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Ação rescisória – prescrição – decadência – ato nulo e ato inexistente – herdeiro aparente, de Antão de Morais

REVISTA FORENSE 163

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28/05/2024

– O prazo para a propositura da ação rescisória é de decadência, que não se interrompe ou suspende por qualquer motivo.

– A diferença entre nulidade e inexistência consiste em que a primeira pode ser confirmada, e a segunda não.

– No direito pátrio não há como negar a aplicação da teoria da aparência, instrumento elegante de integração jurídica.

PARECER

1. Em 1934 faleceu nesta Capital um cidadão deixando viúva e mãe viva. Não se fêz inventário.

2. Uma fazenda agrícola pertencente ao casal estava hipotecada. Para haver o seu crédito, o credor propôs contra a viúva e a mãe do de cujus, únicos interessados conhecidos, a competente ação executiva hipotecária, a qual seguiu regularmente todos os seus têrmos até final praça e arrematação.

3. A arrematação foi feita pelo próprio credor em benefício de seu crédito. Já transcrita a carta, o arrematante vendeu o imóvel a uma sociedade comercial que, por sua vez, o transferiu ao atual proprietário.

4. Transcorridos mais de 10 anos, em 1947, surgiu suposto filho do de cujus alegando não ter sido citado para a ação executiva hipotecária e, por isso, apelou da sentença que a julgou procedente. O recurso foi negado nestes têrmos:

“Incabível a apelação, que se refere a sentença proferida em processo iniciado em 1934 e já executado, com carta de arrematação expedida em 21 de março de 1935”.

Êste despacho traz a data de 13 de junho de 1947.

5. Decorridos mais de cinco anos, o atual proprietário da fazenda arrematada é surpreendido com uma citação para responder aos têrmos de uma ação ordinária, na qual se pede a anulação da ação executiva hipotecária e, conseqüentemente, da praça, arrematação e transcrições que se sucederam, sob fundamento de falta de citação do referido suposto filho do devedor hipotecário.

6. Para colorir a sua posição no negócio, êsse hipotético filho requereu, em 1950, o inventário dos bens deixados por seu imaginário pai. Nesse inventário, a viúva executada não figura como inventariante. O conjeturado filho é que assumiu essa qualidade. Mas, não levaram a cabo o inventário. Cederam os seus direitos a terceiros. Êstes é que, após haverem obtido, no inventário, adjudicação da fazenda, pretendem anular a ação executiva, restabelecendo-se a situação anterior.

7. Oferecendo cópia da petição inicial e da contestação, que apresentou, indaga o réu no primeiro quesito:

“Pode proceder a ação de nulidade ora proposta ?”

Não é difícil justificar a resposta negativa que êste quesito merece. O que é difícil é condensar as inúmeras razões de ordem jurídica que fulminam essa tentativa.

Ação rescisória

8. A primeira consideração que ocorre é tratar-se de ação rescisória por violação de lei processual. A propósito há duas correntes. Uma entende que a literal disposição de lei, a que alude o art. 798, I, letra c, do Cód. de Proc. Civil, só compreende a lei substantiva. Nesse sentido pronuncia-se o professor BUENO VIDIGAL, “Ação Rescisória”, pág. 62, nota 141. É a conclusão do que expôs à pág. 58, nº 62, tendo em vista a tradição do nosso direito judiciário. Com essa teoria afinam os acórdãos do Tribunal de Apelação de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul (“REVISTA FORENSE”, vols. 101, pág. 329, e 109, pág. 156). Outro acórdão do Rio Grande do Sul pode ser lido na “Rev. dos Tribunais”, vol. 141, pág. 236, conquanto o primeiro seja mais vizinho da espécie da consulta.

Do Tribunal de São Paulo existem várias decisões (“Rev. dos Tribunais”, vol. 164, pág. 323, e “REVISTA FORENSE”, vol. 88, pág. 446).

