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Mudanças climáticas e governança global na COP 30- perspectivas da América Latina

William Paiva Marques Júnior
27/01/2025
A pesquisa busca discutir novas dinâmicas de colaboração global a partir da perspectiva das relações latino-americanas, com enfoque na governança climática global desses países no contexto da crise climática contemporânea. Objetiva-se trabalhar todas essas temáticas sob a perspectiva da COP 30, a ser realizada em Belém do Pará no final de 2025.
A Governança Global desempenha papel relevante na reconfiguração das Relações Internacionais, fazendo com que elas não se limitem a questões entre Estados, e sejam ações que alcancem outros atores externos, como organizações internacionais, empresas transnacionais, organizações não governamentais (ONG) e entes subnacionais.
A ideia de governança global parte da premissa conforme a qual constitui instrumento/processo de solução de problemáticas comuns, operando muito mais no consenso e na persuasão do que na coerção, com participação ampliada (além dos Estados nacionais), e dotada de um plano institucional para sua aplicação, se coaduna com a abordagem das Relações Internacionais não limitada às ações e articulações interestatais.
A ONU assume um papel importante na governança global, pois pode incentivar, coordenar e acompanhar o déficit de regulação de normas e instituições globais. A governança global é um movimento transnacional que visa negociar soluções para problemas que afetam mais de um Estado ou região. A reforma da governança global é uma prioridade do Brasil na agenda do G20, principalmente a partir do novo Governo Lula da Silva.
Busca-se a construção de uma nova forma de governança. Na perspectiva da América Latina, o debate sobre reforma da governança global é algo que está diretamente relacionado aos povos e comunidades tradicionais, considerando os contributos oriundos do Novo Constitucionalismo Democrático Latino-Americano, em especial as experiências das Constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009).
Até pelo fato de estar sediada na Amazônia, a realização da COP-30 revela a preocupação com os povos e comunidades tradicionais na busca de um modelo de governança global que consiga dar conta de questões afetas aos direitos indígenas, tais como direitos territoriais e regularização fundiária, proteção socioterritorial e saberes ancestrais.
Os principais temas da COP-30 incluem: (1) redução de emissões de gases de efeito estufa; (2) a necessária adaptação às mudanças climáticas; (3) financiamento climático para países em desenvolvimento; (4) tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; (5) preservação de florestas e biodiversidade; (6) justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas1.
Outro impacto da governança global em sede de Relações Internacionais é o avanço da paradiplomacia. A formação de redes de estados, municípios e regiões e sua presença no cenário global é fato inequívoco, que materializa, cada vez mais, a governança global dos interesses e políticas governamentais, praticada de modo multinível, em que despontam os entes subnacionais, definindo preferências coletivas na participação dos processos de tomada de decisão pela via diplomática.
Ocorre que, no curso das atividades paradiplomáticas reside espaço para novas abordagens de problemas crônicos e que são tipicamente regionais. Experiências em países com maior tradição paradiplomática demonstram que a importância das cidades e regiões nas relações internacionais está moldando os papeis atribuídos aos governos centrais, o que também causará transformações na própria construção epistêmica da paradiplomacia enquanto paradigma internacional2.
Como contextualização dos impactos da paradiplomacia tem-se a situação na qual o Governo do Estado de São Paulo, contrariando as orientações do então Governo Federal, celebrou contratos com a China e estabeleceu o protagonismo no processo de vacinação durante a pandemia de Covid-19.
Na COP-29, realizada no final de 2024 no Azerbaijão, os negociadores enfrentaram grandes desafios porque seu objeto principal foi a meta de um novo financiamento climático, ou seja, algo de extrema complexidade. Lamentavelmente, a COP-29 não conseguiu implementar suas metas por absoluta ausência de consenso. Portanto, nesse contexto de metas não atingidas, a COP-30 gera grandes expectativas, principalmente com os impactos cada vez mais contundentes das mudanças climáticas. Conquanto a transição energética, ainda existe uma verticalização na dependência de combustíveis fósseis, daí mais um desafio emergente para o porvir. As metas são muito elevadas, mas é preciso um trabalho engajado da diplomacia brasileira que pode pontuar algumas questões importantes, tais como: cidadania global, democracia cosmopolita a partir de um olhar latino-americano, diálogo global de cooperação, a epistemologia Pachamama inerente ao Novo Constitucionalismo Latino-Americano.
