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CIVIL
CLÁSSICOS FORENSE
DOUTRINA
REVISTA FORENSE
O direito de construir e a vizinhança
Revista Forense
14/01/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 147
MAIO-JUNHO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 147
CRÔNICA
DOUTRINA
- Alguns problemas municipais em face da Constituição – Vítor Nunes Leal
- O Município na estrutura política do Brasil – Orlando M. Carvalho
- O poder regulamentar no direito comparado – Carlos Medeiros Silva
- O direito de construir e a vizinhança – J. C. Costa Sena
- A empreitada de construção e os danos causados a terceiros, inclusive vizinhos, durante o período de obras – Alfredo de Almeida Paiva
- Da sub-rogação legal em favor do segurador terrestre, no direito civil comparado – Moacir Lôbo da Costa
- Institutos do Direito Comum no processo civil brasileiro – Enrico Tullio Liebman
PARECERES
- Instituto do açúcar e do álcool – Fixação de preços – Contrôle da economia açucareira – Francisco Campos
- Intervenção do Estado na Ordem Econômica – Fixação de preço do açúcar – M. Seabra Fagundes
- Compra e venda de imóvel – Arrependimento – Execução compulsória – Antão de Morais
- Locação para fins comerciais – Sublocação – Renovação – Pontes de Miranda
- Depósito bancário – Conta conjunta – Doação entre cônjuges casados com separação de bens – Arnoldo Medeiros da Fonseca
- Juiz do trabalho – Nomeação – Promoção – Transferência – Remoção – Osvaldo Aranha Bandeira de Melo
- Conflito de leis no espaço e no tempo – Alteração, após o casamento, do respectivo regime de bens – Jorge Alberto Romeiro
NOTAS E COMENTÁRIOS
- A uniformidade da legislação relativa à cooperação internacional no direito processual – Relatório da Comissão Jurídica Interamericana – George H. Owen; Osvaldo Vial; José Joaquín Caicedo Castilla; Francisco A Ursúa; Francisco Campos; Mariano Ibarico
- Constituinte, Constituição, leis constitucionais – Inconstitucionalidade de leis e atos – A. Machado Paupério
- Responsabilidade civil dos preponentes pela atuação de seus prepostos – Paulo Carneiro Maia
- A nota promissória como instrumento da fraude – Wagner Barreira
- Locação comercial – Pedro de Buone
- Da representação do menor sob pátrio poder – Abelardo Barreto do Rosário
- Direito ao sossêgo – Oscar de Aragão
BIBLIOGRAFIA
JURISPRUDÊNCIA
- Jurisprudência Civil e Comercial
- Jurisprudência Criminal
- Jurisprudência do Trabalho
LEGISLAÇÃO
LEIA:
SUMÁRIO: Responsabilidade do empreiteiro e do arquiteto por dano causado, no decurso da construção, à propriedade alheia. Art. 572 do Código Civil. Opiniões doutrinárias. Culpa e risco. Conclusão.
Sobre o autor
J. C. Costa Sena, advogado no Distrito Federal
DOUTRINA
O direito de construir e a vizinhança
Responsabilidade do empreiteiro e do arquiteto por dano causado, no decurso da construção, à propriedade alheia
Veio-me às mãos, acidentalmente, o fascículo 2° do volume 1° da revista “Minas Forense”. Abro-a e leio na seção “Pareceres e Doutrina” um artigo do Dr. JOÃO PROCÓPIO DE CARVALHO, juiz de direito em Belo Horizonte, sôbre o direito de construir e a vizinhança, em que trata da responsabilidade do empreiteiro perante terceiros.
Faz o ilustre magistrado referência a um escrito meu na “REVISTA FORENSE”, vol. 87, pág. 326, no qual sustento a tese da responsabilidade do empreiteiro e do arquiteto por dano causado, no decurso da construção, à propriedade alheia.
