e segs.) foros de cidade à fama de inextricável labirinto do título da obra de DOUMULIN (DEMÉLIO) sôbre o tema, o qual, no dizer de CLÓVIS BEVILÁQUA (pág. 90 da 1ª ed. de “Direito das Obrigações”, Bahia, 1896, e pág. 35 do vol. IV do “Código Civil Comentado”, edição de 1934), foi quem nimbou as nuvens que se projetaram sôbre a teoria do instituto e que impedem que se consiga fàcilmente perceber o que de, útil há no mesmo. Essa critica a DEMÉLIO e ao Código francês modernamente é endossada pelos próprios franceses, aconselhando a prudência de nos limitarmos às noções simples, capazes de aplicação prática. Como diz LAGARDE (à pág. 644 do vol. VIII do “Cours”, de BEUDANT, edição de 1936), todos os autores que pretenderam ir mais longe e constituir pretensas teorias da indivisibilidade foram punidos, não se fazendo compreender, quando não deixando de entender-se a si mesmos. “L’indivisibilité est une notion, pratique, qu’il faut prendre comme telle” (no mesmo sentido, RADOUANT, em o n. 1.098 do vol. VII do “Tratado”, de PLANIOL et RIPERT, e, também, COLIN, CAPITANT et LA MORANDIÈRE, em o n. 710 do vol. II do “Cours”, edição de 1948).
O conceito, apesar de mal recebido, sobrevive. E bem verdade que o Código alemão quase o desconhece, limitando-se a dá-lo como sobrevivente no § 431; há autor moderno de monta (o professor LODOVICO BARASSI, à pág. 161 do volume I de “Lá Teoria Generale delle Obbligazioni”, Milão, 1946) que ensina que, a respeito das obrigações indivisíveis, “… o Cód. Civil suíço silencia completamente”. Esta afirmativa não é exata; o artigo 70 do Cód. Federal de obrigações a desmente, recitando:
“Quando a obrigação é indivisível e há vários credores, cada qual pode exigir a execução integral e o devedor é obrigado a se liberar em relação a todos. Se houver vários devedores, cada um dêles fica obrigado a cumprir a obrigação indivisível no todo. A menos que o contrário resulte das circunstâncias, o que pagou tem recurso contra os demais pela parte respectiva e fica sub-rogado nesta medida nos direitos do credor”.
(Quanto às obrigações solidárias, o diploma suíço dedica os arts. 143 a 150; ver A. VON TUHR, às págs. 280 a 283 do vol. II do “Tratado das Obrigações” trad. ROCES, Madri, 1934).
Mas nota-se, no legislador moderno; um propósito de simplificação. Foi o que fêz o recentíssimo diploma civil italiano, corrigindo a pretérita preceituação (artigos 1.314 a 1.320). O nosso Cód. Civil dedica um capítulo (arts. 889 a 895) às obrigações do tipo, como se vê da transcrição a seguir:
“Art. 889. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.
Art: 890. Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores, ou devedores.
Art. 891. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não fôr divisível, cada um será obrigado pela dívida tôda.
Parág. único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados.
Art. 892. Se a pluralidade fôr dos credores, poderá cada um dêstes exigir a dívida inteira. Mas o devedor ou devedores se desobrigarão pagando:
I, a todos conjuntamente;
II, a um, dando êste caução de ratificação dos outros credores.
Art. 893. Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outros assistirá o direito de exigir dêle em dinheiro a parte que lhe caiba no total.
Art. 894. Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas êstes só a poderão exigir, descontada a cota do credor remitente.
Parág. único. O mesmo se observará no caso de transação, novação, compensação ou confusão.
Art. 895. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos.
§ 1° Se, para êsse efeito, houver culpa de todos os devedores, responderão todos por partes iguais.
§ 2° Se fôr de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só êsse pelas perdas e danos”.
Face à melhor técnica do nosso Código Civil, muitos dos pontos cobertos pelas referidas, nuvens pardacentas deixaram de torturar a mente do jurista, perdendo interêsse prático deter-se sôbre êles; rememorá-los seria mero amor a uma escolástica de antanho e que tanto prejudicou o fácil conhecimento do direito civil. Por isso, poucas observações são necessárias; mas sempre algumas, já que há pontos ainda dignos de serem ventilados.
Em primeiro lugar, repita-se a lição corrente de que, apesar de semelhanças, não há identidade entre os conceitos de obrigação indivisível e solidária: segundo o nosso M. I. CARVALHO DE MENDONÇA (págs. 156 e 157 de “Doutrina e Prática das Obrigações”, edição de 1908), a solidariedade funda-se no título da obrigação, sendo uma qualidade pessoal da mesma; a indivisibilidade, na natureza da prestação, qualidade real. A existência, porém, de vários credores ou de vários devedores, quer num como noutro instituto, não autoriza a, técnica e pròpriamente, configurar-se o que se chama de conflito de direitos, já que de tal figura só se pode falar em sentido próprio, quando – como observa UGO NATOLI (págs. 41 e segs. de “Il Conflitto dei Diritti”, Milão, 1950) coexistem vários créditos referentes a um determinado bem, considerado na sua individualidade específica e que constitua o objeto imediato da prestação que o devedor é obrigado a cumprir singularmente de fronte aos credores e não, como no nosso caso, em que há vários credores frente ao mesmo devedor, mas em que a prestação não é múltipla, mas nua e solitária. Conflitos de direitos poderão ser, tècnicamente, como tal admitidas certas relações internas (quer dos credores entre si ou dos devedores entre êles mesmos), mas não quanto à relação externa (credores frente ao devedor, ou devedores face ao credor), o que não se dá na figura da indivisibilidade, nem na da solidariedade.
Também nesta parte do direito civil, o têrmo indivisibilidade às vêzes é empregado em sentido vário, causando impropriedade: sem dúvida, naquelas prestações contratadas com vários e que necessitam da colaboração simultânea de todos êles para chegarem a um resultado útil para o credor e previsto no contrato, poder-se-á dizer que tais prestações são indivisíveis. Mas constituirá um êrro de técnica, do qual encontramos exemplo na nossa jurisprudência; de fato, no acórdão carioca em embargos à apelação cível n. 561 (publicado à pág. 3.733 do apenso ao “Diário da Justiça” de 23.8.1944) se decidiu: “A obrigação de outorgar escritura de venda de um lote de terreno é indivisível, havendo vários coobrigados. Se um dêles é o causador da recusa de executar, êle ou o seu espólio, se falecer, ficam obrigados a pagar as perdas e danos integrais”. É claro que essa solução está certíssima; mas falar, no caso, de obrigação indivisível foi êrro de técnica. Como adverte o insigne LODOVICO BARASSI (ob. e vol. cits., pág. 160), teríamos numa hipótese dessas uma indivisibilidade no sentido de uma necessária colaboração de todos os co-devedores; essa não é a indivisibilidade no sentido empregado pelo legislador, aquela que autoriza o credor a pretender a inteira prestação de um só dos devedores, o que levaria a um resultado perfeitamente oposto ao desejado naquela espécie, de necessária colaboração do grupo devedor.
Não é apenas nessa hipótese que a figura da indivisibilidade pode ser invocada com impropriedade. Um grupo de autores acha que se trata de obrigação indivisível a obrigação alternativa ou genérica de dar, em que, não obstante à pluralidade dos devedores, o pagamento deve de ser feito através de um objeto único e inteiro. Referindo-se às obrigações alternativas, há um século atrás o nosso TEIXEIRA DE FREITAS (nota ao art. 970 do seu “Esbôço”, correspondente à pág. 383 do Vol. II da reedição de 1952 do Ministério da Justiça) assim se expressava: “Por direito romano, a obrigação alternativa é considerada indivisível, ainda que as duas prestações nela compreendidas sejam divisíveis. Se ela fôsse divisível, eis como se raciocina, nos casos em que a escolha compete ao devedor, poderia êste dar parte de uma e parte de outra das coisas compreendidas na obrigação. Parece-me que êste raciocínio não procede, porque, se é da natureza das obrigações alternativas não estar o devedor obrigado a tôdas as prestações compreendidas na obrigação, mas a uma, ou outra, delas, torna-se evidente a impossibilidade da pagamento pela prestação de parte de uma das coisas, e de parte de outra”.
