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Análise do artigo 66 do Código Civil: fiscalização das fundações de apoio federais realizada pelo Ministério Público Estadual
William Paiva Marques Júnior
19/10/2020
As fundações de apoio às instituições federais de ensino superior, que podem ser de natureza pública ou privada, têm por escopo a facilitação e a flexibilização das tarefas acadêmicas, nas dimensões de ensino, pesquisa, extensão, gestão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, conforme consta do caput do art. 1° da Lei n°.: 8.958/1994 (dispõe sobre as relações entre as instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio), com redação determinada pela Lei n°.: 12.863, de 2013:
“Art. 1o As Instituições Federais de Ensino Superior – IFES e as demais Instituições Científicas e Tecnológicas – ICTs, de que trata a Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, poderão celebrar convênios e contratos, nos termos do inciso XIII do caput do art. 24 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, por prazo determinado, com fundações instituídas com a finalidade de apoiar projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos. (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)”
A determinação conforme a qual as fundações de apoio deverão estar constituídas na forma de fundações de direito privado, sem fins lucrativos, regidas pelo Código Civil Brasileiro, devendo atender aos princípios constitucionais da Administração Pública, plasmados na legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência e sujeitas à fiscalização pelo Ministério Público, nos termos do Código Civil e do Código de Processo Civil, à legislação trabalhista e ao prévio registro e credenciamento nos Ministérios da Educação e do Desporto e da Ciência e Tecnologia, renovável quinquenalmente encontram respaldo no art. 2° da Lei n°.: 8.958/94:
“Art. 2oAs fundações a que se refere o art. 1o deverão estar constituídas na forma de fundações de direito privado, sem fins lucrativos, regidas pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, e por estatutos cujas normas expressamente disponham sobre a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência, e sujeitas, em especial: (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)
I – a fiscalização pelo Ministério Público, nos termos do Código Civil e do Código de Processo Civil;
II – à legislação trabalhista; (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017)
III – ao prévio credenciamento no Ministério da Educação e no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, renovável a cada 5 (cinco) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017)
Parágrafo único. Em caso de renovação do credenciamento, prevista no inciso III do caput, o Conselho Superior ou o órgão competente da instituição federal a ser apoiada deverá se manifestar quanto ao cumprimento pela fundação de apoio das disposições contidas no art. 4o-A.”(Incluído pela Lei nº 12.863, de 2013) (Grifou-se)
Tendo por supedâneo a legislação em vigor, cabe ao Ministério Público velar pela fiscalização das fundações de apoio.
Nessa ordem de ideias, dispõe o caput do artigo 66 do Código Civil de 2002 que velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas:
“Art. 66. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas.
§1º Se funcionarem no Distrito Federal ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. (Redação dada pela Lei nº 13.151, de 2015)
§2º Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público.” (Grifou-se)
Conforme hermenêutica sufragada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), velar pelas fundações significa exercer toda atividade fiscalizadora, de modo efetivo e eficiente, em ação contínua e constante, a fim de verificar se realizam os seus órgãos dirigentes, proveitosa gerência da fundação, de modo a alcançar, de forma satisfatória a vontade do instituidor. O exercício das atribuições fiscalizadoras do Ministério Público que decorrem do sentido genérico da sua missão, envolve atuação de caráter meramente administrativo que dispensa regulação nas leis processuais:
“FUNDAÇÃO – Fiscalização pelo Ministério Público – Possibilidade do afastamento provisório, administrativo ou judicial, de todos os seus diretores para apuração de alegadas irregularidades – Desnecessidade obrigatória de prévia audição dos interessados. Velar pelas fundações significa exercer toda atividade fiscalizadora, de modo efetivo e eficiente, em ação contínua e constante, a fim de verificar se realizam os seus órgãos dirigentes proveitosa gerência da fundação, de modo a alcançar, de forma a mais completa, a vontade do instituidor. O exercício das atribuições fiscalizadoras do Ministério Público que decorrem do sentido genérico da sua missão, envolve atuação de caráter meramente administrativo que dispensa regulação nas leis processuais. A fiscalização das fundações deixaria de ter significação, se por receio de ferir melindres e suscetibilidades, dos seus dirigentes, viesse a constituir óbice a esse dever, de ordem pública, de exigir a sua precisa administração. Cabe ao Ministério Público o exercício de medida de vigilância em que constatará se a fundação está sendo gerida segundo a lei e os estatutos, como, outrossim, de tutela, em que verificará se a fundação está sendo gerida em moldes convenientes e oportunos para alçar-se os seus altos objetivos. No desempenho dessas funções podem ser enumeradas entre as atribuições do Ministério Público: a) a formulação à autoridade competente de pedido de suspensão administrativa de todos os dirigentes da fundação, envolvidos nesse ato e jurisdição graciosa, não só os órgãos ativos como consultivos, sem as suas audiências, mas em atenção ao resultado de sindicância levada a efeito por solicitação também do Ministério Público e determinação do Juízo; b) o procedimento judicial para a destituição de todos eles, em demanda com a participação dos sujeitos da lide. Verificado pelo Ministério Público, fiscal nato das fundações, comportamento nocivo ou, pelo menos, perigoso a seu futuro, por parte dos administradores, tem ele o dever de promover administrativamente a suspensão provisória deles. Convencendo-se o juiz competente da necessidade dessa providência, cumpre deferi-la, antes de fazer, em demanda judicial, a respectiva deliberação. Sem a remoção de imediato e transitória dos dirigentes da entidade que desvirtuam os seus fins ante apuração sumária, para impedir que inutilizem as provas da sua desídia, praticamente inútil e meramente formal se tornaria a fiscalização do Ministério Público se se aguardasse sempre a segunda, de caráter contencioso e definitivo. A suspensão pode ser de um, de alguns, ou de todos os diretores. Aliás, em princípio, parece aconselhável seja de todos, se ela se efetua com o objetivo de intervenção nos negócios da fundação, para colher provas definitivas dos males da administração, já verificados por elementos circunstanciais. Requerido o afastamento dos diretores, a natureza da providência, e os fins pela mesma objetivados, para o seu completo êxito estava no caso a aconselhar, como ato cautelatório de polícia das fundações, se levasse a efeito de surpresa, sem aquela audiência prévia, que a poderia nulificar no seu alcance, tornando-a ineficaz” (RT 299/735-736). (Grifou-se)
Conforme a interpretação firmada no STF, a expressão velar pelas fundações significa exercer toda atividade fiscalizadora, de modo efetivo e eficiente, em ação contínua e constante, a fim de verificar se realizam seus órgãos dirigentes a proveitosa e satisfatória gestão da fundação, de modo a alcançar, de forma a mais completa, os fins colimados pelo instituidor. O exercício das atribuições fiscalizatórias do Ministério Público, que decorrem do sentido genérico da sua missão, envolve atuação de caráter meramente administrativo, que dispensa regulação nas leis processuais.
O caput do artigo 66 do Código Civil de 2002 estabeleceu a regra de “velar pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas”, mas estabeleceu exceção quanto à referida atribuição dispondo no parágrafo 1º do referido caput que “se funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público Federal”.
Considerando que as fundações de apoio às instituições federais são de personalidade jurídica de direito privado, conforme preconizado expressamente por seus estatutos, o órgão competente para exercer sua fiscalização é o Ministério Público do Estado nos termos do art. 66, caput e parágrafos, do Código Civil de 2002.
Sobre a regra contida no art. 66 do Código Civil no tocante à fiscalização das fundações pelo Ministério Público Estadual, preleciona Caio Mário da Silva Pereira[1]:
“Envolvido que é um interesse social na sua atividade, compete ao órgão do Ministério Público do Estado fiscalizar-lhe a atuação e velar por ela (art. 66). Se se estender por mais de uma unidade da Federação a sua atividade, o representante do Ministério Público em cada localidade será sempre o seu órgão fiscalizador, a quem deverão ser submetidos os atos dos administradores e as contas das respectivas gestões, e facultado promover a anulação dos que forem praticados com inobservância das disposições estatutárias ou contrárias à lei.”
