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CIVIL
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Bancos e Casas Bancárias – Responsabilidade Civil Dos Diretores e Gerentes – Dolo e Culpa – Liquidação Extrajudicial, de F. C. de San Tiago Dantas

Revista Forense
02/05/2025
– O dolo se configura nas violações do direito cometidas voluntàriamente pelo agente, com a representação do resultado e a execução consentida dos atos capazes de causá-lo.
– A culpa ocorre nas violações cometidas involuntàriamente, para as quais, entretanto, o agente contribui pela imprudência, negligência ou imperícia de seus próprios atos.
– Um dos princípios básicos da ordem jurídica, é a incomunicabilidade da culpa.
– Cada diretor de banco responde pela própria culpa; ninguém pode ser atingido pelas penas civis ou criminais ensejadas pela culpa de outrem.
– Interpretação da lei nº 1.808, de 1953.
PARECER
I. A questão
1. A lei nº 1.808, de 7 de janeiro de 1953, dispõe em seu art. 2°:
“Respondem solidàriamente pelas obrigações assumidas pelos bancos e casas bancárias durante a sua gestão, e até que elas se cumpram, os diretores e gerentes que procederem com culpa ou dolo, ainda que se trate de sociedade por ações, ou de sociedade por cotas, de responsabilidade limitada.
Parág. único. A responsabilidade se circunscreverá ao montante dos prejuízos causados, pela inobservância do disposto nesta lei, sempre que fôr possível fixá-la”.
A mesma lei, no art. 3°, dispõe:
“Nos casos de liquidação extrajudicial de bancos e casas bancárias, nos têrmos do dec.-lei nº 9.228, de 3 de maio de 1946, e leis subseqüentes, e, também, nos casos de concordata ou falência dêsses estabelecimentos, a Superintendência da Moeda e do Crédito procederá a inquérito para o fim de apurar se foi observada, pelos diretores e gerentes, a norma de conduta estatuída no artigo 1°”.
O art. 1º é o que exige dos banqueiros e dos diretores ou gerentes de bancos e casas bancárias que empreguem no exercício de suas funções “a diligência de que todo homem ativo e probo usa na administração dos seus próprios negócios”.
Mais adiante, o art. 4º e o seu § 1º rezam:
“Verificada a inobservância do disposto no art. 1º, a Superintendência da Moeda e do Crédito enviará o inquérito com o relatório no juiz, da falência ou ao que fôr competente para decretá-la, o qual o fará cora vista ao representante do Ministério Público.
§ 1º De pose do inquérito com o relatório, se êste concluir pela responsabilidade dos diretores ou gerentes, na forma do art. 2º, o representante do Ministério Público requererá, no prazo máximo de oito dias sob pena de responsabilidade, o seqüestro dos bens dos mesmos, quantos bastem para a efetivação da responsabilidade”.
2. Por ato do diretor executivo nas Sumoc de 3-8-955 foi pôsto em liquidação extrajudicial o Banco União do Brasil S. A., e constituída, no dia imediato, comissão de inquérito para examinar, além da situação do banco, a conduta dos seus administradores.
Essa comissão apresentou, em 7-12-955, relatório onde aponta diversas irregularidades, cuja responsabilidade atribui nominalmente, a título de dolo, a dois diretores, acrescentando em relação ao terceiro, que era o presidente:
“Do que nos foi dado observar, não é possível, pelo menos até agora, responsabilizar senão a título de culpa o diretor-presidente Sr. Eduardo Bittencourt Chermont de Brito. Não sendo um profundo conhecedor da atividade bancária, nunca deveria ter aceito os encargos inerentes à posição a que foi elevado.
“Os elementos que tivemos à mão não nos permitem considerar que êsse diretor tenha concorrido, com conhecimento de causa ou malícia, para os fatos apontados linhas atrás”.