A supratranscrita afirmativa, e a explicação dada, não satisfazem. Com bom fundamento, o insigne Prof. EMÍLIO ALBERTARIO (págs. 270 e 271 de “Le Obbligazioni, con Particolare Riguardo alle Obbligazioni Alternative Generiche Indivisibili”, Milão, 1945) realça que PAOLO, em conhecida passagem (“D.”, 45, 1, 2, 1), deixou claro que a prestação na obrigação genérica ou alternativa de dar é divisível por sua natureza (“quaedam partis dationem natura recipiunt,… veluti cum hominem generaliter stipulor…. Einsdem conditionis est haec stipulatio: “Stichum aut Pamphilum dari”), em antítese à prestação de uma servidão (“quae natura divisionem non admittit”). Em posterior passagem, o mesmo jurista romano (“D.”, 45, 1, 85 pr. e 4) sublinhava que na obrigação genérica ou alternativa de dar, a petitio seria pro parte (ou scinditur), enquanto no caso de obrigação indivisível a ação caberia in solidum. Ora, prestação divisível e ação que cabe pro parte são caracteres internos de obrigação divisível.
Quanto a considerar-se como caso de obrigação indivisível a inicialmente focalizada (isto é, a alternativa ou genérica de dar, com pluralidade de devedores, mas em que o pagamento deve ser feito através de objeto solitário e íntegro), a impropriedade é, também, evidente. Como bem revela a citado EMÍLIO ALBERTARIO (loc. cit.), a exigência do pagamento unitário é um elemento equívoco para caracterizar a obrigação, se não se puser em relação com a sua causa justificativa: Nenhuma dúvida que a obrigação é indivisível, se a causa do pagamento unitário fôr a indivisibilidade da prestação; mas, se a causa fôr outra, por si só o pagamento unitário não permite falar-se de obrigação indivisível. A razão pela qual nesses casos o pagamento deve ser unitário, reside em que, diversamente, o credor teria que se contentar de duas, cotas de condomínio sôbre dois escravos diversos, não obstante haver estipulado um escravo (ou um entre dois) determinado.
Já foi dito (LACERDA DE ALMEIDA, à pág. 123 de “Obrigações”, edição de 1897) que, respeito às obrigações, a indivisibilidade é um conceito de exceção e negativo. Assim o é, via de regra, no que toca à divisibilidade, modo de ser normal da obrigação; mas isso não é da sua essência, tanto assim que certo direito positivo (ver RAIMOND SALEILLES, à página 108 da 3ª ed. de “Etude sur la Théorie Générale de l’Obligation”, Paris, 1925), consagrando cláusula de estilo, estabelecia a presunção relativa de não o ser, sempre que houvesse pluralidade de sujeitos, ativos ou passivos: o legislador fica livre para dispor o contrário, sem que o instituto se desnature. Regras que comportam, pois, exceções, que se poderão tornar em regras, segundo uma ou outra disciplina positiva.
Quanto aos direitos reais: Indivisibilidade das coisas e no direito das coisas.
Difícil, aliás, estabelecer regras sôbre a divisibilidade das obrigações, sempre que não houver arrimo em texto positivo expressa as exceções logo aparecem e fica-se na dúvida sôbre se elas não mereceriam ser tidas como regra. De fato, diz-se que as prestações de dar são divisíveis, mas também se pode dizer que o não são, porque há exceções, como todos os autores ressalvam. Por exemplo, diz-se (ver ENRICO COLAGROSSO, pág. 131 de “Teoria Generale delle Obbligazioni”, Roma, 1948) que são geralmente suscetíveis de divisão as obrigações ad dandum, já não o sendo as ad tradendum (isto é, de entrega de uma coisa), embora estas pertençam à, categoria mais ampla das de dar, sendo espécie do mesmo gênero. As de fazer sofrem igual sorte, pelo que o pranteado PACCHIONI (pág. 270 de “Delle Obbligazioni in Generale”, edição de 1935) com prudência ensinava que não são por si próprias nem divisíveis, nem indivisíveis, tudo dependendo “dalla natura del fatto dedotto nella prestazione”: Mais irreconciliável o ponto de vista dos autores sôbre as obrigações consistentes em non jacere. O nosso TEIXEIRA DE FREITAS, no seu. “Esbôço”, deu-as como indivisíveis (“são obrigações indivisíveis:… 3°, tôdas as obrigações de não-fazer”, dizia no art. 984, n. 3, e, em nota, esclarecia: “Quanto às obrigações de não-fazer, a opinião geral é que são tôdas indivisíveis, pois que não há matéria a que se possa aplicar 4 divisão. Não tem faltado, porém, quem entenda, como MARCADÉ, que algumas dessas obrigações são divisíveis”). Na verdade, já SAVIGNY (di-lo CLÓVIS BEVILÁQUA; à pág. 36 do vol. IV do “Código Civil Comentado”, edição de 1934) lembrava o exemplo da obrigação de não demandar, que, transmitida aos herdeiros, cada um sòmente em relação à sua parte poderia violar. M. I. CARVALHO DE MENDONÇA (pág. 166 de “Doutrina e Prática das Obrigações”, 1ª ed.) sustentava tese mais radical, achando não ser possível aplicar-se-lhes a distinção. É que nelas o credor nada teria a exigir e muito menos por Inteiro; e o inadimplemento resolver-se-ia em perdas e danos, sempre divisíveis. Não acolhemos tão extremo raciocínio. Transportar o problema para a fase das perdas e danos é conduzi-lo para um momento impróprio, para um posterius que não serve, nem é o indicado para apreciar se a obrigação é ou não divisível. E negar a existência de prestação, embora consistente numa omissão, não é possível: o rigor da lógica acabaria por sustentar não haver obrigação, por falta de prestação. E bem verdade que tais obrigações têm um conteúdo aparentemente igual ao daquele dever genérico de abstenção, próprio dos direitos reais: mas não-identidade e por isso não há como deixar de considerar viva, como ente autônomo, a figura da obrigação negativa, já que a obrigação específica de não-fazer, que caracteriza um crédito, consiste pròpriamente em que o cumprimento desta obrigação exaure a relação e aí se depara, a realização do interêsse do credor (v. g., evitada a concorrência, o credor com isso realiza a vantagem do seu crédito); já com referência ao pati do direito real, o seu titular com isso só não realiza o interêsse do seu direito, apenas ficando em condições de realizá-lo, o que só depende de si mesmo, observa com ótimo colorido DOMENICO BARBERO (pág. 18 do vol. II de “Sistema Istituzionale dei Diritto Privato”, 1949).
De lege lata, não só cabe a sanção de perdas e danos, pela violação da obrigação ad non faciendum: o art. 883 do Código Civil brasileiro não apenas atribui perdas e danos ao credor quando o devedor de obrigação negativa pratica o ato; além dessa sanção, o credor pode exigir do devedor que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos. Eis aí dispositivo legal a desmerecer o argumento das perdas e danos, acima em têrmos de doutrina afastado; por outro lado, o art. 961 do nosso Cód. Civil põe regra própria a respeito da mora nas obrigações negativas: o devedor fica constituído em mora, desde o dia em que executar o ato de que se devia abster. O legislador italiano recente (art. 1.222 do Cód. Civil de 1942) foi até mais enfático, recitando que as disposições sôbre a mora não se aplicam às obrigações de não-fazer; todo fato feito em violação constitui de per si inadimplemento. A preceituação legislativa, portanto, autoriza a lançar como bom o princípio da indivisibilidade, como regra, das obrigações negativas.