9. Outra corrente sustenta que o.artigo 798, I, letra c, não distingue entre lei material e formal, não cabendo ao intérprete distinguir. Nesse sentido, PONTES DE MIRANDA, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. IV, pág. 552, e o acórdão das Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de São Paulo, na “Rev. dos Tribunais”, vol. 203, pág. 384.

10. Sem tomar partido por uma ou outra dessas soluções, aponto-as apenas para lembrar um caso de recurso extraordinário (art. 101, III, letra d, da Constituição federal), na hipótese de ser essa matéria suscitada e decidida contra os interêsses dos consulentes.

Prescrição e decadência

11. Proferida a sentença, em 1934, na ação executiva hipotecária, está fora de prazo a rescisória, ora proposta. Estaria, mesmo que se tratasse de prescrição. Mas, a doutrina dominante é que o prazo é de decadência. Ora, êste prazo sendo fatal e peremptório, não podendo ser nem suspenso nem interrompido, conta-se da data em que passou em julgado a sentença rescindenda. Isto é matéria que não sofre nenhuma contestação. Não obstante, transcreverei a última decisão unânime da Seção Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo (“Rev. dos Tribunais”, vol. 205, pág. 321):

“O lapso de tempo, dentro do qual se permite propor a rescisória é de cinco anos (Cód. Civil, art. 178, § 10, número VIII). Mas, como é de correntio entendimento (“Rev. dos Tribunais”, vols. 97, pág. 533, e 104, pág. 659; “Arquivo Judiciário”, vol. 86, pág. 147), o prazo é de decadência, que não se interrompe ou suspende por qualquer motivo. Daí afirmar CARLOS MAXIMILIANO: “O curso do prazo preclusivo não fica suspenso durante a incapacidade da parte, nem na constância do matrimônio, como acontece, comumente, com o da prescrição. A decadência não só não se suspende, mas, também, não se interrompe como a prescrição; os meios adequados a evitaresta não se aplicam àquela, cujos prazos são improrrogáveis” (“Direito Intertemporal”, 1946, nº 220, pág. 247)”.

12. Do ponto de vista doutrinário, faço restrições a essa teoria. Mas, do ponto de vista prático, não há, já agora, como repeli-la. Todos a aceitam, inclusive, em inúmeras decisões, o Supremo Tribunal Federal (confiram-se como excelente guia para discriminar a prescrição da decadência, o voto do Sr. ministro OROZIMBO NONATO, na “REVISTA FORENSE”, volume 115, pág. 453; o ótimo ensaio de CARLOS MAXIMILIANO, in “Direito”, vol. 1, pág. 41, e o acórdão do Tribunal do Distrito Federal, relatado pelo desembargador ARI FRANCO, no “Arq. Judiciário”, volume 57, pág. 105).

13. A sentença, consoante se viu, é de 1934, Mesmo que se considere o prazo de prescrição e não de decadência, e que seja contado, não da sentença, proferida em 1934, mas do despacho que denegou a apelação em 1947, ainda assim a rescisória já está fora de tempo, porque a inicial traz a data de 27 de abril de 1953. Êste é, portanto, um caso no qual desapareceria o interêsse da distinção entre prescrição e decadência, não fôra a confusão que certa doutrina pode originar e para cuja apreciação é, sem dúvida, melhor a posição da decadência do que a da prescrição.

14. Argúi-se falta de citação inicial do filho do de cujus, na ação executiva hipotecária. Sem indagar se se trata, realmente, de filho, matéria que será apreciada na causa, de conformidade com a prova, admito, para argumentar, seja essa, realmente, a sua qualidade.

O professor ENRICO TULLIO LIEBMAN, em parecer que pode ser lido na “Rev. dos Tribunais”, vol. 152, pág. 443, ou na “REVISTA FORENSE”, vol. 101, pág. 294, sustenta a teoria da inexistência e a imprescritibilidade. Pela inexistência e pela inaplicabilidade do prazo de cinco anos, previsto no, art. 178, § 10. VIII, do Cód. Civil, são também PONTES DE MIRANDA, “Ação Rescisória”, págs. 66, 69, 72 e 162, e “Comentários” aos arts. 798 e 1.010, nº I, do Cód. de Proc. Civil; LUÍS EULÁLIO, ob. cit., págs. 32 e 33.

