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Da Estipulação Em Favor De Terceiro E Sua Revogação, de Aldo Ávila Da Luz

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Da Estipulação Em Favor De Terceiro E Sua Revogação, de Aldo Ávila Da Luz

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20/03/2024

SUMÁRIO: I. Introdução. II. Escôrço histórico. III. Conceito, objeto e natureza jurídica. IV. Afinidades e distinções entre a estipulação em favor de terceiro e outros institutos. V. Efeitos. VI. Relações jurídicas oriundas da estipulação em favor de terceiro. VII. Da estipulação por outro feita em favor de pessoas futuras e indeterminadas. VIII. Aplicações práticas. IX. A estipulação em favor de terceiro no direito moderno. X. A revogação da estipulação em favor de terceiro.

I. Introdução.

A “estipulação em favor de terceiro”, que só hodiernamente vem sendo amplamente aplicada, “aparecida depois e como conseqüência da nova fase em que se assinalou o caráter patrimonial das obrigações”,1 abrangendo um vasto campo de aplicações práticas, de natureza econômico-social, tais como os seguros de vida e de acidentes no trabalho, os contratos de transporte em que figura um terceiro, o destinatário, as doações modais e vários outros contratos, que, entre nós, ainda não foi objeto de estudo mais pormenorizado, constituirá o tema desta tese, principalmente no que se refere à debatida questão de saber se os herdeiros do “estipulante” têm, ou não, o direito de revogar a estipulação feita por êste em favor de terceiro.

Em rápido bosquejo, pretendemos fazer um retrospecto histórico do instituto, revelando-o, a seguir, em sua amplitude atual, quer na Doutrina, quer na Legislação, para, finalmente, discorrer sôbre a matéria que ensejou esta contribuição, que outro mérito não tem senão, porventura, o de focalizar a atenção dos estudiosos do Direito para assunto tão interessante.

II. Escôrço histórico. No direito romano era expressamente proibida a “estipulação em favor de terceiro” à vista da regra: Alteri stipulare nemo potest, que, como ensina LUÍS DE GASPERI,2 “não pode causar estranheza a quem conheça a concepção estreitamente pessoal que da relação obrigatória tiveram os romanos”, os quais, ressaltamos, nem sequer admitiam a idéia da “representação direta”.

Não podiam os romanos, diz, ainda, êsse tratadista, “conceber que o contrato pudesse produzir efeitos entre pessoa que não as que dêle houvessem participado”.3

Considerava-se, pois, como nula, qualquer estipulação em que alguém tivesse obtido de outrem uma prestação em favor de terceiro.

O rigor dessa proibição – que impedia operações jurídicas indispensáveis mantido quase inalterado no direito clássico, foi se amenizando, posteriormente, graças às várias exceções que permitiam, em certos casos, a validade da “estipulação em favor de terceiro”, como, por exemplo, no contrato de comodato e depósito com o pacto de restituição a favor de terceiro, na constituição de dote, por parte do ascendente, com o pacto de restituir à filha ou aos que dela nascessem, nas doações modais a favor de terceiro.

O princípio da nulidade da estipulação, em favor de terceiro, solapado, embora, por essas várias exceções, manteve-se e passou para o direito medieval, trasladando-se, por fôrça da tradição, até alguns Códigos relativamente modernos, como o francês e o italiano, êste de 1865, que só admitem as estipulações em favor de terceiro quando forem a condição de uma estipulação para si mesmo ou doação para outrem (doação submodo).

Cumpre ressaltar, entretanto, que o Cód. Civil italiano, acima mencionado, foi substancialmente modificado nessa matéria, como veremos oportunamente.

A jurisprudência francesa, porém, vem interpretando os dispositivos legais que restringem o instituto de tal maneira que, pràticamente, têm sido consideradas válidas quase tôdas as hipóteses levadas à apreciação dos Tribunais.

“O pretendido princípio escrito no art. 1.119 – o de que só se pode, em geral, estipular para si mesmo – não é, pois, já verdadeiro. É um texto sêco, cuja vida se há extinguido há muito tempo”.4

As legislações mais modernas, principalmente sob a influência da doutrina alemã, como a nossa, a suíça e ùltimamente a italiana, entre outras, deram plena acolhida ao princípio da validade absoluta da “estipulação em favor de terceiro”, repudiando, assim, o velho dogma do direito romano que impossibilitava o franco desenvolvimento de um instituto que oferece elementos especiais de vida.5

Há, porém, escritores, como GIOVANNI PACCHIONI e outros, que discordam da doutrina dominante que optou pelo princípio da validade absoluta e o introduziu no direito positivo de vários povos.

Rebelando-se contra essa tendência, PACCHIONI, em exaustiva monografia,6 conclui que “a vida moderna não tem até agora uma verdadeira necessidade de aplicar o conceito técnico do contrato a favor de terceiro senão em um número limitadíssimo de casos”.

ROBERTO DE RUGGIERO,7 referindo-se à tendência em prol da validade absoluta da estipulação em favor de terceiro, contrária à lei então vigente na Itália, justifica-a, entretanto, ao contrário de PACCHIONI, dizendo que a mesma deve ser encarada como índice da aspiração a uma nova e mais livre regulamentação do instituto.

Tanta razão tinha RUGGIERO que, ao ser elaborado o novo Cód. Civil italiano, a matéria foi substancialmente reformada e admitida, expressamente, como regra geral, a estipulação em favor de terceiro.

Procuraremos durante o desenvolvimento dêste trabalho demonstrar a procedência da orientação doutrinária que se transformou em lei na maior parte dos países.

III. Conceito, objeto e natureza jurídica da estipulação em favor de terceiro

Há estipulação em favor de terceiro quando uma pessoa convenciona com outra certa vantagem em favor de um terceiro que não toma parte no contrato.8

COLIN et CAPITANT a definem como o contrato entre estipulante e promitente, em que aquêle impõe a êste o dever de obrigar-se a uma prestação para com um terceiro beneficiário.9

M. I. CARVALHO DE MENDONÇA dá-lhes a seguinte definição: “O contrato em virtude do qual o terceiro, na conformidade da intenção expressa dos contratantes, adquire imediatamente um direito próprio e independente”.10

Dessas definições a que melhor caracteriza o instituto, na sua conceituação atual, a nosso ver, é a última, por se referir expressamente à aquisição imediata do terceiro a um “direito próprio e independente” que lhe é atribuído pelos contratantes.

