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Crise e evolução do contrato, de Oto Gil

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REVISTA FORENSE

Crise e evolução do contrato, de Oto Gil

CONTRATOS

OTO GIL

REVISTA FORENSE 172 - ANO DE 1955

Revista Forense

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08/07/2025

SUMÁRIO: Alguns aspectos do dirigismo estatal no direito brasileiro. O congresso jurídico de 1943. Evolução do contrato acompanhando a evolução do direito. A posição do problema do dirigismo contratual no Brasil. Casos de intervenção do Estado na formação ou execução do contrato. Casos de revisão do contrato ou de suas cláusulas pelo juiz. Conclusão.

1. Alguns aspectos do dirigismo estatal no direito brasileiro.

Agora, que tanto se fala em “estatismo” e em “intervencionismo” do Estado nas atividades privadas, como se êsse “intervencionismo” não fôsse decorrência da orientação dos Constituintes de 1946, consubstanciada nas disposições sôbre a Ordem Econômica e Social da Constituição de 1946 (arts. 145 a 162), não é mal que, a título de ilustração dos debates, se diga alguma coisa a respeito do dirigismo estatal, no tocante ao contrato, que tem ocasionado êsse fenômeno que, aqui e alhures, se denominou – A crise do contrato.

2. Ainda recentemente, em discurso proferido no Instituto dos Advogados Brasileiros, fazia REGINALDO NUNES, com todo propósito, as seguintes ponderações: “Cada um de nós sente que perde, um pouquinho de liberdade a cada dia que passa. Não já em benefício de outro homem, como outrora, mas em benefício da coletividade …. no que tange à liberdade civil, pròpriamente dita, o destino de sua condição é tornar-se cada vez mais dependente e sujeita às contingências coletivas, à proporção que a interdependência entre os indivíduos vai aumentando”.

E, assim, concluía a sua belíssima oração proferida neste Instituto: “Para aquêles que esperam ainda volte o mundo jurídico às suas tradições clássicas – de concepção individual do direito e da autonomia da vontade – esta afirmação poderia parecer uma heresia. Mas, não é preciso ser profeta para ver, no panorama evolutivo do mundo moderno, as tendências incoercíveis de uma transformação completa nos fundamentos filosóficos do direito, que, de dia para dia, se socializa, mesmo nos seus refratários institutos, até agora havidos como fortalezas do privativismo individual”.

“Se êsse fenômeno ocorre no direito de família, no direito de propriedade, no direito das sucessões, o que não dizer do direito das obrigações, onde mais intensamente se faz sentir a influência dos fatôres econômicos sôbre a atuação da vontade individual”?

3. A publicização do direito privado é fenômeno hoje universal. Já o notara RIPERT, no “Déclin du Droit”, acentuando a gama da intervenção do Estado nos interêsses privados, a qual se desdobra nesta ordem: proibir; autorizar; ordenar; fiscalizar; explorar, que RIPERT assim pormenoriza: “En premier lieu l’Étatdéfend aux particuliers de faire certains actes, de passer des contrats ou de nouer entre eux des rapports ayant un certain objet. En second lieu, il soumet à une autorisation administrative les actes par les personnes privées. En troisième lieu, il procède par injonctions, ordonne de faire certainsactes ou même de passer certains contrats. En quatrième lieu, s’apercevant que défendre, autoriser et prescrire ne sont pas suffisants, il exerce une surveillance sur les activités privées et notamment sur celles des personnes morales parce que c’est chose plus facile. Enfin, s’il estime qu’il est seul à pouvoir faire utilement ce que les particuliers font ou voudraient faire, il s’empare de leurs biens ou de leurs exploitations et il agit lui-même. Défendre, autoriser, ordonner, surveiller, exploiter, voilà la gamme des interventions de l’État dans les intérêts privés”.

4. O que se verifica, em tôda parte, mesmo em países organizados nos moldes clássicos da democracia liberal, é o constante enfraquecimento da liberdade individual: O Estatismo progride a olhos vistos, eis que, na ânsia de ser protegido, o indivíduo se vai entregando à tutela do Estado. Vivendo sob a servidão das leis, acentua RIPERT, êle está ficando com a alma de escravo.

5. O Prof. ORLANDO GOMES, da Faculdade de Direito da Bahia, num de seus, magníficos trabalhos, advertia recentemente:

“O direito coopera nesse processo de escravização, legitimando as restrições à liberdade. Os deveres que está impondo, através da inflação das leis, o transformam num declarado instrumento de opressão.

“O destino do homem não pode consistir na aceitação dêsses deveres, sòmente porque a lei os impõe. Se o consentimento dos indivíduos se manifesta, sem coação, estimulando as audácias dointervencionismo, é porque estamos a viver uma daquelas fases históricas em que tudo é direito público, pelo exaltado dever de sacrificar todos os direitos a um fim político e de não admitir outra consideração do que aquela de um misterioso e versátil interêsse do Estado. Êsse período será transitório? Só se o fôr, não perecerá o espírito do direito privado.

A continuar a publicização do direito, pouco restará às antigas normas do denominado direito privado“.

6. Um dos maiores impactos dêsse intervencionismo estatal se faz sentir sôbre os contratos, que, nos bons tempos, ainda representavam segurança e tranqüilidade. Hoje, sofre o contrato uma intervenção frontal e indissimulada, chegando-se ao paradoxo que RIPERT aponta: a melhor forma de respeitar o contrato é nêle intervir, modificando-o.

7. A intervenção do Estado nos contratos se faz pelo legislador e pelo juiz, embora a êste não caiba criar o direito, senão interpretar a lei e aplicá-la.

