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Precatórios: Inconstitucionalidades Das Emendas Constitucionais 113 E 114 (Adi 7.064 E Medida Provisória 1.200/2023)
Marco Aurélio Serau Junior
26/01/2024
O pagamento das obrigações da Fazenda Pública, em virtude de decisões judiciais, é um dos temas mais complexos e técnicos nos campos do Direito Administrativo e Processual, seja a partir da extensão do artigo 100 da Constituição Federal, que deve ser lido em conjunto com diversos dispositivos do ADCT, seja pela profícua judicialização desse tema, com ampla atuação do STF.
O tema dos precatórios e requisições de pequeno valor é aprofundado em nosso livro Processo Previdenciário Judicial (5ª edição, Forense), e neste texto vamos cuidar das novidades derivadas do julgamento da ADI 7064, bem como da publicação da Medida Provisória 1.200/2023.
Pois bem, ao final de 2021 foram promulgadas as Emendas Constitucionais 113 e 114, que promoveram mudanças bastante drásticas no regime jurídico dos precatórios.
Tais mudanças foram objeto de judicialização, especialmente a partir da ADI 7.064 (Relator Min Luiz Fux), cujo julgamento foi concluído pelo Supremo Tribunal Federal em 19/12/2023.
Dos vários pontos de questionamento apresentaremos adiante os que nos parecem ser os mais relevantes. Dada a complexidade da matéria e extensão do acórdão, quando oportuno e necessário serão transcritos alguns trechos deste para melhor compreensão do tema.
Supressão do subteto para pagamento e rolagem dos precatórios contido no art. 107-A, do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
Certamente o ponto mais polêmico das alterações no regime de precatórios levada a cabo pelas Emendas Constitucionais 113 e 114/2021 residiu na fixação de subteto para o pagamento de precatórios e, na hipótese de superação desse patamar, a possibilidade de rolagem do pagamento para os anos subsequentes. Eis a redação do art. 107-A, do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:
Art. 107-A. Até o fim de 2026, fica estabelecido, para cada exercício financeiro, limite para alocação na proposta orçamentária das despesas com pagamentos em virtude de sentença judiciária de que trata o art. 100 da Constituição Federal, equivalente ao valor da despesa paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos, corrigido na forma do § 1º do art. 107 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, devendo o espaço fiscal decorrente da diferença entre o valor dos precatórios expedidos e o respectivo limite ser destinado ao programa previsto no parágrafo único do art. 6º e à seguridade social, nos termos do art. 194, ambos da Constituição Federal, a ser calculado da seguinte forma:
I – no exercício de 2022, o espaço fiscal decorrente da diferença entre o valor dos precatórios expedidos e o limite estabelecido no caput deste artigo deverá ser destinado ao programa previsto no parágrafo único do art. 6º e à seguridade social, nos termos do art. 194, ambos da Constituição Federal;
II – no exercício de 2023, pela diferença entre o total de precatórios expedidos entre 2 de julho de 2021 e 2 de abril de 2022 e o limite de que trata o caput deste artigo válido para o exercício de 2023; e
III – nos exercícios de 2024 a 2026, pela diferença entre o total de precatórios expedidos entre 3 de abril de dois anos anteriores e 2 de abril do ano anterior ao exercício e o limite de que trata o caput deste artigo válido para o mesmo exercício.
§ 1º O limite para o pagamento de precatórios corresponderá, em cada exercício, ao limite previsto no caput deste artigo, reduzido da projeção para a despesa com o pagamento de requisições de pequeno valor para o mesmo exercício, que terão prioridade no pagamento.
§ 2º Os precatórios que não forem pagos em razão do previsto neste artigo terão prioridade para pagamento em exercícios seguintes, observada a ordem cronológica e o disposto no § 8º deste artigo.
O STF considerou que a postergação do pagamento dos precatórios no regime trazido pelas Emendas Constitucionais 113 e 114/2021 implicaria em sacrifício de direitos individuais dos cidadãos em face do Poder Público, para mais do que já é imposto pelo modelo regular do artigo 100 da Constituição Federal:
10. A postergação do pagamento de valores relativos aos precatórios que excederam o teto fixado em Emenda à Constituição ensejou o sacrifício de direitos individuais do cidadão titular de um crédito em face do poder público, abalando sobremodo a legítima confiança nas instituições violando os efeitos da coisa julgada que foi favorável aos credores.