O terceiro, ao contrário do que se verifica nos chamados “falsos contratos a favor de terceiros” (estipulação imprópria), não é apenas um simples “destinatário” da prestação devida pelo promitente, mas titular do crédito por direito próprio e independente.

Êsse direito surge, a não ser que penda algum prazo ou condição, direta e imediatamente, do contrato feito entre estipulante e promitente, na pessoa do terceiro, que não é, portanto, um sucessor jurídico do estipulante, ainda que haja adquirido o crédito porque êste lhe atribuíra.

São requisitos essenciais do instituto:

a) que o terceiro seja completamente estranho ao contrato, em sua formação;

b) que o promitente se obrigue para com o estipulante a fazer uma prestação em favor dêsse terceiro;

c) que o ato não constitua uma doação ou gestão de negócios, ou que um dos contraentes não seja representante do terceiro.11

Faltando a primeira ou a última destas condições, o beneficiário deixará de ser um terceiro e será contraente, assim como faltando a segunda, ficará deformado o instituto de que se trata.12

Não é indispensável, porém, que a prestação seja gratuita, sendo suficiente que ofereça uma vantagem ao terceiro.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão publicado na “Rev. dos Tribunais”,13 apreciando uma cláusula contratual que continha todos os requisitos de uma estipulação em favor de terceiro, isto é, a ausência dêste, que, aliás, não existia, a presença do estipulante e do devedor e a vantagem consistente na transferência de marcas de fábrica, entendeu que o fato de se haver fixado um preço para essa transferência, muito inferior ao devido, não descaracteriza a estipulação, pois “ninguém poderá negar a existência da vantagem e, portanto, da estipulação em favor de terceiro embora não seja gratuita”.

Argumentava, ainda, o acórdão que a estipulação em favor de terceiro não impede a existência de condições, como, entre outras, o pagamento de certa soma e que a própria lei prevê a estipulação sujeita a condições no parág. único do art. 1.098, quando, então, fica dependendo do fato do terceiro se submeter à condição imposta, ao pagamento do preço estipulado.

Nascendo, pois, o direito do terceiro, sem sua intervenção, e muitas vêzes, até com o seu desconhecimento, baseado, exclusivamente, no contrato celebrado entre estipulante e promitente, êstes podem modelar o direito do terceiro, como melhor lhes pareça, quanto ao seu conteúdo e alcance.

Podem, assim, subordinar o direito do terceiro a uma condição ou fixar-lhe um prazo, deixar reservado ao estipulante a faculdade de revogação ou de substituição do beneficiário (art. 1.100 do Código Civil), ou, ainda, estabelecer a irrevogabilidade da estipulação.

Justamente por isso tem o terceiro a faculdade de aceitar, ou não, o direito criado a seu favor, exigindo-se, então, a sua maneira ao contrato (art. 1.098, parágrafo único, do Cód. Civil).

O crédito criado para o terceiro, por fôrça da estipulação, pode ser uma prestação que verse sôbre uma coisa, um pagamento em dinheiro, uma prestação de serviços, ou até em uma omissão (obrigação negativa).

A respeito da natureza jurídica da estipulação em favor de terceiro, tem sido grande a controvérsia dos escritores para explicá-la racionalmente.

Essa disputa teve início desde que o desenvolvimento do seguro de vida, no século passado, infiltrou no instituto uma existência muito ativa.14

Surgiu a chamada “teoria da oferta”, com os primeiros intérpretes do Código de Napoleão, principalmente DEMOLOMBE e LAURENT, hoje completamente abandonada, e que considerava a estipulação em favor de terceiro como “simples oferta” que faz o estipulante ao terceiro, que não adquire direito algum antes de sua aceitação, quando, então, se formava um segundo contrato que encaminhava o direito de crédito ao cessionário.

Aplicada essa teoria verificou-se a sua inconveniência, pois, vindo a falecer o “estipulante” antes da aceitação do terceiro, esta já não seria possível, porque a oferta teria desaparecido com o autor.

Era, portanto, impossível adotá-la para os seguros de vida em favor de terceiro, porque êste, geralmente, só é chamado a aceitar depois da morte do segurado (estipulante).

Foi proposta, então, a teoria denominada de “gestão de negócios”, qualificada por muitos de artificial. Equiparava, o estipulante ao “gestor” e o terceiro ao dominas.

A fraqueza desta opinião é visível atendendo-se a que o estipulante obra em seu nome e não precisa da ratificação do terceiro para a perfeição do contrato. Decerto o estipulante não quis intervir na gestão de negócio alheio e dirigi-lo segundo o interêsse e a vontade presumível do dominus.15

Muitas outras antinomias existem entre as soluções impostas pela estipulação em favor de terceiro e os princípios normativos da gestão de negócios e que são apontadas minuciosamente pelos críticos dessa teoria.16-17-18

Foi, pois, relegado para segundo plano êsse sistema tão argutamente idealizado.

A terceira teoria é a chamada da “criação direta do direito ou da ação”.

Segundo ela o contrato faz nascer, em proveito do terceiro, um “direito direto” no momento em que o promitente se obriga e “pelo só fato” desta promessa. Tende a prevalecer na doutrina e inspirou a elaboração do direito positivo de vários povos.

A crítica que se lhe faz por descrever a operação ao invés de explicá-la, contestam COLIN e CAPITANT: “Parece-nos que há aqui algo mais do que uma descrição, e que, para ter uma explicação do fenômeno, basta acrescentar que o direito do terceiro beneficiário não tem caráter contratual”.19

Analisadas, embora superficialmente, algumas das teorias que têm procurado explicar a natureza jurídica da estipulação em favor de terceiro, também entendemos que, em face do nosso direito positivo, a discórdia que lavra entre os escritores alienígenas, a respeito da natureza do instituto, é uma questão bizantina e sem interêsse prático algum.20

O que ressalta evidente é a originalidade dessa relação contratual, na qual a ação para exigir o cumprimento da obrigação se transfere ao beneficiário, sem aliás perdê-la o estipulante.

