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Conceito de alimentos compensatórios

ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS

Rolf Madaleno

Rolf Madaleno

10/07/2023

A sobrevivência está entre os fundamentais direitos da pessoa humana, e o crédito alimentar é o meio adequado para alcançar os recursos essenciais à subsistência de quem não consegue, por si só, prover sua manutenção pessoal, em razão da idade, doença, incapacidade, impossibilidade ou ausência de trabalho. Os alimentos estão relacionados com o sagrado direito à vida e representam um dever de amparo dos parentes, cônjuges e conviventes, uns em relação aos outros, para suprir as necessidades e as adversidades da vida daqueles em situação social e econômica desfavorável.1

Escreve Carlos Rogel Vide que a palavra alimentos advém do verbo latino alere, que significa nutrir, alimentar, criar, qual seja, as coisas que servem para sustentar o corpo, ou tudo aquilo que se dá a uma pessoa para atender, em sentido amplo, sua subsistência material e espiritual.2 Segundo Nieves Martínez Rodríguez, a palavra alimentos se usa na linguagem jurídica para denominar aquela prestação devida a uma pessoa para atender sua subsistência, cujo significado respeita a tudo aquilo que se faz essencial para as necessidades da vida, indo além do mero propósito de nutrição, mas abarcando todas aquelas prestações indispensáveis para o mantenimento e desenvolvimento da vida do ser humano.3

O artigo 472 do Código Civil do Peru define como alimentos aquilo que é indispensável para o sustento, habitação, vestuário, educação, instrução e capacitação para o trabalho, assistência médica e psicológica, recreação segundo a situação social e possibilidades da família, incluindo os gastos de gravidez da mãe, desde a concepção até o pós-parto, compreendendo, portanto, em um único dispositivo de lei também os alimentos gravídicos que, no direito brasileiro, foram disciplinados pela Lei 11.804/2008.

O direito aos alimentos é um direito fundamental que se encontra reconhecido na Carta Política brasileira ao dispor em seu artigo 6.º serem direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição. É um direito que é acolhido igualmente nos tratados e instrumentos internacionais sobre direitos humanos, incorporando a mesma hierarquia do direito à vida, à saúde, à liberdade de pensamento e de expressão, entre outros direitos reconhecidos e incluídos nos catálogos internacionais de direitos humanos de segunda geração.4

Essas garantias sociais asseguram o mínimo existencial da pessoa humana, de forma a assegurar a todos um padrão aceitável de subsistência, na forma do artigo 3.º, inciso III, da Carta Federal. Assinala-se que a Emenda Constitucional 64/2010 incluiu a alimentação como direito social no caput do artigo 6.º da Constituição Federal e, nesse contexto, escreve Luís Roberto Barroso em seu voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.422 do STF (que considerou inconstitucional a tributação da pensão alimentícia): “os alimentos funcionam como prestação que se destina a assegurar a manutenção da dignidade da pessoa humana, com base na solidariedade, sendo, ainda, considerado direito social”, estando conectada com o direito à vida e à sobrevivência digna dos que não têm ainda, ou perderam, a capacidade de sustento. Em complemento, o Ministro Luís Roberto Barroso reproduz no bojo de seu citado voto, na ADI 5.422 do STF, entendimento do STJ, no sentido de que os alimentos integram o rol de direitos da personalidade do indivíduo, seu patrimônio moral e não econômico, ainda que a prestação possa ser apreciável economicamente, uma vez que eles são destinados a garantir a subsistência daquele que os recebe.