Especial menção merecem as obrigações a execução continuada, positivas. Uma autoridade no assunto, LUIGI DEVOTO (págs. 121 e 122 de “L’Obbligazione a Esecuzione Continuata”, 1943), coloca em têrmos claros o quesito da divisibilidade ou não das obrigações dessa espécie, depois de haver demonstrado ser falsa a tese de que tôda a obrigação negativa seria forçosamente de execução continuada (o que exorbita do nosso tema). Dá, então, a boa regra de que para a solução do problema se deve ter em mente o singelo ato executivo e não a série dos atos complexivamente considerados. A divisibilidade ou indivisibilidade, nas obrigações a execução continuada, recebe, pois, uma regra própria. Errônea a doutrina de RAMPONI, que supunha que tais obrigações seriam necessàriamente divisíveis, porque vários os atos da execução. Aí não cabe falar em divisibilidade: defronte a uma pluralidade de prestações, embora homogêneas, falar de divisibilidade do complexo quer apenas dizer que as prestações são várias; não se responde, com isso, ao quesito supra-enunciado. Pode haver, prossegue o nosso autor, prestação de execução continuada indivisível: por exemplo, o caso do maestro que se vinculou a reger uma temporada lírica, em que, não obstante a pluralidade dos espetáculos (atos executivos), ocorre o caso da Indivisibilidade, já que o pactuado foi a regência de uma temporada e não a de recitais autônomos. Na hipótese de obrigação de execução continuada alternativa, pode dar-se que uma das prestações a eleger seja divisível e a outra não. Exemplo: obrigação alimentar alternativa, de pagar uma verba mensal ou de alojar o titular dos alimentos. Pode ainda configurar-se exemplo mais evidente a provar que errada é a concepção de que nas obrigações de execução continuada a divisibilidade se apura em relação à série e não ao singelo ato executivo. Isso levaria a uma conclusão absurda, no caso, por exemplo, em que se convencionasse que a prestação alimentar seria dada através de agasalho doméstico, mas que no inverno seria paga em dinheiro, porque o obrigado a prestá-la iria para clima mais quente. Adotando aquela regra inidônea, ficar-se-ia sem saber qual qualificação caberia; mas, pela tese de que se deve ter em vista o singelo ato executivo, não haverá essa dúvida: ter-se-á, ora uma prestação indivisível (a relativa ao período de agasalho doméstico); ora uma divisível (a referente à estação hibernal), numa mesma obrigação de execução continuada.
De interêsse outro problema, que pode defluir das obrigações indivisíveis: problema de legitimidade, realçado em livro recente de LUIGI MOSCO (págs. 228 a 230 de “La Risoluzione del Contratto per Inadimpimento”, 1950). Pode dar-se que, em havendo obrigação indivisível, um dos credores deseje pedir a resolução em face do inadimplemento, enquanto outros prefiram obter por via judicial a execução específica ou só a composição de perdas e. danos. Baseando-se em lição anterior (AULETTA), sustenta que a solução deve ser encontrada na aplicação compreensiva do que recita o atual Cód. Civil italiano, no seu art. 1.320:
“Extinção parcial. Se um dos credores remitiu o débito ou consentiu em receber outra prestação em lugar daquela devida, o devedor não fica liberado frente aos demais credores. Êstes, porém, não podem demandar a prestação indivisível sem imputar ou reembolsar o valor da parte do que fêz a remissão ou que recebeu a prestação diversa. A mesma disposição se aplica em caso de transação, novação, compensação e confusão”.
O nosso art. 894, acima transcrito, não contém o “consentiu em receber outra prestação em lugar daquela devida”, do texto italiano, mas é de presumir que o nosso legislador não previu essa eventualidade e, se o tivesse imaginado, assim também teria preceituado por outro lado, em nosso “direito, não há norma que proíba o credor de receber aliud, o que torna possível a ocorrência da hipótese focalizada e faz com que a sua solução tenha que ser encontrada na aplicação compreensiva supra-referida.
Daí poderem ocorrer três sub species, com as seguintes particularidades: “a) se la prestazione indivisibile è quella dovuta dalla parte inadempiente potrà uno solo dei creditori chiedere l’esecuzióne specifica purchè egli, se ciò è possibile, esegua la parte di debito estinto mediante la risoluzione sperimentata da un alíro creditore; b) se la prestazione indivisibile è quelia dovuta dalla parte adempiente uno solo dei creditore potrà chiedere la risoluzione, purchè rimborsi il debitore dell’ammontare del danno ch’egli ha già risarcito ad un altro creditore che ha preperito questa forma di tutela; c) se la prestazione indivisibile è ancora quella dovuta dall’adempiente, ma uno dei creditori, anzichè chiedere il risarcimento del danno, ha chiesto l’esecuzione specifica, allora l’altro creditore potrà sperimentare la risoluzione, solo a condizione che réstituisca, se possibile, ia prestazione specifica parziale adempiuta dal debitore”.
Essa solução importa num temperamento à faculdade de o credor poder exigir a prestação, mediante o simples desconto da cota do credor remitente. Justifica-se êsse temperamento, para evitar uma violência ao devedor: no caso de remissão, o devedor a ela aderiu por ato voluntário; já no outro, foi compelido à execução específica ou à resolução.
A figura da indivisibilidade da obrigação não é assunto apenas de interêsse acadêmico; na prática, às vêzes, serve para a solução justa e eqüitativa de hipóteses novas. Exemplo significativo o recente acórdão de 10 de fevereiro de 1950 da Câmara Cível da Côrte de Cassação francesa republicado na “Gazette du Palais” de 1950, 1, 223), em que se discutiu a Indivisibilidade da obrigação de restituir os locais alugados, que recai sôbre locatários solidários. Em razão dessa indivisibilidade, não vingou a pretensão de um senhorio que locara a diversos uma propriedade rural e que, embora havendo concedido uma prorrogação de prazo a um dos locatários, pretendeu não obstante despejar os demais por terminação de prazo. O acórdão decidiu que todos poderiam permanecer no imóvel durante tôda a prorrogação concedida a apenas um dos locatários, uma vez que a obrigação de restituir não era suscetível de execução parcial.
Após tôda essa digressão, chega-se ab momento final de formular uma pergunta e: uma definição. Que indivisibilidade ou divisibilidade é a contemplada pelo direito, a material ou a intelectual? Que vêm a ser, então, a obrigação divisível e a indivisível?
Nosso TEIXEIRA DE FREITAS (ob. cit., nota 14 ao art. 984, n. I) enfàticamente propugnava pelo critério da divisibilidade material absoluta, repelindo a intelectual.
Esse ponto de vista, porém, não é o da melhor corrente. O critério econômico-social (BONFANTE), apropriado para determinar o conceito jurídico de coisa, de parte de coisa, também é o critério que se deve ter em mente para a definição da prestação indivisível.
Ora, segundo a lição do desembargador SAMPERI (pág. 388 do vol. IV, tomo único, do “Dizionario del Diritto Privato”), a prestação será divisível ou indivisível conforme Pôr ou não idônea a divisão, ou seja, consoante possa ou não ser decomposta em tantas prestações quantitativamente diversas, mas homogêneas, e que lhe representem proporcionalmente a essência e o valor. Do conceito da divisibilidade ou indivisibilidade da prestação é que nascem as figuras especiais das obrigações, indivisível e divisível. A obrigação, para ser ou não divisível, não depende da coisa, que é simplesmente o seu objeto mediato, mas sim da prestação, que é o seu objeto imediato. A mera Indivisibilidade da coisa (ver COVIELLO, 1ª ed. do “Manuale”, § 80; POLACCO, “Obbligazione”, vol. I, pág. 192, 1ª ed.) não importa, por si só, na indivisibilidade da obrigação que se refira à mesma. Pode afirmar-se com ALBERTARIO (ob. cit, pág. 267) que a obrigação é divisível quando a prestação é de tal natureza que se pode cumprir parcialmente sem alterar a sua função econômico-social, isto é, a sua essência; indivisível, no caso contrário.
IV. Quanto às coisas e no direito das coisas:
1°) A velha pandectística MUEALENBRUCH (apud G. LOMONACO, pág. 31 da edição de 1922 de “Delia Distinzione dei Beni”), aplicada às coisas, assim se pronunciava: “Res dividuae sunt, quae divisionem, vel naturalem, vel civilem recipiunt: individuae, quae ne alteratro quidem modo dividi possunt, sive id lege impediatur, sive privatorum arbitrio, eive ipsius rei natura. Naturaliter, i. e., in partes certas easdemque discretas divisione facta, quot fiant partes totidem fieri res existimatur; longe secus, ac si ita instituatur divisio, ut íntellectu magis quam corpore partes habere singuli videantur. Vocant iuris nostrf auctores hanc quidem partitionem pro indiviso, superiorem illam pro diviso”.