Remetido o inquérito a juízo, o digno representante do Ministério Público requereu, com fundamento no art. 4º, § 1º, da lei nº 1.808, o seqüestro dos bens dos diretores, e estendeu a medida aos do diretor-presidente, justificando-se nestes têrmos:
“Por tais atos, na sua grande maioria dolosos, pelo que constituem ainda objeto de inquéritos criminais, pelos descontos fictícios e inutilização de letras de que dá notícia o inquérito, e desde que a Superintendência da Moeda e do Crédito não conseguiu discriminar a responsabilidade nêles de cada diretor isoladamente considerado, limitando-se, no momento, a avaliá-la englobadamente em Cr$ 20.200.850,90, respondem solidàriamente, nos têrmos do art. 2º da citada lei, todos os diretores do estabelecimento em liquidação extrajudicial“.
3. Estende-se, de fato, ao diretor-presidente a responsabilidade prevista no art. 2º da lei nº 1.808, e devem os seus bens ficar sob o seqüestro requerido pelo Ministério Público?
A resposta a essa indagação abrange duas questões:
1ª) se a responsabilidade a título de culpa, que o art. 2° equipara ao dolo, está configurada, em relação ao diretor-presidente, pela referência feita no relatório da Comissão;
2ª) se a solidariedade entre diretores de bancos ou casas bancárias, a que se refere o mesmo art. 2°, deve ser entendida como responsabilidade coletiva, de uns pelos atos dos outros reversivamente.
II. Culpa própria
4. Seria supérfluo em parecer jurídico distinguir o dolo da culpa. Não há quem ponha em dúvida a diferença entre êles, embora os elementos característicos de ambos, sobretudo do dolo, sejam apresentados diversamente pelos escritores (cf. ANDREAS VON TUHR, “Allgemeiner Teil des schweizerischen Obligationenrechts”, vol. I, § 47, págs. 339 e segs.; GIORGI, “Obbligazioni”, vol. V, livro II, parte III, págs. 239 e segs.; CLÓVIS BEVILÁQUA, “Código Civil Comentado”, vol. I, pág. 344, comentário ao artigo 159; M. I. CARVALHO DE MENDONÇA, “Doutrina e Prática das Obrigações”, t. II, págs. 6 e segs.; LUÍS DA CUNHA GONÇALVES, “Princípios de Direito Civil Luso-Brasileiro”, seç. II, págs. 577 e segs.; LACERDA DE ALMEIDA, “Obrigações”, § 38, pág. 158).
O certo é que o dolo se configura nas violações do direito cometidas voluntàriamente pelo agente, isto é, com a representação do resultado e a execução consentida dos atos capazes de causá-lo, e a culpa ocorre nas violações cometidas involuntariamente, para as quais, entretanto, o agente contribui pela imprudência, negligência eu imperícia de seus próprios atos. Quer se trate, porém, de dolo, quer de culpa, não há responsabilidade senão quando se pode estabelecer nexo de causalidade entre determinado dano e determinado ato imputável ao agente (VON TUHR, ob. cit., § 13, págs. 72 e segs.; CUNHA GONÇALVES, ob. cit., páginas 575 e segs.; MÁRIO ROTONDI, “Instituciones de Derecho Privado”, págs. 359 e segs.; GIORGI, ob. cit., vol. V, livro II, parte III, págs. 265 e segs.).
É êste elemento – o nexo de causalidade – que soma ou totaliza os elementos indispensáveis à ocorrência de responsabilidade, civil ou penal. Para haver responsabilidade é necessário que se verifique um dano, e em se tratando de responsabilidade civil cumpre ajuntar – dano ressarcível. Para haver responsabilidade é ainda necessário que ocorra violação de um direito, e que esta violação seja imputável a alguém, a título de dolo ou de culpa. Mas para configurar-se a responsabilidade ainda é necessário que aquêle evento danoso; decorra desta violação voluntária, que entre um e outro se verifique relação de causa e efeito.