Eventos climáticos extremos trazem à tona a questão de danos socioambientais transfronteriços, em especial na América Latina, contextualizando com as inundações no Rio Grande do Sul que também produziram efeitos no Uruguai e na Argentina. As mudanças climáticas implicam numa necessidade de mudança de paradigmas, inclusive jurídicas e políticas, em especial com a releitura da democracia.
Em seu Sexto Relatório de Avaliação, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) constatou, ainda em março de 2023, que a atividade humana, em particular a emissão de gases de efeito estufa (GEE)3, causou, de maneira inequívoca, aquecimento global médio estimado em 1,1ºC em comparação com os níveis pré-industriais. Os impactos decorrentes desse fenômeno já se fazem sentir em todas as regiões da América do Sul– e com maior frequência os seres humanos estarão sujeitos a catástrofes naturais e eventos extremos, mantida a trajetória de aquecimento. O sexto relatório do Grupo de Trabalho I do IPCC mostra que o mundo provavelmente atingirá ou excederá 1,5 °C de aquecimento nas próximas duas décadas – mais cedo do que em avaliações anteriores. Limitar o aquecimento a este nível e evitar os impactos climáticos mais severos depende de ações nesta década.
Como eventos que ilustram essa realidade contemporânea de forma trágica, podem ser mencionadas, em 2024, as chuvas torrenciais no Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai, com muitas mortes e danos patrimoniais, a seca extrema na Amazônia, que isolou diversas comunidades e municípios que dependem da comunicação fluvial com os menores níveis registrados no Rio Negro. Países como Brasil, Peru, Bolívia, Paraguai e Argentina registraram suas maiores temperaturas no ano de 2024. A saúde humana, os ecossistemas e a vida selvagem sofreram. A agricultura e a segurança alimentar foram gravemente afetadas por desastres e mudanças climáticas. A região da América Latina e Caribe enfrenta riscos de saúde aumentados devido à exposição da população a ondas de calor, fumaça de incêndios florestais, poeira e poluição do ar, levando a problemas cardiovasculares e respiratórios, além de crescente insegurança alimentar e desnutrição. A taxa de elevação do nível médio do mar aumentou a uma taxa mais alta do que a média global no Atlântico Sul e no Atlântico Norte subtropical e tropical. Isso ameaça uma grande parte da população da América Latina e do Caribe que vive em áreas costeiras, contaminando aquíferos de água doce, erodindo litorais, inundando áreas baixas e aumentando os riscos de ondas de tempestade.4.
Para contextualizar a litigância climática internacional, deve-se mencionar que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos proferiu abril de 2024 decisão condenando a Suíça por sua conduta omissiva no combate às alterações climáticas. Trata-se do caso “Mulheres Idosas pela Proteção do Clima”5, que poderia fornecer alguns esclarecimentos com relação às questões jurídicas decorrentes de um litígio de mudança climática baseado nos direitos humanos. As candidatas são um grupo de mulheres seniores, que decidiu entrar com uma ação judicial contra o governo suíço, com o propósito de aumentar o olhar da política climática da Suíça. Como as mulheres mais velhas estão particularmente ameaçadas por ondas de calor intensas e frequentes causadas pela mudança climática, um grupo de 1.800 mulheres agiu. Assim, afirmam a falha do governo suíço em reduzir as emissões de gases de efeito estufa e os consequentes aumentos de temperatura, o que violaria os seus direitos humanos consagrados na constituição suíça e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), particularmente o direito à vida. “Mulheres Idosas pela Proteção do Clima Suíça” afirmam que são vítimas diretas das omissões da Suíça porque “elas sofreram e continuam a sofrer pessoalmente de doenças relacionadas ao calor”.