Nesse diapasão, propugna Fabrício Zamprogna Matiello[2]:
“Compete ao Ministério Público do Estado onde as fundações estiverem situadas velar pelo desenvolvimento adequado das atividades concernentes ao fim para elas previsto. Essa competência abrange, entre outros aspectos: a) o exame e aprovação do estatuto formulado pelas pessoas a quem o instituidor cometeu esse mister; b) a confecção do estatuto, em caso de inobservância do prazo de que dispunham os responsáveis para formulá-lo; c) análise e aprovação de eventuais mudanças feitas no estatuto ao longo do período de funcionamento da fundação; d) zelar pelo cumprimento de todas as disposições legais, de caráter específico ou genérico, que incindirem na espécie”.
Sobre o regime jurídico fiscalizatório fundacional, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n°.: 2.794, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, publicado no DJ 30.3.2007, declarou a inconstitucionalidade da redação original do § 1º do art. 66 do Código Civil e fixou o entendimento segundo o qual compete ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios velar pelas fundações privadas situadas no Distrito Federal, permanecendo o Ministério Público Federal com a competência de fiscalizar as fundações federais de direito público sediadas no Distrito Federal. Segue o teor da ementa do acórdão:
“I. ADIn: legitimidade ativa: “entidade de classe de âmbito nacional” (art. 103, IX, CF): Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP 1. Ao julgar, a ADIn 3153-AgR, 12.08.04, Pertence, Inf STF 356, o plenário do Supremo Tribunal abandonou o entendimento que excluía as entidades de classe de segundo grau – as chamadas “associações de associações” – do rol dos legitimados à ação direta. 2. De qualquer sorte, no novo estatuto da CONAMP – agora Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – a qualidade de “associados efetivos” ficou adstrita às pessoas físicas integrantes da categoria, – o que bastaria a satisfazer a antiga jurisprudência restritiva. II. ADIn: pertinência temática. Presença da relação de pertinência temática entre a finalidade institucional da entidade requerente e a questão constitucional objeto da ação direta, que diz com a demarcação entre as atribuições de segmentos do Ministério Público da União – o Federal e o do Distrito Federal. III. ADIn: possibilidade jurídica, dado que a organização e as funções institucionais do Ministério Público têm assento constitucional. IV. Atribuições do Ministério Público: matéria não sujeita à reserva absoluta de lei complementar: improcedência da alegação de inconstitucionalidade formal do art. 66, caput e § 1º, do Código Civil (L. 10.406, de 10.1.2002). 1. O art. 128, § 5º, da Constituição, não substantiva reserva absoluta à lei complementar para conferir atribuições ao Ministério Público ou a cada um dos seus ramos, na União ou nos Estados-membros. 2. A tese restritiva é elidida pelo art. 129 da Constituição, que, depois de enumerar uma série de “funções institucionais do Ministério Público”, admite que a elas se acresçam a de “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”. 3. Trata-se, como acentua a doutrina, de uma “norma de encerramento”, que, à falta de reclamo explícito de legislação complementar, admite que leis ordinárias – qual acontece, de há muito, com as de cunho processual – possam aditar novas funções às diretamente outorgadas ao Ministério Público pela Constituição, desde que compatíveis com as finalidades da instituição e às vedações de que nelas se incluam “a representação judicial e a consultoria jurídica das entidades públicas”. V – Demarcação entre as atribuições de segmentos do Ministério Público – o Federal e o do Distrito Federal. Tutela das fundações. Inconstitucionalidade da regra questionada (§ 1º do art. 66 do Código Civil) -, quando encarrega o Ministério Público Federal de velar pelas fundações, “se funcionarem no Distrito Federal”. 