De há muito, os juristas franceses, se vêm preocupando com o que êles denominam a crise do contrato. Assim é que, dos trabalhos de JOSSERAND sôbre “Le contrat dirigé” e “L’aperçu général des tendences actuelles de la théorie de contrat”, dos de RIPERT, sôbre a “Règle morale dans les obligations civiles” e sôbre “Le régime démocratique et le droit civil moderne”; do de CAPITANT, sôbre “Le régime de violation des contrats”; do de LAMBERT, sôbre “La publicisation del contrato y la delegación de poderes”; de MORIN, sôbre a “Decadência do contrato”, se pode considerar ter resultado a realização, em Paris, no ano de 1937, por iniciativa da antiga Société Française de Législation Comparée, da notável – Semaine International de Droit – em cujo temário se incluiu: – a revisão dos contratos pelo juiz, assunto sôbre o qual se fizeram ouvir os representantes da Alemanha, França, Inglaterra, Hungria, Itália, Líbano, Noruega, Polônia, Suíça, Turquia, Iugoslávia, Romênia e Japão.

O Prof. NIBOYET, apresentando o relatório geral dos trabalhos oferecidos pelos representantes acima referidos, teve oportunidade de classificá-los em dois grupos:

a) O grupo latino – cujas legislações estão adstritas à fé dos contratos, “envers et contre tout”, la règle pactasunt servanda reste pour elles un rempart inviolable, sauf à l’égard du législateur qui peut toujours en atténuer la rigueur.

b) Na Alemanha, Hungria, Noruega, Polônia, Suíça, a revisão é admitida com grande amplitude, eis que, nesses países, tudo decorre da aplicação do princípio da boa-fé. Na Hungria, por exemplo, a jurisprudência, reflete três princípios diretores: a) a cláusula rebus sic stantibus, no caso de imprevisão; b) a impossibilidade econômica; c) o abuso, do direito.

Ao encerrar os debates sôbre êsse temário, assim se manifestou o professor RIPERT: “Ce résumé est, à la verité, extremement diffícile. Beaucoup d’idées; subtiles ont été échanpées car tous les orateúrs partant du même princípe qu’íl faut respecter les contrats, ont conclu, les uns qu’aucune révision n’étaít possible et les autres que la meilleure manière de respecter un contrat étaii de le modífíer”.

O Congresso Jurídico de 1943

Ao se realizar, no Brasil, em 1943, o Congresso Jurídico promovido pela Conferência Interamericana de Advogados, o Prof. NOÉ; AZEVEDO, da Faculdade de Direito de São Paulo, dissertando acêrca do “Dirigismo na Vida Contratual e sôbre a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, apresentou àquele Congresso as seguintes conclusões: “Realizando-se os contratos em vista de condições normais, e sendo estas profundamente alteradas por acontecimentos imprevistos, como revoluções, guerras, crises e outras calamidades, devem  as prestações recíprocas ser reajustadas às novas condições”.

“Convém que esse reajustamento seja feito pelos próprios tribunais, que poderão fazer melhor justiça, à vista de cada caso, em vez de o ser por leis de exceção, como tem acontecido em vários países, leis essas que nem sempre produzem o resultado desejado e provocam grande desordem nas relações jurídicas”.

Assim justificou NOÉ AZEVEDO essas suas conclusões: “O grande desequilíbrio da vida, o fracasso de tôdas as previsões no comércio entre os homens, as súbitas mutações da economia nacional e internacional, a derrocada de situações sòlidamente constituídas, não poderiam escapar à percepção dos juristas e dos tribunais quando, no desenvolvimento eficiente de sua atividade profissional, tiveram de considerar uma variedade de controvérsias em que se lhes deparam indivíduos e associações surpreendidas pela desordem e pelo inopinado das circunstâncias e, assim, reduzidos a impossibilidade ou a extrema dificuldade, no tocante ao adimplemento das obrigações assumidas quando mui diverso era o estado das coisas, na percepção e nas justas expectativas das duas partes interessadas”.

“Os pós-glosadores, sob a influência do direito canônico, já haviam estabelecido êste princípio de hermenêutica contratual: “Contractos qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur“.

“Caiu, porém, em desuso, diante das disposições dos Códigos modernos, que consagraram o princípio da autonomia da vontade, erigindo o contrato à altura de lei entre as partes. As prestações ajustadas devem ser cumpridas tão estritamente quanto prometeram os contratantes. Os abrandamentos que fôssem introduzidos pela jurisprudência viriam quebrar a certeza das obrigações e prejudicar o andamento dos negócios, baseados na palavra solenemente empenhada”.

“Nos países em que os Tribunais manifestaram aquêle respeito exagerado à letra do contrato, êste passou, paradoxalmente, a ser menos respeitado, ficando, pode-se dizer, que inteiramente desmoralizado, porque foram sendo publicadas leis introduzindo em tais contratos condições e determinações que as partes não haviam estipulado, substituindo-se a vontade destas pela do legislador que, manifestando-se de tem modo geral, não consegue, em todos os casos, estabelecer um exato ou mesmo eqüitativo reajustamento”.

“Indispensável é que, de acôrdo com os princípios da boa-fé e da eqüidade, se coloquem as partes em situação de poderem realizar as prestações recíprocas, tal como o teriam feito se houvessem podido prever a alteração das circunstâncias”.

9. O Prof. ARNOLDO MEDEIROS apresentou, na mesma oportunidade, outra tese, sôbre “A Resolução ou Revisão Judicial dos Contratos”. Sôbre essas duas teses foi emitido parecer pelo Prof. J. PEREIRA LIRA, com as seguintes conclusões: 1.ª) O congresso jurídico reconhece não conter o nosso direito, atualmente, nenhum dispositivo expresso, de aplicação geral que permita a revisão do contrato, mantida a sua fôrça obrigatória, pelo juiz, o qual só excepcionalmente fixa as condições de continuação do contrato, quando a lei lhe atribui êsse poder; 2.ª) O congresso aconselha a adoção, na legislação, do princípio de aplicação geral contido no art. 322 do Anteprojeto do Código das Obrigações, assim concebido: “Art. 322. Quando por fôrça de acontecimentos excepcionais e imprevistos ao tempo da conclusão do ato, opõe-se ao cumprimento exato dêste dificuldade extrema, com prejuízos exorbitantes para uma das partes, pode o juiz, a requerimento do interessado e considerando com equanimidade a situação dos contratantes, modificar o cumprimento da obrigação, prorrogando-lhe o têrmo ou reduzindo-lhe a importância”. Essas conclusões foram aprovadas.

