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Proteção do ambiente e deveres corporativos de devida diligência: MPF e Starlink

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Ingo Wolfgang Sarlet
Ingo Wolfgang Sarlet

03/10/2025

A concretização dos deveres de devida diligência corporativa em matéria de direitos humanos, meio ambiente e clima pode ser identificada, em caráter ilustrativo, no Termo de Compromisso firmado, em 2025, entre o MPF (Ministério Público Federal) e a Starlink, empresa de conectividade via satélite pertencente ao grupo SpaceX, com o objetivo de prevenir e combater o uso irregular da tecnologia de internet em áreas de garimpo ilegal na Amazônia. [1]

Avanço do crime organizado na Amazônia

Nesse contexto, é importante destacar o avanço preocupante e acentuado do crime organizado na Amazônia nos últimos anos. As organizações criminosas nacionais e internacionais passaram a ampliar seus “negócios” para além do tráfico de drogas na região amazônica, passando a atuar também em práticas ilícitas de natureza ambiental: garimpo, desmatamento florestal, grilagem de terras, pesca etc.

Decisão do STF sobre ouro ilegal e crime organizado

O STF, no julgamento das ADI 7.273/DF e ADI 7.345/DF, ao declarar a inconstitucionalidade e afastar a presunção de legalidade do ouro adquirido, prevista na Lei 12.844/2013, reconheceu, no voto-relator do ministro Gilmar Mendes, a “vinculação entre a extração irregular de ouro e o crime organizado (narcogarimpo)” e o “aumento das atividades de garimpo ilegal, com repercussão na degradação ambiental em áreas de proteção, prejuízo à saúde da população indígena e crescimento da violência”. [2]

Antenas da Starlink em garimpos ilegais

De acordo com reportagem do O Globo [3], dezenas de antenas (aparelhos) de internet via satélite fabricados e comercializados pela empresa Starlink foram apreendidos pelo Ibama e pela Polícia Federal em Territórios Indígenas (TI) e Unidades de Conservação (UC), em poder de garimpeiros e desmatadores ilegais, organizações criminosas etc.

Para agravar o cenário, uma das apreensões ocorreu no Parque Nacional do Vale do Javari, no Amazonas, local em que foram brutalmente assassinados o indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, no ano de 2022. O avanço do crime organizado da região foi apontado na obra póstuma de Dom Phillips, recentemente publicada no Brasil. [4]

Como se pode observar, a tecnologia comercializada pela Starlink, ou seja, o acesso à internet via satélite, foi instrumentalizada pelo crime organizado para o cometimento de ilícitos ambientais e violações a direitos humanos, inclusive contra povos indígenas e comunidades tradicionais, possibilitando, assim, a comunicação e a operação criminosa em locais remotos, como se vê no caso da Amazônia.

A iniciativa do MPF e medidas de controle

A iniciativa MPF, como noticiado, ao identificar o cenário preocupante acima, “estabelece medidas concretas de rastreabilidade, controle e bloqueio de usuários que utilizam o serviço da empresa para viabilizar atividades criminosas em áreas sensíveis da floresta, especialmente em terras indígenas e unidades de conservação”. O caso em questão é emblemático e deve ser tomado como importante parâmetro jurídico para outros casos simulares envolvendo empresas privadas, ao concretizar os deveres corporativos ou empresariais de devida diligência em matéria de direitos humanos, meio ambiente e clima.

Deveres fundamentais dos particulares segundo a CF/88

A cooperação entre autoridades públicas e empresas privadas pode ser extraída diretamente da norma inscrita no caput do artigo 225 da CF/1988, ao prever expressamente não apenas os deveres constitucionais estatais, mais igualmente os deveres fundamentais dos particulares, pessoas físicas e jurídicas, de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Para além de um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o referido dispositivo constitucional igualmente consagra deveres fundamentais corporativos de proteção ecológica. E, mais recentemente, também deveres fundamentais de proteção climática, como consignado expressamente no voto do ministro Luiz Fux proferido no julgamento da ADPF 760/DF (Caso PPCDAm). [5] Por fim, é importante enfatizar que se trata de caso violação a direitos de grupos sociais (hiper)vulneráveis, no caso, povos indígenas, que possuem especial regime constitucional de proteção (artigo 232 da CF/1988).