“Quem pratica um ato ilícito (por exemplo, lesão corporal ou dano a uma coisa) responde por tôdas as conseqüências decorrentes dêste ato. Quem descumpre um dever contratual, deve ressarcir todo o dano que ao credor decorre da conduta violatória do contrato. Porém sòmente deve ser ressarcido o dano que surge como conseqüência do ato ilícito ou do descumprimento do contrato, pois entre o ato gerador de responsabilidade e o dano, cujo ressarcimento se exige, deve existir uma relação de causa e efeito” (A. VON TUHR, ob. cit., I, pág. 72).
Não basta, pois, para atribuir a uma pessoa a responsabilidade de certo dano, provar que ela geralmente se comporta com imperícia ou negligência. O motorista, que sabidamente conduz o seu veículo com imprudência em diversas ocasiões, não é responsável por determinado dano, senão provada sua imprudência no ato especifico que o causou.
5. Os membros da Comissão de Inquérito fixaram com nitidez a responsabilidade de dois diretores do Banco União do Brasil S. A. a título de dolo, indicando as irregularidades de que decorreram prejuízos, e mostrando de que maneira a elas estão ligados, como agentes causadores, aquêles dois membros da administração. Com relação ao diretor-presidente, pelo contrário, não apontaram nenhum prejuízo para que tivesse contribuído especificamente a sua imperícia, imprudência ou negligência no trato dos negócios e operações. Tudo que encontramos é a afirmação de que lhe faltava conhecimento profundo da atividade bancária, e a referência genérica a uma responsabilidade a título de culpa, a qual, não chegando a concretizar-se, nos têrmos do relatório, em relação a danos determinados, perde a consistência jurídica e vale como censura em vez de imputação.
Nem se diga que o fato de um diretor cometer irregularidades num banco à revelia de outro, prova a negligência ou desatenção dêste e induz sua responsabilidade a título de culpa, pois isso seria o mesmo que afirmar a desnecessidade de culpa própria para que um diretor responda pelos danos ocorridos. Bastaria, então, que um diretor agisse com dele, para que tôda a Diretoria, por não ter evitado ou reprimido êsse ato, incorresse em culpa e responsabilidade. Não foi isso, manifestamente, o que pretendeu o art. 2º da lei nº 1.808, ao falar em responsabilidade por culpa do diretor.
6. É certo que um mesmo dano pode ser imputado ao dolo de um diretor e à culpa de outro, mas ainda aí será preciso mostrar que a êsse dano estão ligados, por causalidade específica, o ato voluntário de um e a imperícia ou negligência do outro.
Foi o que a Comissão de Inquérito não provou, nem pretendeu provar, em relação ao diretor-presidente. Pelo contrário, depois de analisar as irregularidades que encontrou no banco, e de filiá-las ao dolo dos outros dois diretores, conclui a Comissão taxativamente quanto ao presidente:
“Os elementos que tivemos à mão não nos permitem considerar que êsse diretor tenha concorrido, com conhecimento de causa ou malícia, para os fatos apontados linhas atrás”.
7. Daí concluo, sem sombra de dúvida, que ao diretor-presidente não foi atribuída culpa própria, e que por conseguinte nem cabe cogitar da diferença entre culpa leve e culpa grave para os fins da lei nº 1.808, já que na realidade não lhe foi atribuída, nas conclusões do inquérito, in concretu, nem a segunda nem a primeira. A alusão a culpa, que se lê no trecho transcrito linhas atrás, não tem relevância jurídica; nela não é lícito ver mais que uma apreciação em tese do comportamento do diretor, e jamais a caracterização de ato determinado, causador de dano.
III. Responsabilidade coletiva dos diretores
8. Se é indiscutível que o diretor-presidente do Banco União do Brasil S. A. não pode ser responsabilizado por culpa própria, também é certo que não pode ser responsabilizado por culpa alheia, como pretendeu o digno representante do Ministério Público, com fundamento na solidariedade passiva instituída no art. 2° da lei nº 1.808.