A doutrina, por mim expendida em monografia, logrou o apoio de juristas de renome, como CARVALHO SANTOS e AGUIAR DIAS, e está vitoriosa nos tribunais. Vários acórdãos do Tribunal de Justiça do Distrito Federal a esposam e deu-lhe seu inestimável apoio o Supremo Tribunal Federal. Sem embargo do que o ilustre juiz, cortêsmente, “penetra na área da discussão, menos por vontade de discordar do que pelo desejo de contribuir”.
Para não alongar demais a resposta, deixo de parte, para outra ocasião, discutir os limites em que se deve manter quem usa do direito de construir. Basta por ora dizer que se exime de culpa o proprietário que se comporta como homem médio diligente, ou, segundo o direito inglês, que faça suas previsões como man of ordinary sense, como homem de senso comum.
Art. 572 do Código Civil
Devo acrescentar: continuo na convicção de que os limites do direito de quem constrói são os enumerados nos artigos subseguintes ao 572 do Cód. Civil. Engano, diz o meu ilustre contraditor. Talvez, mas o equívoco não é sòmente meu e do Prof. MORATO. No mesmo engano incorreram comentadores mais autorizados do Cód. Civil.
Assim, CLÓVIS BEVILÁQUA:
“Êsse direito (o de construir), porém, encontra limitações determinadas pela vizinhança e pelos regulamentos administrativos.
“As limitações da primeira classe es” tão indicadas, em traços gerais, nos artigos seguintes” (“Código Civil”, vol. 3°, pág. 112).
Também JOÃO LUIS ALVES, citando LOBÃO, LAFAYETTE e CORREIA TELES, não dá ao texto a amplitude que lhe atribui o meu ilustre opositor. CARVALHO SANTOS não destoa:
“Nos artigos seguintes, o Código passa a traçar, embora de modo incompleto, a limitação oriunda do direito dos vizinhos” (“Código Civil Brasileiro Interpretado”, vol. VIII, pág. 130, nº 4, in fine).
A expressão “salvo o direito dos vizinhos” os resguardam incontestàvelmente de qualquer prejuízo, mas, no caso de prédio em construção, não aponta o responsável, e aí reside o ponto crucial da questão.
Daí a necessidade de recorrer aos princípios gerais e êstes são no sentida de responsabilizar o empreiteiro.
Conhece o proprietário os direitos de seu vizinho e sabe que não os deve violar. Ignora, porém, se, construindo, os irá prejudicar. Na ereção de prédios e principalmente de grandes edifícios, as possíveis conseqüências prejudiciais aos vizinhos sòmente estão ao alcance dos técnicos, versados na difícil ciência da mecânica do solo. Ora, repugna responsabilizar quem quer que seja por violar noções, que não é obrigado a conhecer.
A responsabilidade do empreiteiro, nos têrmos que defendo, está aceita de fato, reconhecida na doutrina e consagrada na jurisprudência.
Aqui, pelo menos, as emprêsas ou os empreiteiros, cônscios de seus deveres, quando danificam casas de terceiros, logo se prontificam a repô-las no primitivo estado, reconhecendo, assim, a sua responsabilidade.
Opiniões doutrinárias
Na doutrina, porque os mais abalizados autores, os que mais se aprofundam no assunto, a esposam. Uma das mais preclaras autoridades na matéria é indiscutivelmente CORBERAND.
Êle assim se manifesta:
“Antes da entrega da obra, não incorre o proprietário em nenhuma responsabilidade pelos acidentes ocorridos com terceiros.”
“Não adquiriu êle ainda a propriedade definitiva do edifício, pois ainda pode recusar os trabalhos. Se os construtores suportam sozinhos os riscos, isto é, a perda resultante do caso fortuito e da fôrça maior, com mais forte, razão sòmente êles devem arcar com as conseqüências de sua culpa” (J. E. CORBERAND, “Manuel Juridique de la Responsabilité des Architectes & Entrepreneurs”, pág. 158).
