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A metamorfose do Recurso Especial
02/07/2021
No sistema de justiça civil brasileiro, uma das grandes mudanças realizadas pela Constituição Federal de 1988 foi a criação do Superior Tribunal de Justiça. Imaginava-se que a atuação do STJ, com o objetivo de uniformizar a interpretação do direito infraconstitucional, também iria viabilizar a consolidação do Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade.
A instalação do STJ, composto por “no mínimo” 33 ministros gerou grande expectativa na comunidade jurídica. Na década de 1990, quando recém iniciava os seus trabalhos, observava-se uma grande preocupação dos advogados em conhecer o seu funcionamento e, principalmente, identificar formas de acessar a Corte.
Não raro, professores nas universidades afirmavam que o direito seria mais democrático se todas as partes pudessem acessar as Cortes de Brasília. Esse seria um reflexo da “Constituição Cidadã”.
O STJ atua, no plano jurisdicional, por três órgãos: a Corte Especial, as Seções e as Turmas. Advogados que militam no direito público costumam estar atentos à realidade da 1ª Seção, composta pela 1ª e a 2ª Turmas. Colegas que atuam no direito privado observam o comportamento da 2ª Seção, cujos membros são oriundos da 3ª e 4ª Turmas; ao passo que os procuradores que se dedicam ao direito penal acompanham a 3ª Seção, composta pela 5ª e a 6ª Turmas. Em casos ainda mais relevantes, a Corte Especial é acionada para superar divergência entre distintas turmas e seções.
Dentro do amplo leque de competências do STJ, previsto no art. 105, do texto constitucional, sobressai o papel do recurso especial na atuação da Corte. Especialmente nesta última década, quiçá pelo acesso que todos advogados têm à pesquisa de jurisprudência, observa-se uma mudança no papel desempenhado pelo recurso especial. Antes ele servia apenas às partes envolvidas no caso sub judice. Hoje, ele reflete acórdãos pretéritos e serve de termômetro para casos futuros.
Com efeito, o art. 927, do Código de Processo Civil/2015 determinou a observância por todos os juízes das pronúncias do STJ, nos julgamentos do incidente de assunção de competência, de recurso especial repetitivo e aos enunciados de súmula. Essa vinculação, esboçada no final da vigência do CPC anterior, gerou consequências práticas importantes.
Por ilustração, os advogados, quando consultados por seus clientes, normalmente recorrem de imediato à pesquisa de jurisprudência e não mais à legislação. Ainda, a maior parte dos colegas se sente mais feliz em encontrar uma ementa, um acórdão, que sirva de farol para a decisão do seu caso concreto do que um artigo de lei.
Nos gabinetes dos tribunais, a situação é semelhante. Os casos concretos submetidos a julgamento, em geral, tem a solução dada pela proximidade com casos já julgados. Apenas quando não localizados processos semelhantes, costuma ser realizada uma pesquisa aprofundada nas demais fontes do direito.
No caso específico do STJ, esse contexto determinou uma especial preocupação com a instrução e o julgamento dos recursos repetitivos, pois o seu acórdão será seguido pelos tribunais inferiores. Aliás, com o objetivo de racionalizar a prestação jurisdicional, a lei prescreveu que os casos análogos (milhões de processos) aguardem nos tribunais Inferiores a elaboração do paradigma. Assim, ao invés de subirem a Brasília, permitirão a retratação das câmaras e turmas da segunda instância, com a uniformização da aplicação do direito.
Essa “nova realidade” dividiu a advocacia. De um lado, encontro colegas satisfeitos pela circunstância de que, nos casos semelhantes, a resposta jurisdicional ficou parecida. Referem que o “sobrestamento” já no primeiro grau propicia economia de energia e tempo.
De outro, converso todas as semanas com amigos que lamentam as soluções encontradas pelo STJ, sem considerar todos os ângulos de análise, afinal, por mais rica que seja a fundamentação do recurso especial afetado, nunca ela será capaz de abranger todas as teses envolvidas.
Ademais, não são poucos os advogados que bradam por equívocos dos tribunais inferiores e juízes de primeiro grau na interpretação do alcance do paradigma.
O tema do recurso especial é muito amplo. Neste artigo introdutório, tentei sublinhar o novo papel que a legislação lhe designou. No próximo texto, tratarei da chamada “jurisprudência defensiva” e dos estreitos limites das condições de admissibilidade. Nela vou arrolar as principais causas que levam ao não conhecimento dos recursos, compartilhando resultados de pesquisa que realizo há alguns anos.
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