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Desjudicialização de divórcios, inventários e partilhas à luz da Resolução CNJ 571

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Desjudicialização de divórcios, inventários e partilhas à luz da Resolução CNJ 571

Anderson Schreiber

Anderson Schreiber

27/09/2024

Por unanimidade, o plenário do Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução CNJ 571, publicada no último dia 30 de agosto de 2024.[1] Tal Resolução CNJ 571/2024 promoveu alterações na Resolução CNJ 35/2007, para intensificar seu compromisso com a desjudicialização de processos por meio da expressa autorização para a realização extrajudicial de divórcios e inventários e partilhas consensuais mesmo se houver filhos menores ou incapazes e mesmo se o falecido tiver deixado testamento.

Com a nova redação conferida pela Resolução 571, o § 2º do artigo 34 da Resolução 35/2007 passou autorizar a realização de divórcios consensuais extrajudiciais envolvendo filhos menores ou incapazes, desde que comprovada a “prévia resolução judicial de todas as questões referentes à guarda, visitação e alimentos” dos filhos menores ou incapazes do casal.

Havendo consenso entre os envolvidos, inventários e partilhas também podem ser realizados extrajudicialmente mesmo que haja herdeiros menores ou incapazes, desde que “o pagamento do seu quinhão hereditário ou de sua meação ocorra em parte ideal em cada um dos bens inventariados e haja manifestação favorável do Ministério Público” (art. 12-A).

A realização extrajudicial de inventários e partilhas consensuais deve observar os seguintes requisitos: “I – os interessados estejam todos representados por advogado devidamente habilitado; II – exista expressa autorização do juízo sucessório competente em ação de abertura e cumprimento de testamento válido e eficaz, em sentença transitada em julgado; III – todos os interessados sejam capazes e concordes; IV – no caso de haver interessados menores ou incapazes, sejam também observadas as exigências do artigo 12-A desta Resolução; V – nos casos de testamento invalidado, revogado, rompido ou caduco, a invalidade ou ineficácia tenha sido reconhecida por sentença judicial transitada em julgado na ação de abertura e cumprimento de testamento” (art. 12-B).

A nova Resolução CNJ 571 não é fruto do acaso. Trata-se de mais um passo na longa estrada que tem sido trilhada pelo direito brasileiro rumo à desjudicialização da vida civil. As mudanças refletem e consolidam práticas já adotadas pelas corregedorias de diversos tribunais, que, diante da candente demanda por maior celeridade e eficiência, já haviam flexibilizado normas internas para permitir a realização de procedimentos extrajudiciais em condições semelhantes – às vezes até enfrentando equívocos do legislador.

É ilustrativa a questão da realização de inventários e partilhas extrajudiciais mesmo diante da existência de testamento. O Código de Processo Civil havia incorrido em equívoco flagrante, ao exigir que, havendo testamento, fosse realizado processo judicial de inventário. A exigência consta do artigo 610, segundo o qual, “havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se–á ao inventário judicial”.

A contradição é evidente: quem testa o faz para assegurar alguma ordem ao caótico cenário que pode advir da morte. Dispor em vida sobre a distribuição dos próprios bens é atitude quase sempre adotada com o objetivo de evitar conflitos futuros entre os herdeiros. Ao exigir o processamento judicial do inventário caso haja testamento, o Código de Processo Civil deu tiro no próprio pé.

Daí já ter sido adotado, há alguns anos, pelos códigos de normas das corregedorias de diversos estados brasileiros[2] e também por ampla parcela da doutrina[3] o entendimento segundo o qual o inventário e a partilha podem ser realizados extrajudicialmente mesmo em caso de testamento. Além disso, a 4ª Turma do STJ já havia igualmente concluído que “de uma leitura sistemática do caput e do § 1° do art. 610 do CPC/2015, c/c os arts. 2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente”.[4]

Algo semelhante ocorre com a realização de divórcio extrajudicial mesmo quando houver filhos menores. A prática, vale destacar, já encontrava defensores na doutrina e na magistratura, tendo, inclusive, dado ensejo ao conhecido Enunciado 74 da I Jornada de Direito Notarial e Registral, segundo o qual: “o divórcio extrajudicial, por escritura pública, é cabível mesmo quando houver filhos menores, vedada previsões relativas a guarda e a alimentos aos filhos”.

Medida amplia o acesso à justiça

Ao permitir expressamente que esses procedimentos sejam realizados em cartório, o CNJ está promovendo uma transformação que vai além da simples desjudicialização como desafogamento do Judiciário. Trata-se, em verdade, de uma medida que amplia imensamente o acesso à justiça, proporcionando uma solução mais célere e menos onerosa para questões que a maioria das famílias prefere tratar fora dos tribunais. Isso significa menos burocracia e um processo menos desgastante em momentos que já são, por definição, difíceis.

A Resolução 571 também contribui para a segurança jurídica, ao eliminar disparidades regionais que criavam incertezas para as famílias e para os advogados que atuam nesta área. Como o tribunal de certo Estado enxergaria o inventário extrajudicial realizado em outro?

Este problema deixa de existir com a uniformização promovida pelo CNJ, que assegura a todos os brasileiros o acesso à via extrajudicial, independentemente de onde se encontrem. Trata-se de uma inovação que reflete a maturidade do sistema jurídico brasileiro, livrando-o da usual desconfiança sobre as soluções extrajudiciais. Seu impacto positivo será sentido seguramente por milhares de famílias em todo o país.

Fonte: JOTA

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NOTAS

[1]A aprovação da Resolução 571/2024 decorreu do julgamento pelo Plenário do CNJ do Pedido de Providências 0001596-43.2023.2.00.0000, ajuizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFam.

[2]Veja-se, a título exemplificativo, o art. 446 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Provimento CGJ 87/2022), em que se lê: “diante da expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos da apresentação e cumprimento de testamento válido e eficaz, sendo todos os interessados capazes e concordes ou, havendo incapazes, observada seção seguinte, poderá realizar-se o inventário e a partilha por escritura pública.” Na mesma direção, ver art. 1.229 do Código de Normas da Corregedoria-Geral do Foro Extrajudicial do Estado de Santa Catarina; artigos 130, 130.1, 130.2 do Provimento 37 da Corregedoria-Geral do Estado de São Paulo; e art. 310 do Código Geral de Normas Judicial e Extrajudicial da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba.

[3]É o que demonstra o Enunciado 600 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF), o Enunciado 51 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF, o Enunciado 77 da I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, bem como o Enunciado 16 do IBDFAM.

[4]STJ, 4ª Turma, Recurso Especial 1.808.767/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 15.10.2019.

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