10. Evolução do contrato acompanhando a evolução do direito

Em uma época em que as circunstâncias econômicas mudam tão depressa, a imutabilidade do contrato, proclama RIPERT (com apoio em JOSSERAND), aparece como um anacronismo jurídico. Fatôres de ordem econômica, como a inflação da moeda, trazem, sem dúvida alguma, graves repercussões sôbre a execução dos contratos.

11. Entre nós, – o intervencionismo Estatal nos contratos, quer por intermédio do legislador, quer pelo do juiz, é fato de irrecusável notoriedade, podendo mesmo se afirmar que êsse intervencionismo, a princípio excepcional e cauteloso, vem, hoje, dilargando as suas raias de aplicação, de modo avassalantee assustador. Vamos, a seguir, examinar e criticar alguns aspectos dêsse intervencionismo, na legislação e na jurisprudência dos nossos tribunais.

12. Antes, porém, queremos recordar que, não obstante êsse direito excepcional, a que nos vamos referir, no Brasil, o problema do contrato, ainda se orienta, em linha de princípio sob duas idéias fundamentais: A primeira é a de que – os contratantes têm obrigação de respeitar a palavra empenhada. E, não obstante o nosso Cód. Civil não ter consignado o preceito que consta do Cód. Civil francês (art. 1.134) e do Cód. Civil argentino (artigo 1.197) – as convenções, legalmente formadas, têm valor ele lei entre os contratantes, ressalvadas as restrições legais. Êsse vetusto princípio de moral, que informa o antigo contrato bilateral, subsiste no direito brasileiro. É princípio da maior importância pois, como bem observa LAGRANGE, “quando o contratante firma o contrato êle o deve fazer com a intenção de executar tudo aquilo que estiver ao seu alcance apara atingir o resultado prometido. Ainda mais: o contratante tendo se comprometido, sèriamente, deve manter, durante a vigência do contrato, essa vontade de o executar; o homem sente profundamente essa necessidade de se identificar com os seus compromissos; de não se desdizer; a sua própria pessoa fica ligada ao compromisso.

Do ponto de vista da utilidade social, assinala LAGRANGE, não há dúvida que a manutenção da fôrça obrigatória dos contratos é igualmente certa, eis que a violação do contrato traz um prejuízo imediato aos que contavam com a sua execução, mas sobretudo porque, se a quebra dos compromissos de homem para homem se generalizasse, o comércio jurídico se tornaria impossível.

Segunda: Mas não basta a necessidade de manter a palavra empenhada; é preciso que o conteúdo do contrato apresente um certo equilíbrio. É preciso que o contrato não se torne para uma das partes, ou seja, para a mais hábil, a mais forte ou a mais feliz, um instrui mento para explorar ou escravizar a outra parte. É preciso que o contrato seja justo: a nossa legislação proíbe os contratos leoninos; as estipulações usurárias e as cláusulas que deixam a execução do ajuste ao arbítrio de uma das partes (Cód. Civil, art. 115), atendendo-se mais à intenção que tiverem do que à linguagem que empregarem (Cód. Civil, art. 85).

De qualquer forma o juiz não pode, a pretexto de interpretar o contrato, desnaturá-lo ou modificar o sentido das cláusulas contratuais, quando estas são claras e precisas, ou forem interpretadas pelas partes de forma unívoca, i. é, sem discordâncias.

Não se verifica, no Brasil, aquela desnaturação do contrato, pelo juiz, – que LAGRANGE denomina a patologia do contrato.

13. A crise do contrato no Brasil. Os tempos novos assinalam, na disciplina jurídica dos diferentes aspectos da vida, uma marcada preponderância do social sôbre o individual. Os direitos do indivíduo têm, atualmente, as possibilidades de seu exercício condicionadas às exigências ou limitadas pelo bem-estar geral, ou pelo interêsse social, para usar expressão consagrada na Constituição de 1946 (art. 141, § 16).

Há tempos se diz, com apoio na boa doutrina, que o direito visa, em qualquer de suas manifestações, a satisfação em tôda a plenitude dos interêsses coletivos. E que, em última análise, só na medida em que atende a êsses mesmos interêsses é que se torna digno de proteção.

14. A tendência, pois, é para sua crescente publicização. Publicizou-se o instituto do pátrio poder. O da propriedade. E, mais que o instituto do pátrio poder e da propriedade, ou de qualquer outro sôbre o qual se haja projetado a interferência das autoridades governamentais e dirigentes, na fase atual da nossa vida jurídica, publicizou-se o contrato.

Mas, não obstante a proteção que as leis hoje asseguram “aos novos fracos“, nenhuma alteração sofreram muitas espécies contratuais do velho direito civil que ainda hoje se apresentam como sempre foram conhecidas: tais como a permuta; a doação; o mandato; a edição; a sociedade; o penhor; a hipoteca etc., que subsistem inalterados, ou com leves modificações, em sua disciplinação clássica, sem ter subtraídas as possibilidades razoàvelmente fecundantes que em relação a elas sempre exerceu a autonomia de vontade individual, guardados os princípios da ordem pública e da igualdade legal das partes, princípios êsses que, com o da obrigatoriedade das convenções pactuadas, constituem os princípios clássicos em que assenta o contrato, em todos, senão em quase todos, os sistemas nacionais do direito privado, que tomaram, por, modêlo, o Código de Napoleão.

