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Dica #1: Você sabe o que se entende por “crise da personalidade jurídica”?
Felipe Quintella
09/08/2016
Apesar de a teoria da personalidade jurídica comportar diversas categorias de pessoas, desde que haja diversas categorias de entes aos quais se reconheça a aptidão para que sejam sujeitos de direitos, ao longo do século XX a leitura da teoria se fechou em torno das chamadas pessoa natural e pessoa jurídica, entendida aquela como o ser humano com vida.
Não obstante, assim como no passado se verificam divergências quanto aos entes a quem se reconhecia aptidão para serem sujeitos de direitos, também hoje a questão é polêmica, e provavelmente sempre será.
Uma leitura contemporânea, atenta e crítica da teoria da personalidade jurídica não pode deixar de contemplar a crise ocasionada pelas pressões pelo reconhecimento da aptidão para serem sujeitos de direitos de outros entes, como o nascituro e alguns animais não humanos, como revela vasta produção bibliográfica e acadêmica atualmente.
Face à crise, já há, inclusive, quem proponha a substituição da teoria da personalidade por outras teorias acerca da aptidão para ser sujeito de direitos.
Da nossa parte, compreendemos que a teoria ainda pode funcionar, desde que não se considerem estanques as categorias de pessoas contempladas.
É que, o que define a personalidade jurídica é o reconhecimento jurídico da possibilidade de que um ente seja sujeito de direitos. Ou seja, para nós, a leitura adequada da teoria é no sentido de que um ente é considerado pessoa porque se lhe reconhece a aptidão para ser sujeito de direitos. Parece-nos inadequada a leitura no sentido contrário, de considerar que o ente tem essa aptidão por ser pessoa. Isso porque a história revela que a conquista da aptidão para ser sujeito de direitos ocorre no plano dos fatos, cabendo ao Direito, posteriormente, tão somente reconhecê-la.
É o que ilustra a questão do nascituro, que adiante enfrentaremos. Apesar de ter o Código Civil de 2002 adotado a teoria da personalidade condicionada, segundo a qual o nascituro não seria pessoa, fortíssimo é o movimento na doutrina e até mesmo na jurisprudência para que se reconheça ao nascituro a aptidão efetiva para, ainda enquanto nascituro, ser sujeito de direitos da personalidade, ficando apenas os direitos patrimoniais condicionados ao nascimento com vida.
Quer dizer, no lugar de pretender definir categorias, impondo-se sobre o mundo dos fatos, o que se revela ineficaz, o papel do Direito deve ser o de estabelecer critérios de reconhecimento e as respectivas consequências.
O que é imprescindível, todavia, para que o debate seja possível, é não confundir o conceito jurídico de pessoa, consectário da teoria da personalidade jurídica – o ente que pode ser sujeito de direitos, o ator da cena jurídica, com recurso à etimologia –, com conceitos leigos ou de outras ciências, sobretudo da teologia e da filosofia, que identificam pessoa com o indivíduo da espécie homo sapiens sapiens, ou que estudam o self ou a pessoalidade. Compreendidas as distinções conceituais, a teoria da personalidade, no lugar de se fechar na dogmática jurídica, revela-se aberta aos diálogos transdisciplinares.
Trecho extraído da obra Curso Didático de Direito Civil, 5ª edição. Elpídio DONIZETTI e Felipe QUINTELLA. Atlas, 2016.
Veja também:
- Repensando o Direito Civil Brasileiro (1): O Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Teoria das Capacidades (Parte I)
- Informativo de Legislação Federal: resumo diário das principais movimentações legislativas
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