Do mesmo teor é a lição de COLIN ET CAPITANT, 2ª ed., vol. II, pág. 394, e de MINVIELLE, “Histoire et Condition Juridique de la Profission d’Architecte”, nº 319.
Estranhou o meu cortês adversário afirmasse eu isto: mostram desconhecer profissões legais, com atribuições definidas, os que colocam em primeiro plano a responsabilidade do proprietário.
E, de feito, os que assim pensam classificam o construtor, engenheiro ou arquiteto, em posição subalterna, como mero preposto do proprietário, princípio contrário à jurisprudência constante (JEAN DELVAUX, “Droits et Obligations des Architectes”, pág. 250).
Neste caso, a responsabilidade dêsses profissionais seria regulada pelo nº III do art. 1.521 do Código, que torna responsável pela reparação civil:
“O patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dêle”.
Semelhante tese é repelida, não só pelos próprios interessados, como por abalizados civilistas.
O que caracteriza a função de empreiteiro é sua não subordinação ao dono da obra; por isso êle lhe assume a direção e os riscos. Sua responsabilidade decorre de sua independência.
Eis a lição de PLANIOL:
“Assm, o operário, incumbido pelo proprietário de executar um trabalho, como cavar um poço, reparar um telhado, etc., não é seu subordinado; é um trabalhador independente, que age com sua própria responsabilidade; conseguintemente, o proprietário não é responsável pelos ferimentos que êsse operário possa causar por sua imprudência” (“Traité”, vol. II, nº 911-bis).
Ora, se tal se diz de simples operários, com mais forte razão se dirá de, um engenheiro ou de um arquiteto.
Culpa e risco
Há outros argumentos acessórios contrários à opinião do autor do artigo de “Minas Forense”. O art. 1.528 do Código inculpa o dono do edifício por danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fôsse manifesta. Daí se conclui: primeiro, que o proprietário só é responsável quando está de posse definitiva do prédio; segundo, cuida-se de falta de conservação e não de vícios de construção.
Se o Código quisesse responsabilizar o dono em tôda e qualquer circunstância, bastava suprimir a cláusula final, e não o fez.
A nossa divergência encontra explicação nesta frase de meu ilustre opugnador: “O risco nasce da autorização para construir”.
Assim será para os que adotam a teoria do risco criado, insustentável, a meu ver, em face ‘da sistemática do Cód. Civil.
Semelhante doutrina se contenta – no dizer de um de seus apologistas – com a multiplicação da culpa, com a culpa provável, verdadeiramente com a culpa hipotética, com um fantasma de culpa (L. JOSSERAND, “Evolutions et Actualités”, pág. 45).
Custa crer que na autorização para construir se veja uma presunção de culpa. Fico com PLANIOL ao asseverar que, tirar de exceção a idéia de responsabilidade objetiva para dela fazer o princípio dominante do direito, é transformar em norma de proceder a exceção injustificável (“Rev. Crit. de Leg.”, apud JOSSERAND, “Responsabilité du Fait de Choses Inanimées”, pág. 188).
Escrevi e reafirmo: “A reparação, em face de nosso direito civil, não exclui a indagação dos elementos subjetivos da culpa. Deslocado o ato ilícito do capítulo das obrigações para a parte geral, o Senado mais tarde introduziu nêle a noção de culpa, estranha ao projeto” (CLÓVIS BEVILÁQUA, “Código Civil”, volume I pág. 460).
A teoria do risco criado só extraordinàriamente e por disposição especial pode ser acolhida em nosso direito civil. A culpa é o direito comum, a regra; o risco criado, o direito singular, a exceção (“Da Empreitada no Direito Civil”, pág. 67).
Como se não bastasse a introdução do conceito de culpa na parte geral, lá está, no título VII, – Das obrigações por atos ilícitos – o art. 1.523, que dispõe:
“Excetuadas as do art. 1.521, número V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no artigo 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte”.