Para exclusão da culpa própria tivemos de considerar o inquérito administrativo de 7-12-955. Para correta delimitação da responsabilidade solidária teremos de analisar, em tese, a lei nº 1.808, de 7 de janeiro de 1953.
9. A responsabilidade de diretores de bancos e casas bancárias está definida na lei nº 1.808, que constitui direito especial em confronto com a Lei de Sociedades por Ações (dec.-lei n° 2.627, de 26 de setembro de 1940), onde se define a responsabilidade dos diretores de sociedades por ações, e subsidiàriamente a dos gerentes de sociedades por cotas de responsabilidade limitada.
As normas gerais sôbre a matéria (dec.-lei nº 2.627) são estas:
“Art. 121. Os diretores não são pessoalmente responsáveis pelas obrigações que contraírem em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão.
§ 1º Respondem, porém, civilmente, pelos prejuízos que causarem, quando procederem:
I, dentro de suas atribuições e poderes, com culpa ou dolo;
II, com violação da lei ou dos estatutos.
Art. 122. Os diretores são solidàriamente responsáveis pelos prejuízos causados pelo não-cumprimento das obrigações impostas pela lei, a fim de assegurar o funcionamento normal da sociedade, ainda que, pelos estatutos, tais deveres ou obrigações não caibam a todos os diretores”.
Como se vê, a responsabilidade dos diretores de bancos e casas bancárias difere essencialmente da dos diretores de companhias em geral, por ser a dêstes sempre individual, salvo no tocante ao descumprimento das obrigações legais que asseguram o funcionamento da sociedade (art. 122), enquanto a daqueles é solidária também no tocante às obrigações assumidas pelos estabelecimentos, quando os diretores hajam procedido com dolo ou culpa.
A lei nº 1.808 e o dec.-lei nº 2.627 não se excluem. Como lei especial que é, a primeira prevalece sôbre o segundo, mas deixa intata a esfera normativa dêste, sempre que nela não faz interferir suas próprias regras. Assim sendo, o art. 122 do dec.-lei nº 2.627 aplica-se aos bancos e casas bancárias sem restrições, mas o art. 121, § 1º, é suplantado, especialmente no tocante à instituição da solidariedade, pela norma da lei nº 1.808, art. 2º, mais próxima e pertinente.
10. Que quer dizer, porém, solidariedade, no contexto do citado art. 2°? O representante do Ministério Público, no caso versado na consulta, entendeu responsabilidade solidária como coletiva, de modo a fazer com que uns diretores respondam pelas culpas de outros, o que dá à solidariedade o caráter de um vínculo interno a unir numa só obrigação todos os membros da Diretoria.
Não parece ser êsse, entretanto, o exato alcance do dispositivo. Para bem o compreendermos, temos de partir do principio geral, inscrito no art. 121 da Lei de Sociedades por Ações, acima transcrito, segundo o qual “os diretores não são pessoalmente responsáveis pelas obrigações que contraírem em, nome da sociedade”.
A essa regra abrem-se exceções, para vincular, em determinados casos, o diretor às obrigações sociais contraídas por seu intermédio. A vinculação pode assumir a forma de uma responsabilidade subsidiária, como no art. 121, § 1°, caso em que o credor pode reclamar pagamento do diretor, se os bens da sociedade não forem suficientes para satisfazê-lo. E pode assumir a forma ainda mais enérgica de uma responsabilidade solidária, caso em que os bens do diretor respondem desde logo, colateralmente aos da sociedade, pelo cumprimento das obrigações.
11. Foi esta a finalidade e êste é o verdadeiro alcance do art. 2º da lei número 1.808. Podem ser feitas a esta lei muitas críticas, e de fato não há exagero em considerá-la das mais imperfeitas, quer quanto à impropriedade no emprego dos têrmos, quer quanto à inadequação das soluções e procedimentos, mas parece certo que ela; instituiu a solidariedade não entre diretores culpados e inocentes, mas entre diretores culpados e o banco prejudicado por suas gestões.