É um caso de despersonalização do vínculo obrigacional, ou antes, de relação contratual dupla, tendo por ponto de conjunção o promitente, que contrata com o estipulante realizar uma prestação, que irá cumprir nas mãos do beneficiário.21

Êsse luminar do direito pátrio que foi CLÓVIS BEVILÁQUA, em seu “Direito das Obrigações”, com apoio em SALEILLES, numa síntese brilhante faz uma apreciação quase anatômica da natureza da estipulação em favor de terceiro.

O direito pátrio conceituou o instituto orientado em grande parte pelo Código Civil alemão e o das Obrigações suíço, conforme confronto que faremos oportunamente.

IV. Afinidades e distinções entre a estipulação em favor de terceiro e outros institutos

Muito embora tenha analogias inegáveis com a “representação”, o instituto de que se trata dela se distingue substancialmente, eis que, naquela, considera-se presente à formação do contrato quem realmente não o está: o representado que é parte contratante, ao passo que, na estipulação em favor de telheiro, ocorre justamente o contrário. Procura-se tornar êste contrato eficaz além dos contratantes, relativamente a uma pessoa que de nenhum modo nêle intervém.22

Na estipulação em favor de terceiro o estipulante age em nome próprio, o que não se verifica na representação em que o representante atua (age) em nome de outrem, que lhe conferira poderes pára tal fim ou do qual necessita ratificação.

Apesar da semelhança que há entre a estipulação e a gestão de negócios tanto que se procurou explicar a natureza daquele instituto com base na gestão de negócio – têm ambas caracteres específicos que as distinguem perfeitamente, conforme, aliás, já verificamos acima.

Distingue-se também da doação, porque: a) o estipulante não transmite ao beneficiário valor algum pertencente ao seu patrimônio; b) o beneficio sai dó patrimônio do promitente, o qual, todavia, não procede animo donandi, mas, sim, em execução de uma obrigação contraída com o estipulante; c) na doação não há a forçosa intervenção de uma terceira pessoa; d) a doação está sujeita a formalidades externas, que nos contratos em favor de terceiros, em regra, não são necessárias; e) na estipulação em favor de terceiro o estipulante pode ter um interêsse pecuniário, ou qualquer outro interêsse pessoal; f) o donatário é um contraente direto; enquanto que o beneficiário não intervém na convenção.23

Tem, ainda, a estipulação acentuada semelhança com a delegação, chegando alguns escritores a sustentar que o seu desenvolvimento e autonomia tiraria, fatalmente, tôda a utilidade prática da delegação pois a maior parte dos resultados que se buscam por meio da delegação poderiam ser obtidos através da estipulação em favor de terceiro.

Os dois institutos têm, entretanto, característicos próprios, destacados especificadamente por COLIN e CAPITANT em sua obra já tantas vêzes citada.

V. Efeitos da estipulação em favor de terceiro

O terceiro adquire, como vimos, pelo só fato da estipulação, em cujo contrato não tomou parte alguma, um direito de crédito contra o promitente.

Êste direito lhe pertence, nasce em sua pessoa e não na do estipulante, não podendo, pois, ser considerado como uma extensão do direito dêste, motivo pelo qual se acha subtraído à ação dos credores do estipulante e não forma parte da massa, em caso de falência, e nem tampouco é objeto de sucessão hereditária.

Enquanto o terceiro não aceita a disposição feita em seu benefício, pode o estipulante, em regra, revogá-la, transferi-la para si ou para outrem.24

A aceitação do terceiro não é, porém, uma condição do direito dêste, como querem alguns escritores, só representando a vantagem de impedir a revogação por parte do estipulante.

A aceitação ou a declaração do terceiro vale simplesmente como ato de apropriação da vantagem, que os contraentes quiseram atribuir ao terceiro e que não poderia entrar no seu patrimônio sem uma determinação de sua vontade.25

É relativamente pacifico na doutrina a “autonomia” do direito do terceiro, que o adquire desde logo, independentemente de sua aceitação.

Entre nós, entretanto, um dos primeiros comentadores do Código, interpretando o art. 1.098, parág. único, entendeu que o terceiro sòmente adquire o direito depois da aceitação, tendo em vista a expressão “se a êle (contrato) anuir”, que a seu ver demonstra que o dispositivo em aprêço quis tornar certo que a aquisição do direito só se dá pela aceitação.26

Essa observação de JOÃO LUÍS ALVES não tem fundamento algum. Contraria fundamentalmente o que é peculiar na estipulação em favor de terceiro, isto é, fazer nascer o direito dêste desde a estipulação, ou como diz o Código italiano ora em vigor: “Salvo patto contrario, il terzo acquista il diritto contro il promittente per effetto della stipulazione“.

Se o art. 1.098, parág. único, usa daquela expressão é porque, como expendemos, a estipulação em favor de terceiro pode estar sujeita a condições ou encargos e se o terceiro a aceita, como pode rejeitá-la, é evidente que a elas fica subordinado. Nesse caso o terceiro passa a figurar, quando dá a sua anuência, como uma verdadeira parte contratante, porquanto também lhe foram impostas obrigações.

CARVALHO SANTOS, com a proficiência que o caracteriza, contesta, também, os argumentos dos que negam a autonomia do direito do terceiro, baseados, principalmente, no fato do Código (art. 1.098) deixar de assegurar ao terceiro a preferência para exercitar a ação exigindo o cumprimento da obrigação, reconhecendo, entretanto, que, na realidade, o nosso legislador ao versar o assunto foi obscuro, senão até incoerente.27

Seria mais lógico se assegurasse o exercício da ação, no caso do contrato não dispor de outra forma, tanto ao estipulante como ao terceiro beneficiário, sem colocar êsse ou aquêle em plano secundário, como o faz o Cód. Civil soviético (art. 140).