Essa definição ainda hoje poderá merecer consagração, embora melhor apessoada a sintética do nosso CLÓVIS BEVILÁQUA (pág. 233 da edição de 1929 de “Teoria Geral do Direito Civil”), que ensinava: “Coisas divisíveis são as que se podem repartirem porções reais e distintas, formando cada uma delas um todo perfeito. No caso contrário, são indivisíveis”. A concisão impressiona bem, mas é, no caso, insuficiente para indicar tôda a compreensividade do conceito, tanto assim que o mestre brasileiro se viu forçado a advertir que tal definição se ajusta bem às coisas corpóreas, porém o direito estendeu a idéia de indivisibilidade às coisas incorpóreas e até as próprias relações jurídicas, além do que também se consideram indivisíveis os bens que não se podem partir sem dano.
E podemos acrescentar, para realçar a insuficiência mencionada: o critério físico cede o passo ao econômico, por exemplo, no caso dó brilhante em que o total dos valores das frações não constitui o valor primitivo (ver F. SERAFINI, página 207 do vol. I de “Istituciones de Derecho Romano”, trad. espanhola de JUAN DE DIOS TRIAS). E, por si, não é assaz o critério do valor, já que é de mister que as partes conservem a própria essência, continuando idôneas ao uso a que se destinava o todo (ver DE RUGGIERO e MAROI, a pág. 478 do vol. I da edição de 1948 de “Istituzioni di Diritto Privato”). Por outro lado, não repele à lógica jurídica que uma coisa permaneça indivisa e que, relativamente ao uso, a coisa seja dividida em frações: uma propriedade pertencente a vários permanece indivisa em têrmos de domínio, pôsto que partilhada, e regulamento, para o uso (ver JEAN DABIN, páginas 174-175 de “Etudes de Droit Civil”, Bruxelas, 1947). Indivisível pode ser a coisa e divisível o direito, e vice versa, porque a indivisibilidade dos direitos não depende da do seu objeto, mas da própria natureza do direito (ver FRANCESCO DE MARTINO, pág. 7 de “Della Proprietà”, 1946). Há ainda que observar que, em caso em que fôr possível a divisibilidade material da coisa, nem assim terá de ser jurìdicamente admitida, por inconveniente de fato, como se decidiu em certo acórdão espanhol (citado à pág 1.273 do vol. 1° do “Dicionario de Derecho Privado”, edição Labor, 1950): “La divisibilidad material no implica la divisibilidad por esencia, si la división supone un gasto considerable y las dos cosas resultantes de la división hubieran de quedar en malas condiciones de solidez”. Êste acórdão está impecável na sua fundamentação, não só por haver invocado o critério econômico acima referido (e que de si bastava para repelir a divisibilidade), como se preocupou em acrescentar-lhe o da impropriedade para o uso. Nem sempre, nos casos concretos, é possível ocorrer êsses dois impedientes, mas a existência de um dêles é bastante para obstaculiar a divisibilidade.
2°) O nosso Cód. Civil, em seus artigos 52 e 53, se preocupou com a divisibilidade das coisas. Diz o art. 52:
“Coisas divisíveis são as que se podem partir em porções reais e distintas, formando cada qual um todo perfeito”.
E o art. 53:
“São indivisíveis:
I. Os bens que se não podem partir sem alteração, na sua substância;
II. Os que, embora naturalmente divisíveis, se consideram Indivisíveis pôr lei, ou vontade das partes”.
PONTES DE MIRANDA (pág. 266 do vol. I do “Tratado de Direito Predial”, Rio, 1947) critica o nosso legislador, por isso que, não obstante a matéria não se prestar a uma definição concisa, o nosso diploma civil “ousou editar a definição”.
A critica é procedente. Via de regra a lei define mal ou insuficientemente e, no caso focalizado, a deficiência da definição é manifesta. O texto positivo, literalmente interpretado, não atenderia aos casos acima citados, em que o prejuízo econômico fôsse manifesto: os brilhantes menores, resultantes da divisão do maior, constituiriam um todo perfeito (como prevê o art. 52 supratranscrito), mas o critério econômico não autoriza essa divisão, nos casos em que o total dos valores não corresponder ao valor do brilhante dividendo.
3°) Respeito aos direitos reais, ser da sua natureza caber ou não a indivisibilidade, é ponto da maior importância, embora apresentando dificuldade. O professor GINO SEGRÈ (págs. 27 e segs. de “La Comproprietà ela Comunione degli altri Diritti Reali”, Turim, 1937), que tão profundamente versou o assunto, ensina que a divisibilidade de um direito real esta lògicamente conexa com a impossibilidade de vários titulares in solidum e que o possam reivindicar nessa qualidade; e a indivisibilidade o está com a possibilidade de vários titulares, mas in solidum.
É sabido que o conceito contido no in solidum no direito das obrigações é um è no direito das coisas é outro. E êsse último que nos interessa e significa “por inteiro, cumulativamente” Avizinha-se o conceito da possibilidade de realização múltipla do conteúdo do direito, mas não há perfeita coincidência entre ambas as figuras, como se verá no desenvolvimento dêste trabalho. Haverá, assim, direitos reais de tal natureza que não poderão pertence; contemporaneamente e por inteiro a cada um; outros, ao contrario, que não poderão pertencer a diversos, ao mesmo tempo, senão por inteiro e não por uma pars. E um esclarecimento a mais: à divisibilidade de um direito corresponderá a divisão por cotas entre seus vários titulares; à indivisibilidade corresponderá o caber in solidum aos seus participantes. Daí a solidariedade ou a não-solidariedade ser o critério sôbre que se funda a indivisibilidade e tal critério consistir nisso: serem ou não os efeitos essenciais (isto é, conteúdo do direito real) suscetíveis de fracionamento em partes homogêneas.
É o que cumpre demonstrar em relação a cada um dos direitos, reais. Como numerus clausus, o art. 674 do nosso Código Civil diz que, além da propriedade, são direitos reais: a enfiteuse, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, as rendas expressamente constituídas sôbre imóveis, o penhor, a anticrese e a hipoteca.
4°) A indagação deve de começar pela propriedade, por ser o direito real fundamental e autônomo. E por dar espaço a grande divergência, sôbre ser ou não divisível.
Um dos mais recentes e autorizados autores sôbre o tema, o Prof. LODOVICO BARASSI (págs. 25 a 27 de “La Proprietà nel Nuovo Codice Civile”, Milão, 1943), usa de raciocínio e expressões que parecem fatais para a tese supramencionada. Baseando-se no que diz ser a unidade global da propriedade e abeberando-se aproximativamente no conceito do direito público pertinente à soberania, expressamente sustenta (pág. 25, in fine) que não é possível decompor a propriedade assinando a várias pessoas as faculdades que nela cabem, com o efeito de que só com a reunião das singelas posições jurídicas atribuídas àqueles indivíduos se reconstitui a propriedade, diluída por isso por vários sujeitos: “La proprietà non è insomma divisibile in parti. È appunto sotto questo aspetto che deve raffigurarsi la comproprietà”. E, no caso de constituição de direitos que impliquem em atribuir grande parte das faculdades de gôzo: ai não há divisão do direito de propriedade; só o seu conteúdo é empobrecido, continuando propriedade em razão do princípio da elasticidade.
Esta última assertiva não pode sofrer contestação. Mas a primeira merece explicação. E que está ligada à teoria que, dentre as numerosíssimas e irreconciliáveis (quais sejam, ver LIMO SALIS, páginas XXIV e segs. de “La Comunione”, 1939) sôbre a natureza do condomínio, e que BARASSI sustenta, partindo da premissa da indivisibilidade do direito de propriedade e da coisa que lhe forma o objeto, afastando-se daquelas concepções que apresentam de comum, na explicação da natureza do condomínio, o admitirem a divisão através de cotas ideais.