Esta solidariedade visava a impedir que diretores inescrupulosos formassem patrimônios pessoais avultados à custa do depauperamento ou da iliquidez dos bancos que dirigiam, e assim procurava colocar aquêles patrimônios ao alcance dos credores do estabelecimento, em caso de liquidação.
12. É de notar que a solidariedade entre diretores, independentemente da boa ou má conduta de cada um, feriria um dos princípios básicos da ordem jurídica, que é o da incomunicabilidade da culpa. Cada um responde pela própria culpa, e ninguém pode ser atingido, por fôrça de disposição de lei, pelas penas civis ou criminais ensejadas pela culpa de outrem.
É verdade que conhecemos, no direito público como no privado, a responsabilidade indireta, que recai sôbre o preponente em virtude de atos do preposto, sôbre o Estado em virtude de atos do seu funcionário, sôbre o pai ou responsável em virtude de atos do filho ou pessoa sob sua guarda. Mesmo êsses casos, entretanto, não estão fora do principio da incomunicabilidade da culpa, pois a responsabilidade que assim se configura vai encontrar seu fundamento numa culpa, que ora é denominada in vigilando, ora in eligendo, e que filia à vontade do agente a responsabilidade e as sanções dela decorrentes (VON TUHR, ob. cit., págs. 353 e segs.; CLÓVIS BEVILÁQUA, ob. cit., volume V, comentários aos arts. 1.521, 1.522 e 1.523; CUNHA GONÇALVES, ob. cit., páginas 582 e segs.; GIORGI, ob. cit., vol. V, livro II, parte III, págs. 434 e segs.).
Também não infringem o princípio citado as obrigações legais solidárias. Muitas vêzes a lei cria obrigações, e lhes dá, como sujeitos passivos, diversas pessoas ligadas por vínculo de solidariedade. Aqui não há, entretanto, como origem da obrigação, dolo ou culpa de alguém. E quando a obrigação procede dêsse elemento subjetivo, caracterizando-se como reparação de uma ilicitude, que não se admite disposição legal com efeito de fazer o inocente responder pelo culpado.
13. Se êsses argumentos não bastassem, ainda poderíamos recorrer, para completa elucidação da questão, aos antecedentes parlamentares da lei nº 1.808.
Voltara o projeto nº 202-D-1947 do Senado Federal à Câmara dos Deputados com emendas a diversos dos seus artigos, entre êles o art. 2º, a que lá se propusera a seguinte nova redação:
“Os diretores de sociedades anônimas ou gerentes de sociedades por cotas de responsabilidade limitada, exploradoras do comércio bancário, que na direção ou gerência procederem com dolo ou grave culpa ou violação grave da lei ou dos estatutos sociais, responderão, subsidiàriamente com a sociedade e solidàriamente entre si, pelas obrigações assumidas nos últimos cinco anos em nome dela e durante a sua gestão”.
Insinuava-se aí expressamente, com a locução solidàriamente entre si, o princípio da responsabilidade coletiva, e ainda assim pareceria mais legítimo sustentar, em face dos têrmos da emenda, que a solidariedade seria restrita aos diretores convencidos de dolo ou culpa, com exclusão dos inocentes.
