GENJURÍDICO
A Nova Lei De Imprensa, de Nélson Hungria

32

Ínicio

>

Civil

>

Clássicos Forense

>

Revista Forense

CIVIL

CLÁSSICOS FORENSE

REVISTA FORENSE

A Nova Lei De Imprensa, de Nélson Hungria

REVISTA FORENSE 162

Revista Forense

Revista Forense

21/03/2024

SUMÁRIO: A lei n.º 2.083, de 1953. Erros e ilogismos. Exceptio Veritatis. Prescrição. Decadência. Jôgo de disparate. Responsáveis subsidiários ou sucessivos. Redução de penas. Outras deformidades da lei. A liberdade de imprensa, e a repressão dos abusos.

A lei n.º 2.083, de 1953

A nova Lei de Imprensa – lei número 2.083, de 12 de novembro de 1953 – surgiu como alguém que “vai a festa de batizado sem ser convidado”. Ninguém a reclamava. Ninguém a esperava. Ninguém havia encomendado o sermão a LICURGO. O maior interessado – o jornalismo indígena – estava perfeitamente acomodado e satisfeito com a lei revogada e, ao que parecia, confiante em que o bom Deus continuasse aconselhando o legislador pátrio no sentido do quieta non movere. Mas o prurido legisferante no Brasil é coceira de urticária. Muda-se de lei, como se muda de camisa. Reformam-se periòdicamente as leis sem quê nem para quê, ou pelo só capricho de as reformar. E quase sempre para pior. Quando se anuncia a reforma de uma lei em forno de algum instituto jurídico ou fato social, tem-se a impressão de que vai ser corrigida uma falha sensível ou introduzido um critério de solução mais conforme com o estilo da vida contemporânea. Pura ilusão. E ainda bem quando tudo se limita a uma simples mão-de-cal nas paredes e a mudar-se o número da casa. As mais das vêzes porém, o quem vem a ocorrer é o meticuloso desarranjo daquilo que estava arrumado, ou uma adequação maior do que a anterior. Não há melhor atestado disso do que a última Lei de Imprensa. O ab-rogado dec n.º 24.776, de 1934, era uma construção habitável, embora estivesse reclamando um anexo, dado o desenvolvimento atual dos meios de publicidade que emparelham com a imprensa; mas a nova lei, permita-se-nos a irreverência, tem qualquer coisa da “igreja da Pampulha”, onde tudo se dispõe às avessas ou de modo imprevisto.

Começa por ser uma lei que, confinada ao regime da imprensa periódica, nasceu antiquada. Depois que a renovada. Declaração dos Direitos do Homem, no ano da graça de 1948, proclamou que, ao invés de imprensa, se deve falar em “liberdade de informação”, de muito maior amplitude, é um anacronismo o limitar-se o regime especial do direito à publicidade como se esta se exaurisse no setor da imprensa jornalística. Eis o novo versículo do evangelho democrático-liberal: “Todo indivíduo tem direito à “liberdade de pensamento e expressão – o que implica o direito de não ser inquietado por suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem contrações de fronteira, e seja qual fôr o meio, as informações e as idéias”. Na época presente, tornaram-se inquestionáveis titulares de direitos e deveres, análogos aos da imprensa quotidiana, o rádio e a televisão (abstraindo-se o cinema, que, entre nós, por injunção constitucional, está sujeito à prévia censura), por isso que, colaboradores como aquele, com idêntico ou aproximado grau de eficiência e sugestividade na informação e esclarecimento da opinião pública, e por isso que, ceda vez mais, se vão fazendo igualmente propugnáculo do bem público, a exigirem, portanto, também êles, um regime jurídico especial ou sem os rigores e restrições do direito comum.