Mas, não é possível admitir tal concepção em nosso direito, porquanto o artigo 631 do Cód. Civil brasileiro desenganadamente preceitua que a divisão entre condôminos é simplesmente declaratória (e não atributiva da propriedade), o que faz certo que o condômino desde o inicio é proprietário (por cota intelectual) e não só após cessar o estado de indivisão. Por isso é de adotar-se a posição dos que, como o Prof. SEGRÈ, sustentam que o critério para concluir ou não pela divisibilidade é verificar se o conteúdo do direito (a qualidade dos seus efeitos), no essencial, se apresenta como divisível. Poderá haver efeitos não divisíveis, mas não essenciais, e isto não destrói, antes confirmará a divisibilidade, se forem divisíveis os efeitos essenciais. E essencial para o caso da propriedade é o direito à posse, “che si estrinseca nella rivendicabilitd della cosa, e per il quale puó ottenersi o il compossesso o una aestimatio, cioè una somma di danaro corrispondente alla quota, e che può anche bastare per poter disporre giuridicamente della cosa in mancanza del possesso di questa”.
Por nosso direito positivo, segundo a letra do art. 623 e seu inciso 1° do Código Civil, cada condômino pode reivindicar a propriedade, o que permite, segundo o critério acima, proclamar que a propriedade é um direito divisível. E bem verdade que certo acórdão (na apelação cível n. 3.504, à pág. 1.644 do suplemento ao “Diário da Justiça” de 12.4.1944) sustentou a tese de que, “nos casos de condomínio, a reivindicação de imóvel só pode ser exercitada por todos os condôminos, “por isso que cada condômino tem um direito meramente ideal sôbre a propriedade comum”. Mas o Supremo Tribunal Federal (acórdão no agravo n. 11.655, à pág. 5.839 do número de 16.12.1944 do citado repertório oficial) fulminou o acórdão, por haver infletido a norma legal. Manifestamente de acôrdo com a lei êsse acórdão do Supremo Tribunal Federal, não obstante se poderem apontar decisões antigas no sentido do acórdão censurado (ver citas à nota 66, pág. 35, de “Da Prescrição em Face do Condomínio”, por M. DE ASSIS MOURA, São Paulo, 1924).
Essa jurisprudência do Supremo.Tribunal Federal reforça a tese da divisibilidade, bem como a jurisprudência que até mesmo em relação à ação demarcatória, contra terceiros, se firmou, no sentido de, que a pode propor um dos condôminos, sem o concurso dos outros (acórdão de Minas Gerais, de 1916, à pág. 177 do vol. IV da extinta “Rev. Jurídica’, de RODRIGO OTAVIO), embora não possa um condômino pedir a demarcação parcial contra outro, segundo decidiu julgado pernambucano, confirmado pelo Supremo Tribunal Federal (acórdão no recurso extraordinário número 8.074, à pág. 3.190 do apenso ao “Diária da Justiça” de 22.11.1945), descabendo a reivindicação para haver um comproprietário o excesso porventura ocupado por outro, na coisa comum (acórdão paulista, à pág. 109 do vol. 57 do “Arq. Judiciário”). Se é certo que o compossuidor não tem ação para excluir a posse dos colegas (acórdão do Distrito Federal, à pág. 1.337 do apenso ao “Diário da Justiça” de 14.3.1945), em certas circunstâncias cabe ao condômino interdito contra o outro (acórdão do Supremo Tribunal Federal, no agravo n. 12.523, à pág. 394 do apenso ao “Diário da Justiça” de 19.2.1946). Em doutrina, CARLOS MAXIMILIANO (págs. 31-32 de “Condomínio”, Rio, 1947) se afasta daqueles doutôres que não admitem que um condômino possa pedir interdito contra o outro, o que na verdade encobriria uma denegação de justiça em muitos casos. Já a demarcatória contra condômino não só é imprópria pela nossa jurisprudência; nesse sentido também a argentina (pág. 115 de “Deslinde y Mensura”, Buenos Aires, 1937). A questão aflorada por CARLOS MAXIMILIANO já é velha no debate doutrinário; mas pela afirmativa (de em certos casos caber remédio possessório de um sócio contra outro condômino) também se pronunciava ALMEIDA E SOUSA, de LOBÃO, no § 271, página 190, da edição de 1867 de “Dos Interditos”.
O que acima se disse quanto à divisibilidade do domínio, pode repetir-se respeito à posse: aquêle conhecido não ser possível duo in solidum possidere, dos juristas romanos, se referia à coexistência vedada de duas posses distintas, não ao exercício por vários de uma mesma posse (ver JEAN GODEMET, págs. 147 e 153 de “Etude sur lê Régime Juridique de l’Indivision”, paris, 1934). Ao concurso de posses e não à composse.
5°) A enfiteuse também é divisível, não obstante opiniões em contrário, que legitimariam sustentar a indivisibilidade. Confrontadas essas velhas lições com o critério exposto acima para a propriedade, poder-se-á afirmar que a indivisibilidade seria principalmente do objeto da enfiteuse e de certas obrigações. Os escritores que, antes do nosso Cód. Civil, sustentavam a indivisibilidade do emprazamento, como o nosso LAFAYETTE (página 472, nota 95 e § 154 do vol. I da 5ª edição de “Direito das Coisas”), se abeberavam na lição de MELO FREIRE. Segundo LAFAYETTE (nota 95 mencionada), era efeito natural da enfiteuse, e não da sua essência, a indivisibilidade, podendo o senhorio direito renuncia-la, porquanto a seu favor criada pela Ordenação (4, 96, § 23), ao dispor que os bens aforados andassem em uma só pessoa. A lei de 6 de março de 1669 também a consagrava, mas advertia LIZ TEIXEIRA (págs. 85 e 150 e segs. do vol. II do “Curso de Direito Civil”, Coimbra, 1848) que todos os modernos jurisconsultos concordavam em que a indivisibilidade era apenas natural e não essencial no direito enfitêutico, já que a divisão do prazo não o destrói, nem por ela deixa tal direito de ser o mesmo e, assim, irrecebível a lição de MELO FREIRE, que estimava a indivisibilidade como da essência da enfiteuse, nem por costume, nem convencionalmente podendo dividir-se.
É certo que, escrevendo já na vigência do nosso atual Cód. Civil, CLÓVIS BEVILÁQUA (“Código Civil Comentado”, 3ª ed., vol. III, pág. 2500 continuou a dizer que o art. 690 consagra a indivisibilidade que não é da essência da enfiteuse (“emphyteusis non natura sua, sed jure individua est”). Mas essa indivisibilidade é sustentada apenas tendo em vista um elemento objetivo, contra o qual se pode alegar que ela mais evidente seria em relação ao pagamento do cânone, questão essa que sempre separou os civilistas. Frente a uma grande maioria de juristas e grande cópia de julgados, que sustentavam ser indivisível a obrigação de pagar o cânone ou fôro, havia quem – como PACIFICI-MAZZONI (n. 18 de “Della Enfiteuse”, edição de 1930) – divergisse sob o fundamento de que isso representava mera reminiscência histórica, dos tempos em que a prestação do cânone não era fim autônomo, mas sim meio de exteriorizar o reconhecimento do senhorio direto como dominus. Recentemente, em escólio ao art. 961 do novo Cód. Civil italiano, N. STOLFI e F. STOLFI (pág. 234 do volume III de “Il Nuovo Codice Civile Commentato”, Nápoles, 1944) dizem: “3. Si é disputato nel diritto preesistito, se il canone fosse, o non, indivisibile… Tuttavia quando sia avvenuta la divisione del Pondo enfiteutico e si singoli eredi ne godano ciascuno una parte, cessa la solidarietà per il pagamento del canone che é perdurata per tutta la durata della comunione, ma ognuno dei coeredi risponde del canone proporzionalmente al valore della parte di fondo assegnatagli”. Ora, solidariedade não é a mesma coisa que indivisibilidade; às vêzes se fala nesta quando a primeira é que governa, como acentuou, em feliz passagem, FRANCESCO ERCOLE (n. 27 de “Enfiteusi”, na “Dizionario Pratico del Diritto Privato”, de SCIALOJA).