15. Postas estas preliminares, podemos dizer que, também no Brasil, existe o dirigismo contratual, no tocante ao contrôle que, tanto na formação, como nos seus efeitos, exercem, sôbre certos contratos, os poderes públicos…

16. É fato, aliás, que tanto ocorre em regimes políticos liberais, como nas organizações totalitárias. Precisamente porque é – como diz JOSSERAND, “função de fenômenos que alcançam a própria natureza da sociedade”, temos, tido no Brasil o contrato dirigido, tanto nos tempos do denominado Estado Novo (que foi o da Ditadura Vargas), como no momento atual, em que vivemos sob a égide de uma Constituição liberal e democrática, mas que permite a intervenção do Estado no domínio econômico; a desapropriação da propriedade por interêsse social; proíbe a usura e protege o trabalhador contra a  prepotência do empregador (emprêsa) assegurando àquele, além do salário mínimo, uma participação nos lucros da emprêsa (Constituição federal, art. 157, ns. I e IV).

17. O dirigismo contratual se faz sentir, entre nós, tanto pelo legislador, como pelo juiz, êste último em escalão limitado às prescrições legais que lhe outorgam, com parcimônia, tal faculdade.

18. O fenômeno inflacionário, que vem atuando de maneira sensível sôbre a vida nacional, determinando sucessivas elevações de salários e, por outro lado, medidas governamentais influenciando direta ou indiretamente sôbre os preços dos produtose das utilidades (majoração de impostos e instituição dos ágios para importação de mercadorias) determinaram sérias influências sôbre tôda a economia nacional. Daí a necessidade que sente a Justiça de adotar meios técnicos que impeçam a repercussão desfavorável do fator econômico e permita o restabelecimento da Justiça no contrato, embora, em alguns casos, atentando, contra o velho princípio do pacta sunt servanda. (Neste sentido vide FRANCISCO CAMPOS, “Pareceres de Direito Civil”; páginas 5 a 10).

19. A posição do problema do dirigismo contratual no Brasil

Casos de intervenção do Estado naformação ou execução do contrato. Casos de revisão do contrato ou de suas cláusulas, pelo juiz. Embora, como se disse, ainda constitua princípio de direito o da observância das convenções livremente pactuadas, o Estado também intervém no contrato, ora no respeitante à sua formação, ora no tocante à sua execução.

20. Nos contratos relativos à lavoura canavieira, o Estado, pelo dec.-lei número 3.885, de 21 de novembro de 1941, denominado “Estatuto da Lavoura Canavieira”, criou, tanto para os plantadores de cana (necessária ao fabrico do açúcar e do álcool), como para os usineiros fabricantes, a obrigação de contratar a alienação dos seus respectivos produtos, sem qualquer possibilidade de opção por outros co-contratantes.

21. Compras e vendas para o exterior. É no contrato de compra e venda para o exterior que mais severamente se está fazendo sentir o intervencionismo estatal.

A exportação de produtos brasileiros fica sujeita a uma série de contrôles, a começar pela padronização dos produtos, da fixação do preço de venda (café), e até a embalagem tem que obedecer a regras especiais.

Depois disso tudo, o exportador é obrigado a entregar ao Banco do Brasil as cambiais representativas do preço. E o Govêrno retém, para si, uma parte do preço, o que prejudica a lavoura, pois significa um verdadeiro confisco.

Há, por outro lado, barreiras impostas à importação, a qual, até há bem pouco tempo, era submetida a uma rigorosa licença prévia. Agora, é necessário que o importador adquira a moeda estrangeira, pagando ágios (que variam de acôrdo com a classe de mercadorias, ou seja, ágios que são maiores ou menores, conforme a essencialidade do produto). E as importações ficam na dependência de autorização oficial, da Superintendência da Moeda e do Crédito…

22. Ainda no contrato de compra e venda. Ainda vigora a lei, denominada de defesa da economia popular, que considera crime celebrar ajuste para impor preços de revenda.

23. Defesa da economia popular. Com o objetivo de assegurar a defesa da economia popular, o Govêrno, baseado em leis especiais (algumas do Govêrno ditatorial, outras votadas pelo Congresso Nacional) pode:

a) fixar preços de bens, mercadorias, utilidades e serviços, inclusive o de transportes urbanos; taxas de fôrça, luz e de uso de telefone;

b) desapropriarbens móveis, para atender ao abastecimento da população (fêz isto, recentemente, com relação ao açúcar estocado pelos usineiros de açúcar);

c) intervir nos mercados, inclusive para comprar e vender mercadorias;

Além disso, e baseado nessas leis, foram estabelecidas:

a) a limitação de juros nos contratos de mútuo, com a formal vedação da usura;

b) proibição de trustes e consórcios para impor preços de revenda ou anular a concorrência.

Com fundamento nessa legislação especial e de emergência: (dec.-lei 869, de 1943, e leis ns. 1.521 e 1.522, de 26-12-1951), o Estado fêz ressurgir princípios jurídicos de que não cogitava a legislação ordinária (nem o Cód. Civil, nem o Código Comercial), tais como:

1) a lesão;

2) o abuso do direito;

3) a imprevisão;

4) o enriquecimento sem causa;

5) a teoria da causa;

Dilargando, por outro lado, as aplicações:

a) da boa-fé;

b) dos vícios do consentimento, para conceituação da licitude dos contratos e das convenções, em geral.

24. A compra e venda com a cláusula de reserva de domínio. Enquanto vigoravam as disposições do Código Civil, o vendedor podia ajustar com o comprador, na compra e venda de bens móveis, a prazo e à prestação, o pacto reservati dominii, fôrça do qual, não pago o preço (fôsse qual fôsse a quantia) o bem revertia ao vendedor, que dêle continuava senhor e proprietário.

Com o advento da Lei de Defesa da Economia Popular e das normas processuais que a êsse diploma se seguiram, o vendedor só poderá reaver o bem, fazendo-o avaliar, prèviamente, e restituindo ao comprador eventual diferença de preço, que lhe caiba (vide W. BARREIRA, “Liberdade e Dirigismo no Contrato”, página 64).