15. A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do Sr. ministro OROZIMBO NONATO, decidiu:

“Não produz efeito o julgamento inexistente; mas, o mesmo não acontece com os simplesmente nulos, que, enquanto não rescindidos, produzem coisa julgada”.

O julgamento inexistente pode ser atacado por qualquer dos meios indicados por PONTES DE MIRANDA, “Comentários”, vol. IV, pág. 527, e por LUIS EULÁLIO, ob. cit., pág. 32.

16. Nosso direito não trata especialmente da inexistência. Não obstante, é fôrça admiti-la. A demonstração, quanto ao direito civil, foi magistralmente feita por EDUARDO ESPÍNOLA, “Manual”, volume 3, quarta parte, págs. 46 e segs. Quanto ao direito judiciário, vejam-se: PONTES DE MIRANDA, “Ação Rescisória”, págs. 71 e segs., e LUÍS EULÁLIO, cit., pág. 31.

Ato nulo e ato inexistente

Contudo, admitindo a teoria da inexistência, não se deve perder de vista o quanto é difícil distinguir o ato nulo do ato inexistente. PONTES DE MIRANDA aponta várias hipóteses de inexistência que são contestadas por LUÍS EULÁLIO (confira-se o livro dêste, pág. 32). LACOSTE, “Chose Jugée”, nº 129-bis, troisième édition, observa:

“Esta distinção da simples anulabilidade e da inexistência é muito delicada: é mesmo hoje fortemente combatida em doutrina (JAPIOT, “Des nullités en matière d’actes juridiques”, tese). Supondo que seja admitida, torna-se muitas vêzes dificílimo dizer se uma sentença é ou não inexistente”.

Em se tratando de processo, raramente se poderá admitir a inexistência. É o que nos ensina LAURENT, “Príncipes”, vol. 20, nº 14:

“Restam as nulidades de forma. POTHIER diz que não se invocam de pleno direito. Isto se compreende quando se trata de forma processual; a nulidade não impede a sentença de existir; ela produz, assim, seus efeitos até que seja reformada ou cassada”.

17. Ora, a falta de citação inicial poderá tornar nulo o processo. Inexistente não, porque o art. 165 do Cód. de Processo Civil é expresso a respeito:

“Será necessária a citação, sob pena de nulidade, no comêço da causa e da execução.

§ 1° O comparecimento do réu em juízo suprirá, entretanto, a falta de citação”.

Como se pode suprir um ato inexistente? Suprir não significa completar, inteirar, remediar, preencher? Isso não pressupõe ato existente, embora defeituoso?

Por isso, a tendência de nossos tribunais, em face dêsse texto, é para interpretá-lo no sentido da nulidade e não da inexistência, desde que a sentença seja proferida em processo aparentemente regular. Aos julgados já acima referidos, acrescento a decisão que se lê na “Revista dos Tribunais”, vol. 171, pág. 617.

Ora, se se trata apenas de nulidade, que pode ser confirmada e que não deve ser declarada sem prova de prejuízo (Cód. de Proc. Civil, art. 278, § 2º), não há falar em inexistência.

18. A diferença, portanto, entre nulidade e inexistência consiste em que a primeira pode ser confirmada e a segunda não. Ouçamos CARNELUTTI, “Sistema”, vol. I, pág. 283: “por fim, quando se fala de decisão ou, comumente, de ato inexistente, entende-se não já qualquer coisa que não existe, mas, qualquer coisa que, embora existindo materialmente, não tem eficácia jurídica. Isto pôsto, a diferença consiste em que, num caso, embora não tendo eficácia jurídica, pode conquistá-la e, noutro caso, não é apto a conquistá-la”.

