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Decodificando o Código Civil (28): Vontade real x vontade declarada e o art. 110
Felipe Quintella
18/07/2017
No negócio jurídico, ocorrem situações em que a vontade efetivamente declarada pelo sujeito é diversa da sua vontade real. Isso ocorre, em geral, ou porque o sujeito mentiu ao manifestar sua vontade, ou porque errouespontaneamente, ou porque foi induzido a erro, ou, ainda, porque foi coagido.
Para resolver o conflito entre a vontade declarada e a vontade real, algumas teorias foram propostas, dentre as quais se destacam a teoria da vontade e a teoria da declaração. Por terem se desenvolvido primeiramente no Direito germânico, costumam ser feitas referências a elas por meio de suas denominações em alemão: Willenstheorie e Erklärungstheorie, respectivamente.[1]
Em síntese, a teoria da vontade propõe que prevaleça a vontade real, e a teoria da declaração propõe que prevaleça a vontade declarada.
Na comparação entre as duas soluções, se, por um lado, a teoria da vontade tem a vantagem de proteger o que o sujeito realmente quer, a teoria da declaração, por outro lado, tem a grande vantagem da objetividade. Afinal, um dos desafios da teoria da vontade é justamente a prova da vontade real, em razão da sua subjetividade.
No Direito brasileiro, adotou-se, como regra geral, a teoria de declaração.
É o que consta na primeira parte do art. 110 do Código Civil: “a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou”.
Podemos entender como “reserva mental” o fato de o sujeito mentalizar o que realmente quer e declarar o que não quer. Em outras palavras, a reserva mental é a omissão da verdade consciente, que foi substituída, na manifestação da vontade, por uma mentira. Imagine, por exemplo, que Maria responde “sim” ao pedido de casamento de Caio, muito embora não queira, efetivamente, casar-se com ele.
Há, todavia, algumas exceções à regra geral da primeira parte do art. 110.
A primeira aparece ainda na parte final do dispositivo: “salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”.
Ou seja, quando aquele a quem se declara a vontade conhece a vontade real do sujeito, a qual é diversa da vontade efetivamente declarada, prevalece a vontade real.
Por essa razão é que mesmo contratos orais, que não exigem qualquer formalidade além da pronúncia das palavras, não se consideram celebrados entre atores em uma peça, ou por um professor ao dar um exemplo em sala de aula. Isso porque os demais atores, bem como os estudantes com quem o professor encena seu exemplo, sabem que o sujeito, na verdade, não quer realmente aquilo que foi dito. Nesses casos, aplica-se a regra da parte final do art. 110, e não prevalece a vontade declarada.
Das demais exceções, de que tratam outros artigos do Código, cuidaremos no Decodificando da semana que vem.
[1] Infelizmente, já vi questões de prova que cobravam do estudante brasileiro as expressões em alemão…
Veja também:
- Decodificando o Código Civil (27): A ordem de vocação hereditária e o inacreditável art. 1.829 (Parte III)
- Repensando o Direito civil Brasileiro (21): Estados das pessoas, identidade de gênero, orientação sexual e o Direito Civil
- Decodificando o Código Civil (26): A ordem de vocação hereditária e o inacreditável art. 1.829 (Parte II)
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