Erros e ilogismos – Exceptio Veritatis

Quando era de se esperar o advento de um dilatado conjunto orgânico de normas que constituísse o “Código da liberdade de informação e expressão”, o que se fêz, com a magra e anêmica lei n.º 2.083, foi apenas triturar, no acanhado almofariz da disciplina peculiar da manifestação do pensamento pela imprensa, a velha pólvora, da Revolução Francesa. Dir-se-ia que o reformador de 1953 foi um RIPPE VAN WINKLE que tivesse hibernado durante 30 anos, alheando-se às várias formas de intensiva difusão do pensamento que estão a competir atualmente com o jornalismo. Vá que essa lei não cuidasse do livro e outros impressos não-periódicos, deixando a respectiva disciplina à lei penal comum; mas, com o deixar de ampliar à radiodifusão e à televisão o regime especial da imprensa, cometeu uma falta indesculpável. Ao que consta, o ilustre e capacíssimo deputado BILAC PINTO vai apresentar um projeto de lei para suprir a omissão; mas o que me parece mais aconselhável será a elaboração de um código geral em que, exceptis excipiendis, fôssem tratados paralelamente com a imprensa jornalística êsses dois outros meios de publicidade, e aproveitando-se o ensejo para que seja retocada de alto a baixo essa autêntica obra de carregação que é a lei n.º 2.083. É esta, realmente, um bric-à-brac de despropósitos, uma “dança de roda” de erros e ilogismos. Alguns dêles excedem a tôdas as raias da tolerância em matéria de teratologia legislativa. Assim é que, por exemplo, é para começar, depois de conceituar a calúnia, ad instar da lei penal comum, como falsa imputação de fato definido como crime, proíbe a exceptio veritatis, salvo quando e ofendido, não exercente de função pública, e não sendo a ofensa propter officium, expressamente o permitir ou tiver sido condenado definitivamente pelo fato imputado.

Como se pode compreender isto, santo Deus? Se a calúnia tem como elemento integrante a falsidade da imputação, como se pode negar ao agente, em qualquer hipótese, a faculdade de provar a inexistência do crime, isto é, de demonstrar que a imputação exprime a verdade? Se a imputação é verdadeira, de tôda evidência é que não há calúnia, e, no entanto, se inibe ao agente o inocentar-se com a demonstratio veri. Está-se a ver que o legislador de 53, com a frívola preocupação do quid novi e consultando perfunctòriamente as legislações que vedam a exceptio veritatis, não percebeu que elas conceituam a calúnia sem o requisito da falsidade da imputação, podendo esta ser, ou não, verdadeira, pois de outro modo estariam incorrendo num flagrante ilogismo, nesse grosseiro ilogismo em que incide a nossa atual Lei de Imprensa.

Mas há ainda outros graúdos desconchavos.

O art. 52 da lei é qualquer coisa de inverossímil.

Prescrição. Decadência

Dispõe êle que “a prescrição da ação dos delitos constantes desta lei ocorrerá após dois meses da data da publicação do escrito incriminado…” Preliminarmente, é chocante a falta de técnica: o que prescreve não é a “ação dos delitos”, mas a “ação penal contra os delitos”. O mérito do artigo, porém, é que é espantoso. Sabe-se que a antiga Lei da Imprensa, referindo-se exclusivamente aos crimes de calúnia e injúria, estabelecia prazos, que eram justificadamente breves, de decadência do direito de queixa, e fixava em um ano o prazo de prescrição da ação penal. Era êste último notòriamente exíguo, não permitindo, na grande maioria dos casos, que a sentença final do processo antecedesse à extinção da punibilidade pela prescrição. Pois bem; a nova lei reduziu êsse prazo a dois meses, e sem distinguir entre os crimes contra a honra, perseguíveis por ação penal privada ou pública, e os demais de que ela cuida, de muito maior gravidade, a cujo respeito a ação é sempre pública. O que seria razoável como prazo de processabilidade em relação aos crimes de ação privada, passou a ser prazo de extinção de punibilidade para todos os crimes de imprensa. Mesmo que, com a nova lei (art. 57), haja interrupção do prazo prescricional pelo recebimento da queixa ou da denúncia, é bem de ver que, na mais sossegada ou modorrenta comarca do interior, será materialmente impraticável a ultimação do processo no período de 80 dias. Ainda que, por absurdo e contra legem, se desse preferência aos processos por crime de imprensa, em detrimento dos relativos a réus presos, os prazos processuais consumiriam o prazo da prescrição. Somados os prazos prefixos e os imprescindíveis aos vários trâmites do processo, como sejam a citação inicial, a qualificação do réu (a lei sòmente fala em “qualificação”, suprimindo o interrogatório, que tanto pode ser um meio de acusação, quanto um meio de defesa), as diligências, a audiência de instrução, as alegações finais e os preparativos do julgamento pelo pequero júri (cujos adiamentos a lei relaxadamente consente), o total é inevitàvelmente superior a dois meses. Não será possível que o processo, mesmo correndo levato velo, atinja à fase do julgamento final antes de três ou quatro meses, no mínimo. O legislador não ignorava isso, nem podia ignorá-lo. Assim, formulando o citado art. 52, estava conscientemente fornecendo aos libelistas um salvo-conduto para o “sapateado” sôbre interêsses jurídico-sociais do mais alto relêvo. Compreende-se que seja breve o prazo de prescrição no tocante aos crimes de imprensa, tradicional ou pròpriamente tais, pois, além de certas considerações de ordem psico-social, não exigem êles, como acentua VON LISZT (“Pressrecht”, pág. 204), longa investigação em tôrno de fatos, bastando para lhes provar a existência e a autoria a juntada de um exemplar do periódico que contenha o artigo difamatório ou injurioso; mas isto não quer dizer que o prazo da prescrição possa ser reduzido a ponto de, pràticamente, tornar ilusória a repressão.