Por sua vez, Gustavo Tepedino e Ana Carolina Brochado Teixeira ensinam que o direito a alimentos é informado por dois princípios que fundamentam a República, sendo o primeiro deles centrado na dignidade da pessoa humana, inserido na dicção do artigo 1.º, III, da Constituição da República, cujo substrato também tem conteúdo material, pois ninguém é digno quando desprovido de condições materiais de existência, ademais da proteção da família atribuída ao Estado no artigo 226 da Carta Política, afora o dever de ajuda e amparo entre pais e filhos, do artigo 229 da Constituição Federal, e do artigo 1.697 do Código Civil, que estabeleceu a obrigação alimentar entre os parentes. O segundo princípio e fundamento constitucional é o da solidariedade familiar, marcada pela superação dos interesses individuais, devendo prevalecer uma solidariedade recíproca entre os cônjuges e conviventes e, sobremodo, uma reciprocidade alimentar entre pais e filhos.6

Diante da globalização dos relacionamentos, fruto da redução das distâncias e deslocamentos das pessoas que buscam novas experiências pessoais, por razões de trabalho, por motivos de segurança ou por puro espírito aventureiro que se associa a uma vontade de conhecer o mundo, cujas distâncias estão cada vez mais curtas pela facilidade e rapidez dos meios de transporte, e pelas oportunidades que muitos países oferecem, é cada vez mais frequente a formação de casais de diferentes origens e nacionalidades, cujas relações afetivas, quando se rompem, provocam a necessidade de intervenção do Direito Internacional, que se movimenta com relação aos alimentos dessas famílias que se desfazem e para solucionar conflitos internacionais que se estabelecem, quando credor e devedor de alimentos passam a residir em países diferentes, ou quando o devedor de alimentos possui bens ou recebe seus ingressos advindos de um país distinto daquele onde reside o credor de alimentos. Tais obrigações derivam do matrimônio, da união estável, do parentesco ou da responsabilidade parental, entre outras fontes de alimentos.7

Visando superar dificuldades relativas à prestação de alimentos no exterior ou ao cumprimento de decisões respectivas, explica Yussef Said Cahali, o Brasil firmou, pelo Decreto 56.826, de 02.09.1965, a Convenção sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro, votada em Nova York em 1956,8 a Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar, Convenção de Montevidéu, firmada em 1989 e ratificada pelo Brasil pelo Decreto 2.428/1997, e posteriormente foi editado o Decreto 9.176/2017, que promulga a Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família, sem deslembrar o Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos, firmados pela República Federativa do Brasil, em Haia, em 23 de novembro de 2007.

A Convenção de Nova York tem o intuito de facilitar a obtenção de alimentos a serem providos por pessoa que resida em outro país e se guia pelo princípio da complementaridade, escreve Paulo Henrique Gonçalves Portela, pois simplesmente completa, sem substituir, outros meios existentes no Direito Internacional ou interno para a cobrança de alimentos, ao passo que a Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar visa a determinar o direito aplicável à obrigação alimentar, bem como à competência e à cooperação jurídica quando credor e devedor de alimentos tiverem domicílio ou residência habitual em Estados diferentes.9

Como diz Paulo Henrique Gonçalves Portella, o principal objetivo desses tratados é regular a cooperação entre os Estados no tocante à cobrança de alimentos no exterior, garantindo, portanto, a dignidade dos credores de pensões alimentícias, mas que nessa seara ainda prevalece a soberania do direito alimentar interno brasileiro,10 sendo o Brasil signatário da Convenção de Nova York sobre Reconhecimento e Execução no Estrangeiro de Obrigações de Prestar Alimentos e da Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar. A Lei de Alimentos brasileira (Lei 5.478/1968), em seu artigo 26, definiu que as funções de autoridade remetente e instituição intermediária foram conferidas à Procuradoria-Geral da República e que cabe à Justiça Federal da capital do Estado brasileiro em que residir o devedor o exame do pedido de alimentos oriundos do exterior, exceto as relativas à homologação de sentenças estrangeiras que condenaram ao pagamento de pensão alimentícia, de competência do STJ (CF, art. 105, I, i), uma vez que, na atualidade, as autoridades e instituições intermediárias estabelecem contato direto que dispensa o uso sempre moroso das vias diplomáticas.11 Diante de casos multinacionais de alimentos, devem ser priorizadas as normas convencionais e, na falta delas, será aplicada a legislação local. Se houver algum conflito entre os tratados firmados, o tema deverá ser resolvido de acordo com o princípio favor alimentari e, quando se tratar de credor alimentar menor de idade, será reforçado pelo princípio favor minoris, em consonância com o devido respeito ao interesse do menor.1