O financiamento climático é fundamental para o combate aos efeitos deletérios das mudanças no clima, o fracasso da COP-29 é sintomático para lançar os olhares e, principalmente, as esperanças no êxito da COP-30. A sociedade civil deve assumir protagonismo nos debates até porque os impactos são sentidos por todos.
Faz-se necessário repensar o papel da democracia no tratamento dos desastres, vez que se apresenta de suma importância para a manutenção do Estado democrático de Direito, especialmente pela harmonização de normas sanitárias e ambientais, principalmente em matéria de integração regional. As tragédias do meio ambiente evocam a necessidade de um repensar das relações entre sociedade, a política e a Mãe Natureza, por meio da democracia, em especial, a participativa.
Conforme vaticina Luigi Ferrajoli6, devido à catástrofe ecológica, pela primeira vez na história a raça humana corre o risco de extinção: não uma extinção natural como a dos dinossauros, mas um suicídio em massa sem sentido devido à atividade irresponsável dos próprios seres humanos.
O papel da governança global é cada vez maior na solução de problemas gerais, como pode ser notado na questão ambienta. Nesse âmbito, avulta em importância a América Latina e a expectativa de realização da COP-30- 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a ser realizada em Belém (PA), em novembro de 2025. O fato de a COP ser realizada na Amazônia traz o simbolismo de superar a visão por muito tempo defendida de internacionalização da Amazônia e sua diversidade, é o marco da Região Amazônica para a América Latina e a possibilidade de se buscar evitar a ocorrência das cada vez mais frequentes catástrofes climáticas, porque, afinal, só depende de todos nós o inquebrantável comprometimento na construção de uma democracia cada vez mais ambiental e climática, atenta aos clamores dos danos transfronteiriços oriundos das tragédias socioambientais.
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NOTAS
1 Acerca dos principais temas discutidos na COP-30, ver: Rumo à COP30. < https://www.gov.br/planalto/pt-br/agenda-internacional/missoes-internacionais/cop28/cop-30-no-brasil>, Acesso em: 21.01.2025.
2 Sobre a paradiplomacia, conferir: MARQUES JÚNIOR, William Paiva; BARBALHO, Bruno Lima . Federalismo e paradiplomacia: experiência brasileira em tempos de pandemia global. Revista Brasileira de Teoria Constitucional, v. 10, p. 42-60, 2024.
3Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Disponível em: < https://www.wribrasil.org.br/noticias/mudancas-climaticas-alarmantes-veja-5-grandes-resultados-do-relatorio-do-ipcc?gad_source=1&gclid=Cj0KCQiAkJO8BhCGARIsAMkswyiFUNQzmfErzHcP8sCzR3QrKDU5RuYGRE_zX1YU57doz7TbFGhyLaUaAlE8EALw_wcB&utm_medium=cpc&utm_source=google&utm_campaign=Clima&utm_content=Mudancas_climaticas_alarmantes_veja_5_grandes_resultados_do_relatorio_do_IPCC&utm_term=painel%20intergovernamental%20de%20mudan%C3%A7as%20clim%C3%A1ticas >. Acesso em: 13 de janeiro de 2025.
4 Nações Unidas Brasil. El Niño e impactos das mudanças climáticas afetam a América Latina e o Caribe em 2023. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/268081-el-ni%C3%B1o-e-impactos-das-mudan%C3%A7as-clim%C3%A1ticas-afetam-am%C3%A9rica-latina-e-o-caribe-em-2023 >. Acesso em: 13 de janeiro de 2025.
5Cambridge International Law Journal. Disponível em: https://cilj.co.uk/2020/12/24/senior-women-for-climate-protection-v-switzerland-a-chance-for-the-european-court-of-human-rights-to-make-history-in-climate-litigation/. Acesso em: 21.01.2025.
6 FERRAJOLI, Luigi. Per una Constituzione dela Terra. L’umanità al bivio. Prima edizione. Milano: Feltrinelli Editore, 2022, p. 11. Tradução livre: “A causa della catastrofe ecologica, per la prima volta nella storia il genere umano rischia l’estinzione: non un’estinzione naturale come fu quella dei dinosauri, ma un insensato suicidio de massa dovuto all’attività irresponsabile degli stessi esseri umani.”