Não nos parece, pois, que se possam dar foros de dogma à apregoada indivisibilidade da enfiteuse. Já tivemos oportunidade de esposar, desenvolvidamente, a tese da sua divisibilidade em sentença publicada às págs. 7.230 e 7.231 do expediente do “Diário da Justiça” de 9.8.1950 e que veio a merecer confirmação pelos próprios fundamentos (acórdão na apelação cível n. 11.103, à pág. 4.575 do apenso ao “Diário da Justiça” de 2.10.1952). Isso fica, perfeitamente claro perante a regia de que a divisibilidade de um direito real corresponde à impossibilidade de que vários titulares o possam ser in solidum, prevalecendo o critério subjetivo, de poderem coexistir titulares por cotas aritméticas. O art. 690 do nosso Cód. Civil não o exclui, antes o admite, pela figura dos co-enfiteutas, que não exercerão seus direitos in solidum, mas sim por cotas. É a divisibilidade.
6°) O usufruto é um dos direitos reais divisíveis. Nem todos os efeitos e obrigações a êle ligados o são, todavia. Como reminiscência histórica (ver MARTIN WOLF, pág. 68, § 114, n. II, do vol. 2° de “Derecho de Cosas”, trad. espanhola, tiragem de 1944) convém lembrar que no período do direito romano puro a existência de deveres do usufrutuário provinha de uma estipulação, embora usualmente imposta ao usufrutuário; posteriormente, no período do direito romano comum é que tais deveres surgiram ex lege, independentemente de estipulação, como hodiernamente sucede. Assim, por ser a lei que prevê a existência de tais deveres, comporta perquirir se todos êles são divisíveis. Fôrça é convir em que nem todos são divisíveis: aquela obrigação de inventariar (Cód. Civil brasileiro, art. 729) é indivisível e por isso é que o co-usufrutuário que pedir a posse deve adimpli-la, já que o inventário ou se completa ou não haverá inventário. Outro exemplo de indivisibilidade se depara na chamada obrigação de custódia, perante o proprietário, bem como as obrigações pertinentes às reparações ordinárias: o teto ou se repara ou continua carecendo de consêrto (ver G. VENEZIAN, às págs. 712 e 713 do vol. II de “Dell’Usufrutto, dell’Uso e dell’Abitazione”, ed. MAROI, 1936).
Alguns poucos sustentaram à indivisibilidade (assim BARON, em cita de WINDSCHEID, em, a nota 9, à pág. 262, do vol. I, tomo 2°, de “Diritto delle Pandette”, na trad. Italiana de 1902), mas sem boa razão, tanto assim que vários indivíduos podem ser titulares do usufruto por cotas. B certo (observam PLANIOL, RIPERT et PICARD, em o n. 761 de “Les Biens”, Paris, 1926) que o nu-proprietário e o usufrutuário não estão em estado de indivisão, porque indivisão só se dá, tècnicamente, entre direitos da mesma natureza, concorrendo sôbre uma mesma coisa indivisa, e seus direitos são diferentes. Más é possível (apontam os mesmos autores) existir indivisão entre nus-proprietários ou entre usufrutuários, quando houver diversos titulares do usufruto ou da nua-propriedade, o que serve pata caracterizar a sua divisibilidade. E tanto o usufruto é divisível (ver BAUDRY-LACANTINERIE et A. WAHL, n. 453 de “Dei Beni”), que se pode extinguir em parte, conservando-se, por exemplo, respeito a certos herdeiros do nu-proprietário e perdendo-se em relação àqueles contra quem não se interrompeu a prescrição.
7°) Ao contrário, o uso e a habitação têm-se como indivisíveis: “Usus pars legari non potest; nam frui quidem pro parte possumus; uti pro parte non possumus” (Fragmento 19, D. de usu et hab., 7, 8).
Dada a impossibilidade de constituir o uso por cota ou o uso sôbre cota, dai deriva a impossibilidade (VENEZIAN, ob. cit., pág. 945) de estabelecer uma comunhão de uso, o que vem provar a regra geral (n. 3, supra): possibilidade de vários titulares, mas sòmente in solidum, como corolário da indivisibilidade.
Há, porém, quem sustente (FRANCESCO RICCI, “Abitazione e Uso”, no vol. I do “Nuovo Digesto Italiano”) que isso é apenas uma tradição; da mesma forma que se pode derrogar o princípio da inalienabilidade do direito de uso e de habitação, poder-se-á afastar o da indivisibilidade, no sentido de que, deixado a várias pessoas o direito de uso de uma coisa, êste “sia più ristretto siche tutti i legatari sono in vita e si estenda poi a favore del superstite, a mano a mano che gli altrivan decedendo”. Mas não basta isso para caracterizar a divisibilidade: nessa rara hipótese, o que haverá é pobreza ou insuficiência material da coisa, para atender às necessidades dos legatários, como era do seu destino. Deficiência econômica do bem, mas o uso nem por isso deixa de ser indivisível juridicamente: a necessidade a que o uso deve cobrir continua indivisível, embora não atendida por inalienabilidade da coisa, do objeto sôbre que recai o uso. Para fugir a uma colisão no exercício
De iguais diretos, poderá adotar-se uma regulamentação; divisão imprópria, mas não a própria, aritmética, por fração ideal.
8°) As servidões prediais desde o direito romano são tidas como indivisíveis, como. sublinhava POMPONIO: “et servitutes dividi non possunt, nam earum usus ita connexus est, ut qui eum partiatur, naturam eius corrumpat”.
Apesar de secular, milenária, a afirmativa recentemente foi contestada por HENRI DE PAGE (pág. 411 do vol. VI do “Traité Elémentaire de Droit Civil Belge”, Bruxelas, 1942), cuja oposição convém transcrever: “Pode perguntar-se se esta teoria (sc. da indivisibilidade das servidões) não é muito absoluta e sobretudo mui teórica. Tôda servidão se analisa num direito de usar, em certa medida, do prédio alheio. É divisível tal direito de uso? Isto depende do seu objeto. As servidões de não-construir e de não-altear, por exemplo, são indivisíveis: cada proprietário de uma parcela do prédio serviente será obrigado a respeitá-la. Mas, como confessam todos os autores, há incontestàvelmente servidões divisíveis, no sentido de que o direito de usar do prédio alheio pode por vêzes partilhar-se (cf. LAURENT, tomo VIII, n. 323; BEUDANT, tomo IV, n. 625). Ele se divide quantitativamente nas servidões de tirar água de um poço, de extração, de captação de água; êle se divide no tempo na servidão de passagem, porquanto o exercício da passagem pode ser repartido entre diversos beneficiários em épocas diferentes, etc.”.
“Semelhantes servidões podem então perfeitamente, parece, extinguir-se por partes”.
“Quanto à impossibilidade de as estabelecer por partes, nós nos perguntamos se isso não diz respeito mais às regras da compropriedade do que às das servidões. É porque uma fração ideal da propriedade não se presta a um uso material, que um comproprietário não pode estabelecer servidão sôbre sua cota-parte, nem adquirir uma em proveito dela. Em outras palavras, se uma servidão não se pode estabelecer por partes, não é porque não se possa dividir; é porque uma fração ideal de um bem não constitui “un fonds susceptible d’une servitude”.
De fato, DE PAGE não está solitário, podendo até socorrer-se do texto positivo do art. 3.029 do Cód. Civil argentino. E ANTÔNIO BUTERA; no seu majestoso tratado “Delle Servitù Stabilite per Fatto dell’Uomo”, edição de 1926, nota 3 ao n. 64, cita vários autores que ensinam que a indivisibilidade é um característica acidental e não essencial da servidão. Ele mesmo (ns. 65 e segs.) distingue: considera absoluta a regra, quando sé encara a servidão pelo prisma da inerência; passível de exceções, quando apreciada sôbre o ângulo do conteúdo.
Isso, porém, não pode ser, implicando em comissão de conceitos: o jurídico com o econômico. A lição correta, ao propósito, é a que nos dão DE RUGGIERO e MAROI (pág. 569 do vol. I de “Istituzioni di Diritto Privato”, edição de 1948): “Ma con questo concetto della indivisibilità del rapporto non si deve confondere quello della indivisibilità del contenuto economico della servitù; basti all’uopo notare che divisibile è l’obbietto quando consiste in uno sfrutiamento di prodotti (come nell’acquedotto, nell’aquae haustus, nel ius cretae eximendae), indivisibile quando consiste in uno semplice uso del fondo o in una facoltà di divieto”.