No Velho Mundo, as leis especiais sôbre o regime da imprensa estabelecem, comumente, o prazo prescricional de seis meses; mas, no Brasil, onde o processo penal é uma arrastada Via sacra, para obedecer ao leit-motif de abrir os mais escrupulosos respiradouros à defesa dos acusados, êsse prazo seria, em tôda evidência, diminuto. No entanto, vem de ser, pela lei de 53, escandalosamente fixado na ridicularia de dois meses. Atualmente, só mesmo algum indivíduo rematadamente ingênuo se abalançará à propositura de ação penal contra os libelistas; e o Ministério Público, adstrito, por dever de ofício, a oferecer denúncia, não será mais que o protagonista de uma comédia judiciária.

Já se acoimou de inconstitucional o dispositivo em questão, porque redundará, afinal de contas, na impunidade dos abusos pelos quais o art. 141, § 5.º, da Lei Básica manda que sejam responsabilizados aquêles que os praticarem. Não deparo, porém, infelizmente, a argüida inconstitucionalidade, pois o invocado parágrafo subordina tal responsabilidade aos casos e à forma que a lei ordinária preceituar, de modo que esta poderia até abster-se de reprimir, penalmente, os abusos de que se trata. Mesmo no caso de propaganda de guerra, de processos subversivos da ordem político-social ou de preconceitos de raça ou de classe, que o mesmo parágrafo declara intolerável, a lei ordinária poderia limitar-se a meras medidas policiais ou administrativas. Pretende-se, igualmente, que foi irregular o que ocorreu, na elaboração da lei, com o art. 52, em cuja formulação definitiva ter-se-ia excedido a Comissão Redação da Câmara dos Deputados. Na fase final do projeto n.º 403 J, de que resultou a lei n.º 2.083, o dito artigo era assim concebido: “A prescrição dos delitos constantes desta lei ocorrerá após dois meses da data da publicação do escrito incriminado e a sua condenação no dôbro do prazo em que foi fixada”. A Comissão de Redação ofereceu a seguinte emenda, para corrigir êsse texto: “Após a palavra “prescrição”, acrescente-se a expressão “da ação de queixa relativa aos delitos etc.”. Não era admissível tal emenda, pois, falando, embora improvisadamente, em “ação de queixa”, alterava substancialmente o projeto, isto é, restringia à ação privada a indulgência da prescrição bimensal. O deputado TARSO DUTRA tratou, porém, de apresentar outra emenda, esta, sim, tècnicamente aceitável: “Redija-se assim o artigo 52: “A prescrição da ação, nos delitos constantes desta lei, ocorrerá etc”. A redação definitiva, como já vimos, veio a falar, canhestramente, em “prescrição da ação dos delitos”, deturpando a fórmula TARSO DUTRA. Não houve, entretanto, excesso algum de competência da Comissão de Redação: onde no texto do projeto aprovado se dizia “prescrição dos delitos”, passou a ser escrito “prescrição da ação dos delitos”. Alteração de forma, mas não de substância. Também por aí não há brecha para cancelar-se o lamentável art. 52.