Justifica-se, plenamente, que ao estipulante fique assegurado o exercício da ação para exigir o cumprimento da obrigação desde que o promitente não o faça espontâneamente e o terceiro não a exija por qualquer motivo, atendendo-se ao papel desempenhado por êle, que, ao contratar, visou, certamente, que uma determinada prestação viesse beneficiar efetivamente ao terceiro.

Um outro efeito da estipulação é sujeitar o direito do terceiro às impugnações que se refiram à validade do contrato realizado entre estipulante e promitente, que é considerado como causa de seu direito.

Assim se êste (o contrato) é simulado, ainda que o terceiro ignorasse a simulação; não adquirirá nenhum direito.

Se o contrato é condicional só adquirirá o crédito depois do cumprimento da condição.

Se se dá algum vício da vontade em um dos contratantes, nem êstes nem o terceiro adquirirão direito algum, a menos que o contrato se convalide por ratificação ou pelo transcurso do prazo (prescrição) para impugná-lo.

Outrossim, as exceções que assistem ao devedor (promitente) contra o estipulante podem ser levantadas também contra o terceiro, sobretudo a exceptio inadimplenti contractus, quando o estipulante não faça efetiva a prestação que lhe incumbe ou não pague ao devedor a indenização que lhe deve pelo inadimplemento do contrato.28

Quanto às exceções que digam respeito à pessoa do estipulante, a doutrina, em geral, tem entendido que elas não podem ser opostas, em via de regra, pelo promitente contra o terceiro.

O atual Código italiano regulou expressamente a matéria, ao contrário do nosso que não toca no assunto.

“Art. 1.413. Il promittente può oporre al terzo eccezioni, fondate sul contratto dal quale il terzo deriva il suo diritto, ma non quelle fondate ou altri rapporti tra promittente e stipulante“.

VI. Relações jurídicas oriundas da estipulação em favor de terceiro

Podendo constar de uma doação, de uma compra e venda, de um seguro sôbre a vida, ou de qualquer outro contrato, a estipulação em favor de outrem estabelece entre os interessados uma série de relações jurídicas.

Assim é que o estipulante ou seus herdeiros podem pedir a rescisão do contrato do qual constava a estipulação em favor de terceiro pelo não-cumprimento da obrigação, pleiteando perdas e danos.

Da mesma forma tem o estipulante, como já vimos, o direito de exigir o cumprimento da obrigação (art. 1.098).

Vimos também que o terceiro possui uma ação direta contra o promitente a fim de obter o cumprimento da obrigação (art. 1.098, parág. único), ficando, porém, sujeito às condições e normas do contrato.

Não tem, porém, o terceiro direito à ação de rescisão do contrato por inadimplemento dêste, porque não foi parte nêle, e, também, porque não tem razão alguma para obter a restituição de um valor que não saiu de seu patrimônio.29

Contra o estipulante não tem, da mesma forma, ação alguma, salvo se o estipulante pessoalmente se obrigou a cumprir a promessa.

VII. Da estipulação por outro feita em favor de pessoas futuras e indeterminadas

A doutrina hoje dominante, a única que satisfaz plenamente às finalidades do instituto, é a que admite a possibilidade de se estipular em proveito de pessoas futuras ou indeterminadas.

Realmente, se a validade e a eficácia da estipulação em favor de terceiro tem seu fundamento na vontade dos contratantes, claro que o direito do terceiro beneficiário já encontra apoio, eis que o contrato fique concluído, com fundamento na vontade dos contratantes, ficando apenas protelada a sua eficácia para o momento em que o terceiro venha a determinar-se.

Mesmo que se admita, com outros (PACCHIONI, por exemplo), que o direito do terceiro é atribuído pela lei com fundamento no contrato, a exigência da determinação no momento da conclusão do contrato não teria cabimento, desde que fôsse possível, com dados obtidos no contrato, determiná-la mais tarde, em ocasião oportuna, quando fôsse o momento de executá-lo.

O essencial, portanto, é que, no momento da conclusão do contrato, a pessoa seja determinável, existindo nas disposições contratuais elementos suficientes para ser feita, essa individualização.30

Assim, por exemplo, quando se contrata um seguro de vida em que se estipula que a “indenização será paga a meus filhos nascidos e por nascer”.

A jurisprudência, aliás, já endossou êsse ponto de vista. O Supremo Tribunal Federal, em acórdão publicado na “REVISTA FORENSE”, vol. CXXXI, pág. 127, decidiu que: “A lei não exige que o beneficiário do seguro seja indicado nominalmente na apólice, desde que possa ser determinado, quando ocorra o dano”.

VIII. Aplicações práticas da estipulação em favor de terceiro. Não é fácil circunscrever o campo das aplicações da estipulação em favor de terceiro.

Esta pode ocorrer, quer como contrato exclusivo, quer como cláusula de um outro contrato.

A principal aplicação encontra-se no seguro sôbre a vida em favor de terceiro, que aliás, como já expomos, foi quem deu nova vida ao instituto.

Êste contrato, que é de data recente, foi julgado, no princípio do século passado, como imoral e perigoso. Em nosso País foi até proibido, só o sendo permitido em relação aos escravos, considerados como “peças, coisas”.

Entretanto, a sua grande utilidade, desde logo reconhecida, fê-lo difundir-se de tal maneira que, hoje, é uma instituição universal.

Apesar de não caber neste trabalho maiores divagações a seu respeito, êsse assunto, tão nosso contemporâneo, é de tal maneira interessante que não podemos deixar de focalizá-lo, embora sumàriamente.

O contrato de seguro sôbre a vida, regulado pelos arts. 1.471 a 1.476 e pelo dec.-lei n.º 5.384, de 8 de abril de 1943, é um contrato sinalagmático, consensual, celebrado entre duas pessoas (o segurado e o segurador), com o objeto de atribuir um direito a uma terceira pessoa estranha à sua conclusão (seguro em favor de terceiro), ou, em certos casos, senão na maioria, ao próprio segurado.

O princípio que preside à instituição do terceiro beneficiário é a da completa

liberdade que tem o segurado na sua indicação, bem como na sua substituição, muito embora a lei estabeleça algumas exceções a essa regra (arts. 1.473 e 1.474 do Cód. Civil).

