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Meio ambiente, clima e a assim chamada poluição digital ou informacional

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Ingo Wolfgang Sarlet
Ingo Wolfgang Sarlet

24/11/2025

O reconhecimento meio ambiente digital [1], como uma nova dimensão do conceito de meio ambiente [2], é o reflexo das inovações sociais resultantes da “digitalização” da vida e da sociedade em todas as dimensões possíveis. A proteção e a degradação do meio ambiente e do sistema climático também passa pelas relações travadas nas redes sociais. A centralidade que as redes sociais assumiram na vida contemporânea, inclusive em termos políticos, transcende as telas e pode impactar de forma significativa (positiva ou negativamente) o desfrute do direito fundamental a viver em um meio ambiente e um clima sadio, equilibrado e seguro.

O reconhecimento jurídico do meio ambiente digital

O STF, na decisão proferida na ADPF 857/MS, reconhece a dupla dimensão do meio ambiente digital, como bem jurídico em si a ser protegido e como instrumento para a proteção de direitos fundamentais (ex. direitos fundamentais ao meio ambiente e ao clima) e do meio ambiente natural.

Não por outra razão, hoje se discute o conceito de poluição digital, conforme desenvolvido à frente, notadamente em vista da responsabilização de agentes que a promovem, direta ou indiretamente, no mundo digital. A desinformação ambiental e climática, como se vê, por exemplo, na promoção e divulgação deliberada de fake news nas redes sociais por determinados agentes, ao promoverem teorias que negam o aquecimento global e as mudanças climáticas, em total desacordo com as evidências científicas e o melhor conhecimento científico disponível ilustram esse cenário.

Poluidor informacional e o papel da informação ambiental

A poluição informacional e digital reflete (para fora das telas!) na poluição ambiental. Outro exemplo inovador de poluidor é aquele que se pode denominar de poluidor ambiental informacional e digital, relacionado aos níveis de desinformação nessa seara. Note-se que a informação ambiental é tanto um direito (de acesso) titularizado pela sociedade, individual e coletivamente considerada, quanto um dever, que vincula tanto o Estado quanto os particulares. A informação ambiental é um fator absolutamente sensível para a salvaguarda do meio ambiente, de modo que aquele agente público ou privado que promove de forma intencional a desinformação em temas ambientais e climático está violando o referido regime jurídico de proteção e direitos correlatos (da sociedade e do indivíduo).

Raízes históricas da desinformação ambiental

O tema não é novo, como pontuado na obra clássica de Naomi Orestes e Erik Conway sobre o tema [3] Os “mercadores da dúvida” são cientistas, inclusive renomados e influentes, cooptados — ou seja, “pagos” — especificamente para plantar a dúvida científica em determinada área do conhecimento, trabalhando de forma coordenada setores empresariais, lobistas e políticos, com o objetivo de postergar ou evitar medidas regulatórias. Os cientistas cooptados voltam-se contra a ciência e suas evidências para desinformar formadores de opinião e o público em geral, promovendo interesses privados de determinados setores econômicos e políticos em detrimento da sociedade e interesse público. De acordo com o estudo, a referida situação foi identificada nos seguintes exemplos, entre outros: agrotóxicos, chuva ácida, tabaco, energia nuclear e, mais recentemente, do aquecimento global e das mudanças climáticas.

A desinformação ambiental remonta ao início década de 1960, ocasião em que Rachel Carson alçou a sua voz para denunciar, com a publicação da sua obra clássica Primavera Silenciosa (1962), os prejuízos causados pelos agrotóxicos à saúde humana e ao meio ambiente. A resposta da poderosa indústria química por trás dos pesticidas foi uma campanha brutal de difamação e ataques pessoais à Carson, na tentativa de silenciá-la (na linguagem hoje recorrente das redes sociais, promover o seu “cancelamento”) e neutralizar os seus argumentos científicos no âmbito do debate público. Ainda que isso tenha lhe custado a saúde e a vida, com a sua morte poucos anos depois, o legado de Carson impulsionou o surgimento do movimento ambientalista à época e segue até hoje inspirando gerações na luta ecológica. A poluição química, por sua vez, segue até hoje como um tema central da agenda ecológica.