Tampouco há dizer, numa tentativa desesperada de interpretação restritiva, que o art. 52 quer regular a decadência do direito de queixa, e não a prescrição da ação penal. Tal exegese só seria possível se pudéssemos brincar de esconder com o texto legal. Em primeiro lugar, se essa fôsse a intentio legis, o dispositivo em aprêço ter-se-ia limitado ao âmbito dos crimes contra a honra, únicos em que se admite queixa. Desenganadamente, porém, refere-se êle a todos os “delitos constantes desta lei”, isto é, não apenas os perseguíveis mediante queixa, senão também os que o são mediante denúncia do Ministério Público. Além disso, o dispositivo cuida, simultaneamente, da ação penal e da condenação, e quanto a esta não fala em decadência. Ainda mais: não é admissível ler-se “decadência do direito de queixa” onde está escrito, com tôdas as letras, “prescrição da ação”. Mais ainda: a rejeição da já citada emenda da Comissão de Redação que, com a sua dúbia expressão “ação de queixa”, podia levar à interpretação no sentido de se tratar do “direito de queixa”, está a evidenciar que o legislador, deliberadamente, não cuidou da decadência dêste. Por último, não é crível, por mais vontade que se tenha de crer, que, ao articular o regime especial da repressão dos crimes de imprensa, uma de cujas características é precisamente a razoável brevidade do prazo prescricional, pelo menos no que tange aos crimes contra a honra, o legislador possa deixar ao direito comum a matéria de prescrição da ação penal.

Jôgo de disparate

Não há tergiversar com o intratável art. 52: a ação penal entre os crimes de imprensa competirá doravante, senão com as famigeradas “rosas de Malherbe”, pelo menos com os “romances” da menina namoradeira:

As penalidades cominadas aos crimes previstos pela lei n.º 2.083 são um verdadeiro “jôgo de disparate”. Sòmente os autores do escrito criminoso estão sujeitos à pena privativa de liberdade, pois os responsáveis subsidiários, não obstante serem a condição de êxito do crime, apenas incorrem em multa, não conversível em prisão. Fêz-se uma mistura à la diable entre o sistema da responsabilidade de par cascade (que se diz do direito belga, mas que já era adotado pelo nosso Código de 1830) e o sistema das “penas de negligência”, do direito alemão.

Responsáveis subsidiários ou sucessivos

Depois de incluir entre os responsáveis subsidiários ou sucessivos os “distribuidores” e os “vendedores”, acrescenta que uns e outros ficarão sujeitos ùnicamente à pena estabelecida no art. 53, isto é, perda dos apreendidos exemplares da publicação e multa de Cr$ 50,00 por exemplar (o que redundará, muitas vezes, num quantum irrisòriamente inócuo como escarmento). No mesmo art. 53, os distribuidores e vendedores de publicações obscenas são considerados responsáveis diretos ou principais, puníveis autônomamente, e dá-se o mais inesperado rompimento do sistema da responsabilidade em cascata instituído pelo art. 26.

Os diretores ou redatores de jornal sòmente serão responsáveis subsidiários, segundo êste último artigo, quando, ainda que conhecido, o verdadeiro autor do escrito não oferecer idoneidade sob o duplo ponto de vista moral e financeiro. No entanto, no art. 28, sòmente se permite ao ofendido a prova da idoneidade financeira do responsável em primeiro lugar, já não se cuidando da inidoneidade moral.

Redução de penas

As cominadas penas privativas às liberdade primam pela desproporção entre elas próprias e, notadamente, em face das que são cominadas pelo direito comum para os mesmos crimes, quando não praticados por meio de imprensa.

Para os crimes de propaganda de guerra, de processos subversivos da ordem político-social e de preconceitos ou ódios de raça ou de classe, a pena que, na vigente Lei de Segurança (votada pelo mesmo Congresso, na mesmo ano de 1953), é de um a três anos de reclusão, é reduzida, quando praticada pela imprensa (que é o mais intensivo meio de propaganda), à detenção por um a três meses (!). Na mesma pena de um a três anos de reclusão incorrem, pela Lei de Segurança, os distribuidores de boletins ou panfletos subversivos; mas, pela nova Lei de Imprensa, quando a distribuição fôr de jornais pregando a subversão da ordem política e social, a pena será exclusivamente pecuniária (!!). A revelação dos segredos relativos à defesa nacional, para o fim de espionagem política ou militar, que a Lei de Segurança pune com reclusão de seis a 15 anos, aumentada da metade se a revelação tiver sido prèviamente proibida pela autoridade competente, passou a ser punida, quando feita pela imprensa, em qualquer caso, com detenção de seis a um ano ou, em se tratando de responsáveis subsidiários, com simples multa (!!!). É, positivamente, o privilégio, concedido à imprensa, de se colocar à margem da repressão, sacrificando-se à sua liberdade a própria segurança da Pátria.