É isso mesmo: o que importa é a face jurídica, constante no instituto, e não exceções de fato, que dizem respeito apenas ao seu conteúdo econômico e não à essência jurídica da servidão, que não se pode constituir por cotas e, embora o prédio dominante esteja em condomínio, a servidão exige titularidade in solidum.
Em têrmos de direito positivo, o nosso art. 707 é expresso: “As servidões prediais são indivisíveis”. No mesmo sentido, o Código espanhol (art. 535), português (artigo 2.269), holandês (art. 741) e alemão (§ 1.025). Não se deve desprezar a clássico em favor da enganosa novidade.
Realmente, os casos apontados como divisibilidade no quantum e no tempo não atingem a essência do direito, antes será regulamentação imposta para obviar colisão de direitos iguais: como no uso também pode ocorrer (divisão imprópria, mas não a própria, aritmética, por fração ideal). O próprio BEUDANT, que o ilustre civilista belga invocou, não lhe pode servir de arrimo, eis que (págs. 546 e 547 de “Les Biens”, Paris, 1938, com o concurso de VOIRIN) do caráter acessório da servidão, que a faz simples qualidade jurídica dos prédios, diz defluir a sua indivisibilidade. E há também uma questão terminológica: quando se indaga da indivisibilidade, ou não, da servidão, quer-se apenas investigar a possibilidade (ou a negativa) de ser a servidão fracionável em partes atribuídas separadamente (pro diviso) aos diversos proprietários entre os quais venha a ser dividida a propriedade do fundo dominante ou aquela do prédio serviente (ver DOMENICO BARBERO, página 777 do vol. I de “Sistema Istituzionale del Diritto Privato”, Turim, 1949). Quando se fala em indivisibilidade, ou não, da servidão, não é para deslocar a questão para as relações de condomínio.
Quer pelo nosso direito positivo, quer pela nossa tradição, a servidão é indivisível. E da indivisibilidade decorrem conseqüências práticas, até mesmo em relação ao registro imobiliário. LÍSIPO GARCIA (pág. 280 de “A Transcrição”, Rio, 1922), referindo-se ao citado art. 707 do Código Civil brasileiro, ensinava que o artigo consagra outro princípio fundamental, o da indivisibilidade das servidões; “O Sr. LACERDA DE ALMEIDA (“Direito das Coisas”, nota 2 ao § 98) acentua que Indivisível é o fato, como fato. Ou existe “inteiro ou não existe absolutamente. É a indivisibilidade do fato, em que assenta o direito, que explica a Indivisibilidade das servidões. Subsistirem as servidões no caso de partilhas, reputando-se enriquecido ou onerado cada quinhão por uma servidão própria e independente, não implica divisão da servidão, mas, por ser esta indivisível e aderir a cada uma das partes do prédio, é considerada relativamente a cada quinhão como entidade distinta e subsistente por si mesma. Não ofende tampouco a Indivisibilidade o gravar apenas no caso de partilha a parte do prédio a que se aplica, porque, sendo possível constituir servidão sôbre determinada parte do prédio, mantém-se a indivisibilidade como corolário da regra de que “pars certa quoddam totum constituit”.
O nosso LAFAYETTE (ob. e vol. cits., 117), entre as conseqüências práticas que derivam do princípio da indivisibilidade, sublinhava que por isso ela não se adquire, nem se extingue por partes, e que a ação confessória não pode ser demandada por partes.
Direitos de fruição
9°) Examinados acima a propriedade e os chamados direitos (na coisa alheia) de fruição, resta fazê-lo no que diz respeito aos de garantia, para exaurir o elenco taxativo do art. 674 do Código Civil.
10) Rendas expressamente constituídas sôbre imóveis, como um dos direitos reais, é o que prevê o inc. VI do art. 674 do Cód. Civil brasileiro.
Êste ius in re aliena não pode tècnicamente ser incluído nos chamados direitos de fruição; tampouco, porém, nos de garantia.
Os direitos reais de garantia têm existência acessória e são apenas a anticrese, o penhor e a hipoteca, como observa A. DIONÍSIO GAMA (pág. 16, nota 14, de “Do Penhor”, São Paulo, 1919); os outros têm existência principal.
Mas, o caso das rendas é especial; apresenta-se como um instituto esquisito, inconfundível com os demais: pode ter até vida tão-somente obrigacional (arts. 1.420 a 1.430 do Cód: Civil), só tomando o qualificativo de direito real quando vinculado a um imóvel (é o que diz o art. 1. 431). O art. 1.429 do Cód. Civil admite titularidade ativa de duas ou mais pessoas. Se, nesse caso, a renda fôr constituída sem determinação da parte de cada uma, entende-se que os seus direitos são iguais; e, salvo estipulação diversa, não adquirirão os supérstites direito à parte dos que morreram. Como direito real, a sua indivisibilidade reside na inerência ao imóvel gravado, já que o art. 754 reza que, “no caso de transmissão do prédio gravado a mui^ tos sucessores, o ônus real da renda continua a grava-lo em todas as suas partes”.
Comentando êsse artigo, CLÓVIS BEVILÁQUA (“Código Civil Comentado”, volume III, pág. 326, 3ª ed.) dizia que dessa indivisibilidade decorria a solidariedade da obrigação: do fato de continuar o ônus real a gravar o imóvel, em todas as suas partes, depois de dividido, resulta que os sucessores do devedor são devedores conjuntos e esta conjunção se traduz, necessàriamente, por uma solidariedade passiva, da qual só o credor poderá dispensar os devedores.
Apesar de repetida essa lição por J. M. CARVALHO SANTOS (pág. 496 do volume IX do seu “Código Civil Interpretado”, Rio, 1943), comporta objeções de ordem técnica: essa lição pretende suprir uma lacuna do legislador, estabelecendo uma solidariedade passiva, por decorrência de indivisibilidade, embora solidariedade não seja a mesma coisa que indivisibilidade e ser expresso o art. 896 do Código Civil: a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.
O princípio da inerência ao imóvel gravado basta a si mesmo e dispensa a explicação através de outro instituto, que na espécie não encontra espaço adequado.
11) A anticrese é indivisível. O consagrado Dr. J. M. CARVALHO SANTOS (voz anticrese, n. 16, no vol. III do “Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro”), referindo-se ao direito do anticresista, preleciona: “O direito de retenção é indivisível, como a própria anticrese. E ponto sôbre o qual não há divergência. Dai as conseqüências seguintes: a) êle incidirá sôbre o todo, ainda que a dívida seja partilhada entre vários herdeiros do devedor; b) pode ser exercitado por um só dos herdeiros do credor, se veio a falecer, passando o imóvel à posse dos sucessores”.
Mas isso pode ser afastado por convenção; é que, como muito bem acentuava A. DIONISIO GAMA, reproduzindo a doutrina dominante (in n. 13 de “Da Anticrese”, São Paulo, 1919), a indivisibilidade, na espécie, por ser mera criação da lei e não da essência do instituto, as partes podem dispor o contrário.
Direitos de garantia
Da indivisibilidade, porém, decorrem ainda outros princípios. Assim, o pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação e isso por fôrça do princípio comum aos direitos reais, consagrado no art. 758 do Cód. Civil.
Pelo art. 757 do Cód. Civil, a coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar em garantia real a parte que tiver. Outro efeito: só depois de pagar-se integralmente a divida (capital e juros), é que há obrigação de restituir o imóvel ao devedor (artigo 760 do Cód. Civil).
O atual Cód. de Proc. Civil admitiu mais um caso de anticrese, no art. 982, sendo que seu § 2° assim recita:
“O credor adjudicatário dos rendimentos será considerado anticresista para todos os efeitos provenientes da posse dos bens e ficará sujeito, nesse qualidade, às regras do direito civil”.