O beneficiário tem direito próprio à soma estipulada como benefício, sendo a morte do segurado o “evento” gerador dêsse direito, simples condição contratual para que a companhia (seguradora) se desobrigue pagando a dita soma. Daí, tal beneficio não ser jamais compreendido no jure hereditario, pois o valor do seguro passa diretamente do patrimônio da companhia para o do beneficiário. O segurado paga o prêmio a fim de que a companhia “corra o risco de desfalcar o patrimônio dela, pagando o seguro”. Tal distinção no transmitir o benefício do seguro de vida, a jurisprudência de há muito vem consagrando:

“O capital do seguro deve-se considerar fora do patrimônio do segurado, fora do que constituirá a sua sucessão, e caberá jure proprio aos beneficiários indicados, ainda que sejam herdeiros do segurado” (Tribunal de Apelação do Pará).

“O valor do seguro não é herança” (Tribunal de Apelação de Minas Gerais).

“O seguro de vida não está sujeito ao impôsto de transmissão” (Tribunal de Apelação do Distrito Federal).

A falta ou omissão do segurado em não declarar seus beneficiários foi suprida com a promulgação do dec.-lei n.º 5.384, que, no art. 1.º, dispõe:

“Na falta de beneficiário nomeado, o seguro de vida será pago metade à mulher e metade aos herdeiros do segurado”.31

Em matéria de seguros ainda se aplica a estipulação nos seguros contra acidentes no trabalho, que, hoje, estão à cargo das instituições de previdência existentes no País, em regime de concorrência com as companhias seguradoras.

Também nos seguros contra determinados riscos pode se estabelecer que a indenização será paga, em caso de se verificar o sinistro (incêndio ou qualquer outro previsto na apólice), a um terceiro designado no contrato ou à “pessoa interessada”.

Fora da matéria de seguros encontram-se numerosas aplicações da estipulação por outro. Assim, no contrato de transporte, entre expedidor e transportista, em que êste fica obrigado para com o destinatário que não figurou no contrato.

A doação com encargo, prevista no art. 1.180 do Cód. Civil, também constitui uma verdadeira estipulação em favor de terceiro, na qual êste tem direito a exigir o cumprimento do encargo.

Existe também estipulação em favor da terceiro no contrato de renda vitalícia, em que, como no de seguros, o estipulante, normalmente, propõe assegurar o futuro de seus parentes mais próximos, para depois de sua morte.

Afora êsses e muitos outros casos, encontramos, ainda, a estipulação em favor de terceiro, segundo alguns escritores, em certos contratos celebrados com a administração pública, nos quais, muitas vêzes, encontram-se cláusulas em favor dos habitantes de um lugar ou dos operários da companhia empresária.32

FILADELFO AZEVEDO, que tanto se projetou no estrangeiro, julgando, quando ministro do Supremo, uma causa em que apreciava uma concessão de serviço púbico, teve oportunidade de reconhecer como verdadeira beneficiária a população (de uma cidade) “que não contrata indiretamente, mas, como terceiro e verdadeiro incapaz, se torna beneficiária da estipulação feita a seu favor”.33

Finalmente, em inúmeros contratos pode se aplicar a estipulação em proveito de outrem. Para exemplificar-se ainda uma vez mais: uma pessoa vende um prédio, estabelecendo no contrato que o comprador se obriga a arrendá-lo a um terceiro, ou a beneficiar o imóvel de um confrontante com uma servidão.

IX. A estipulação em favor de terceiro no direito moderno

Sob êsse título trataremos da legislação pertinente à matéria, atendo-nos, entretanto, às principais.

Inicialmente mencionaremos o Código Civil francês, que, como vimos, ainda se mantém fiel ao princípio clássico da nulidade da estipulação em favor de terceiro, apesar de, como já foi exposto, ter sido relegado, na prática, pela jurisprudência dêsse País.

Tôda a matéria se acha em três artigos sòmente:

Art. 1.119. “On ne peut, en général, s’engager, ni stipuler en son propre nome que pour soi-même“.

Art. 1.121. “On peut pareillement stipuler au profit d’un tiers, lorsque telle est la condition d’une stipulation que l’on fait pour soi-même, ou d’une donation que l’on fait a un autre. Celui qui a fait cette stipulation ne peut plus la révoquer, se le tiers a declaré vouloir en profiter“.

Art. 1.165. “Les conventions n’ont d’effet qu’entre les parties contractantes; elles ne nuisent point au tiers, et elles ne lui profitent que dans le cas prévu par l’article 1.121“.

O Cód. Civil italiano, de 1865, ora revogado, em dois dispositivos quase idênticos, também se mantinha fiel ao princípio clássico acima mencionado.

Entretanto, o atual inverteu completamente o princípio pelo qual se norteava o anterior, dispondo:

Art. 1.411. “È valida la stipulazione a favore di un terzo, qualora lo stipulante vi abbia interesse. Salvo patto contrario, il terzo acquista il diritto contro il promittente per efetto della stipulazione. Questa però può essere revocata ou modificata dallo stipulante, finchè il terzo non abbia dichiarato, anche in confronto del promittente, di volerne profitare. In caso de revocata della stipulazione o dirifiuto del terzo di profittarne, la prestazione rimane a beneficio dello stipulante, salvo che diversamente risulti dalla volontà delle parti ou dalla natura del contrato“.

Art. 1.412. “Se la prestazione deve essere fatta al terzo dopo la morte dello stipulante, questi può revocare il beneficio anche con una disposizione testamentaria e quantunque il terzo abbia dichiarato di volerne profittare, salvo che, in questo ultimo caso, lo stipulante abbia rinunciato per scritto al potere di revoca.

La prestazione deve essere seguita a favore degli credi del terzo se questi premuore allo stipulante, purchè il beneficio non sia stato revocato o lo stipulante non abbia disposto diversamente“.

Art. 1.413. “Il promittente può oporre al terzo le eccezione fondate sul contratto dal quale il terzo deriva il suo diritto, ma non quelle fondate su altri rapporti tra promittente e stipulante“.