25. A compra e venda de imóveis loteados é à prestação. Os contratos de compra e venda de imóveis (terrenos) loteados e à prestação, sofreram, também, a intervenção do Estado quer no tocante às formalidades que a lei impôs ao vendedor (para acautelar o comprador contra os embustes e as fraudes, cautelas, entre outras, de aprovação e registro da planta pelo Juízo de Direito da situação do imóvel), como delimitando os casos de caducidade da venda (se e quando ocorrer falta ou demora no pagamento do preço) e quer instituindo, em favor do comprador, a execução compulsória do contrato de compra e venda, no caso da recusa do vendedor de outorgar a escritura definitiva (leis especiais sôbre terrenos loteados: dec.-lei n.º 58, de 1937; dec. n.º 3.079, de 1938; lei n.º 649, de 11-3-949; e, notadamente, o art. 1.006 do Cód. de Proc. Civil, in verbis:

Art. 1.006. Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, será esta havida por enunciada logo que a sentença de condenação passe em julgado:

§ 1.º Os efeitos da declaração de vontade que dependa do cumprimento da contraprestação ficarão em suspenso até o cumprimento desta.

§ 2.º Nas promessas de contratar, o juiz assinará prazo ao devedor para executar a obrigação, desde que o contrato preliminar preencha as condições de validade do definitivo”.

Trata-se, neste caso, de notória ingerência do juiz no campo negocial (WAGNER BARREIRA, pág. 66).

26. Intervenção do juiz no contrato concluído. “Poderá o juiz ver, impassível, arruinar-se o devedor para obter as mercadorias ou matérias-primas de que carece para o cumprimento do contrato? A viúva sexagenária, que vive do aluguel, pedir esmolas, em face da vertiginosa depreciação de nossa moeda, por ser obrigada a ficar adstrita a um contrato antigo de locação? O construtor de grande obra ficar na miséria em virtude da desmonetização? O concessionário, de serviços públicos ir à falência, por não lhe ser possível cumprir o contrato? O credor recebendo uma dívida que não valha a centésima parte do que emprestou? O compromitente-vendedor entregando um imóvel ao outorgado-comprador, com cujo preço não mais poderá adquirir outro igual a não ser pagando 10 ou mais vêzes a importância ” que recebeu? Não, não é possível, respondemos, uma vez que a função do juiz é exatamente fazer que reine a equanimidade, a justiça, a tranqüilidade, nos casos em que é chamado a intervir; é acudir aos reclamos, aos apelos daqueles que se encontram sofrendo, ou na iminência de sofrer prejuízos incalculáveis ou no caminho de se arruinarem em prol do enriquecimento de outros, sem justa causa. O juiz, pois, não pode assistir, como simples espectador, a êsses dramas pungentes que se desenrolam cotidianamente no meio da sociedade e provocados ou ocasionados na maioria das vêzes pela inépcia, por culpa do próprio Estado na administração da coisa pública.

“Se o fizesse, seria falhar á própria missão de que está encarregado. Nem se invoque, para deixar de aplicar tal cláusula, o art. 1.246 do Cód. Civil, porquanto foi êste promulgado num tempo em que se encontrava estabilizada a nossa moeda, em que não havia o curso forçado tal como o vemos hoje, em que se não podia pensar, pois, que os preços fôssem suscetíveis de alteração e o encarecimento dos bens de utilidade geral levado ao auge pelo surto inflacionário no país. Ali só poderia pressupor-se a onerosidade normal e não a excessiva.

Além disso tal dispositivo teve como uma de suas principais fontes o artigo 1.793 do Cód. Napoleão que, no seu sistema, levou em consideração sempre o caráter irretratável do vínculo jurídico formado. Como acontece na geologia, no sistema legal de um povo há também dispositivos que se estratificam por superposição de causas e coisas que impedem o seu vigoramento, que os põem em estado de inércia, sem fôrça, assim, atualizante. Depois, havendo choque entre um princípio geral imanente, tal como é a cláusula rebus sic stantibus, e um dispositivo, num mesmo sistema de direito, que brigam entre si quanto à intenção, é lógico que aquêle, por sua própria qualidade, terá a fôrça suficiente de revogar êste. Tal dispositivo, pois, não constitui, nem pode constituir, impedimento à aplicação da cláusula em aprêço” (JOSÉ CAMPOS, in “REVISTA FORENSE”, março-abril de 1956, págs. 417-422).

27. Locação de imóveis destinados a fins comerciais e industriais. Por uma lei especial, do ano de 1934 (o dec. n.º 24.150, de 20-4-1934) a locação destinada a fins comerciais e industriais goza de proteção especial da Justiça que, para assegurar ao locatário o desfruto do seu fundo de negócio, pode determinar, contra a vontade do locador (proprietário do imóvel) a renovação do contrato de locação, in verbis:

Art. 19. Passada em julgado a sentença decretando a renovação do contrato de arrendamento, será ela executada, perante o próprio juiz da ação, pela expedição de mandado contra o oficial do Registro de Títulos e Documentos, para que registre nos seus livros a prorrogação decretada, que, assim, se considerará vigente, quer entre as próprias partes, quer em face de terceiros…”

Ainda com apoio no art. 19 dêsse decreto, poderá o juiz determinar (a pedido do locador ou do locatário) a revisão do preço da locação, dos contratos livremente ajustados, se e quando, em virtude de modificação das condições econômicas do lugar, o valor locativo fixado no contrato sofrer variações além de 20%.

Essa revisão poderá ser feita de três em três anos.

28. Redução da pena convencional nas obrigações. Baseado no disposto no art. 924 do Cód. Civil, o juiz poderá reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora ou de inadimplemento, sempre que o devedor tiver cumprido, em parte, a obrigação.

Isso, ainda quando as partes tenham ajustado, por contrato, a irredutibilidade de cláusula penal, eis que os Tribunais, em jurisprudência mansa e pacífica, consideram o preceito do art. 924, do Código Civil, como de ordem pública, vale dizer, inderrogável pelas partes (vide, ao propósito, o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, relator o desembargador SÍLVIO PORTUGAL).

