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O dano ao erário nas ações de improbidade e as contratações administrativas irregulares

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O dano ao erário nas ações de improbidade e as contratações administrativas irregulares

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18/03/2024

A Lei n. 8.429/93 prevê três espécies de atos de improbidade: a) aqueles que importam em enriquecimento ilícito, tipificados no art. 9º e incisos; b) aqueles que causam lesão ao erário, tipificados no art. 10 e incisos; c) aqueles que atentam contra os princípios da Administração Pública, tipificados nos incisos do art. 11. Aqui nos interessa analisar a segunda espécie, em especial para definir quando se está diante de um ato que causou dano patrimonial ao erário.

Em particular, a questão que procuraremos responder é a seguinte: nos casos de contratação irregular por parte da Administração por violação às normas licitatórias aplicáveis, caso os valores envolvidos na contratação sejam compatíveis com os vigentes no mercado, há dano ao erário? A principal norma aplicável é o inc. VIII do art. 10, que tipifica como improbidade a conduta de “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva”.

A primeira premissa a ser considerada é que, com a Lei n. 14.230/21, passou-se a exigir para a configuração dos atos de improbidade previstos no art. 10 que o dano ao erário seja efetivo e esteja comprovado nos autos do processo. E, no caso do inc. VIII do art. 10, essa exigência é reforçada, visto que somente o ato de frustrar licitação e/ou procedimento ou dispensá-los indevidamente que acarrete perda patrimonial efetiva do Estado é que se qualifica como improbidade.1

Ou seja, como já tivemos a oportunidade de sustentar, não basta a ilicitude do procedimento ou de sua dispensa. Necessário, ainda, a presença de dolo específico por parte do gestor (§§ 1º e 2º do art. 11) e que haja lesão efetiva ao erário. Somente conjugados esses três requisitos (ato + dolo + lesão) é que possível falar em improbidade nos termos do inc. VIII do art. 10.2 A questão é: quando o dano ao erário é “efetivo”?

A nosso ver, imprescindível a demonstração, por parte do órgão acusador, de que os valores envolvidos na contratação estavam fora dos padrões de mercado (superfaturados). Somente quando comprovado que o Estado, de fato, dispendeu mais recursos do que deveria em uma determinada contratação é que se verifica dano ao erário “efetivo”, decorrente de contratação irregular, a justificar o enquadramento no inc. VIII do art. 10.

Assim, por exemplo, o mero fato de a contratação de um show via inexigibilidade de licitação ter sido feita sem a observância das regras e dos requisitos previstos na Lei de Licitações (Lei n. 14.133/2021) não autoriza o enquadramento da conduta no inc. VIII do art. 10 da Lei de Improbidade. Necessário, também, que fique demonstrado que os valores envolvidos na contratação foram superiores àqueles praticados no mercado ou, claro, que não houve a prestação do serviço correspondente.

Em caso correlato, ao analisar a contratação irregular de empresa para o fornecimento de material e mão-de-obra para a reforma de clínica oftalmológica, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a não comprovação do superfaturamento dos valores inviabiliza o enquadramento da conduta no inc. VIII do art. 10 (REsp n. 922.526/SP). E veja que esse julgamento ocorreu em 2019, quando a redação do referido dispositivo não previa expressamente, como faz agora, a exigência de que o ato enseje perda patrimonial efetiva.

A reforçar ainda mais essa interpretação, o STJ também já definiu que “Nas ações de improbidade administrativa, é indevido o ressarcimento ao erário de valores gastos com contratações, ainda que ilegais, quando efetivamente houve contraprestação dos serviços, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração” (por todos, ver AgInt no REsp 1747230/PR). Ou seja, não só a existência de superfaturamento é requisito essencial para a configuração do ato de improbidade previsto no inc. VIII do art. 10, como a efetiva prestação do serviço impede a condenação do agente ao ressarcimento dos valores.

Mas, então, nesses casos, não há ato de improbidade? Não necessariamente. Veja que, nos termos do inc. V do art. 11 da Lei n. 8.429/92, configura ato de improbidade que atenta contra os princípios da Administração Pública a conduta de “frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros”.

Enquadrada a conduta também nesse dispositivo, que não exige a demonstração de efetivo dano ao erário, mas somente a intenção do agente de, com seu ato, obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (§ 1º do art. 11),3 nada impede a condenação do agente por ato de improbidade. O que aqui se buscou demonstrar é que, nos casos em que a contratação não gerou prejuízos efetivos ao erário, impossível o enquadramento do ato na hipótese do inc. VIII do art. 10.

Autores: Bernardo Strobel Guimarães, Caio Augusto Nazário de Souza e Luis Henrique Braga Madalena 

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NOTAS

1 O legislador, com a Lei n. 14.230/21, incluiu ao final da redação do dispositivo a exigência de que o ato enseje perda patrimonial efetiva.

2 GUIMARÃES, Bernardo Strobel; SOUZA, Caio Augusto Nazário de; VIOLIN, Jordão; MADALENA, Luis Henrique. A nova improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 100.

3 Sobre a questão, ver GUIMARÃES, Bernardo Strobel; SOUZA, Caio Augusto Nazário de; VIOLIN, Jordão; MADALENA, Luis Henrique. A nova improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 120-121.

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