Uma simples leitura dos textos do Código italiano revela como o seu legislador, acompanhando o desenvolvimento do direito e orientado pela corrente doutrinária dominante, concedeu ao instituto plena autonomia, reconhecendo que o terceiro adquire o direito por efeito da estipulação e não pela aceitação, ou por fôrça da lei.

Com o intuito de liquidar com as dúvidas, suscitadas pela doutrina, o Código em aprêço faculta ao estipulante revogar a estipulação enquanto o terceiro não tenha declarado, frente ao devedor (promitente), querer aproveitá-la, salvo se houver se estipulado de maneira diversa, por exemplo, a sua irrevogabilidade.

Prevê, também, os efeitos da revogação ou da recusa do terceiro.

Em dispositivo próprio trata da hipótese da prestação sòmente ser exigível depois da morte do estipulante, quando, então, o estipulante pode revogá-la, mesmo que o terceiro a tenha aceito, por uma disposição testamentária, a não ser se houver renunciado ao poder de revogação.

Regula, ainda, o direito dos herdeiros do terceiro quando êste falece antes do estipulante.

Cumpre, após êsse breve comentário, reproduzir os dispositivos do Cód. Civil alemão e que são os seguintes, transcritos em espanhol, por PACCHIONI, em “Los contratos a favor de tercero”, páginas 139-140:

§ 328. “Se puede pactar contratualmente una prestación a favor de un tercero, con el efecto de que el tercero adquiera directamente el derecho a exigir aquella prestación.

En defecto de una disposición especial se deducirá de las circunstancias, y en especial del fin del contrato, si el tercero debe adquirir el derecho, si el derecho del tercero debe nascer imediatamente o sólo al cumplirse determinadas condiciones y debe reservarse a los contratantes la facultad de retirar o modificar el derecho del tercero sin su consentimiento“.

§ 329. “Si una de las partes se obliga en un contrato a pagar a un acreedor de la otra, sin asumir la deuda, no se puede creer, en caso de duda, que el acreedor adquiera directamente el derecho de exigir de ella el pago“.

§ 330. “Se en un contrato de seguro de vida, o de renta vitalicia, se pacta el pago de la cantidad assegurada o de la renta a un tercero se ha de creer, en caso de duda, que el tercero debe tener directamente el derecho a exigir la prestación.

Lo mismo se puede decir si en una disposición a título gratuito se impone al beneficiario una prestación, o si al adquirir un pratimonio o una finca se promete por el adquirente una prestación a un tercero en concepto de pago de deuda“.

§ 331. “Si la prestación a favor del tercero ha de tener lugar después de la muerte de aquel a quien se promete, en la duda adquirirá el tercero a la prestación en el momento de la muerte de quien ricibió la promesa (estipulante).

Si el estipulante muriese antes de nacer el tercero, la promesa en favor del tercero sólo podrá ser revocada o modificada en el caso de que haya sido reservada esa facultad“.

§ 332. “Si el estipulante se ha reservado la facultad de poder subrogar otra persona, sin necesidad del asentimiento del promitente, al tercero designado en el contrato, esa subrogación puede producirse, en caso de duda, por medio de una disposición testamentaria“.

§ 333. “Si el tercero rechaza, frente al promitente, el derecho adquirido con el contrato, se tiene como no adquirido este derecho“.

§ 334. “Las excepciones que se deriven del contrato corresponden ao promitente también del contrato corresponden al promitente al tercero“.

§ 335. “El estipulante puede, si no se presume una voluntad contraria en los contratantes, exigir la prestación en favor del tercero, aun cuando le corresponda a éste el derecho a exigirla“.

O Cód. Civil suíço das Obrigações, em dois artigos, sòmente, regula a matéria:

Art. 128. “Celui que, agissant en son propre nome, a stipulé une obligation en faveur d’un tiers a le droit d’en l’exécution au profit de ce tiers. Le tiers, ou ces avant-droits, peuvent aussi réclamer personnellement l’exécution lorsque telle a été l’intention des parties. Si, dans ce cas, le tiers déclare au debiteur vouloir user de son droit, il ne dépend plus du creancier de libérer le débiteur“.

Art. 135. “Celui qui s’est obligé en faveur d’un tiers, ne peut compenser cette dette avec ce que lui doit l’autre contractant“.

Para demonstrar como o nosso Código Civil se orientou nessa matéria pelos dois últimos Códigos, acima mencionados, vamos transcrever os seus dispositivos:

Art. 1.098. “O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação.

Parág. único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se êle anuir e o terceiro o não inovar nos têrmos do art. 1.100″.

Art. 1.099. “Se ao terceiro, em favor de quem se fêz o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor”.

Art. 1.100. “O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato independentemente da sua anuência e da do outro contratante (art. 1.098, parágrafo único)”.

Parág. único. “Tal disposição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição de última vontade”.

Como tenhamos, no desenvolvimento desta tese, nos referido ao Cód. Civil soviético, transcrevemos, a seguir, o único artigo que rege o assunto, extraído dos “Princípios de Derecho Soviético” de HORÁCIO DE CASTRO:

Art. 140. “En el caso de contrato concluso a favor de un tercero, la ejecución de las obligaciones puede solicitarse, si no dispone otra cosa el contrato, tanto por la parte que haya impuesto la obligación de deudor, como por el tercero a favor de quién se ha cerrado el contrato.

Cuando la persona a favor de quién se ha cerrado el contrato ha declarado al deudor, su intención de ejercer los derechos que le confiere el contrato, las partes contratantes pierden el derecho de rescindir o modificar el contrato sin su consentimiento.

Cuando la persona a favor de quién se ha cerrado el contrato rete renuncia al derecho establecido en su provecho por el contrato, la parte que ha estipulado este derecho puede ejercelo, a menos que ello no sea contraria al espíritu del contrato“.

É interessante o Cód. Civil japonês que também foi influenciado pela doutrina e legislação alemãs. Entretanto, diverge do mais recente dos Códigos, que é o italiano, em ponto substancial, qual seja o de subordinar a aquisição do direito do terceiro à sua aceitação, quando a tendência quase unânime da doutrina e a maioria das legislações reconhecem que o terceiro adquire o direito por efeito da estipulação.