Na Argentina, igualmente, pode o juiz atenuar os rigores de uma cláusula penal (vide ANASTASI, “La Ley”, tomo 9, Seção Jurisp. Estrang., pág. 26).

29. Locação predial urbana para fins residenciais. Congelamento do preço da locação. Em conseqüência da denominada “crise de habitações urbanas“, a lei estabeleceu o congelamento dos preços da locação predial para fins residenciais, determinando a recondução da locação (mesmo quando tiver sido ajustada por contrato e prazo certo) nas mesmas condições pactuadas e por prazos que essas leis de emergência têm fixado em dois anos. Isso dura desde o ano de 1942 (dec.-lei 4.598, de 20-8-1942), prorrogada pela lei vigente (lei n.º 2.669, de 28-12-1955) até 31 de dezembro de 1956.

Isso, sem contar, que, precedentemente, a partir de 1922, vigoravam, também, no Brasil, leis de restrição ao contrato de locação de prédios urbanos (vide, sôbre o assunto, WAGNER BARREIRA, “Dirigismo”, pág. 67; voto do ministro MÁRIO GUIMARÃES, in BARREIRA, página 68).

30. Contrato de mútuo. A lei estabelece, em defesa do mutuário, o juro máximo e a proibição de juros de juros. E de quaisquer comissões adicionais.

31. Pecuaristas. Reajustamento compulsório das dívidas dos pecuaristas. A partir da lei n.º 209, de 2 de janeiro de 1948, o Govêrno assegurou aos que exploram, no pais, atividades agropastoris, a liquidação de seus débitos por uma moratória, compelindo os credores não só a aceitar essa moratória, como a receber, em apólices federais, 50% da dívida dos pecuaristas, tudo de acôrdo com os minuciosos diplomas legislativos que foram baixados e que, ainda hoje, se encontram em vigor, fôrça das leis ns. 1.002, de 24 de dezembro de 1949, e 1.728, de 10 de novembro de 1952.

32. Revisão dos contratos de serviços de utilidade pública pela própria administração. O Cód. de Águas disciplina, no Brasil, às relações entre as emprêsas concessionárias dos serviços de fôrça e luz e os usuários dêsses serviços, confiando a uma repartição do Ministério da Agricultura a fixação das tarifas remuneratórias dos respectivos serviços.

Essas tarifas, de fornecimentos de energia elétrica, diz o art. 163 do Cód. de Águas, serão estabelecidas, exclusivamente, em moeda corrente do país e serão revistas de três em três anos.

A revisão se baseia no custo das operações e na justa remuneração do capital investido, considerado êste pelo seu custo histórico.

Uma vez concretizada a revisão, ela será objeto de uma portaria do ministro da Agricultura. Independe de homologação da Comissão Federal de Abastecimento e Preços.

33. Contratos. Moeda corrente do país. O Govêrno Provisório da República, pelas alturas do ano de 1933, baixou o dec. n.º 23.501, de 27 de novembro de 1933, declarando nula qualquer estipulação de pagamento em ouro, ou por qualquer outro meio tendente a recusar ou restringir, nos seus efeitos, o curso forçado do mil-réis papel.

Êsse decreto atingiu contratos vigorantes, causando sérias polêmicas nos Tribunais, que, afinal, reconheceram a validade da vedação.

O dec. n.º 23.501, de 1933, ainda hoje vigora, tendo sofrido, todavia, dois abrandamentos:

a) o de que trata o dec.-lei n.º 1.079, de 1939, relativamente à cláusula-ouro ou moeda estrangeira dos empréstimos com garantia hipotecária anteriores a 31 de dezembro de 1933;

b) o do dec.-lei n.º 6.650, de 29 de junho de 1944, declarando fora do âmbito da proibição, “as obrigações contraídas no exterior, em moeda estrangeira, para serem executadas no Brasil”.

Êsses decretos (ao ver do Prof. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA), não impedem sejam estabelecidas, nos contratos, as denominadas cláusulas de reajustamento. Diz êle:

A finalidade do dec. n.º 23.501 é proibir a estipulação do pagamento em ouro ou outra espécie de moeda metálica, bem como em moeda diferente do meio circulante nacional.

“A cláusula de revisãodos preços não implica a solução, em espécie ou moeda diversa do cruzeiro. Ao contrário: A capacidade liberatória do cruzeiro é plenamente respeitada e resguardada.

“Também não implica estipulação de pagamento em moeda que não seja a corrente, pelo seu valor legal, o qual fica plenamente respeitado. O alcance da revisão avençada visa aos fatôres de composição dos preços que levarão em conta o dispêndio efetuado pelo devedor da prestação pecuniária. Nos contratos de execução diferida as partes prevêem a hipótese do custo de obra sofrer a influência de variação do mercado, e atuarem estas sôbre o montante de execução para o devedor”.

34. Contrato de adesão. Outra relevante intervenção do Estado, na formação e conclusão do contrato, é a que resulta do impacto ao princípio da autonomia da vontade (base do antigo contrato de direito privado), pela ampliação, pelo Estado, ou sob a égide do Estado, em proporções cada vez maiores, dos denominados contratos de adesão.

Nesses contratos, como se sabe, o Estado se substitui à vontade dos particulares, e, a pretexto de proteger os fracos, supre-lhes a vontade, editando normas que os contratantes têm que aceitar.

Assim sucede, hoje, no Brasil, com relação aos contratos de seguros de vida; de acidentes; contra os riscos de incêndio, danos e avarias em geral.

O mesmo se verifica com relação aos contratos de transporte de pessoas e de bens, por via terrestre, marítima, aérea ou fluvial, existindo mesmo, no tocante aos transportes aéreos a fixação da indenização máxima a que são obrigadas as emprêsas de navegação aérea (a indenização por pessoa vitimada é de Cr$100.000,00).

