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TCU e a legalidade da concessão de aposentadoria, reforma ou pensão

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RE 636.553

REFORMA

TCU

Marcelo Alexandrino

Marcelo Alexandrino

09/03/2020

Olá, pessoal, é o Marcelo Alexandrino. Estou de volta para uma notícia relevante no campo do direito administrativo. O assunto é uma decisão do Supremo Tribunal Federal que representou uma virada jurisprudencial e, seguramente, terá significativas repercussões – teóricas (para provas de concursos públicos) e, também, práticas.

A Constituição Federal, no art. 71, inciso III, confere competência ao Tribunal de Contas da União (TCU) para “apreciar, para fins de registro, a legalidade (…) das concessões de aposentadorias, reformas e pensões”.

Vejam que o art. 71 da Carta de 1988 versa sobre controle externo. E o texto do dispositivo acima transcrito é absolutamente claro: essa atuação do TCU traduz mero controle de legalidade, ou seja, ela não faz parte do ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão; depois que o benefício já foi concedido é que o TCU, então, deve avaliar se o seu deferimento foi efetuado em conformidade com as normas jurídicas aplicáveis.

Isso tudo que eu escrevi no parágrafo acima deveria ser considerado óbvio. Acontece que, se assim for, o ato de concessão da aposentadoria, reforma ou pensão, sendo um ato administrativo, estará sujeito ao art. 54 da Lei 9.784/1999, a saber (grifei):

“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

  • 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
  • 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.”

Significa dizer que, se se reconhecesse que a concessão da aposentadoria, reforma ou pensão efetivamente ocorre com o ato de concessão (!), a administração pública teria cinco anos para, constatada alguma ilegalidade, anular o benefício, salvo comprovada má-fé. Na minha opinião, esses cinco anos seriam contados da data do primeiro pagamento.

Na vida real, muitas vezes (muitas mesmo!), o TCU só vai efetuar o controle de legalidade previsto no inciso III do art. 71 da Constituição vários anos depois (às vezes dez, doze, quinze anos depois!) de o beneficiário já estar recebendo os seus proventos, tranquilamente, quase sempre seguro de que está tudo certo, sem problemas. Afinal, na esmagadora maioria das situações, mesmo quando existe alguma irregularidade maculando o ato administrativo de deferimento da aposentadoria, reforma ou pensão, o beneficiário está de boa-fé.

Agora, imaginem a situação concreta: você está aposentado há quinze anos, ou é pensionista há tanto tempo que mal se lembra do falecido cônjuge, está em uma idade em que se vislumbram muito poucas possibilidades de encontrar uma atividade profissional razoavelmente remunerada – e vem o TCU dizer que, sinto muito, a administração incorreu em alguma irregularidade quando concedeu o seu benefício, de sorte que ele terá de ser cancelado!

Apesar de absurdo, foi exatamente esse quadro que vigorou até bem pouco tempo atrás, em razão de uma acrobacia monumental do Supremo Tribunal Federal (STF), que enquadrou (a marteladas) a concessão de aposentadorias, reformas e pensões como hipótese de ato administrativo complexo. Seria um único ato, cuja formação somente se completaria com o registro efetuado pelo TCU. Entre outros assombros, temos de admitir, então, que, embora o ato da administração pública que aposenta, reforma ou torna pensionista o sujeito esteja incompleto, seja apenas uma manifestação insuficiente para se considerar perfeita (completa) a concessão, ele começa a produzir todos os seus efeitos jurídicos e materiais, inclusive os financeiros, desde já, sem necessidade de qualquer outra providência!

Mas é precisamente assim: a jurisprudência do STF consagrou, sem controvérsia de monta no âmbito dessa Corte Superior, a orientação de que o registro efetuado pelo TCU no exercício do controle externo de legalidade integra o próprio ato de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão, vale dizer, esse ato é complexo, ele só estará inteiramente formado depois da manifestação do TCU.

As duas principais consequências são: (a) não se pode falar em decadência do direito de anular a concessão do benefício enquanto o TCU não efetuar o registro; mesmo que passem vinte anos entre o ato da administração pública e o ato do TCU, nenhum prazo extintivo está correndo, pode o TCU entender que houve ilegalidade e determinar que a administração cancele o benefício a qualquer tempo; só começa a correr o prazo de cinco anos previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999 a partir da data do registro efetuado pelo TCU (nessa hipótese, o prazo é para ocorrer a decadência do direito de o TCU anular o ato de registro, que ele mesmo praticou); e (b) não cabe cogitar contraditório e ampla defesa previamente à atuação do TCU, ainda que ela seja desfavorável ao administrado, isto é, embora a recusa ao registro seja um ato gravoso para o particular, um ato que afeta negativamente a esfera dos interesses dele, ela pode ocorrer sem que antes se dê ao administrado qualquer possibilidade de manifestação, sem oportunidade prévia de defesa ou de contraditório.

Vale lembrar que, acerca desse segundo aspecto, o STF editou a Súmula Vinculante 3 (aprovada em 30/05/2007), com esta redação (grifei):

“Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”

No final de setembro de 2007, o Pleno do STF julgou um mandado de segurança (MS 24.448/DF) – cuja decisão formou jurisprudência – que implicou o reconhecimento de uma exceção à exceção prevista na parte final da Súmula Vinculante 3. A partir de então, a Corte Suprema passou a entender que, se transcorridos mais de cinco anos, contados partir da data de chegada ao TCU do processo administrativo de aposentadoria, reforma ou pensão encaminhado pelo órgão de origem, não poderia o TCU recusar o registro sem, antes, assegurar ao interessado o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Observem que não se cogita aplicar o art. 54 da Lei 9.784/1999, nem – de modo algum! – considerar extinto o direito do TCU de recusar o registro e determinar que o órgão de origem cancele o benefício. Exige-se, apenas, que, antes de praticar esse ato, o TCU conceda ao interessado o direito de se defender, de contestar os fatos e as irregularidades que o TCU estiver apontando.

Essa jurisprudência durou de setembro de 2007 a fevereiro de 2020.

Agora, no dia 19 de fevereiro, o STF decidiu, com repercussão geral (RE 636.553/RS), que o TCU (e os demais tribunais de contas) tem cinco anos, contados do recebimento do processo de aposentadoria, reforma ou pensão, para negar o registro do benefício, por motivo de ilegalidade. Passado esse prazo, fica extinto esse direito, ou seja, o benefício não mais poderá ser cancelado/anulado. Com base nessa orientação, restou fixada a seguinte tese jurídica:

“Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de cinco anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas.”

A quem tiver interesse, eu recomendo a leitura da notícia relativa ao julgado, publicada no sítio do STF. Lá está dito que, incrivelmente, o STF manteve o seu entendimento de que a concessão de aposentadoria, reforma ou pensão é um ato complexo. E afirmou que não se aplica ao caso o art. 54 da Lei 9.784/1999 (por isso, a contagem não começa com o recebimento do primeiro pagamento pelo beneficiário, ou com o ato de deferimento emitido pelo órgão de origem, mas com a entrada do processo no TCU). Pelo que está escrito na notícia, foi feita uma “analogia” (!) com o prazo de cinco anos estabelecido no Decreto 20.910/1932, e estabeleceu-se esse limite de cinco anos para a atuação do TCU.

Temos aqui, a um só tempo, uma coleção riquíssima de exemplos de “jurisdição legiferante”…

Até a próxima.

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