Assim, diz CARNELUTTI que, se a palavra nulidade fôr adotada no sentido de não se poder confirmar o ato, existe entre ela e inexistência sentido idêntico; se se empregar no sentido de poder confirmar-se o ato, é, então, sinônima de anulabilidade e não de inexistência. Vimos que nosso legislador processual considerou a falta de citação nulidade e não existência. Assim era, no direito anterior (JORGE AMERICANO, “Ação Rescisória”, 2ª ed., pág. 213).

E por se tratar de nulidade, e não de inexistência, o Supremo Tribunal Federal, “Jurisprudência”, vol. 16, 1943, pág. 168, julgando o recurso extraordinário número 6.202, de Pernambuco, achou que a validade da citação inicial não mais podia ser alegada em ação rescisória, passados os cinco anos previstos na lei.

19. Pelo exposto, verifica-se que, não havendo inexistência, mas apenas nulidade, o caso é de ação rescisória. Entretanto, estando esta prescrita ou caduca, intentou-se, no caso da consulta, ação de nulidade, que só caberia se estivéssemos ante uma hipótese de inexistência.

CARNELUTTI, “Sistema”, vol. 2, página 491, distingue a nulidade da decadência: “a nulidade respeita a um ato já cumprido e a decadência é um ato ainda a ser cumprido“.

Ainda:

“Chamamos decadência a conseqüência do decurso do dia ou do têrmo peremptório, sem que o ato seja vàlidamente cumprido; o que decai é a faculdade de cumprir o ato eficaz, isto é, de produzir os efeitos jurídicos”.

20. Em se tratando de nulidade, convém não esquecer a regra de que, nesse assunto, é muito difícil aplicar a lei, sem atentar, cuidadosamente, para cada hipótese. É do que nos adverte PIÉDELIÈVRE em sua famosa monografia “Des effets produits par les actes nuls”, pág. 498:

“Segue-se daí que os efeitos da nulidade podem variar segundo as hipóteses, que os atos nulos podem ser completamente aniquilados ou sobreviver em parte, e, neste último caso, será de maneira bem diferente, conforme as espécies, que a sobrevivência se produzirá”.

Conclui PIÉDELIÈVRE (pág. 501, nota 2), após afirmar, no texto, que não há nulidades mas sòmente atos nulos:

“Permita-se-nos uma comparação que, por ser pouco jurídica, não é menos exata: dizemos que não há nulidades, mas sòmente atos nulos, no mesmo sentido e com o mesmo alcance que certos médicos dizem: não há doenças, não há senão doentes”. Falando assim êles não querem evidentemente negar a existência e exatidão de princípios gerais que lhes permitam seguir uma direção determinada, quanto ao tratamento a ordenar aos doentes, cujas moléstias apresentam tal ou qual caráter classificado e conhecido de antemão; êles querem sòmente dizer que êste tratamento deve modificar-se consoante as circunstâncias que rodeiam a moléstia, adaptar-se às particularidades que esta apresenta em tal caso especial, particularidades que variam de acôrdo com a gravidade do mal, com a idade e as forças do doente, com as complicações que podem sobrevir, etc., etc. Da mesma forma, pretendemos que a sanção de nulidade não pode cristalizar-se em princípios rígidos ignorando as circunstâncias que podem influir em tal hipótese particular, mas deve adaptar-se aos caracteres especiais de cada ato nulo. Princípios gerais podem guiar o intérprete, mas devem ser bastante maleáveis para permitir-lhe levar em conta particularidades que podem deslocar os interêsses que cabe proteger”.