Vejamos o Código em aprêço, transcrito por PACCHIONI, em espanhol, em sua obra já citada:

Art. 537. “Si una persona pacta en un contrato el realizar una prestación a un tercero, éste tiene el derecho de exigir directamente al obligado su cumplimiento.

En tal caso el derecho del tercero nasce en el momento en que expresa éste su voluntad de querer aprovecharse de tal contrato“.

Art. 538. “Después que el derecho del tercero ha nacido, de acuerdo con la disposición del artículo precedente, ya no puede ser modificado ni extinguido por las partes contratantes“.

Art. 539. “Las excepciones fundadas en el contrato a que se refiere art. 537, pueden ser opuestas por el obligado al tercero en cuyo favor ha sido hecho tal contrato“.

Concluímos êsse breve confronto de algumas das legislações estrangeiras e pelo qual fica evidenciado como o instituto da estipulação em favor de terceiro obteve guarida no direito positivo da maior parte dos países, com as características peculiares que lhe foi atribuído pela doutrina após ingentes esforços.

X. A revogação da estipulação em favor de terceiro

Está consagrado, como foi visto, na doutrina e na legislação dominante, o princípio de que ao estipulante assiste a faculdade de revogar a estipulação que fêz em favor de terceiro, enquanto por êste não fôr aceita, independentemente da anuência do promitente, caso não haja uma cláusula que a exija ou se o promitente não tiver algum direito ou interêsse, ainda que puramente moral, em que a estipulação produza seus efeitos.

Poderá, entretanto, o estipulante, mesmo depois de haver o terceiro aceito o benefício, revogar a estipulação sempre que, por cláusula expressa, houver reservado, para si, êste direito (art. 1.100).

Convém salientar, outrossim, que essa faculdade é inerente à natureza do seguro de vida em favor de terceiro, sem a qual, aliás, o instituto ficaria irremediàvelmente desfigurado (art. 1.473).

A revogação não contradiz o princípio da aquisição do direito pelo terceiro desde o dia da estipulação. A aquisição imediata é conseqüência da vontade dos contratantes. Porém, dado que ninguém pode adquirir por vontade alheia contra a própria, a aquisição permanece em suspenso até a aceitação, dependendo do que haja querido produzi-la, sua anulação.34

Deliberada a revogação e operada, ainda que tàcitamente, o terceiro tem de conformar-se com ela. Não está sujeita a nenhuma formalidade externa especial. Nem se exige que seja notificada ao terceiro, designado como provável beneficiário. Ela pode ser tácita, o que acontece, por exemplo, quando o estipulante exige o cumprimento em proveito próprio, ou deixando de pagar os prêmios de que depende a manutenção da promessa, como nos seguros de vida.35

Ressalva, entretanto, CARVALHO SANTOS que, embora seja possível a revogação tácita, não quer dizer que possa operar-se sem que haja da parte do estipulante a manifestação da vontade de revogar a estipulação, aplicando-se nesta matéria os princípios gerais.

O promitente, em hipótese alguma, poderá revogar a estipulação.

Em virtude da revogação o direito do terceiro se anula, passando a fazer parte do patrimônio do estipulante ou de um novo beneficiário, em caso de substituição.

A questão principal surge quando se indaga se a revogação, quando possível, isto é, antes que o terceiro tenha aceito a estipulação, pode ser exercida, em caso de falecimento do estipulante, pelos herdeiros dêste.

Há, a respeito, muita controvérsia e ponderáveis correntes de opinião em divergência sôbre a solução dêsse problema.

Inclinamo-nos por aquela que, patrocinada por DEMOLOMBE, COLIN et CAPITANT, LAMBERT, PLANIOL et RIPERT, e, entre nós, por M. I..CARVALHO DE MENDONÇA e outros, opina pela negativa.

BAUDRY et BARDE, bem como AUBRY et RAU, orientadores da corrente contrária, admitem, com CARVALHO SANTOS,36 que os herdeiros do estipulante também podem fazer uso da revogação, apropriando-se do benefício que havia sido atribuído ao terceiro enquanto não aceita a estipulação, a não ser se esta é irrevogável ou se o estipulante não houvesse tido a intenção de favorecer ao terceiro, como acontece, por exemplo, nos seguros de vida e no contrato de renda vitalícia.

Por mais brilhantes que sejam os argumentas desta última corrente, filiamo-nos, entretanto, à primeira, por se conformar melhor com a natureza especial do instituto e com as suas finalidades primordiais.

Tanto é assim, que o Cód. Civil italiano, promulgado faz poucos anos, atribui al potere di revoga sempre e exclusivamente ao estipulante, não prevendo a hipótese dos seus herdeiros poderem fazer uso da revogação, o que demonstra, indubitàvelmente, haver o legislador rejeitado a transmissibilidade do aludido poder aos herdeiros do estipulante, porquanto, se assim não fôsse, o teria regulado expressamente, como se fêz a respeito da transmissibilidade do direito do terceiro (art. 1.412, 2.ª parte).

Se entre as legislações cujos textos transcrevemos nenhuma afirma expressamente a intransmissibilidade da faculdade que o estipulante tem de revogar ou modificar a estipulação, possìvelmente por achar desnecessário, isso já não acontece com o projeto do Cód. Civil húngaro, que, após dizer no § 1.031,

En virtud de su derecho de disposición puede el estipulante, de acuerdo com el promitente, revocar el contrato a favor del tercero, o modificarlo“.

no § 1.033 dispõe:

El derecho del estipulante a disponer no puede ser pignorado, y no pasa à sus herderos, salvo pacto contrario“.

Sustentamos que o poder de revogação de que dispõe o estipulante, como faculdade pessoal que é, estranha ao seu patrimônio, não pode ser objeto de sucessão, e, conseqüentemente, dêle não podem fazer uso os herdeiros do estipulante.