Em geral, as ações de alimentos são propostas no foro do domicílio do credor dos alimentos ou ante o domicílio ou residência habitual do demandado, eis que, de acordo com o artigo 53 do Código de Processo Civil brasileiro, é competente o foro do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz, para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável, que também pode conter pleito alimentar. Em realidade, a critério da autoridade competente, prevalece o que for mais favorável ao credor, como de forma ilustrativa estabelece o artigo 2.630 do Código Civil e Comercial da Argentina, ao dispor que “o direito a alimentos se rege pelo direito do domicílio do credor ou do devedor de alimentos, aquele que a juízo da autoridade competente resulte mais favorável ao interesse do credor de alimentos”.

Enfim, o direito alimentar proveniente do direito de família existe entre cônjuges e companheiros, pelos vínculos de afinidade e de solidariedade, assim compreendida a assistência mútua, de conteúdo econômico, que assegura a subsistência material e mantém obviamente hígida a saúde mental, e os alimentos derivados do parentesco, daquelas pessoas unidas pelos laços de consanguinidade, socioafetividade e adoção, começando pelos ascendentes e descendentes e subsidiariamente pelos irmãos bilaterais e unilaterais, que só estão obrigados se não existirem ascendentes ou descendentes, seguindo a regra de que o grau de parentesco mais próximo afasta o mais distante. É incontroverso que cada vez mais distantes se mostram os alimentos a serem prestados entre os casais – cônjuges ou companheiros – e frequentemente eles são compelidos a buscar sua própria subsistência, sendo usualmente credores de alimentos transitórios e responsáveis pelas necessidades ordinárias de sua prole, salvo pontuais exceções fáticas que nos dias atuais ainda possam justificar a continuidade dos alimentos sem limitação de prazo.1

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NOTAS

1 MADALENO, Rolf. Direito de família. 12. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2022. p. 979.

2 VIDE, Carlos Rogel. Alimentos y auxilios necesarios para la vida. Madrid: Reus, 2012. p. 11.

3 MARTÍNEZ RODRÍGUEZ, Nieves. La obligación legal de alimentos entre parientes. Madrid:
La Ley, 2002. p. 32.

4 GARCÍA, Elizabeth Marlene López. Nuevo comentario del Código Civil peruano. Directores
Marco Andrei Torres Maldonado y Enrique Varsi Rospigliosi. Lima: Instituto Pacífico, 2021.
t. III, p. 721.