Na esteira dessa preciosa lição, procuremos fixar as circunstâncias em que se deu a falta de citação do suposto herdeiro. Tinha êste existência conhecida? Não. Ninguém disso tinha a menor notícia. Nem a espôsa de seu pai. Nem a mãe dêste. No assento de óbito consta a declaração de que o de cujus não deixou filhos. O credor exeqüente não era o credor originário. Na escritura pela qual se lhe transferiram e cederam os direitos por fôrça dos quais veio a juízo reclamar o que lhe pertencia, compareceram as únicas interessadas conhecidas: a viúva-meeira a mãe do devedor cedido. Podia o credor hipotecário, nessas condições, saber, que num cartório do sertão da Bahia existia um assento de nascimento do que se inculca filho do de cujus? E por que, apesar da publicidade que envolve uma ação executiva hipotecária, cujos têrmos foram até a praça e arrematação, só agora, 19 anos decorridos, aparece em cena para pretender anular a sentença proferida na ação executiva hipotecária? E, por que deixou escoar-se o qüinqüênio, após haver apelado em vão em 1947? Por que se conformou com o despacho que não admitiu apelação?

21. A teoria da aparência fornece elementos para que se resolva sem qualquer vacilação a controvérsia. Que é aparência de direito? Responde-o, como sempre, magistralmente, MARIANO D’AMELIO (“Nuovo Digesto Italiano”, vol. 1, pág. 550, vb. Apparenza del diritto):

“No mundo jurídico o estado de fato nem sempre corresponde ao estado de direito; mas o estado de fato, muitas vêzes, e por considerações de vária ordem, merece o mesmo respeito que o estado de direito e, em determinadas condições, com referência a determinadas pessoas, gera conseqüências não diferentes das que decorreriam do correspondente estado de direito. Um dêstes casos é a aparência do direito. Há, na verdade, situações gerais para as quais quem revelou confiança razoável em dada manifestação jurídica e procedeu de acôrdo com essa manifestação, tem direito de contar com ela, ainda quando à manifestação não corresponde a realidade”.

Herdeiro aparente

Uma dessas manifestações, a principal, a que todos consideram em primeiro lugar, é a do herdeiro aparente. Eis como o define o professor de Madri, LADARIA CALDENTEY, “Legitimación y apariencia jurídica”, pág. 230:

Heredero aparente es la persona que aparece como heredero sin serlo realmente, es decir, la persona que actúa franca y publicamente como titular de los bienes relictos, y es considerada por todos como sucesor hereditario“.

Outra não é a noção dada pelo doutor RENATO TARDIVO, “L’erede apparente”, nº 56, pág. 97:

“Giova anzitutto richiamare qui il concetto da noi più sopra esposto secondo cui si deve considerare erede apparente chi possiede con veste d’erede, e come tale si comporta senzesserlo, a prescindere dalla sua buona o mala fede, purchè appaia ai terzi possessore pubblico, pacifico e non equivoco della eredità”.

Ainda LUIGI MENGONI, “L’acquisto a non domino”, nº 36, pág. 81:

“Herdeiro aparente é quem, sem que exista uma chamada em seu favor, se comporta como herdeiro, de modo a determinar, na generalidade dos terceiros, uma correspondente confiança objetiva. A aparência de herança é, pois, um juízo objetivo dos terceiros, inerente ao procedimento de um indivíduo, procedimento que, se existisse o pressuposto da chamada, comportaria, em face do artigo 476, a successio in locum et jus defuncti. Não basta, para os efeitos da aparência de herdeiro, a aceitação da pretendida chamada pelos modos indicados no art. 475, ainda que se siga a transcrição; ocorre que a vontade de ser herdeiro se manifeste por fatos concludentes, públicos e pacíficos, que logrem suscitar nos companheiros a razoável opinião de se acharem em frente do verdadeiro herdeiro”.

22. Já vimos que essa era a situação da mãe do de cujus. No assento de óbito constava que êste não deixou filhos. Na escritura de cessão ela compareceu na qualidade de única herdeira em companhia da viúva-meeira. Era, assim, por todos havida como herdeira; e jamais negou essa qualidade, nem mesmo na ação executiva hipotecária. Êste é um caso típico de aparência de direito.

23. O art. 534 do Cód. Civil italiano, reproduzindo regra idêntica do Código de 1865, dispõe:

“O herdeiro pode agir também contra os sucessores de quem possui o título de herdeiro ou sem título.”

