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Possibilidade de utilização de saldo de horas excedentes para compensação de débito de hora
William Paiva Marques Júnior
23/02/2023
Possibilidade de utilização de saldo de horas excedentes para compensação de débito de horas em mês anterior ao imediatamente antecedente: superação da literalidade do art. 44, inciso II da Lei Nº. 8.112/90 em situações que envolvam o direito fundamental à saúde do servidor
Ante o comando do inciso II do art. 44 da Lei nº 8.112/90, “…o servidor perderá a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de horário, até o mês subseqüente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia imediata”. No âmbito infralegal, na seara federal, o art. 12, § 1º, da Instrução Normativa nº 2/2018, do então Ministério do Planejamento, reproduz regramento análogo.
Portanto, em obediência ao princípio da legalidade estrita, regente da atuação da Administração Pública, entende-se, em interpretação mais rudimentar, que a flexibilização dessas regras somente pode ocorrer sob a luz da competência normativa, não se podendo dar pela mera discricionariedade da Administração.
Na literalidade, o comando normativo do Art. 44, inciso II da Lei nº. 8.112/90 é claro ao estabelecer que a reposição/compensação deverá ser feita até o mês subsequente ao da ocorrência da ausência. Ocorre que, por óbvio, a compensação de jornada deve considerar as possibilidades laborais do servidor e a necessidade/conveniência do setor, como forma de garantir a boa gestão da unidade de trabalho.
É de se ponderar, entretanto, que é incoerente, desproporcional e desarrazoado exigir que a compensação de jornada pelo servidor se dê em período no qual ele esteve comprovadamente no gozo de licença para tratamento de saúde, concedida com base em perícia médica, sem prejuízo da remuneração a que fizer jus, conforme determina o Art. 202 da Lei nº. 8.112/90.
Outrossim, caso reste comprovado que o servidor efetivamente já compensou as horas faltantes no período imediatamente subsequente ao restabelecimento de sua saúde, portanto, levando em consideração a aplicação dos princípios informativos da Administração Pública, especialmente a proporcionalidade (Art. 2º-, §único, inciso VI da Lei nº. 9784/99), a razoabilidade (Art. 2º-, §único, inciso VI da Lei nº. 9.784/99) e a eficiência (Art. 37, caput da CF/88) , deve-se entender que as horas de ausências, foram devidamente compensadas pelo servidor, superando-se e colmatando-se a lacuna constante da hermenêutica mais rudimentar de aplicação fria e desmedida da legalidade estrita, superada pela visão inclusiva do Direito Administrativo atento à sensibilidade e racionalidade que demanda o caso concreto.
Tem-se, portanto que a aplicação sistemática dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da eficiência, quando sopesados ante a legalidade na seara administrativa, opera no sentido de permitir que a análise do ato administrativo gradue o peso da norma, em uma determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, assim fazendo a justiça do caso concreto, algo buscado pela principiologia contemporânea administrativa.
Entender de modo diverso seria violar flagrantemente os princípios diretivos do Direito Administrativo, em especial a razoabilidade, a proporcionalidade e a eficiência.
Jurisprudência sobre saldo de horas
Conforme orientação jurisprudencial do Tribunal Regional Federal da 4a- Região (TRF-4), é admissível a possibilidade de compensação em maior tempo (ultrapassando o mês seguinte), período previsto em Lei, considerando que não irá acarretar qualquer tipo de prejuízo à Administração, pois há a efetiva prestação de serviço pelo servidor, situação esta que se amolda ao caso dos autos:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. DIRIGENTES SINDICAIS. PARTICIPAÇÃO EM EVENTO SINDICAL. DISPENSA DO PONTO. COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO. ARTIGO 44, INCISO II, DA LEI Nº 8.112/90. LIMITAÇÃO AO MÊS SUBSEQUENTE. IMPEDIMENTO AO PLENO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE SINDICAL. COMPENSAÇÃO EM MAIOR TEMPO. POSSIBILIDADE.
1. Segundo o inciso II do art. 44 da Lei nº 8.112/90, “o servidor perderá a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de horário, até o mês subseqüente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia imediata”. 2. No caso, a autoridade coatora informou que o pedido de dispensa do ponto, mediante compensação horária dos dirigentes sindicais, seria indeferido, na medida em que a carga horária correspondente às ausências seria superior àquela possível de ser compensada até o final do mês subsequente. 3. A aplicação da norma legal que prevê a necessidade de compensação de horário até o final do mês seguinte, no caso específico dos autos, obsta a plena fruição do direito constitucional ao exercício de atividades sindicais, conforme garantido pelos artigos 8º e 37, inciso VI, da Constituição Federal. 4. A possibilidade de compensação em maior tempo (quer excedendo duas horas diárias, quer ultrapassando o mês seguinte) do que aquele previsto em Lei não irá acarretar qualquer tipo de prejuízo à Administração, pois haverá efetiva prestação de serviço pelos servidores.” (Tribunal Regional Federal da 4a- Região- Processo nº. 5088794-36.2019.4.04.7100, Relatora: Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida, julgamento: 23/08/2022) (Grifou-se)
Outrossim, a aplicação irrestrita da regra legal que prevê a necessidade de compensação de horário até o final do mês seguinte, na questão posta, está impedindo a plena fruição do direito fundamental social constitucional à saúde, conforme estabelecem os artigos 6º, 196 e 197 da Constituição Federal. Deve-se, portanto, por gerar hermenêutica impositiva em que se flexibilizar a regra legal no caso concreto, a fim de afastar o óbice ao pleno exercício da efetividade de um direito fundamental.
Deve-se ressaltar que, no âmbito administrativo, há precedentes autorizando a compensação de horário de modo distinto da previsão legal constante do Art. 44, inciso II da Lei nº. 8.112/90. Nesse sentido, a título ilustrativo, a Portaria nº 8.676, de 30 de setembro de 2022, do então Ministério da Economia, prevê que a compensação alusiva ao recesso para comemoração das festas de final de ano, correspondente aos períodos de 19 a 23 de dezembro de 2022 e de 26 a 30 de dezembro de 2022, possa-se dar de 3 de outubro de 2022 até dia 31 de maio de 2023. Ou seja, permite que a compensação seja realizada durante o período de aproximadamente 6 meses, não se limitando ao “mês subsequente ao da ocorrência”.
A aplicação fria e desmedida da regra constante do Art. 44, inciso II da Lei nº. 8.112/90 inviabilizaria o exercício da licença para tratamento de saúde (art. 202 da Lei nº. 8.112/90), a qual tem por escopo a salvaguarda do direito fundamental social constitucional à saúde , conforme estabelecem os artigos 6º, 196 e 197 da Constituição Federal.
Destaca-se ainda que a possibilidade de compensação em maior tempo (ultrapassando o limite do mês seguinte constante do Art. 44, inciso II da Lei nº. 8.112/90) não prejudica a Administração, tendo em vista que os dias de ausência justificada ao trabalho foram efetivamente compensados e não simplesmente abonados; e, por outro lado, restando assegurado o direito fundamental social à saúde do servidor.
Com efeito, considerando a ausência de prejuízo à Administração, bem como a necessidade de garantia do direito fundamental social à saúde e a existência de precedente administrativo flexibilizando a regra legal ora vergastada, entende-se justificada a possibilidade de utilização de saldo de horas excedentes para compensação de débito de horas em mês anterior ao imediatamente antecedente, possibilitando-se a superação do teor do Art. 44, inciso II da Lei nº. 8.112/90.
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