A chantage, isto é, a forma de extorsão consistente na obtenção de vantagens, mediante a ameaça de revelação de segredos ou de publicações difamatórias, a que a lei penal comum comina a pena de quatro a 10 anos de reclusão e multa de Cr$ 3.000,00 a Cr$ 15.000,00, será punida, quando praticada com abuso da imprensa, com simples detenção de seis meses a um ano, se não se tratar de responsável subsidiário, pois neste caso a sanção consistirá em multa de Cr$ 2.000,00 a Cr$ 4.000,00 (!!).

Pelo Cód. Penal, os “vendedores” ou “distribuidores” de escritos obscenos estão sujeitos à pena de detenção de seis meses a dois anos, ou multa de Cr$ 2.000,00 a Cr$ 5.000,00; no entanto, a lei n.º 2.083, deformando o parág. único do art. 67 do dec. n.º 24.776, que só cuidava de impressos de procedência estrangeira, em determinados casos, contenta-se em puni-los com a multa de Cr$ 50,00 por exemplar apreendido. Precisamente agora que está em recrudescência, entre nós, a louvável campanha contra a pornografia, o legislador entendeu de afrouxar as rédeas na repressão dêsse flagelo!

E não se perca de vista que, como regra sem exceção para os crimes de imprensa, a prescrição da ação penal se operará em dois meses, de modo que, no final das contas, não haverá punição alguma, assegurando-se, assim, o livre tripúdio sôbre interêsses coletivos e individuais da mais alta monta.

Para mais acentuar a incrível benignidade das penas nas hipóteses acima referidas, não se pode deixar de cotejá-las com as cominadas pela própria lei n.º 2.083 aos crimes contra a honra, em que a sanção, como no caso de calúnia, pode ir até um ano de privação da liberdade. A ofensa à reputação de um particular é considerada mais grave ou em pé de igualdade com a ofensa do máximo interêsse público, que é o da segurança e defesa da Nação! Não há palavras suficientemente acerbas para criticar semelhante dispautério.

Outras deformidades da lei

Vejamos, ainda, outras deformidades da lei de 53.

No art. 10, preceitua ela que “são também puníveis a calúnia, a difamação e a injúria contra a memória de alguém…” Percebe-se que o legislador queria dizer “contra a memória dos mortos”, porque, como está redigido, pareceria que a incriminação se refere à ofensa moral do poder de retentiva de alguém, como, por exemplo, afirmar que alguém não pode ter de cor os deveres sociais ou éticos…

No art. 11, tratando das explicações no caso de ofensas equívocas, dispõe que se não forem satisfatórias, a juízo do ofendido, poderá êste mover a ação penal que couber. É o mesmo êrro da lei antiga. A suficiência ou insuficiência das explicações deve ficar a critério do juiz, e não do ofendido. Inútil será o pedido de explicações se, prestadas estas, ficar ao arbítrio do ofendido, acaso inspirado por excessivos escrúpulos de dignidade, o julgá-las não satisfatórias. E se desarrazoada tal apreciação e oferecida ulteriormente a queixa, terá esta de ser rejeitada pelo juiz.

O art. 14 é assim concebido:

“Além das penas criminais, o condenado por delitos de imprensa ficará sujeito a pagar ao ofendido as perdas e danos que, na forma do direito civil e perante os juízes do cível, forem regularmente apurados”.

Se o direito privado, entre nós, é que disciplina a reparação civil do dano ex delicto, pareceria, prima facie, que êsse dispositivo é uma superfluidade; mas há nêle uma interessante novidade: sòmente depois de condenado o agente no juízo penal é que o ofendido poderá recorrer ao juízo cível.

Até agora era direito sabido e ressabido que a vítima do crime pode intentar a ação de indenização contra o criminoso, sem cuidar da ação penal ou à margem desta. O art. 1.525 do Código Civil, consagrando um princípio tradicional, declara que “a responsabilidade civil é independente da criminal”. A atual Lei de Imprensa, porém, na ânsia de favorecer aos libelistas, achou de condicionar a ação civil à condenação penal, e como esta, como já vimos, será pràticamente impossível, porque antes ocorrerá a prescrição, o lesado ficará fazendo cruz na bôca. O legislador de 53 chega a dar a impressão de que desconhece o art. 1.547 do Cód. Civil, que assim preceitua:

“A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que dela resulte ao ofendido”.