Ficam salvos os direitos adquiridos, por efeito de convenções a título oneroso, com o herdeiro aparente, por terceiros que provem haver contratado em boa-fé”.

Só uma exceção se abre: a regra da validade dos contratos onerosos feitos com o herdeiro aparente não tem aplicação quando o herdeiro real comparece e transcreve antes o seu direito.

Comentando o dispositivo indicado, escrevem BRUNELLI e ZAPPULLI, “Il libro delle successioni e donazioni”, número 121, pág. 176:

“O êrro em que incidiu o terceiro deve ser escusável; é evidente que não pode pretender ser considerado de boa-fé quem haja adquirido de pessoa que claramente não tivesse veste para dispor da coisa. De qualquer modo, dada a definição do herdeiro aparente, quando êste se tenha notòriamente comportado como herdeiro, basta que o terceiro adquirente haja verificado que o mesmo possuía a coisa a título de herdeiro, sem que seja obrigado a cumprir mais acuradas indagações para determinar a efetiva existência de tal qualidade“.

24. Desde que a convenção realizada seja a título oneroso, tudo quanto o herdeiro aparente praticar nesse sentido é válido. Para não alongar em demasia êste parecer, abstenho-me de indicar os inúmeros contratos, desde a compra e venda até a locação e a hipoteca, que o herdeiro aparente pode praticar vàlidamente: reporto-me aos citados trabalhos de D’AMELO, TARDIVO, MENGONI, BRUNELLI e ZAPPULLI, onde tudo vem pormenorizadamente explicado. Como se vê do texto do art. 534, cit., só se excluem os contratos a título gratuito. Mas, aí compreende-se (TARDIVO, ob. cit., nº 66, pág. 109):

“Passando agora a tratar dos atos a título gratuito, diremos que a boa-fé não salva o terceiro nessa hipótese, porque não subsiste o motivo de tutela que existia para os atos a título oneroso. “Neste último caso, de fato, o terceiro é qui certat de damno vitando, e é justo protegê-lo, preferindo a sua operosidade à inatividade do herdeiro; ao passo que na primeira hipótese, senda o terceiro qui certat de lucro captando, não se afigura eqüitativo assegurar-lhe um ganho em prejuízo do verdadeiro herdeiro”.

Convém atentar, ainda, para o seguinte tópico de BRUNELLI e ZAPPULLI:

“O Código fala de convenções a título oneroso. É evidente que é onerosa a convenção na qual cada um dos contratantes vise, mediante equivalente, receber uma vantagem. Nem sempre, todavia, é fácil decidir se um negócio é a título oneroso ou gratuito. É sem dúvida a título oneroso a datio in solutum que o herdeiro faça de um objeto hereditário para extinguir uma dívida própria; assim, da mesma forma, a constituição de hipoteca que o herdeiro aparente haja outorgado sôbre imóvel hereditário, em garantia de dívida sua. Ambos os negócios pressupõem uma contraprestação já feita pelo terceiro”.

Ora, se o herdeiro aparente podia, vàlidamente, fazer ao credor hipotecário da ação em pagamento do imóvel hipotecado para garantir débito seu, com maior fôrça de razão poderia fazê-la ao credor hipotecário do de cujus. Entretanto, na espécie em exame, o credor hipotecário teve que recorrer à via judiciária.

25. No direito pátrio não há como negar a aplicação da teoria da aparência, instrumento elegante de integração jurídica. Assim, como dos arts. 933 do Código Civil italiano de 1865 e 534 do Código vigente, insertos no direito das sucessões, a doutrina se espraiou, atingindo todos os recantos da ciência jurídica, também o princípio que está contido no art. 1.600 do Cód. Civil brasileiro tem que informar todos os atos e negócios jurídicos em que se faça mister invocar a aparência do direito para resguardo da boa-fé de terceiros. Na Itália, houve resistência. Mas, os tribunais passaram por ela. É o que nos noticia D’AMELIO (ob. cit., nº 3).

