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Caráter pessoal das imunidades parlamentares, de Bruno de Mendonça Lima Jr

REVISTA FORENSE 163

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21/05/2024

Há pouco tempo foi assassinado o delegado de polícia de certa cidade fluminense. A polícia, suspeitando que o crime tivesse sido cometido por ordem de deputado federal, requereu em juízo, e obteve, mandado de busca e apreensão, que seria levado a efeito na casa do referido parlamentar, a fim de apurar se lá havia armas proibidas e que teriam sido usadas para perpetrar o delito e, ainda, para prender possíveis cúmplices (criados, capangas, etc.) do congressista.

O fato provocou grande celeuma, entendendo uns que a busca era arbitrária, porque os membros do Poder Legislativo gozam de imunidades, nos têrmos dos arts. 44 e 45 da vigente Constituição federal. Outra corrente, porém, manifestou-se no sentido de ser perfeitamente legal a medida que a Polícia do Estado do Rio pretendeu tomar, porque – argumentavam – as imunidades parlamentares se circunscrevem à pessoa do deputado ou do senador, e não se estendem a seus bens, familiares, criados, etc.

Imunidade parlamentar

A controvérsia, encarada juridicamente, é interessante, e merece um estudo mais acurado. Antes de tudo, porém, é preciso expor, embora em rápidos traços, o que são as imunidades parlamentares.

Dispõe a Constituição federal em seus arts. 44 e 45:

“Art. 44. Os deputados e senadores são invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos.”

Art. 45. Desde a expedição do diploma até a inauguração da legislatura seguinte, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Câmara.

§ 1º No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos dentro de 48 horas para a Câmara respectiva, para que resolva sôbre a prisão e autorize, ou não, a formação de culpa.

§ 2º A Câmara interessada deliberará sempre pelo voto da maioria dos seus membros”.

As anteriores Constituições republicanas, inclusive a Carta de 1937, consagravam disposições análogas, embora com algumas variante.

Inviolabilidade pessoal e a irresponsabilidade legal

Os citados artigos permitem distinguir, desde logo, dois aspectos da imunidade parlamentar: a inviolabilidade pessoal e a irresponsabilidade legal. Esta última é a prerrogativa que tem o membro do Poder Legislativo de não ser processado, nem incriminado, pelas palavras, votos e opiniões emitidos no exercício do mandato. Mesmo depois que o parlamentar deixar suas funções, não poderá, em tempo algum, ser responsabilizado pelo que disse quando em exercício. A regra do art. 44 é, pois, de Direito Constitucional material.

A inviolabilidade pessoal, que mais diretamente nos interessa neste breve estudo, é regra de Direito Processual Constitucional: não apaga o crime nem irresponsabiliza seu autor – impede, tão-sòmente, o processo. É ùnicamente uma imunidade processual (art. 45). Se o deputado que cometeu crime deixa o Poder Legislativo, se fica extinto o mandato, está extinta, também, a improcessabilidade. A inviolabilidade pessoal sòmente se mantém durante a investidura. “O juiz, diante da cessação da imunidade, leva adiante o processo, como se dêle apenas se houvesse esquecido. O crime continuou desperto: só o processo dormiu. Já não é preciso consultar a Câmara ou o Senado. A prisão far-se-á quando por lei se deva fazer”. Em outras palavras: determinado membro do Congresso comete um crime, durante a investidura. Enquanto esta durar, se não fôr obtida licença para instauração do processo, ficará êste paralisado. Extinto o mandato, o ex-deputado ou senador poderá ser processado como qualquer cidadão, sem licença da Câmara ou do Senado.

Têm sido combatidas, mas sem-razão, as imunidades dos membros do Poder Legislativo. Alega-se que é estranho que, numa República, existam “invioláveis”. Entretanto, forçoso é reconhecer que as imunidades não são incompatíveis com o regime de igualdade, atualmente em vigor. São universalmente admitidas, mesmo por nações politicamente mais adiantadas do que nós, por motivos de ordem superior, intimamente ligados à essência do regime representativo, e, precìpuamente, para evitar fiquem os membros do Congresso sujeitos à coação e à intimidação do todo-poderoso Poder Executivo. “A imunidade é o broquel do Legislativo contra as investidas do Executivo descontente”.

A inviolabilidade pessoal, como a irresponsabilidade legal, têm por fim, pois, proteger os deputados e senadores contra abusos dos outros poderes constitucionais. Da prerrogativa, algumas vêzes, dimanam excessos; muito maiores, porém, têm sido as vantagens da existência de “um poder vigilante que verbera, sem temor, as demasias dos outros.”

Exposto sumàriamente o que se entende por imunidades parlamentares, passemos ao objeto principal dêste trabalho:

As imunidades se circunscrevem à pessoa dos congressistas, ou se estendem, também, a seus bens, pessoas da família, criados, etc.?

Não há dúvida que a imunidade é uma exceção aberta em favor dos legisladores. Como tal, deve ser interpretada restritivamente, no exato sentido da lei.

A teor do art. 45 da Constituição de 1946, os deputados e senadores não podem, sem licença de suas Câmaras, ser presos ou processados criminalmente.