A locução, porém, desapareceu do texto definitivo da lei. Por parecer desnecessária ou redundante aos legisladores? Não. Por desejarem êles excluir, de modo expresso, a responsabilidade coletiva dos diretores. E o que se lê no parecer da Comissão de Finanças da Câmara, aprovado em 5-11-952, do qual saiu o texto definitivo do art. 2º, rejeitada a emenda número 2 do Senado:
“Conquanto a emenda do Senado da autoria do eminente comercialista FERREIRA DE SOUSA seja em suas linhas gerais mais clara do que o dispositivo aprovado pela Câmara, convém acentuar que a emenda não deve ser aprovada uma vez que contém em seu bôjo uma determinação que fere frontalmente os princípios mais comezinhos de responsabilidade estudada à luz do direito penal. A emenda substitutiva determina que os diretores ou gerentes que procederem com dolo ou grave culpa ou violação grave da lei ou dos estatutos sociais, responderão, subsidiàriamente com a sociedade e solidàriamente entre si, pelas obrigações assumidas, nos últimos cinco anos, em nome dela e durante a sua gestão. Isto faz pressupor a transferência de responsabilidade dos diretores e gerentes substituídos durante os cinco anos para os que lhes sucederam na direção ou gerência do estabelecimento. Isto representa lamentável êrro. Quem diz procedimento doloso ou culposo pressupõe alguém que, de má-fé ou por simples negligência, imprudência ou imperícia viola a lei vigente. Êste alguém é um delinqüente, uma vez que o crime é a violação da lei penal ou a resultante da atividade anti-social impulsionada por fatôres biofísicos sociais. Ora, quem diz crime pressupõe a existência de pena que outra coisa não é ” senão a reeducação ou reintegração social do delinqüente. Logo, a pena só é aplicável a quem viola a lei. Fora dai, é absurdo jurídico, violador do disposto no § 30 do art. 141 da Constituição vigente, que estabelece imperativamente: “Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente.” Assim, opinamos pela re” feição da emenda e manutenção do texto do projeto da Câmara”.
IV. Antecedentes doutrinários e um julgado
14. Antes do caso, ora sub iudice, do Banco União do Brasil S. A., a atenção de juristas de nome foi solicitada pelo do Banco Nacional Interamericano S. A., a cujo presidente também não havia sido imputado dolo ou culpa, de que decorressem prejuízos para terceiros ou para o estabelecimento.
Examinou-se, então, se a responsabilidade dos diretores, instituída no art. 2º da lei nº 1.808, é coletiva ou individual, e por esta se pronunciaram os preclaros jurisconsultos Dr. CARLOS MEDEIROS SILVA, Dr. VICENTE RÁO e Dr. TRAJANO MIRANDA VALVERDE.
15. “A solidariedade estabelecida”, escreve o atual procurador-geral da República, “é a passiva, permitindo que o credor exija e receba da sociedade, ou do diretor, ou gerente, que haja procedido com culpa ou dolo, ou que lhe couber.
“Não alude o texto à solidariedade coletiva dos diretores, culpados ou não. Sòmente aquêles que procederem em contrário ao direito são atingidos.
“A norma guarda perfeita consonância com o direito comum das sociedades “por ações, já exposto. A solidariedade, que não se presume, é pessoal, sempre que fundada na culpa ou no dolo, que são incomunicáveis.
“Entender de modo contrário seria violentar o texto, na sua letra e no seu espírito; dar-lhe uma interpretação extensiva quando ela deve ser estrita, tendo em vista a natureza da matéria”.
E mais adiante:
“A responsabilidade solidária fixada no art. 2º da lei nº 1.808 é individual; sòmente atinge os diretores e gerentes que praticaram atos eivados de dolo ou culpa; os demais estão excluídos da referida sanção”.
16. Não é outro o sentir do Prof. VICENTE RÁO:
“Os diretores de bancos ou casas bancárias só respondem solidàriamente pelos atos dolosos ou culposos que, juntos, houverem praticado, de conformidade com o art. 2º da lei nº 1.808, de 7 de janeiro de 1953, que é a única disposição legal aplicável à espécie.
“Confirma essa conclusão o art. 3°, § 5º, da mesma lei, ao ordenar ao diretor da Sumoc que encerre o inquérito (prescrito pelo mesmo artigo) com um relatório do qual constarão “minuciosamente os atos de dolo ou de culpa grave” e o cálculo, se possível, do limite da responsabilidade dos diretores “para o seqüestro constante do art. 4º”.