Também houve a consideração de que o novo formato de precatórios judiciais estaria a violar os efeitos da coisa julgada. Prevaleceu o entendimento de que o subteto prevaleceria tão somente para o ano de 2022, em decorrência de toda a excepcionalidade derivada ainda do período pandêmico:
16. A postergação do pagamento das dívidas de precatórios, que se mostrou medida proporcional e razoável para que o poder público pudesse enfrentar a situação decorrente de uma pandemia mundial em 2022, a partir do exercício de 2023 caracteriza-se como providência fora de esquadro com os princípios de accountability que constam do próprio Texto Constitucional. É dizer que a limitação a direitos individuais que inicialmente manifestou-se como um remédio eficaz para combater os distúrbios sociais causados pela COVID-19, neste momento caminha para se tornar um veneno com possibilidade de prejudicar severamente, em um futuro breve, o pagamento das mesmas despesas com ações sociais anteriormente prestigiadas.
Dispensado o subteto trazido pelo art. 107-A, do ADCT, com a redação dada pelas Emendas 113 e 114/2021, o resultado prático no julgamento da ADI 7.064 foi a determinação de imediata quitação dos precatórios represados desde então:
18. A quitação do passivo criado pelas Emendas Constitucionais 113 e 114/2021 é medida que se impõe, sob pena de se inviabilizar a atividade da administração pública em um futuro breve.
Esse entendimento fica sintetizado no dispositivo da ADI 7.064/DF, abaixo transcrito:
45. Ação Direta julgada PARCIALMENTE PROCEDENTE para: (i) dar interpretação conforme a constituição do caput do art. 107-A do ADCT, incluído pela Emenda Constitucional 114/2021 para que seus efeitos somente operem para o exercício de 2022; (ii) a declaração de inconstitucionalidade, com supressão de texto, dos incisos II e III do mesmo dispositivo; (iii) a inconstitucionalidade por arrastamento dos §§ 3º, 5º e 6º do mesmo art. 107-A; (iv) declaração de inconstitucionalidade do art. 6º da Emenda Constitucional 114/2021; (v) a declaração de inconstitucionalidade do art. 100, § 9º, e do art. 101, § 5º, do ADCT, com redação estabelecida pelo art. 1º da EC 113/21; (vi) dar interpretação conforme a Constituição do art. 100, § 11, da Constituição, com redação da EC 113/21 para afastar de seu texto a expressão “com auto aplicabilidade para a União”.
Nesse rumo, em 20/12/2023 foi publicada a Medida Provisória 1.200, que em síntese abriu crédito extraordinário para pagamento de precatórios judiciais, especialmente de natureza previdenciária, nos termos do anexo daquele normativo:
Art. 1º Fica aberto crédito extraordinário, em favor dos Ministérios da Previdência Social, da Saúde e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, e de Encargos Financeiros da União, no valor de R$ 93.143.160.563,00 (noventa e três bilhões cento e quarenta e três milhões cento e sessenta mil quinhentos e sessenta e três reais), para atender às programações constantes do Anexo.
Alteração da data de inclusão do requisitório
Um ponto polêmico trazido pela Emenda Constitucional 113/2021 residiu na antecipação da data final para inclusão dos requisitórios à Presidência dos Tribunais, de 01 de julho para 02 de abril de cada ano.
Na ADI 7.064 reconheceu-se a constitucionalidade desse novo modelo, tendo em vista não existir violação à atividade jurisdicional, mas mera atuação administrativa voltada ao pagamento dos precatórios:
41. A possibilidade de a nova legislação captar requisitórios já expedidos não encerra violação à irretroatividade. A aplicação da novel legislação dá-se após o encerramento da fase judicial do procedimento e antes do início da fase administrativa. É dizer que a norma produzirá efeitos após o encerramento das discussões relativas à condenação judicial do Poder Público e antes de finalizados os trâmites administrativos para a inclusão do crédito no orçamento.
Critério de atualização monetária das condenações judiciais da Fazenda Pública
Na ADI 7.064 foi reconhecida a constitucionalidade do artigo 3º da Emenda Constitucional 113/2021, que estabeleceu a Taxa Selic como único critério para atualização monetária das condenações da Fazenda Pública, a qual incidirá uma única vez até o efetivo pagamento:
Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
O STF compreendeu pela praticabilidade da utilização do critério único de correção das condenações judiciais da Fazenda Pública, indicando que, nesse tópico, não caberia a ratio decidendi das ADI’s 4425 e 4357, anteriormente julgadas em face da Emenda Constitucional 62/2009.
Também foi sopesado o entendimento firmado no Tema 810 da repercussão geral, em conjunto com o Tema 905 dos recursos especiais repetitivos no STJ.
Em linhas gerais são os principais pontos contidos no julgamento da ADI 7.064, com reflexos na quitação dos precatórios mediante a publicação da Medida Provisória 1.200/2023.
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