Da mesma forma, são editadas pelo Estado as normas dos contratos dos serviços de fornecimento de luz, de água, de gás e de telefones, onde a exploração não é feita pelo próprio Poder Público.

35. Contratos de trabalho. Um setor, porém, em que mais fortemente se faz sentir o intervencionismo estatal, é o relativo à formação, execução e rescisão dos contratos de trabalho, quer dos contratos ajustados por escrito, quer dos contratos simplesmente verbais.

O Estado intervém no contrato de trabalho principalmente para reajustar os salários, ou por meio dos denominados dissídios coletivos, nos quais os Tribunais de Trabalho, examinando o aumento do custo de vida, fixam os salários devidos a determinadas categorias econômicas, como pela revisão do salário mínimo (escala móvel).

Isso, sem falar na homologação dos chamados contratos coletivos de trabalho, onde a vontade do Estado se superpõe à dos próprios contratantes.

Verifica-se, neste setor, a progressão do estatismo aniquilando o espírito do direito privado. Dia a dia o seu território se contrai e cada vez mais se implanta, dentro de suas fronteiras, o gênio do direito público.

Processa-se curioso fenômeno que revela grave distúrbio funcional no metabolismo da fenomenologia social: a desconcertante antecipação do jurídico ao político.

O Direito fixa valores que transcendem à organização política a que serve. Nesse clima asfixiante o privativismo não reage.

Êsse mimetismo foi salientado em relação ao Direito do Trabalho por PAUL DURAND (“Las relaciones atuales entre el derecho publico y el derecho del trabajo”, in “La Ley”, edição de 16 de abril de 1953), num estudo no qual mostra que a regulamentação do contrato de trabalho, não só no seu espírito, mas, inclusive, até na sua expressão técnica, se vem processando à imagem e semelhança do estatuto dos funcionários públicos. O próprio acôrdo inicial de vontades entre empregado e empregador é equiparado à nomeação dos servidores do Estado, crescendo, dia a dia, o número dos que lhe negam caráter contratual. A organização dos quadros em carreira nas emprêsas privadas; as normas relativas ao acesso dos empregados; os direitos concedidos à antiguidade no emprêgo; a estabilidade; a fixação de níveis salariais; a impenhorabilidade do salário; as garantias proporcionadas pela legislação de previdência social e a limitação do poder disciplinar do chefe da emprêsa são medidas que DURAND enumera para ilustrar a sua observação de que o direito do trabalho imita o direito público.

Nas relações entre o empregado e o empregador, aquêle já não tem que optar entre as duras leis do patrão e o desemprêgo. O Estado o protege. O Estado o garante, colocando-o em pé de igualdade, que impede a tirania.

Aqui cabe a citação de ORTEGA Y GASSET, neste trecho transcrito por CABANELLAS (“Derecho del Trabajo y sus Contratos”):

Siempre que la liberdad contratual quede menoscabada por una razón de dependencia, aparecela nacesidad dei intervencionismo estatal, encaminado a restablecerel equilibrio juridico roto por esa sumisión que el obrero debe, por su calidad de tal al patrón. Todos los trabajadores deben ser beneficiados por las normas legales que suplen la voluntad que libremente hubieram manifestado los contratantes a no existir aquela razón de dependencia o sumisión”.

36. Os contratos de empreitada de obras e as modificações econômicas. O Cód. Civil brasileiro, no seu art. 1.246, dispõe:

“O arquiteto, ou construtor, que, por empreitada, se incumbir de executar uma obra, segundo plano aceito por quem a encomenda, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que o dos salários, ou o do material encareça, nem ainda que se altere ou aumente, em relação à planta, a obra ajustada, salvo se aumentou ou alterou por instruções escritas do outro contratante…”

Tendo o Govêrno brasileiro elevado, neste últimos anos, por duas vêzes consecutivas, os níveis do salário mínimo, elevação que traz enorme repercussão no custo da construção civil, onde os salários, e ônus das leis trabalhistas e de seguro social representam quase 40% do custo da obra, grave questão surgiu ao propósito da possibilidade de reajustamento de preço contratado para a obra.

A tendência é pelo reajustamento, sob os mais diversos fundamentos; o princípio da boa-fé; o de fôrça maior e o de imprevisão. Vide: OTO GIL, artigo na “Revista da Associação Comercial do Rio de Janeiro”; desembargador JOSÉ CAMPOS, in “REVISTA FORENSE”, vol. 164, página 417.

37. Da escala móvel nos contratos. Não poderíamos encerrar estas notas sôbre a crise do contrato sem uma referência, embora ligeira, a um esfôrço que hoje estão fazendo os juristas de todos os países para salvar o contrato, face a um dos fatôres que mais tem contribuído para justificar o intervencionismo estatal, que é o fenômeno inflacionário:

L’Etat” – diz RIPERT – (“Le déclin du droit”, págs. 183-184) “modifiant la valeur de la monnaie change par la même la valeur économique de l’obligation. Les dépréciations monetaires successives de ces dernières années ont été la cause d’un trouble profond. Elles ont rendu impossible les contrats de longue durée. Les baux à long terme ont disparu, les prêts sont devenus très dificiles. C’est sans doute laplus grande clause de l’insecurité juridique car le contrat ne donne plus la certitude de la prestation future”.

Para obviar êsse inconveniente renovou-se, em plena era atômica, velho instituto jurídico, que assim conceituamos:

“Ao lado das cláusulas implícitas de revisão, consolidadas pela teoria da imprevisão os contratos passaram a incluir diversas cláusulas explícitas de revisão de acôrdo com certos índices escolhidos pelas partes. Convencionou-se, pois, modificar o contrato desde que variasse um elemento objetivo, anteriormente determinado pelos contratantes. O fator em função do qual o débito haveria de variar poderia ser o preço de certa mercadoria ou serviço ou de um conjunto de mercadorias e serviços. Referiram-se as partes, por exemplo, ao valor do trigo ou da energia elétrica. Diversos contratos aceitaram como índice, para a sua auto-revisão, o custo da vida ou da construção em determinada região.