Significa isto que, a não ser em caso de participação no produto do crime, à vítima incumbe provar culpa ou negligência do agente, justamente o contrário que se dá com a teoria da responsabilidade objetiva. Nesta, na expressão de JOSSERAND, tirou-se o handicap da prova dos ombros da vítima, admitindo-se fàcilmente a presunção de culpa, justamente ao contrário do que preceitua a disposição do Código, que exige prova por parte do lesado.
Admite-se a responsabilidade excepcional, isto é, nos acidentes de trabalho, pois aí se inclui a obrigação de garantir indene o operário, ínsita no contrato de trabalho. É jus singulare, inampliável.
Pode a lei, observa CHIRONI, por motivos de ordem social, considerar a vontade presumida das partes, impor o ônus da, indenização, proibindo se estipule o contrário. Mas – contínua – sem essa, imposição expressa, a agravação da condição das partes não é possível e vigora o princípio de que, sem injúria, ou sem injúria, culposa, não há fato ilícito como fonte de responsabilidade (“La Colpa nel Diritto Civile Odierno” – “Colpa Contratuale”, pág. 662).
Tenho por assentado que, quando se delibera construir, não se ameaça normalmente a segurança do vizinho. Mas, dadas certas circunstâncias, às vêzes de difícil previsão – vício de plano, imprestabilidade de materiais e outros – a ereção de um edifício pode acarretar danos a terceiros.
Para os partidários da teoria objetiva, teoria e não preceito legal, a regra é esta, segundo JOSSERAND: “qui casse les verres les paie” (“Evolutions e Actualités”, cit.). Mas, no caso, “qui a cassé les verres?” Não foi certamente o proprietário, ao ordenar a construção e, sim, o executor. Por isso, a solução alvitrada por DE PAGE e preconizada pelo ilustre juiz não resolve o problema.
A autorização para construir por si só não cria risco. Na relação entre vizinhos não há colisão possível entre dois direitos. Só o ato ilícito pode produzir a lesão jurídica.
Nos contratos de construção, o proprietário é, em geral, simples espectador. O empreiteiro põe o contrato em marcha e pode criar o risco que, por definição, corre por sua conta.
A citação de GEORGES RIPERT não me parece favorecer o tema de meu ilustre antagonista. Passou êle da teoria do risco criado para o abuso de direito, que requer como pressuposto a intenção de prejudicar. Aí se faz referência ao caráter doloso do ato, quando se cogita apenas de culpa.
A meu ver, substituir a idéia de culpa pela noção do risco criado, sôbre ser ilegal, é preferir um ponto real de imputação por outro hipotético.
Conclusão
Passando do domínio do direito para o da economia, chegamos ao mesmo resultado: A emprêsa é uma combinação de fatôres, cujo risco está sempre a cargo do produtor.
Por fim, a alegação de ser o contrato entre proprietário e empreiteiro res inter alios, com relação ao prejudicado, nada significa. O ato ilícito sobrepõe-se ao contrato; é de maior gravidade, porque é infração de lei geral.
Há, no entanto, uma objeção de ordem material que dá alguma fôrça aos contraditores da responsabilidade do empreiteiro. Muitas vêzes cai êle em insolvência, ficando o lesado sem a indenização devida.
Pode o legislador procurar uma solução intermediária, levando-se sempre em conta que a responsabilidade, problema de ordem moral, deve estar sempre em primeiro plano.
Não é o direito um sistema rígido, uma regra inflexivelmente lógica, para ser aplicada a circunstâncias mutáveis. Tôda a concepção jurídica admite, por isso, temperamentos.
Por motivo de ordem prática, podem admitir-se soluções que evitem lesões ao direito alheio. Uma delas: ter como responsável principal o empreiteiro e subsidiàriamente, o proprietário, mormente quando o construtor escolhido fôr notòriamente imperito ou reconhecidamente insolvente.
Com êsses reparos, sem intuito de polêmica, cuido ter respondido ao artigo do digno juiz mineiro.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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