“E a indicação minuciosa dos atos de dolo e de culpa (não simples, mas grave) pressupõe a nomeação dos diretores que os houverem praticado, para o efeito da apuração de sua responsabilidade individual, ou solidária, segundo a autoria caiba a um ou a vários, conjuntamente”.
17. Também o Dr. TRAJANO M. VALVERDE assim define a responsabilidade civil instituída no art. 2º da lei número 1.808:
“Responsabilidade civil individual, portanto, para cuja efetivação necessária será a prova de ações ou omissões culposas ou dolosas de cada um dos diretores ou gerentes, no exercício das atribuições e poderes, que os estatutos lhes tiverem outorgado. Sob o mesmo regime ficam os atos simplesmente violadores da lei ou dos estatutos.
“O art. 2º da lei nº 1.808 dispõe, exclusivamente, sôbre a responsabilidade civil para com terceiros, os credores do estabelecimento bancário, pois que a solidariedade imposta se limita às obrigações assumidas durante a gestão dos diretores ou gerentes e até que elas se cumpram. Responsabilidade, portanto, como já ficou dito (resposta ao 3° quesito), subsidiária ou sucessiva. Se o ativo liquidado não bastar para o pagamento de todos os credores, responderão então os diretores ou gerentes, condenados a ressarcir o prejuízo, pelo que faltar para a satisfação integral dos credores”.
18. A lição dos escritores já encontrou consagração judiciária, em julgado de uma das nossas urdis doutas côrtes de apêlo, que é o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O aresto convém à hipótese versada na consulta, como se a ela se tivesse diretamente referido.
Não só sufraga o que acima fica dito sôbre o caráter não coletivo da responsabilidade dos diretores de bancos e casas bancárias, mas também o que explanei sôbre a culpa própria do diretor, que não consiste numa apreciação genérica emitida sobre a sua conduta profissional, mas em atos específicos de negligência, imperícia ou imprudência, relacionados como a causa ao efeito com prejuízos também específicos observados no banco.
Melhor do que os argumentos que expendi, sustentam as conclusões dêste parecer os seguintes fundamentos da esclarecida decisão do Tribunal paulista:
“O agravo merece provimento, porque nos autos não se demonstrou haver o agravante concorrido com qualquer culpa para que o Banco Nacional Interamericano S. A. precisasse recorrer à liquidação extrajudicial sob exame. A comissão de inquérito da Sumoc só o achou culpado por ter sido, durante o período, ou melhor, durante parte do período em que se realizaram os negócios do banco por ela reputados ilícitos ou ruinosos, um dos membros do Conselho Diretor que, embora sem ingerência pessoal na efetivação de tais negócios, não os impediram nem desaprovaram em atas de reuniões da Diretoria. Não se indicaram no inquérito, realmente, sequer as comissões em que o agravante houvesse incorrido, nem os motivos pelos quais deveria conhecer a inconveniência das criticadas operações bancárias. A fragilidade da acusação que se lhes endereçou ficou assim patente.
“Culpa é questão de fato que só por meio de fatos concretos comprovados se esclarece e, no entanto, nenhum se apurou contra sua pessoa. Não se lhe atribuiu mesmo o descuido de ter assinado qualquer papel onde existisse falsidades ou Irregularidades que lhe fôssem mister notar e não se lhe fêz imputação de ter realizado, dirigido ou facilitado, pessoalmente, algum negócio errado do estabelecimento bancário. Suas responsabilidades não se firmaram, pois, de acôrdo com o art. 1º da lei nº 1.808, de 7 de janeiro de 1953, não se havendo de modo nenhum provado o fato de não ter êle empregado, pertencendo embora à Diretoria do banco, no interêsse dêste e do bem comum, a diligência que todo homem ativo e probo usa na administração de seus próprios negócios.