1. Não obstante reserve à União organizá-lo e mantê-lo – é do sistema da Constituição mesma que se infere a identidade substancial da esfera de atribuições do Ministério Público do Distrito Federal àquelas confiadas ao MP dos Estados, que, à semelhança do que ocorre com o Poder Judiciário, se apura por exclusão das correspondentes ao Ministério Público Federal, ao do Trabalho e ao Militar. 2. Nesse sistema constitucional de repartição de atribuições de cada corpo do Ministério Público – que corresponde substancialmente à distribuição de competência entre Justiças da União e a dos Estados e do Distrito Federal – a área reservada ao Ministério Público Federal é coextensiva, mutatis mutandis àquela da jurisdição da Justiça Federal comum e dos órgãos judiciários de superposição – o Supremo Tribunal e o Superior Tribunal de Justiça – como, aliás, já o era sob os regimes anteriores. 3. O critério eleito para definir a atribuição discutida – funcionar a fundação no Distrito Federal – peca, a um só tempo, por escassez e por excesso. 4. Por escassez, de um lado, na medida em que há fundações de direito público, instituídas pela União – e, portanto, integrantes da Administração Pública Federal e sujeitas, porque autarquias fundacionais, à jurisdição da Justiça Federal ordinária, mas que não tem sede no Distrito Federal. 5. Por excesso, na medida em que, por outro lado, a circunstância de serem sediadas ou funcionarem no Distrito Federal evidentemente não é bastante nem para incorporá-las à Administração Pública da União – sejam elas fundações de direito privado ou fundações públicas, como as instituídas pelo Distrito Federal -, nem para submetê-las à Justiça Federal. 6. Declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 66 do Código Civil, sem prejuízo, da atribuição ao Ministério Público Federal da veladura pelas fundações federais de direito público, funcionem, ou não, no Distrito Federal ou nos eventuais Territórios.” (STF- ADI 2794, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 14/12/2006, DJ 30-03-2007 PP-00068 EMENT VOL-02270-02 PP-00334 LEXSTF v. 29, n. 340, 2007, p. 56-73) (Grifou-se)
Como resultado do julgamento da ADI n°.: 2.794, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da redação original do § 1º do art. 66 do Código Civil (Lei n°.: 10.406/2002) e fixou o entendimento segundo o qual “a tarefa de velar pelas fundações privadas situadas no Distrito Federal é de incumbência do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios”.
Nesse diapasão, embora o conflito já estivesse devidamente pacificado no julgamento da ADI nº. 2.794-8 pelo STF, a Lei nº.: 13.151, de 28 de julho de 2015, por meio do seu artigo 2º, houve por bem o legislador alterar o dispositivo ora analisado, para o fim de conferir a atribuição da supervisão das fundações que funcionem no Distrito Federal e Territórios ao próprio MPDFT. Pode-se afirmar, então, que não houve qualquer mudança substancial no direito vigente, conquanto não se ignore que a alteração em voga buscou corrigir um equívoco cometido pelo legislador de 2002, visando, assim, a manter a coerência do sistema fiscalizatório fundacional.
Observa-se que o regime jurídico das fundações no Código Civil de 2002 restou alterado pela Lei nº.: 13.151, de 28 de julho de 2015, por meio da nova redação atribuída dos artigos 66, parágrafo 1º, e 69, III, do Código Civil.
Nesse contexto, existem duas alterações a serem analisadas: (1) a do parágrafo 1º do artigo 66, que retira do Ministério Público Federal a atribuição para fiscalizar as fundações sediadas no Distrito Federal e Territórios, conferindo-a ao Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios; e (2) a do inciso III do artigo 67, por meio do qual se fixa um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para que Ministério Público aprecie uma alteração estatutária que lhe seja submetida.
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[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – v. I / Atual. Maria Celina Bodin de Moraes. – 30. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, pág. 303.
[2] MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado. 2ª- edição. São Paulo: LTR, 2.005, pág. 66.