Mas, num caso dêsses, o anticresista adjudicatário não pôde fazer valer o direito de retenção, por haver a propriedade sido vendida judicialmente para pagamento de impostos (agravo n. 6.704, à pág. 4.758 do apenso ao “Diário da Justiça” de 10.12.1943; idem, na apelação cível, n. 4. 788; à pág. 1.518 do mesmo repertório, número de 2 de abril de 1945). Por aí se vê que, embora com Intuito de sanção, a jurisprudência tem desmerecido o rigor daquele efeito da indivisibilidade.
12) O penhor (ver A. DIONÍSIO GAMA, “Do Penhor”, págs. 22 a 24, São Paulo, 1919, e PLANIOL, RIPERT et BECQUÉ, n. 113 do vol. XII do “Tratado”) é geralmente considerado indivisível, mas não pela própria essência e sim por criação da lei, derrogável pela convenção das partes.
O assunta está em intima conexidade com a hipoteca e sôbre esta nos preocuparemos a seguir.
13) Também quanto à hipoteca costuma dizer-se que é indivisível, mas não pela própria essência e sim por criação da lei, que permite que as partes disponham diversamente (ver A. DIONÍSIO GAMA, “Da Hipoteca”, págs. 23 a 26 São Paulo, 1921; AFONSO FRAGA, págs. 427 a 430 de “Direitos reais de garantia”, São Paulo, 1933; AZEVEDO MARQUES, páginas 42 a 44 de “A Hipoteca”, São Paulo, 1925; SERPA LOPES, pág. 193 do vol. II do “Tratado dos Registros Públicos”, Rio, 1939).
Sôbre isso, tem havido algumas confusões terminológicas. Assim é que AFONSO FRAGA (ob. cit., pág. 427) se equivocou ao incluir o nosso conselheiro LAFAYETTE e os mestres franceses PLANIOL, RIPERT et BECQUÉ entre os que consideram a hipoteca indivisível por sua natureza. Ao contrário, o nosso LAFAYETTE, na sua obra sôbre o direito das coisas, última reedição (vol. II, pág. -63), proclamava: “A indivisibilidade da hipoteca não é da essência do direito hipotecário; é uma pura criação da lei, tôda em favor do credor”. Quanto aos três franceses, acima citados, êles (vol. XII, ns. 339 e segs.) dizem que (de acôrdo com aquêle… “est tota in toto et tota in qualibet parte”) a hipoteca, por sua natureza, é indivisível; mas são êles mesmos que acrescentam (n. 342) que a indivisibilidade é’ própria da natureza, mas não essencial, tanto que pode ser renunciada… Questão, pois, de nomenclatura: êles, também, se podem incluir entre os demais, que usaram de palavras mais precisas. Aliás, o grande COVIELLO (pág. 29 de “Delle Ipoteche”, Roma, 1936) usa de têrmos semelhantes: “…giustamente pertanto si ritiene che l’indivisibilitd è un carattere naturale e non essenziale all’ipoteca; essa si fonda sulla presunta volontà delle parti, ma potrebbe escludersi con un patto in contrario”. O que há é o seguinte: uns dão ao têrmo natureza significado equiparável a essencial; outros, não: todos, porém, de acôrdo em que a indivisibilidade não é essencial, mas sim cláusula do, estilo, que obteve consagração legislativa.
O exímio GINO GORLA (págs. 403 a 405 da “Tutela dei Diritti”, 1945), em frase clara e elegante, diz que a indivisibilidade da hipoteca não é o fruto de princípios lógicos superiores ou a conseqüência lógica de um dado conceito da hipoteca; ao invés, trata-se de refôrço da garantia, inspirado em razões práticas de tutela do credor. A hipoteca garantiria o credor, mesmo que não fôsse indivisível, mas não plenamente; ou, melhor, a divisibilidade traria alguns inconvenientes à ação executiva do credor.
LEONARDO COVIELLO (ob. cit.), uma das maiores autoridades no assunto, preleciona no sentido de que “pars fundi est fundus”; não obstante, graças à indivisibilidade, tôdas as partes do imóvel dividido continuam hipotecàriamente obrigadas e o fundo decorrente da divisão prossegue ligado não apenas pela parte correspondente ao débito, mas pelo inteiro. Assim também no caso de vários sucessores, herdeiros do devedor. E mais ainda: o credor tem a faculdade de optar pela execução de um imóvel ou por todos, quando vários são dados em hipoteca pela mesma dívida. Segundo o mesmo especialista, do princípio da indivisibilidade deflui outra conseqüência: parcialmente soluta a divida, o imóvel continua onerado na sua inteireza.
Essa lição de COVIELLO comporta um esclarecimento e uma ressalva. O primeiro: há quem sustente, como o exímio GINO GORLA (loc. cit.), dizendo que o caso da dívida parcialmente paga não é governado pelo princípio da indivisibilidade, mas sim por diferente: o princípio da irredutibilidade da hipoteca quanto aos bens, que tem, aliás, uma ratio análoga. Essa distinção cabe no recente direito italiano, já que o seu novo Cód. Civil (arts. 2.872 e 2.877) prevê expressamente casos de redução, por fôrça da lei, das hipotecas. Isso permite construir a redutibilidade ou irredutibilidade como categoria autônoma, embora paralela à da indivisibilidade. Entre nós, porém, não temos disciplina legislativa idêntica; a irredutibilidade está compreendida na indivisibilidade e, se pode ser convencionalmente afastada, é porque esta última não à essencial subsistência da hipoteca.
E a ressalva: não se confunde o caso de vários sucessores hereditários do devedor, focalizado por COVIELLO, com a hipótese em que haja vários herdeiros do credor e um dêles haja recebido a sua parte do crédito, não podendo, porém, cancelar a hipoteca em prejuízo dos demais herdeiros ainda não satisfeitos. Nessa hipótese, com bom fundamento, o especializado ROCA SASTRE (pág. 35 do vol. IV de “Derecho Hipotecário”, Barcelona, 1948) observa que se trata mais pròpriamente de uma conseqüência da indivisão hereditária e não da indivisibilidade da hipoteca, eis que não é exato falar em indivisibilidade da hipoteca, por parte do credor, não impedindo o direito civil que mercê de herança ou Dor cessão parcial se divida em partes ideais o crédito hipotecário.
Outro problema é o das reduções das hipotecas (por consentimento do credor).
Há quem sustente (AFONSO FRAGA, ob. cit., págs. 430-431 e, também, notas 965 e 966) que aí se depara uma exceção ao princípio da indivisibilidade da hipoteca. Não procede isso; antes aí surge confirmação ao princípio. A redução só pode dar-se com autorização do credor; ai há renúncia por parte dêste de um direito que a lei lhe confere, dando fôrça legal a uma cláusula do estilo. E se o credor pode dispensar tal benefício ao devedor é porque, como já se disse, a indivisibilidade no caso é mera criação da lei e não da essência do instituto. Renúncia do credor a confirmar a indivisibilidade nos têrmos em que existe: disposição facultativa da lei. O referido autor (em a nota 966 citada) figura, outrossim, a hipótese de superposição de vários contratos de mútuo com garantias separadas. Aqui não há que falar em exceção, já que os contratos serão autônomos, pôsto que o Instrumento seja comum.
LACERDA DE ALMEIDA, entre nós, quis preconizar o emprêgo da expressão integralidade, por considerar inidônea a palavra indivisibilidade para traduzir a propriedade que tem a hipoteca de abranger a coisa tôda, na sua integralidade e em cada uma das suas partes. Seria inútil tentar afastar o emprêgo do têrmo indivisibilidade, que por si tem a longa tradição. É certo que o conceito de indivisibilidade é movediço: uma hora se localiza na titularidade do direito real; em seguida, para instituto subseqüente, se revela no objeto. Muda até de conteúdo, conforme o instituto a que se aplica e isso a par de um uso que às vêzes se torna em abuso, como disse BOULANGER (loc. cit.) ao estudá-la em relação aos direitos pessoais. A observação parece que, em linhas gerais e elementares, acima ficou demonstrada para os direitos reais: a própria regra firmada no n. 3, supra, sôbre a divisibilidade de direito real, tem adequação exata no que tange aos direitos de fruição; mas não é perfeita quanto aos de garantia, porque nestes a indivisibilidade se funda (e tem conteúdo diferente) na lei e não na essência e recai em ponto diverso do que incide nos primeiros.
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
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