L’estenzione della dottrina ha incontrito fautori ed oppositori, ma praticamente essa é invocata ogni giorno avanti i tribunali”.

O ministro FILADELFO AZEVEDO, “Um triênio de judicatura”, voto nº 298, contava com a ação unificadora do Supremo Tribunal Federal a respeito. Se não veio, ainda, virá, sem dúvida, porque essa doutrina repousa, além do mais, como lembra BETTI, “Teoria generale del negozio giuridico”, pág. 67, seconda edizione, no valor social da aparência. No comentário de CARVALHO SANTOS, ao artigo 1.600, pode ler-se o trabalho onde FILADELFO AZEVEDO mostra que a regra do art. 1.600 deve abranger todos os casos em que intervenha como contratante o herdeiro aparente, em homenagem à boa-fé do terceiro que com êle contratou.

26. Cabe agora mostrar que não é só o direito substancial que valida o ato praticado pelo herdeiro aparente. Também, na hipótese da consulta, o direito adjetivo fornece poderoso arrimo. Está no art. 85 do Cód. de Proc. Civil:

“Serão representadas em juízo, ativa e passivamente, a massa falida, pelo síndico ou liquidatário; a herança, pelo inventariante, salvo quando dativo; a herança vacante ou jacente, pelo seu curador”.

Ora, pelo art. 1.579 do Cód. Civil ao cônjuge sobrevivente cabia a inventariança. Com êle correu a ação executiva hipotecária. Houve nulidade? Não. Veio a juízo quem devia vir. Simples anormalidade, provocada pela própria viúva, que não requereu o inventário, coagindo dessarte o credor hipotecário a agir, segundo consta da petição inicial da ação de nulidade ora proposta. Se houvesse inventário, só a viúva teria que ser citada. Como inventário não houve, também a única herdeira conhecida foi acionada. Não fêz o credor hipotecário mais do que a lei exige? Se a ação executiva corresse só contra a viúva, que por lei devia ser a inventariante, o art. 85 do Cód. de Processo, combinado com o art. 1.579 do Cód. Civil, não seria suficiente para cobrir a irregularidade?

27. E mais não é preciso dizer. Os autores, cessionários do suposto herdeiro, optaram pela querela nullitatis, dado que o prazo da ação própria, a rescisória, havia decorrido. Mas, como se viu, o vício apontado é, pelo Cód. de Proc. Civil, considerado hipótese de simples anulabilidade, pois pode ser sanado e não deve ser decretado quando não se prova prejuízo. Não estamos em face de nulidade pleno jure e menos, ainda, diante de uma inexistência. Na petição da ação de nulidade, não se aponta nenhuma outra anomalia, a não ser a falta de citação, que foi feita na pessoa de herdeira aparente, aliás, desnecessàriamente, como ficou demonstrado. Não há, assim, como fugir às conseqüências do prazo de caducidade, o qual não pode ser suspenso, nem interrompido, pois é fatal e peremptório. Estamos ante um caso de ausência; e, por isso, reservei para conclusão esta passagem do eminente MODICA, “Teoria della decadenza”, vol. I, nº 235, pág. 286:

“Os obstáculos de fato, que suspendem início do curso da decadência, são indicados taxativamente pela lei, isto é: a violência, o êrro (art. 106), a fraude, (art. 166), a ausência (art. 166), a ignorância do fato (arts. 1.082 e 1.718), a não-entrega da coisa (art. 1.505), a morte do titular do direito (art. 167) e talvez algum outro”.

A ausência, de que trata o art. 166, no trecho citado, é a do marido que retorna ao domicílio conjugal; e a ignorância, a que se referem os arts. 1.082 e 1.718, diz respeito à revogação de doação por ingratidão e a relações de sócios nas sociedades. Nada disso interessa ao caso da consulta. Interessaria o art. 1.531. Trata-se de rescisão por lesão:

“A demanda não se admite mais, expirados dois anos do dia da venda.”