Ora, a busca e apreensão, – recaindo sôbre bens, – embora instituto de Direito Processual Penal, não representa, de modo algum, prisão do congressista ou abertura, de processo criminal. É uma simples medida tendente a apurar se determinada pessoa possui coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, para apreender armas e munições e instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso, para descobrir objetos destinados à prova da infração ou à defesa do réu; apreender pessoas vítimas de crime, etc.

Note-se que o parlamentar pode ser processado, desde que o Estado obtenha autorização de sua Câmara. Muitas vêzes, para pedir essa autorização, deverá o poder público, tendo motivo justo e suficiente, proceder a diligências e colhêr provas, para positivar a existência de crime. Verificado que êste ocorreu, então é pedida licença ao Congresso, para ser instaurado o processo. Se as medidas preliminares (busca, etc.) não pudessem ser usadas sem autorização, como, em muitos casos, positivar a existência de crime, para justificar o pedido de licença à Câmara respectiva? Se a licença fôr dada, instaura-se o processo. Negada, êste ficará inerte, e de nenhum modo poderá prosseguir.

A imunidade concedida aos membros do Poder Legislativo é meramente pessoal, não se estendendo a seus bens. “A imunidade é só quanto ao processo criminal, e não contra processo civil ou administrativo, salvo nos pontos de direito civil, administrativo ou processual em que se ordena a detenção do réu. Tampouco se estende ela às pessoas da família, fâmulos e propriedade do deputado. É só pessoal, e não impede que se condenem os co-réus e cúmplices, quando a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal negou licença. O crime houve-o; só o deputado ou o senador é imune ao processo e à prisão” (PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição Federal de 1946”, vol. II, pág. 33).

“A imunidade é pessoal: não se estende, como na Inglaterra outrora, aos criados e à propriedade do parlamentar, nem impede que se condenem os co-réus e os cúmplices, quando negada autorização para agir contra o deputado responsável por um delito” (CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1891”, pág. 298, nº 262).

“Se a imunidade se estende aos bens do congressista – não há dúvida que não se estende aos familiares e aos criados podemos ter situações verdadeiramente embaraçosas.”

Assim, um deputado poderia, por exemplo, instalar em sua casa um canhão, e ameaçar atirar com êle, sem que fôsse possível à autoridade pública apreender aquela arma de guerra. Nem se objete que, em tal caso, fácil seria obter licença do Congresso para processar o faltoso. Enquanto o pedido de licença corresse os trâmites legais, o deputado poderia, por simples ameaça, pôr em pânico uma cidade. Num caso dêsses – exemplo grosseiro, mas bem elucidativo – é óbvio que a arma poderia ser apreendida pela Polícia. Entretanto, o deputado sòmente seria processado se obtida autorização de sua Câmara. Se esta fôsse recusada, nada aconteceria ao parlamentar: sòmente perderia aquela arma de guerra, pois a sua propriedade não goza de imunidades.

Outros exemplos poderão melhor esclarecer o assunto: Um deputado põe alguém em cárcere privado, e recusa dar-lhe liberdade. Não há como considerar ilegal uma busca destinada a libertar quem está injustamente aprisionado. Se a busca não fôsse possível, por se considerar a imunidade aplicada aos bens (a casa, na hipótese) do congressista, quem estivesse em cárcere privado, lá ficaria por tempo indeterminado, se o Congresso não desse licença para o processo, ou por muito tempo, durante a tramitação do pedido de licença, se esta fôsse concedida.

Por último, considerando imune os bens dos deputados e senadores, poderiam êstes acolher em sua casa um cúmplice de crime, ou mesmo um réu já condenado, e a Justiça nada poderia fazer para deitar mão a êste. Em tais casos, como é evidente, a busca domiciliar não afetaria a imunidade do parlamentar, mas impediria uma flagrante violação da lei.

Dos citados exemplos se verifica, sem esfôrço, a situação delicada que se cria, quando se pretende dizer que a imunidade dos membros do Congresso se estende a seus bens.

A proteção que se quer dar ao legislador já é suficiente, em princípio, quando limitada à sua pessoa.

Apesar do que ficou exposto, reconhecemos que a controvérsia é crucial, pois, quando se admite que não gozam de imunidades os bens dos membros do Legislativo, abre-se uma perigosa brecha “no broquel que os defende das investidas dos outros poderes”.

Nos têrmos, porém, em que está vazada nossa Constituição, o assunto não admite dúvidas: a imunidade é meramente pessoal, e não se estende aos bens dos deputados e senadores.

A busca e apreensão promovida contra bens (casa, etc.) de congressista é, pois, perfeitamente legal.

O assunto é da maior relevância e merece profundo estudo de nossos legisladores, pois, nos têrmos da atual Constituição, é possível ao Executivo iniciar uma série de medidas contra os bens dos congressistas, sob o pretexto de fazer, cumprir a lei, tornando, assim, quase inútil as garantias e imunidades que a Constituição lhes oferece.

Convém ter sempre presente que não é de hoje que os atentados contra o regime partem sempre do Poder Executivo, muitas vêzes sob o fútil pretexto de que, o Legislativo não está cumprindo com o seu dever.

Bruno de Mendonça Lima Jr., advogado em Pôrto Alegre, Rio Grande do Sul

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