Desinformação climática e negacionismo científico

No caso do aquecimento global, a indústria do petróleo seguiu o mesmo caminho da desinformação climática como ação estratégica, conseguindo, assim, atrasar por décadas a tomada de consciência pública e regulação mais rígida sobre o setor. A desinformação, como vemos no caso das fake news, ganhou força inimaginável atualmente com o advento da internet e das redes sociais, manipulando o debate público e alienando parcela da sociedade. A desinformação sanitária, por exemplo, esteve associada às muitas mortes que poderiam ter sido evitadas durante a pandemia do Covid-19, como no caso das pessoas que não se vacinaram ou tomaram medicamentos sem qualquer respaldo médico-científico por acreditarem em teorias conspiratórias, em total desacordo com as evidências científicas e o estado da arte da ciência médica.

A desinformação ambiental e climática converge com a estratégia empreendida por determinadas correntes políticas e setores econômicos de promover a desconfiança em relação à ciência, aos cientistas etc., com um ataque direcionado às universidades, às instituições de pesquisa, aos setores governamentais ambientais e da área da ciência e da educação etc. O IPCC, por exemplo, é seguidamente atacado por aqueles que promovem o negacionismo climático. Igual aconteceu no Brasil, poucos anos atrás, em relação aos dados oficiais do desmatamento divulgados pelo Inpe. A estratégia dos negacionistas científicos é deliberadamente tirar o foco da mensagem – dos fatos e dados (ex. aumento do desmatamento florestal) – e projetá-lo para o mensageiro (ex. instituições científicas, cientistas etc.), com o objetivo de desautorizá-lo. E mais: construir uma narrativa e visão de mundo dissociada dos fatos, da realidade empírica.

O ataque à ciência e a necessidade de regulação

O ataque deliberado à ciência e à promoção do negacionismo ambiental e climático deve ser enfrentado pelo Direito, tendo em vista os danos provocados pela desinformação. O Acordo de Paris (2015), por essa ótica, reconhece como dever vinculante para os Estados a tomada de decisões climáticas baseadas no melhor conhecimento científico disponível.

Há uma correlação direta entre o interesse público e a tomada de decisões lastreadas em evidências científicas e no estado da arte do conhecimento científico, em qualquer área que seja, sendo um direito da sociedade usufruir de informação, quantitativa e qualitativamente suficiente, e dos benefícios do progresso científico.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu, na recente OC 32/2025 sobre Emergência Climática e Direitos Humanos, o direito humano à ciência no contexto da emergência climática e para a salvaguarda dos direitos humanos, o qual está diretamente relacionado ao dever dos Estados de pautarem suas decisões de acordo com o melhor conhecimento científico disponível, baseado nos consensos científicos creditado às autoridades e às instituições científicas competentes para tanto, a depender de cada área de conhecimento.

Poluição digital como nova forma de degradação ambiental

A produção e divulgação deliberada de informações falsas, incluídas aquelas que contrariam os consensos científicos em áreas como saúde e meio ambiente implica danos e violação a direitos titularizados pelos indivíduos e sociedade, podendo ensejar, a depender do caso concreto, a responsabilização, com base no regime jurídico da responsabilidade civil ambiental, do agente público ou privado que empreende por sua ação ou omissão, direta ou indiretamente, a referida conduta lesiva.

A desinformação ambiental e climática produz um dano social à medida em que a consolidação de uma opinião pública manipulada e ancorada em fake news abre caminho para a tomada de decisões (individuais e coletivas) amparadas em mentiras e notificações fabricadas, em desacordo com as evidências científicas (como no caso das vacinas e mudanças climáticas), causando um prejuízo difuso em termos comunitários e violando direitos fundamentos.

