GENJURÍDICO
Proteção climática, limites da publicidade e concorrência desleal

32

Ínicio

>

Ambiental

>

Artigos

AMBIENTAL

ARTIGOS

Proteção climática, limites da publicidade e concorrência desleal

Ingo Wolfgang Sarlet

Ingo Wolfgang Sarlet

19/07/2024

O problema de quais os limites que podem ser impostos à publicidade comercial com base no argumento da proteção de direitos fundamentais ou outros princípios de estatura constitucional não é nada novo, tendo já ocupado intensamente a doutrina e a jurisprudência em todo o mundo, seja na seara do direito interno de cada país, seja mesmo ao nível do direito internacional.

Considerando a relevância cada vez maior da questão ambiental, ou seja, da proteção e promoção de um direito (humano e fundamental) a um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, com particular destaque para a emergência climática e as respectivas medidas de prevenção e reparação, o tema da publicidade ecologicamente responsável (publicidade “verde”) igualmente tem crescido em importância.

Nesse contexto, soa oportuno colacionar e sumariamente apresentar recente julgado do Tribunal de Justiça Federal (tradução livre de Bundesgerichtshof — BGH) da Alemanha, que, grosso modo, equivale ao Superior Tribunal de Justiça brasileiro (Acórdão de 27 de junho de 2024 — I ZR 98/23), ocasião na qual a Corte alemã decidiu sobre a sobre a admissibilidade de publicidade utilizando o termo “neutro para o clima”.

Valendo-nos aqui de tradução do boletim informativo do BHG (sigla que doravante será utilizada para designar o Tribunal referido), o Primeiro Senado Cível, competente, entre outras matérias, para apreciar questões relativas ao direito da concorrência, decidiu que a publicidade que se vale da utilização de um termo ambíguo relacionado ao meio ambiente (no caso, “neutro para o clima” ou “climaticamente neutro”) geralmente só é permitida se a própria publicidade explica o significado específico desse termo.

Antes, contudo, de avançar com os aspectos jurídicos, é preciso, ainda que com brevidade, apresentar a situação fática que ensejou o processo e balizou a decisão do BGH.

A autora da ação na origem é a central para o combate à concorrência desleal (Zentrale  zur Bekämpfung unlauteren Wettbewerbs). A ré, por sua vez, é uma empresa que produz produtos à base de goma de fruta e alcaçuz. Os produtos estão disponíveis em supermercados, quiosques e postos de gasolina. A requerida fez publicidade num jornal especializado da indústria alimentar com a seguinte declaração:

A autora entende que restou configurada uma manifestação publicitária enganosa, porquanto o público-alvo da propaganda entende que isto significa que o próprio processo de fabricação dos produtos anunciados é climaticamente neutro. Segundo a autora, pelo menos a mensagem publicitária deveria ser complementada no sentido de que a neutralidade climática só pode ser alcançada mediante o recurso a medidas compensatórias. Com o processo, a autora busca obter medida cautelar determinando que a requerida se abstenha de tal publicidade, além de pleitear o reembolso dos custos de advertência pré-julgamento.

Na instância ordinária, a autora não teve sucesso pois a corte de origem entendeu inexistir o direito à medida cautelar pleiteada, porquanto os leitores de um jornal comercial entendem que o termo “neutro para o clima” significa um equilíbrio equilibrado das emissões de CO2, pois sabem que a neutralidade pode ser alcançada tanto mediante a prevenção como através de medidas de compensação. Não existe uma medida cautelar em função da violação da do disposto na Seção 5ª, parágrafos 1º e 3º, da Lei alemã contra a concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb — UWG), devido à retenção de informações sobre como a “neutralidade climática” do produto anunciado é alcançada.

Esta informação é essencial. No entanto, as informações necessárias sobre o tipo e extensão de qualquer compensação podem ser obtidas por meio do site do parceiro de cooperação, que consta do anúncio e pode ser acessado através de um código QR impresso no anúncio, o que também se revela razoável para os leitores do jornal.

O feito acabou subindo ao Tribunal de Justiça Federal, que deu provimento à revisão esgrimida pela autora, ordenando que a empresa ré cessasse a publicidade e reembolsasse os custos da advertência prévia ao julgamento. Contrariamente à opinião do tribunal a quo, a publicidade em questão é de fato enganosa nos termos sustentados pela parte autora.

Publicidade ambígua

Trata-se de publicidade ambígua porque, de acordo com as conclusões do tribunal de apelação, o termo “neutro para o clima” pode ser entendido pelos leitores do jornal comercial — da mesma forma que pelos consumidores — tanto no sentido de uma redução de CO2 no processo de produção, quanto no sentido de uma mera compensação de CO2.

Ainda de acordo com o Tribunal de Justiça Federal, a Corte de origem não levou em conta que no domínio da publicidade ambiental — tal como na publicidade relacionada com a saúde — existe um risco particularmente elevado de engano, configurando-se uma necessidade crescente de o público-alvo ser informado sobre o significado e conteúdo dos termos e símbolos utilizados. No caso de publicidade que utilize um termo ambiental ambíguo, como “neutro para o clima”, o significado específico deve ser explicado na própria publicidade, a fim de evitar enganos.

As informações explicativas externas à publicidade relacionada com o ambiente são insuficientes para tal efeito. Uma explicação do termo “neutro para o clima” torna-se particularmente necessária no caso porque a redução e a compensação das emissões de CO2 não representam medidas equivalentes para alcançar a neutralidade climática, visto que a redução tem prioridade em relação à compensação na perspectiva da proteção climática. Além disso, a indução ao engano também é relevante para a concorrência, pois a publicidade de um produto com suposta neutralidade climática tem considerável importância para a decisão do consumidor no sentido de adquirir, ou não, determinado produto.

A decisão do Tribunal de Justiça Federal da Alemanha, aqui sinteticamente apresentada, é mais uma mostra de como os instrumentos legislativos existentes, no caso o controle da publicidade comercial e, em particular, a normativa relativa à concorrência desleal pode manejada de modo produtivo e mesmo criativo em prol da proteção do meio ambiente em termos gerais e da proteção climática em especial.

É evidente que também no Brasil tais recursos se encontram à disposição e já existem muitos exemplos relacionados ao tema, mas é sempre interessante lançar um olhar sobre outras experiências, que, em maior ou menos medida, podem servir de inspiração para avanços ou então permitem que se tenha a certeza de que se está no caminho certo.

Fonte: ConJur

CLIQUE E CONHEÇA O LIVRO DO AUTOR

Curso de Direito Ambiental

LEIA TAMBÉM

Assine nossa Newsletter

Li e aceito a Política de privacidade

GENJURÍDICO

De maneira independente, os autores e colaboradores do GEN Jurídico, renomados juristas e doutrinadores nacionais, se posicionam diante de questões relevantes do cotidiano e universo jurídico.

Áreas de Interesse

ÁREAS DE INTERESSE

Administrativo

Agronegócio

Ambiental

Biodireito

Civil

Constitucional

Consumidor

Direito Comparado

Direito Digital

Direitos Humanos e Fundamentais

ECA

Eleitoral

Empreendedorismo Jurídico

Empresarial

Ética

Filosofia do Direito

Financeiro e Econômico

História do Direito

Imobiliário

Internacional

Mediação e Arbitragem

Notarial e Registral

Penal

Português Jurídico

Previdenciário

Processo Civil

Segurança e Saúde no Trabalho

Trabalho

Tributário

SAIBA MAIS

    SAIBA MAIS
  • Autores
  • Contato
  • Quem Somos
  • Regulamento Geral
    • SIGA