5 “Recurso especial. Execução de alimentos fixados in natura. Superveniência da morte do alimentando. Direito aos alimentos concebido como direito da personalidade do alimentando, do que decorre seu viés personalíssimo. Intransmissibilidade do direito aos alimentos (ainda que vencidos) aos sucessores do alimentando. Exaurimento da finalidade dos alimentos. Preservação de eventual pretensão da genitora para a reparação dos gastos eventualmente despendidos em favor do alimentário que eram de obrigação do alimentante, proporcionando- -lhe enriquecimento indevido. Necessidade. Recurso especial provido. 1. Em conformidade com o direito civil constitucional – que preconiza uma releitura dos institutos reguladores das relações jurídicas privadas, a serem interpretados segundo a Constituição Federal, com esteio, basicamente, nos princípios da proteção da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da isonomia material –, o direito aos alimentos deve ser concebido como um direito de personalidade do indivíduo. Trata-se, pois, de direito subjetivo inerente à condição de pessoa humana, imprescindível ao seu desenvolvimento, à sua integridade física, psíquica e intelectual, mesmo, à sua subsistência. 2. Os alimentos integram o patrimônio moral do alimentando, e não o seu patrimônio econômico, ainda que possam ser apreciáveis economicamente. Para efeito de caracterização da natureza jurídica do direito aos alimentos a correlata expressão econômica afigura-se in totum irrelevante, apresentando-se de modo meramente reflexo, como sói acontecer nos direitos de personalidade. 3. Do viés personalíssimo do direito aos alimentos, destinado a assegurar a existência do alimentário – e de ninguém mais –, decorre a absoluta inviabilidade de se transmiti-lo a terceiros, seja por negócio jurídico, seja por qualquer outro fato jurídico. 4. A compreensão de que o direito aos alimentos, especificamente em relação aos vencidos, seria passível de sucessão aos herdeiros do alimentário (credor dos alimentos), além de se apartar da natureza destes, de seu viés personalíssimo e de sua finalidade, encerra uma inadequação de ordem prática insuperável, sem nenhum respaldo legal. 5. A partir do óbito do credor de alimentos, o conflito de interesses remanescente não mais se relaciona com os alimentos propriamente ditos, já que não se afigura possível suceder a um direito personalíssimo. Remanesce, eventualmente, a pretensão da genitora de, em nome próprio, ser ressarcida integralmente pelos gastos despendidos no cuidado do alimentando que eram de responsabilidade do genitor, propiciando-lhe um enriquecimento sem causa. 6. Extinta a obrigação alimentar por qualquer causa (morte do alimentando, como se dá in casu; exoneração do alimentante, entre outras), a genitora não possui legitimidade para prosseguir na execução de alimentos (vencidos), seja na condição de herdeira, seja em nome próprio, por sub-rogação. 7. A intransmissibilidade do direito aos alimentos, como consectário de seu viés personalíssimo, amplamente difundido na doutrina nacional, tem respaldo do Código Civil que, no seu art. 1.707, dispôs: ‘pode o credor [de alimentos] não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora’. O Código Civil de 2002, em relação ao direito aos alimentos, não inovou quanto à sua intransmissibilidade. 8. Recurso especial provido” (STJ, REsp 1.681.877/MA, 3.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 19.02.2019).

6 TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do direito civil. Direito de família. Rio de Janeiro: GEN/Forense. 2020. v. 6, p. 337-338.

7 SCOTTI, Luciana B. Manual de derecho internacional privado. 2. ed. Buenos Aires: Thomson Reuters/ La Ley, 2019. p. 561.

8 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 823.

9 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 746.

10 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 744

11 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 745.

12 SCOTTI, Luciana B. Manual de derecho internacional privado. 2. ed. Buenos Aires: Thomson Reuters/La Ley, 2019. p. 577

13 “Agravo interno no recurso especial. Direito de família. Ação de alimentos. Ex-cônjuges. Regra da temporalidade do pensionamento. Excepcionalidade. Necessidade da alimentanda. Mercado de trabalho. Inserção. Impossibilidade prática. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos 2 e 3/STJ). 2. O entendimento do STJ é no sentido de que os alimentos devidos entre ex-cônjuges têm caráter excepcional e transitório, salvo se houver particularidades que justifiquem a prorrogação da obrigação, tais como a incapacidade laborativa ou a impossibilidade de se inserir o mercado de trabalho ou de adquirir autonomia financeira. Precedentes. 3. A jurisprudência desta Corte Superior tem admitido a perenidade da obrigação de prestar alimentos entre cônjuges quando a situação fática demonstrar a impossibilidade de um dos cônjuges suprir sua subsistência, sobretudo nos casos em que a idade do ex-cônjuge e o longo período dedicado exclusivamente à família e ao lar configure a impossibilidade prática de sua inclusão no mercado de trabalho. Precedentes. 4. No caso, em virtude da excepcionalidade delineada no acórdão recorrido, deve ser determinada a obrigação de prestar alimentos sem limitação de prazo. 5. Agravo interno não provido” (STJ, REsp 1.951.351/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 27.06.2022).

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