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Possibilidade de extensão dos benefícios do acordo de leniência previsto na Lei Anticorrupção Empresarial para as pessoas físicas
Landolfo Andrade
03/07/2019
No ano de 2013, a Lei Anticorrupção Empresarial (Lei 12.846/2013) previu a possibilidade de celebração de acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos tipificados em seu art. 5º, de modo a isentá-las das sanções previstas no inciso II do art. 6º (publicação extraordinária da decisão condenatória) e no inciso IV do art. 19 (proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo de 1 a 5 anos), possibilitando também a redução do valor da multa aplicável em até 2/3 (dois terços).
Por se tratar de instituto de direito premial, a concessão dos benefícios legais convencionados no acordo de leniência pressupõe que a pessoa jurídica processada colabore efetivamente com as investigações e com o processo administrativo, de modo que desta colaboração resultem a identificação dos demais atores envolvidos na infração e a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
Em apertada síntese, são três os principais efeitos da celebração do acordo de leniência:
1) concessão de benefícios à pessoa jurídica infratora: nos termos do artigo 16, § 2º, a celebração do acordo isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º (publicação extraordinária da decisão condenatória) e no inciso IV do art. 19 (proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo de 1 a 5 anos), e reduzirá o valor da multa aplicável em até 2/3 (dois terços);
2) interrupção do prazo prescricional: nos termos do art. 16, § 9º, a celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos na LAE; e
3) divulgação do acordo: uma vez celebrado o acordo de leniência, sua divulgação ao público é obrigatória, salvo nas situações em que a publicidade possa prejudicar as investigações ou a condução do processo administrativo (artigo 16, § 6º).
A Lei 12.846/2013 também estabelece em seu art. 16, § 5º, que os efeitos do acordo de leniência poderão ser estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas. Por força do disposto no art. 4º, § 2º, da Lei Anticorrupção Empresarial (LAE), as empresas que integram o mesmo grupo econômico são solidariamente responsáveis pela reparação integral do dano e pela multa prevista no art. 6º, I.
Assim, é vantajosa a participação no acordo das sociedades controladoras, controladas, coligadas ou consorciadas, especialmente em razão do benefício de redução em até 2/3 do valor da multa.
Note-se que os benefícios concedidos ao subscritor do acordo de leniência não são os mesmos previstos no programa da Lei do CADE (Lei 12.529/2011), em que a pessoa jurídica e as pessoas físicas envolvidas podem receber a imunidade penal e administrativa, a depender do momento da celebração do acordo, prêmios esses, a toda evidência, mais atraentes.
A não concessão de benefícios às pessoas físicas em outras esferas de responsabilização é uma falha da LAE. Afinal, os atos lesivos previstos no artigo 5º só podem ser praticados por pessoas físicas vinculadas às pessoas jurídicas. É dizer, por trás de cada ato de corrupção empresarial, há executivos, administradores e prepostos responsáveis pela decisão de corromper um agente público em troca de benefícios escusos. E a pessoa jurídica, para ter a proposta de acordo de leniência acolhida, deverá entregar provas do ato lesivo, assim como indicar os demais envolvidos, ou seja, as pessoas jurídicas e as pessoas físicas que concorreram para a prática da infração.
Nesse cenário, quais estímulos os executivos ou prepostos das pessoas jurídicas infratoras terão para propor o acordo de leniência por atos lesivos, com benefícios exclusivos à empresa para a qual trabalham, sabedores de que, na sequência, com as provas fornecidas, eles próprios serão processados tanto na esfera criminal como na esfera de improbidade administrativa?
Dúvidas não há de que nas hipóteses também alcançadas pela Lei n. 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), se poderá negociar, concomitantemente, a celebração de um acordo de colaboração premiada, com benefícios para as pessoas físicas na esfera criminal.
Para além dessa possibilidade, entendemos perfeitamente possível a inclusão de pessoas físicas nos acordos de leniência da LAE, a despeito da lacuna legal. É dizer, ainda que não haja envolvimento de organização criminosa na prática do ato lesivo, as pessoas físicas colaboradoras poderão receber benefício de imunidade na esfera penal, aplicando-se, por analogia, o disposto nos artigos 86, §§ 2º e 6º, e 87, ambos da Lei do CADE.
Se o acordo de leniência previsto na Lei n. 12.259/2011 expressa a possibilidade de concessão de benefícios às pessoas físicas na esfera penal, nada mais lógico, em prol da coerência do microssistema de tutela do patrimônio público, que também os acordos de leniência da Lei Anticorrupção possam produzir tais efeitos.
Por outro lado, pensamos que as pessoas físicas contempladas nesse acordo também poderão ser beneficiadas na esfera de improbidade administrativa. Afinal, não abona a regra da isonomia (art. 5º, caput, da CF/1988) admitir que a pessoa jurídica beneficiada pela prática de ato lesivo à Administração Pública e que também configure ato de improbidade administrativa possa ser beneficiada pelo acordo de leniência, enquanto a pessoa física que pratica tal ato, mesmo colaborando efetivamente para o sucesso das investigações, não faça jus a nenhum tipo de benefício na esfera cível.
Mas não é só isso. Se o acordo de leniência da Lei 12.846/2013 não se estender a outras esferas de responsabilização, quando cabível, por múltipla incidência sancionatória – improbidade administrativa, infrações à ordem econômica, esfera penal e sanções do controle externo – dificilmente esta técnica especial de investigação terá potencial para efetivamente trazer eficiência e eficácia à atuação estatal sancionatória na matéria. Vislumbra-se que, se não consagrada a transversalidade, haverá desnaturação do instituto por violação da razoabilidade e proporcionalidade.
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