O papel da Starlink e a responsabilidade ambiental

Os denominados Sistemas de Informação Geográfica (SIG) são a essência da tecnologia em questão operada via satélite pela Starlink, de sorte que não há justificativa plausível para a empresa omitir-se e, consequentemente, consentir com situação notória de práticas ilícitas ambientais. Os dados de sensoriamento remoto obtidos pelos sistemas de monitoramento via satélite asseguram a precisão da informação por parte das empresas de tecnologia, como a Starlink, que oferecem o serviço de acesso à internet via satélite.

Por exemplo, o simples fato de o sinal ser transmitido a partir de um território indígena e a antena não ser registrada por comunidade indígena ou órgão governamental torna incontestável a prática de ilegalidades em curso no local. Igual situação se aplica às áreas ambientais especialmente protegidas, como é o caso de unidades de conservação.

O conhecimento, por parte de empresa, de que um dos seus aparelhos está sendo acessado de dentro de TI ou de UC é inquestionável. Fato notório e que deve ser presumido. É da essência e natureza da sua própria atividade econômica a informação em questão, por meio de monitoramento via satélite.

Os deveres de devida diligência corporativa tornam, portanto, imperativa a obrigação de comunicar às autoridades públicas (ex. MPF, Ibama, ICMBio, Polícia Federal, Funai etc.) a respeito da suspeita de prática ilícita, com a sua respectiva localização geográfica do dispositivo emissor do sinal de internet para fins de apuração e fiscalização pelos órgãos públicos ambientais e indígenas.

Omissão e responsabilidade como poluidor indireto

A sua omissão, a depender das circunstâncias concretas, pode ser interpretada como quebra do dever de devida diligência corporativa e contribuição indireta para a perpetuação de atividades ilegais, favorecendo o agravamento e a perpetuação da violação à legislação ambiental. Ao assim agir, a empresa pode ser enquadrada como responsável ou poluidor indireto (nos termos do artigo 3º, IV, da Lei 6.938/81), respondendo, assim, solidariamente, juntamente com quem empreende diretamente a atividade ilícita, por eventual reparação civil de danos causados ao meio ambiente e a terceiros.

Devida diligência e a agenda internacional de direitos humanos

O que se percebe, portanto, e o caso aqui rapidamente analisado bem o demonstra, é que levar a sério os deveres de devida diligência corporativa é — e cada vez mais o será — uma forma eficaz de assegurar a devida proteção ao meio ambiente e, com isso, de toda uma gama de direitos humanos e fundamentais. Aliás, sem que se vá aqui desenvolver mais o tema, não é à toa que os deveres de devida diligência por parte dos atores do meio econômico tem ocupado um lugar de destaque na agenda internacional da proteção dos direitos humanos, como se verifica pela sua inserção na decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso habitantes de La Oroya vs. Peru, na Opinião Consultiva nº 32 da mesma Corte sobre mudanças climáticas, bem como, mais recentemente, na Opinião Consultiva (Advisory Opinion) da Corte Internacional de Justiça sobre  as obrigações dos Estados em matéria de mudanças climáticas.

Fonte: ConJur

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NOTAS

[1] Disponível aqui.

[2] STF, ADI 7273/DF e ADI 7345/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 24.03.2025.

[3]Aqui

[4] “As barcaças de mineração ilegais se espalham ao longo dos rios, Embora desmatem florestas, suguem ouro da lama dos rios, despejem o mercúrio mortal que usam para separá-lo nas águas fluviais, onde ele penetra nas cadeias alimentares, e tragam violência, prostituição e drogas para comunidades remotas, os garimpeiros podem ser vistos por toda a Amazônia, Mesmo quanto detonam os garimpos, a Polícia Federal ou o Exército costuma deixar os garimpeiros ir embora. É difícil pensar em qualquer outro lugar fora de uma zona de guerra onde seja tão fácil encontrar pessoas infringindo a lei descaradamente”. PHILLIPS, Dom. Como salvar a Amazônia: uma busca mortal por respostas. São Paulo: Companhia das Letras, 2025, p. 59-60.

[5] “(…) é forçoso concluir pela existência de um estado de coisas ainda inconstitucional na proteção e preservação da Floresta Amazônica, em trânsito para a constitucionalidade, acoplando-se a essa declaração medidas remediais que permitam superar esse cenário e efetivar os direitos e os deveres fundamentais ambientais, ecológicos e climáticos”. STF, ADPF 760/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Cármen Lúcia, red. acórd. Min. André Mendonça, j. 14.03.2024.

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