“Parág. único. Se êste não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dôbro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva”.

Ora, se, na espécie, o dano material ou patrimonial, na quase totalidade dos casos, não pode ser auferido (só o é quando atingido o crédito e redundar num individuado lucrum cessans), e se o verdadeiro autor da calúnia, difamação ou injúria pela imprensa é punível exclusivamente com pena privativa de liberdade, ficará o ofendido na seguinte e deplorável situação: se o autor direto é financeiramente idôneo será obrigado a processá-lo, sem poder dirigir-se contra os responsáveis sucessivos ou subsidiários, e ser-lhe-á inútil recorrer ao juízo cível porque, na impossibilidade de provar dano material e não havendo o ponto de referência na multa penal, para poder cobrar o respectivo duplum, não terá como obter a indenização.

O art. 29, I, letra b, faz supor que, nos crimes contra a honra, se o ofendido fôr funcionário público e a ofensa tiver sido irrogada propter officium, não poderá intentar a ação privada, ainda, quando o Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo legal. Se essa foi a intentio legis (e não creio que assim o entenda a jurisprudência, em face do art. 29 do Cód. de Proc. Penal), é patente o desconcêrto: ficará sendo o Ministério Público o único árbitro da vulnerabilidade da reputação ou dignidade funcional e pessoal do ofendido, e êste, com a inação daquele, terá de engulir a ofensa, sem tugir nem mugir. E evidente o destempêro.

Depois de assegurar, no art. 49, a custódia honesta dos condenados, declara, no art. 51, que, em se tratando de réu primário, ser-lhe-á concedido o sursis (sic). Ora, se o sursis é uma medida de política criminal destinada a evitar os maus efeitos das penas de pequena duração, quando cumpridas no ambiente deletério da prisão comum, é um ilogismo concedê-la aos beneficiários de custódia honesta. E é lamentável que, no texto da lei, figure sob o nome francês um instituto que, em vernáculo, tem o título oficial de “suspensão condicional da pena”.

O art. 53 dispõe o seguinte:

“Não poderão ser impressos, nem expostos à venda ou importados, jornais ou quaisquer publicações periódicas de caráter obsceno, como tal declarados pelo juiz de menores ou, na falta dêste, por qualquer magistrado”.

Sabe-se que pela anterior Lei de Imprensa (arts. 67 e seg., parág. único), o ministro da Justiça, mediante portaria, podia proibir a importação de jornais ou impressos sujeitos à apreensão ou atentatórios da paz pública, e se alguém infringisse a proibição, vendendo, expondo à venda ou distribuindo as publicações clandestinamente importadas, incorreria na multa penal de Cr$ 50,00 por exemplar. Agora, porém, a prévia proibição só abrangerá os impressos obscenos, sejam ou não de procedência estrangeira, e será expedida pelo juiz de menores ou qualquer outro magistrado, isto é, qualquer juiz do crime ou do cível, qualquer desembargador, qualquer ministro do Tribunal Federal de Recursos ou do Supremo Tribunal Federal (pois a lei não restringe). O despropósito é manifesto, e tanto mais intolerável quanto, partindo a proibição de juiz local, sua infringência só constituirá crime numa determinada cidade ou comarca! O art. 53 da lei n.º 2.083 é o que se pode chamar, com tôda propriedade, um “angu de caroço”.

Como chave de ouro dêsse patológico produto legislativo, que é um depoimento contra a nossa cultura jurídica, figura o seu art. 63.

“Revogam-se notadamente o decreto n.º 24.778, de 14 de julho 1934, os §§ 6.° e 7.º da art. 25 da lei n.º 38, de 4 de abril de 1935, o art. 9.º da lei n.º 136, de 14 de dezembro de 1935, o dec. lei n.º 431, do 18 de maio de 1938, e quaisquer outras disposições em contrário”.