El estipulante deve ser el único juez en punto a saber si conviene no modificar su primera declaración de voluntad“.37

CARVALHO SANTOS, acompanhando a orientação contrária, faz uma interessante divagação sôbre o assunto.38

Procuraremos contestar os argumentos contrários à tese que defendemos, expendidos por êsse autor.

O fato de não perder o terceiro a faculdade de aceitar a estipulação, quando o estipulante falece, não implica, obrigatòriamente, como se pretende, em se concluir, por, uma questão de lógica, que a estipulação continua, “como quando o estipulante estava vivo, exposta à eventualidade da revogação” e que o terceiro deva ficar, em face dos herdeiros do estipulante, na mesma situação em que se encontrava frente ao estipulante.

Assim pensamos, porque os motivos que justificam continuar o terceiro, após o falecimento do estipulante, com a faculdade de aceitar a estipulação, têm origem diversa dos que, porventura, pudessem justificar a sobrevivência do poder de revogação, não permitindo, pois, que se estabeleça um paralelismo a fim de se concluir pela atribuição da faculdade de revogação aos herdeiros do estipulante.

Se o terceiro (os seus herdeiros) tem a faculdade de aceitar a estipulação como se o estipulante fôsse vivo, isso se verifica porque o falecimento dêste não poderia alterar ou modificar o direito daquele, por havê-lo adquirido em virtude da estipulação e cuja aceitação dependia exclusivamente da sua vontade. Ao passo que a possibilidade de revogação sobreviver à pessoa do estipulante, isto é, daquele que dispunha do poder de usar dessa faculdade, teria que ser encarada sob outro aspecto e em bases diversas.

A revogação do negócio, que consiste numa declaração unilateral destinada a tornar sem efeito a relação jurídica é uma aplicação em sentido inverso daquela mesma autonomia privada que lhe deu vida.

Es posible en la mediata en que el vinculo consiguiente a aquél la consienta; por lo tanto, por acto unilateral del mismo autor si se trata de testamento; por mutuo consentimiento, si de contrato; por acto unilateral del estipulante, si de contrato a favor de un tercero y éste aún no se ha adherido a él“.

Diz, ainda, EMÍLIO BETTI que a revogação exige a “identidade do sujeito” que revoga com o que deu vida ao negócio, tal como o exige a idéia da autonomia privada”.39

Parece-nos, pois, indiscutível que, apreciada a natureza da faculdade de revogação de que dispõe o estipulante, não se pode deixar de concluir que a mesma é essencialmente de caráter pessoal, e isso, de forma alguma, importa se negar a evidência dos fatos, como sustenta CARVALHO SANTOS.

Concluímos, após essas breves considerações, pela afirmação da tese de que os herdeiros do estipulante, quando vem a falecer antes do terceiro, não podem revogar a estipulação pelo fato de haver se extinguido essa faculdade com o desaparecimento da pessoa que exclusivamente dela poderia usar, ou seja, o estipulante.

ALDO ÁVILA DA LUZ, Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito de Santa Catarina

_____________________

Notas:

1 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, “Tratado de Direito Comercial Brasileiro”, vol. VI, nº 302.

2 LUÍS DE GASPERI, “Tratado de las Obligaciones”, vol. 1.º, pág. 266.

3 LUÍS DE GASPERI, ob. cit., pág. 266.

4 COLIN e CAPITANT, “Curso Elemental de Derecho Civil”, tomo 3.º, pág. 714.

5 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, ob. cit., pág. 264.

6 GIOVANNI PACCHIONI, “Los contratos a favor de tercero”, pág. 375.

7 ROBERTO RUGGIERO, “Instituições de Dir. Civil”, vol. 3, pág. 251.

8 CLÓVIS BEVILÁQUA, “Código Civil Comentado”, vol. 4.º, pág. 271.

9 COLIN e CAPITANT, ob. cit., pág. 721.

10 M. I. CARVALHO DE MENDONÇA. “Doutrina e Prática das Obrigações”, vol. 2.º, pág. 342.

11 e 12 CARVALHO SANTOS, “Cód. Civil Brasileiro Interpretado”, vol. XV, pág. 289.

13 “Rev. dos Tribunais”, vol. 143, pág. 633.

14 PLANIOL e RIPERT, “Tratado Prático de Direito Civil Francês”, vol. VI, pág. 493.

15 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, ob. cit., nº 305.

16 COLIN e CAPITANT, ob. cit., pág. 720.

17 CUNHA GONÇALVES, “Tratado de Direito Civil”, vol. IV, págs. 212 e 213.

18 CARVALHO SANTOS, ob. cit., págs. 286 e 287.

19 COLIN e CAPITANT, ob. cit., pág. 721.

20 CARVALHO SANTOS, ob. cit., pág. 288.

21 CLÓVIS BEVILÁQUA, ob. cit., pág. 271.

22 J. X. CARVALHO DE MENDONÇA, ob. cit, nº 392.

23 CUNHA GONÇALVES, ob. cit., pág. 213.

24 COLIN e CAPITANT, ob. cit., pág. 717.

25 ROBERTO DE RUGGIERO, ob. cit., pág. 961.

26 e 27 CARVALHO SANTOS, ob. cit., págs. 305 e 306.

28 VON TUHR, “Tratado de las Obligaciones”, vol. 2, pág. 207.

29 PLANIOL e RIPERT, ob. cit., pág. 505.

30 CARVALHO SANTOS, ob. cit., pág. 291.

31 “Rev. do IRB”, n.º 54, abril de 1949, pág. 127, artigo de DAVI CAMPISTA FILHO.

32 CLÓVIS, ob. cit., pág. 272.

33 “Um Triênio de Judicatura”, vol. 7.º, pág. 72.

34 PLANIOL e RIPERT, ob. cit., pág. 498.

35 CARVALHO SANTOS, ob. cit., pág. 322.

36 CARVALHO SANTOS, ob. cit., pág. 323.

37 COLIN e CAPITANT, ob. cit. pág. 724.

38 CARVALHO SANTOS, ob. cit., págs. 323-324.

39 EMÍLIO BETTI, “Teoria General del Negocio Jurídico”, pág. 191.

LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE

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