Êste têrmo corre contra os ausentes, contra os interditos e menores sucessores de um vendedor de maior idade”.

Eis agora o que discorre MODICA sôbre a pretensão de se estender a suspensão a outros casos, além dos previstos; e de se excluírem da caducidade os ausentes, em outras hipóteses nas quais a lei a êles não se refere expressamente:

“Não se podem, portanto, criar outros casos de suspensão, aduzindo-se que nêles concorrem os mesmos motivos de eqüidade, já que a apreciação dêsses é reservada só ao legislador. Pela mesma razão não se podem tampouco estender a um outro têrmo as causas suspensivas estabelecidas para um dado têrmo de decadência, havendo o legislador, com o seu critério soberano, avaliado caso por caso e provido onde julgou oportuno.”

Vice versa, o haver taxativamente a lei indicado em alguns casos a exclusão de um dado impedimento e o não havê-la indicado em outros, não significa de havê-la admitido nestes últimos consoante o conhecido brocardo: lex ubi voluit dixit, ubi noluit tacuit. Assim da dicção do art. 1.531 do Cód. Civil, segundo o qual o têrmo para a rescisão da venda por causa de lesão corre também contra os ausentes, não se pode deduzir que nos casos de decadência, nos quais não se fala de ausentes, o têrmo não corra contra êles, sem subverter o princípio, basilar da decadência, isto é, que a suspensão do têrmo é incompatível com a essência dela, e sem violar o outro princípio, que a suspensão na decadência é uma exceção, a qual, por isso mesmo, não pode estender-se por analogia além dos casos em que aprouve ao legislador estabelecê-la. A não ser assim, não teria mais valor o conceito de decadência, dado que, como a lei na máxima parte dos casos de decadência não excluios impedimentos, com a ampliação êles deveriam admitir-se em maior número do que na prescrição!”

E temos, assim, que o impedimento por ausência não suspende o prazo de decadência porque só o legislador poderia abrir semelhante exceção, que fere em cheio o instituto.

28. Segundo e último quesito:

“Se proceder a ação de nulidade, a parte da viúva-meeira, que figurou na ação executiva, também pode ser abrangida pela nulidade que acaso se reconheça?”

Evidentemente não. São situações independentes, que não se comunicam. As dívidas passivas da herança são suportadas pelo cônjuge-meeiro e herdeiros pro rata. A divisão das responsabilidades é a regra. A obrigação é conjunta, jamais solidária. A viúva-meeira arca com metade; cada herdeiro com a fração respectiva (CARLOS MAXIMILIANO, “Sucessões”, nº 1.511). São, assim, litigantes distintos, nos têrmos do art. 89 do Cód. de Proc. Civil. O herdeiro, comenta PEDRO BATISTA MARTINS, nº 220, poderá intervir como assistente. Sua presença pode Ser admitida, mas não é necessária. Como pretender-se, então, que uma suposta nulidade, que só a êle atingiria, contamine também a parte principal, a única que, forçosamente, tinha que figurar no processo?

29. Ante a clareza do direito do réu, e dada a extensão que já tomou êste parecer, deixo de examinar outros aspectos da questão. Todavia, não concluirei sem lembrar que é duvidoso o direito dos autores no que diz com a invocação da pretensa nulidade de citação inicial do herdeiro-cedente. Se a cessão a isso não se referiu expressamente, penso que os autores não têm qualidade para reclamar contra o vício que, sendo da ação executiva, posterior à morte do de cujus, não está incluído nos poderes que decorrem da transmissão de direitos hereditários. Anular uma ação, que o herdeiro teria, por motivo estranho à herança, faz parte do direito transmitido? Não tendo presente a escritura de cessão, limito-me a suscitar a dúvida.

E assim encerro o parecer que se me solicitou.

São Paulo, 17 de junho de 1953. – Antão de Morais, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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