A divulgação de desinformação ecológica nas redes sociais possui características tanto da publicidade enganosa (“informação…inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro”) quanto da publicidade abusiva (“desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”).

O CDC, como se pode observar, consagrou expressamente o desrespeito aos valores ambientais como publicidade abusiva. O direito do consumidor à verdade ou veracidade da informação está diretamente relacionado à sua conformidade com as evidências científicas e o melhor conhecimento científico disponível, cabendo, conforme previsão expressa do artigo 38 do diploma consumerista, a inversão do ônus da prova da veracidade [4] e correção da informação [5] em favor do consumidor. Igual raciocínio deve ser aplica aos usuários das redes sociais, inclusive mediante o seu enquadramento na categoria jurídica de consumidores de um serviço ou produto, dada a natureza equivalente da relação jurídica privada que se estabelece entre eles e as empresas que fornecem serviços digitais e são responsáveis pelas plataformas digitais e redes sociais.

O fato é que a poluição digital e informacional é uma nova forma de degradação ambiental, com consequências extremamente graves e nocivas para a sociedade e para o meio ambiente, na medida em que as redes sociais, ao adotarem sistemas de algoritmos preestabelecidos para promover engajamento e impulsionamento, acabam por influenciar diretamente eventos políticos e sociais que transcendem o universo digital e impactam o mundo real.

Como apontado por Giuliano da Empoli, “os engenheiros do Vale do Silício há muito deixaram de programar computadores para se tornar programadores de comportamentos sociais. A partir do momento em que decidimos transformar os computadores na interface global que medeia nossa relação com a realidade, nós nos colocamos em suas mãos – e nas mãos de todos os spin doctors [6] ou agentes de influência, que têm interesse em alimentar o aquecimento do clima social”[7], com impactos também, a depender do tipo e do alvo da desinformação, no aquecimento do clima planetário!

Responsabilidade civil e regulação da poluição informacional

Por tais razões, é preciso criar e desenvolver estratégias eficazes em novos arranjos regulatórios que possam fazer frente ao fenômeno da poluição ambiental e climática digital, em especial viabilizando a adequada responsabilização de seus autores, sempre levando em conta a crescente amplitude e complexidade dos conceitos de meio ambiente, poluição e poluidor. Além disso, o sucesso do bom combate à poluição digital também está em boa parte condicionado à superação dos esquemas cooperativos transnacionais de sorte que logrem envolver, para além do papel dos Estados, a sociedade civil e, em especial, os agentes do poder econômico e das lideranças comunitárias para fins de um novo giro civilizatório.

Sobre os autores

  • Ingo Wolfgang Sarlet é advogado e professor titular da PUC-RS.
  • Gabrielle Bezerra Sarlet é professora associada e pesquisadora do Insper.
  • Tiago Fensterseifer é defensor público do estado de São Paulo.

Fonte: ConJur

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NOTAS

[1] O PL 04/2025, resultante do Anteprojeto de Reforma do CC/2002, elaborado pela Comissão de Juristas designada pelo Senado Federal, estabelece o seguinte conceito de “ambiente digital”: “Art. 2.027-B. Caracteriza-se como ambiente digital o espaço virtual interconectado por meio da internet, compreendendo redes mundiais de computadores, dispositivos móveis, plataformas digitais, sistemas de comunicação online e quaisquer outras tecnologias interativas que permitam a criação, o armazenamento, a transmissão e a recepção de dados e informações.”

[2] Na doutrina, v. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 649-655.

[3] ORESTES, Naomi; CONWAY, Erik. Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. Londres: Bloomsbury Publishing, 2011.

[4] “Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.”

[5] “Art. 36. (…) Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.”

[6]Spin doctor: “um porta-voz contratado para dar uma interpretação favorável dos acontecimentos à mídia, especialmente em nome de um partido político” (Dicionário Oxford On-Line).

[7] EMPOLI, Giuliano Da. A hora dos predadores: como autocratas e magnatas digitais estão levando o mundo à beira de um colapso orquestrado. São Paulo: Vestígio, 2025, p. 76.

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