“Para demonstrar, já não a probabilidade, mas mesmo até a verossimlhança de sua culpa, seria necessário mais do que dizer sòmente que, durante sua gestão, outros diretores do banco houve que praticaram, em setores de atividades alheios ao seus atos condenáveis por dolosos ou imprudentes. Fôra necessário mostrar alguma conivência sua com êsses companheiros de Diretorias ou, ao menos que lhes teria conhecido ou tido a obrigação de conhecer-lhes determinados erros que passivamente aprovasse, dando-lhes tácita anuência.
“Restaria saber se, apesar de tudo, onerou-se o agravante com as responsabilidades em questão, ainda que isento de culpa que lhes atraísse, em virtude da regra da solidariedade passiva, que em certos casos mergulha indiferentemente todos os diretores da sociedade numa só e comum situação de co-devedores. Ora, é certo que e, infração das obrigações de não-fazer, fugindo àquela regra, só acarreta geralmente conseqüências contra a pessoa do infrator. Dêsse princípio se impregnam as leis de todos os países civilizados. Prudentemente o recordou MIRANDA VALVERDE ao comentar o art. 122 da lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940, das sociedades por ações, elucidante: “Claro é que ùnicamente as obrigações de fazer, ou positivas, impostas por lei ou pelos estatutos aos diretores indistintamente, podem fundamentar a sua responsabilidade solidária. Pois as de não-fazer, ou negativas, são, por sua natureza, pessoais; não depende, em regra, da vontade de outrem a fiel observância do preceito proibitivo”.
“Do exposto deflui que, se, por um lado, é verdade que a lei nº 1.808, de 1953, ainda não sofreu no ponto examinado apreciação da jurisprudência, e que, portanto, dizer definitivamente neste processo simplesmente preventivo que ela não firma a responsabilidade solidária de diretores de bancos, por obrigações de não-fazer por um dêles descumpridas, seria, na espécie, arriscar um prejulgamento da ação adequada a esclarecer êsse assunto, prevista no art. 5° daquela lei; por outro lado, em face da estudada doutrina e dos princípios pelos quais se rege normalmente tal responsabilidade, seria absurdo e desarrazoado rigor estabelecer, na hipótese discutida, contra êsses princípios e doutrina a provisória solidariedade em debate para o efeito de se manter o arresto dos bens do agravante.
“E mais salienta a sem-razão de tão inaconselhável orientação a observação que sôbre a matéria expenderam os próprios membros da Comissão de Inquérito da Sumoc, os quais, em seu relatório, ipsis verbis, reconheceram “que o art. 2º da lei em causa fixa a solidariedade dos diretores de bancos, sem especificar se ela é dos diretores que intervieram na operação incriminada ou de todos os membros da Diretoria ao tempo em que foi realizada a operação”. Que, portanto, quanto ao que diz respeito ao agravante, na ação própria de que a presente foi precursora se resolva a dúvida, mas sem o prévio arresto de seus bens, o qual esta, precisamente por seu tamanho e vulto, de modo nenhum justifica e sim, ao contrário, condena. Pois, realmente, o direito não aprovaria medidas violentas como a que nos autos se discute, pela razão única de se conjeturar a vaga possibilidade doutrinária de vir a ser modificada a situação jurídica atual do interessado pela interpretação da jurisprudência a ser futuramente acaso dada a certa nova lei relativa ao seu caso”.
19. Não tenho, pois, à vista do exposto, a menor dúvida em afirmar que as conclusões do inquérito administrativo, levado a efeito pela Sumoc no Banco União do Brasil S. A., não induzem a responsabilidade, a título de culpa, do seu diretor-presidente, e que a interpretação correta do art. 2º da lei nº 1.808 não permite estender à pessoa e aos bens de um diretor isento de culpa o vínculo de solidariedade passiva, que o mesmo artigo institui entre o banco e os diretores culpados.
É o meu parecer, s. m. j.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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- A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
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