“Tivemos, assim, contratos em que a prestação do devedor variava de acôrdo com uma escala móvel (escalator clause, sliding scale, clause d’échelle mobile) segundo as flutuações de um índice. Podemos pois definir a cláusula de escala móvel, também denominada cláusula escalar, cláusula de escalonamento ou cláusula número índice como sendo aquela que estabelece uma revisão, pré-convencionada pelas partes, dos pagamentos que deverão ser feitos de acôrdo com as variações do preço de determinadas mercadorias ou serviços ou do índice geral do custo da vida ou dos salários. Escolhem-se pois uma ou várias mercadorias ou mercadorias e serviços ou índice geral para, de acôrdo com êles, fazer variar o montante da dívida” (ARNALDO WALD, “Escala Móvel”, pág. 77).

38. Generalização da cláusula. Proibidas as cláusulas-ouro e divisas estrangeiras, recorreu-se à cláusula de escala móvel. O uso da cláusula número índice se generalizou nos contratos a longo têrmo: vendas à prestação, locação, empreitada.

Também foi utilizada pelo juiz para fixar o quantum da indenização, sob forma de renda..

39. País onde foi adotada. Na Alemanha permitiu-se o uso da escala, móvel (com relação ao carvão) na emissão de debêntures, por numerosas emprêsas.

Uma legislação especial (do ano de 1923) permitiu, inclusive, a fixação do quantum das dívidas hipotecárias de acôrdo com os preços do carvão, do trigo ou do centeio. Tais hipotecas, por dificuldades práticas, foram transformadas em dívidas garantidas por marcos ouro, por, acôrdo entre as partes.

40. Posteriormente à Segunda Guerra Mundial, as autoridades militares aliadas anularam, expressamente, tôdas as cláusulas estabilizadoras, inclusive aquelas que relacionassem o marco com uma escala móvel (sliding scale) ou de qualquer modo com o preço do ouro ou de outros metais preciosos; de mercadorias ou valores imobiliários ou outras moedas que não fôssem nacionais. Assim, ficaram proibidas tôdas as cláusulas de escala móvel e os alemães até hoje não revogaram essa lei, não obstante diversas propostas, nesse sentido, de congressos jurídicos, como o do “Juristentag” de Hamburgo, realizado em setembro de 1953 (“Revue Internationale de Droit Comparé”, 1954, n.º 1, páginas 100-102).

Outro país cuja legislação proibiu a escala móvel foi a Grécia.

41. O único país que condenou de modo absoluto e sem ressalvas a escala móvel, embora não tivesse texto positivo, foi a Argentina. Foi vedada a cláusula número índice, por mera interpretação jurisprudencial que a considerou contrária à ordem pública econômica. A moeda, esclareceu a Suprema Côrte, é um serviço público, um instrumento de política econômica e social, cujo valor deve ser fixado de modo imperativo pelo Govêrno, atendendo aos fins constitucionais. Tal atitude é explicável, certo, face à política ditatorial que, então, vigorava (“Rev. Jurídica”, “La Ley”, V, n.º 52, pág. 251).

42. É interessante notar, todavia, que a Argentina, tal como o Brasil, vincula os salários à cláusula da escala móvel (dec. n.º 33.302, de 1945) e admite em certas hipóteses especiais a revisão dos contratos de arrendamentos rurais, quando houver um desequilíbrio de mais de 50% entre o custo da produção e o valor dos produtos obtidos.

43. No Brasil, a fixação e a revisão do salário mínimo do trabalhador se faz em referência à escala móvel de certos bens e utilidades que a Consolidação das Leis do Trabalho enumera:

“Art. 81. O salário mínimo será determinado pela fórmula Sm = a + b + c + d + e, em que a, b, c, d e e representam, respectivamente, o valor das despesas diárias com a alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte necessários à vida de um trabalhador adulto.

§ 1.° A parcela correspondente à alimentação terá um valor mínimo igual aos valores da lista de provisões, constantes dos quadros devidamente aprovados e necessários à alimentação diária do trabalhador adulto”.

“Art. 116. O decreto fixando o salário mínimo, decorridos 60 dias de sua publicação no “Diário Oficial”, obrigará a todos os que utilizem o trabalho de outrem mediante remuneração.

§ 1.° O salário mínimo, uma vez fixado, vigorará pelo prazo de três anos, podendo ser modificação ou confirmado por novo período de três anos, e assim seguidamente, por decisão da respectiva Comissão de Salário Mínimo aprovada pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio”.

“Art. 117. Será nulo de pleno direito, sujeitando o empregador às sanções do art. 121, qualquer contrato ou convenção, que estipule remuneração inferior ao salário mínimo estabelecido na região, zona ou subzona, em que tiver de ser cumprido”.

44. Por esta explanação, se pode ter uma idéia de como se tem desenvolvido, gradativamente, o intervencionismo estatal. Pensar em elimina-lo, de chôfre, é utopia, até mesmo porque, como dissemos, de início, êsse intervencionismo nada mais é do que uma resultante da orientação consagrada na Constituição federal vigente, a qual permite a intervenção do Estado no domínio econômico, podendo, o Estado, até mesmo, monopolizar determinada indústria ou atividade (Constituição federal, art. 146), bem como “reprimir tôda e qualquer forma de abuso do poder econômico” (art. 147), obrigando o empregador a partilhar seus lucros com os empregados (art. 157, n.º IV) e por aí afora.

45. Se se quer, sinceramente, limitar o intervencionismo do Estado, ou o denominado “estatismo” o que há a fazer, em primeiro lugar, é modificar os rumos traçados pelos constituintes de 1946. Até que limite será isso possível? E em que oportunidade?

Essas interrogações carecem de prévia resposta, antes de se lançar a crítica ao estatismo.

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