Ora, à exceção do dec. n.º 24.776, todos os demais diplomas legais aí referidos já estavam revogados pela lei número 1.082, de 5 de janeiro de 1953 (atual Lei de Segurança Nacional), cujo artigo 47 assim declara:

“Revogam-se as disposições em contrário e, em especial, a lei número 38, de 4 de abril de 1935, a lei n.º 136, de 14 de dezembro do mesmo ano, e o dec.-lei n.º 431, de 18 de maio de 1938”.

A liberdade de imprensa, e a repressão dos abusos

Em matéria de “chover no molhado” é deveras notável o artigo final da nossa atual Lei de Imprensa…

Não se depreenda das linhas ou entrelinhas do que vem de ser dito que eu seja infenso à liberdade de imprensa. O que penso a tal respeito, como quem quer que encare o problema de ânimo isento, é que o direito a essa liberdade não pode ser irrestrito, pairando acima do superior interêsse da coletividade e de interêsses individuais indiscutivelmente merecedores da proteção jurídica. Como observa JACQUES BOURQUIN em livro recente (“La liberté de la prense”), “sòmente o existencialismo, cuja filosofia concebe a verdade no sentido funcional, pode pretender que ninguém possa, nem mesmo o Estado, atribuir-se o direito de decidir o que alguém deve crer ou exprimir”. A imprensa não pode ser declarada irresponsável. Sua responsabilidade é um corolário de sua própria liberdade, porque não existe liberdade sem a condição de que não atropele o direito de outrem.

Os suspeitíssimos defensores da liberdade de imprensa à outrance fazem tabula raza do art. 4.º da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789: “A liberdade consiste em poder fazer tudo quanto não seja nocivo a outrem”. O que se tem de permitir à imprensa é o uso, e não o abuso da liberdade de opinião, informação ou expressão.

O abuso de direito é um ato ilícito que não pode deixar de acarretar responsabilidade. O nosso legislador de 53 olvidou que o direito é ordem de equilíbrio entre as liberdades coexistentes. Quando os indivíduos não encontram peias à expansão de si mesmos, fica à sôlta a cainçalha dos instintos. A permitida intrusão de uns na esfera de liberdade ou órbita jurídica de outros provocará, necessàriamente, reações e vinditas, e o direito da fôrça sub-rogará a fôrça do direito, retornando-se ao primitivismo das hordas e das clãs. A lei social não pode deixar de intervir para a recíproca acomodação de direitos e liberdades. Tem de intervir, ne cives ad arma veniant.

Assim não é admissível que, a pretexto de regime especial em tôrno dos crimes de imprensa, se confira a esta, pràticamente, uma carta de corso, um bill de indenidade para todos os seus desvarios e tropelias, como vem de fazer a lei n.º 2.083, – lei de caráter marcadamente demagógico, – a cujo respeito a própria Imprensa guardou silêncio, numa atitude de indiferença, ou, talvez, de acanhamento pela demasia do favor. É uma lei que jamais devera ter saído do tinteiro. Poderá ela corresponder aos subalternos interêsses da subimprensa, insaciável de licença, mas não aos da Imprensa com I grande, consciente de sua alta e construtiva função social e política.

NÉLSON HUNGRIA, Ministro do Supremo Tribunal Federal

LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE

NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é revista_forense_1.png

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:

  1. Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
  2. Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
  3. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
  4. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
  5. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
  6. A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.

III) Política de Privacidade

Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.


LEIA TAMBÉM:

Assine nossa Newsletter

Li e aceito a Política de privacidade

GENJURÍDICO

De maneira independente, os autores e colaboradores do GEN Jurídico, renomados juristas e doutrinadores nacionais, se posicionam diante de questões relevantes do cotidiano e universo jurídico.

Áreas de Interesse

ÁREAS DE INTERESSE

Administrativo

Agronegócio

Ambiental

Biodireito

Civil

Constitucional

Consumidor

Direito Comparado

Direito Digital

Direitos Humanos e Fundamentais

ECA

Eleitoral

Empreendedorismo Jurídico

Empresarial

Ética

Filosofia do Direito

Financeiro e Econômico

História do Direito

Imobiliário

Internacional

Mediação e Arbitragem

Notarial e Registral

Penal

Português Jurídico

Previdenciário

Processo Civil

Segurança e Saúde no Trabalho

Trabalho

Tributário

SAIBA MAIS

    SAIBA MAIS
  • Autores
  • Contato
  • Quem Somos
  • Regulamento Geral
    • SIGA