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Irretroatividade da norma mais gravosa em sede de Direito Administrativo sancionador

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Irretroatividade da norma mais gravosa em sede de Direito Administrativo sancionador

DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR

William Paiva Marques Júnior

William Paiva Marques Júnior

10/08/2023

Em sede Direito Administrativo Sancionador, conforme investigado na casuística vertente, vigora o princípio constitucional da irretroatividade da norma administrativa sancionadora mais gravosa, sendo aplicável na espécie a lógica peculiar ao Direito Penal constante do Art. 5º, inciso XL do Texto Constitucional de 1988: “XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”.

Tem-se, portanto, a irretroatividade da norma mais grave ao acusado, por força do artigo 5º, XL, da Constituição Federal. 

A ordem jurídico-constitucional de 1988 consagra como direito fundamental previsto no artigo 5º, XL, a irretroatividade de norma mais gravosa como princípio geral de Direito, com o escopo de evitar que os cidadãos sejam prejudicados com a aplicação ou cumprimento de pena ou sanção por fato que norma posterior passou a considerar ilícito ou teve punição majorada.

A garantia fundamental ora analisada relaciona-se diretamente aos princípios da segurança jurídica, da razoabilidade e da legalidade e mesmo ao dever de coerência que deve ser observado pela Administração Pública (princípio da confiança legítima) e, de forma geral, pelo próprio Estado. Seria incongruente a imposição de punição posteriormente reconhecida como mais severa pelo próprio ente público normatizador, considerando que no momento da prática do ato a norma administrativa continha regramento diverso de índole mais branda. 

Outrossim, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou orientação jurisprudencial, para a tutela dos direitos e garantias fundamentais expressos pelo Texto Constitucional  que não se deve admitir a retroatividade de lei  porque vai interferir na causa, que é um ato ou fato ocorrido no passado, aplicando-se a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva:

“Ação direta de inconstitucionalidade. – Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que e um ato ou fato ocorrido no passado. – O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do S.T.F.. – Ocorrência, no caso, de violação de direito adquirido. A taxa referencial (TR) não e índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depositos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda. Por isso, não há necessidade de se examinar a questão de saber se as normas que alteram índice de correção monetária se aplicam imediatamente, alcançando, pois, as prestações futuras de contratos celebrados no passado, sem violarem o disposto no artigo 5, XXXVI, da Carta Magna. – Também ofendem o ato jurídico perfeito os dispositivos impugnados que alteram o critério de reajuste das prestações nos contratos ja celebrados pelo sistema do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional (PES/CP). Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 18, “caput” e parágrafos 1 e 4; 20; 21 e paragrafo único; 23 e parágrafos; e 24 e parágrafos, todos da Lei n. 8.177, de 1 de maio de 1991.” (STF- ADI 493 / DF , Relator: Min. Moreira Alves, julgamento: 25/06/1992. Publicação: 04/09/1992) (Grifou-se) 

Especialmente na seara do Direito Administrativo Sancionador, deve ser reconhecida a impossibilidade de aplicação da retroatividade da norma mais severa, exatamente por se tratar de um princípio geral de Direito, que não pode ficar adstrito somente ao campo do Direito Penal. O espírito contido no artigo 5º, XL, do Texto Constitucional de 1988 também deve ser aplicado no âmbito do processo administrativo sancionador.

Jurisprudência

Nessa ordem de ideias, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a aplicabilidade do direito fundamental plasmado no princípio da presunção de inocência constante do art. 5º, LVII, aos processos administrativos envolvendo matéria sancionatória:

“Constitucional e Administrativo. Poder disciplinar. Prescrição. Anotação de fatos desabonadores nos assentamentos funcionais. Declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 170 da Lei nº 8.112/90. Violação do princípio da presunção de inocência. Segurança concedida. 1. A instauração do processo disciplinar interrompe o curso do prazo prescricional da infração, que volta a correr depois de ultrapassados 140 (cento e quarenta) dias sem que haja decisão definitiva. 2. O princípio da presunção de inocência consiste em pressuposto negativo, o qual refuta a incidência dos efeitos próprios de ato sancionador, administrativo ou judicial, antes do perfazimento ou da conclusão do processo respectivo, com vistas à apuração profunda dos fatos levantados e à realização de juízo certo sobre a ocorrência e a autoria do ilícito imputado ao acusado. 3. É inconstitucional, por afronta ao art. 5º, LVII, da CF/88, o art. 170 da Lei nº 8.112/90, o qual é compreendido como projeção da prática administrativa fundada, em especial, na Formulação nº 36 do antigo DASP, que tinha como finalidade legitimar a utilização dos apontamentos para desabonar a conduta do servidor, a título de maus antecedentes, sem a formação definitiva da culpa. 4. Reconhecida a prescrição da pretensão punitiva, há impedimento absoluto de ato decisório condenatório ou de formação de culpa definitiva por atos imputados ao investigado no período abrangido pelo PAD. 5. O status de inocência deixa de ser presumido somente após decisão definitiva na seara administrativa, ou seja, não é possível que qualquer consequência desabonadora da conduta do servidor decorra tão só da instauração de procedimento apuratório ou de decisão que reconheça a incidência da prescrição antes de deliberação definitiva de culpabilidade. 6. Segurança concedida, com a declaração de inconstitucionalidade incidental do art. 170 da Lei nº 8.112/1990.” (STF- MS 23262 / DF, Relator: Min. Dias Toffoli, julgamento: 23/04/2014. Publicação: 30/10/2014)

Para a orientação jurisprudencial firmada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. POSSIBILIDADE. ART. 5º, XL, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DO DIREITO SANCIONATÓRIO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II – O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa. Precedentes. III – A Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. IV – Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. V – Agravo Interno improvido.” (STJ- AgInt no REsp n. 2.024.133/ES, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 16/3/2023.) (Grifou-se)

Entende-se, portanto, pela absoluta impossibilidade de imposição de sanção pela via administrativa tratando-se de norma posterior mais gravosa. 

Decidiu ainda o STJ no sentido da irretroatividade da nova disciplina normativa, porquanto mais gravosa, por mostrar-se incompatível com os elementos insertos na apontada norma sancionatória a exegese que malversa a tipicidade, expressão do princípio da legalidade e do sobreprincípio da segurança jurídica, bem como a interpretação benéfica:

“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE COMBATE A FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS DO ACÓRDÃO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 283/STF. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE OFENSA A DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL. FALTA DE COMANDO NORMATIVO EM DISPOSITIVO LEGAL APTO A SUSTENTAR A TESE RECURSAL. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 284/STF. ACÓRDÃO RECORRIDO ASSENTADO EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. INOBSERVADO O PREQUESTIONAMENTO DO ART. 138 DO CTN. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 282/STF. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. COMUNICAÇÃO AO FISCO (DECLARAÇÃO SOBRE OPERAÇÕES IMOBILIÁRIAS – DOI). BASE DE CÁLCULO DA MULTA PREVISTA NO ART. 15 DO DECRETO-LEI N. 1.510/1976. VALOR DOS EMOLUMENTOS. TIPICIDADE TRIBUTÁRIA. IRRETROATIVIDADE DA LEI N. 10.426/2002. I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de Processo Civil de 1973. II – Este Tribunal Superior tem firme posicionamento segundo o qual a falta de combate a fundamento suficiente para manter o acórdão recorrido justifica a aplicação, por analogia, da Súmula n. 283 do Colendo Supremo Tribunal Federal. III – A jurisprudência desta Corte considera deficiente a fundamentação do recurso quando os dispositivos apontados como violados não têm comando normativo suficiente para infirmar os fundamentos do aresto recorrido, circunstância que atrai, por analogia, a incidência do entendimento da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal. IV – O recurso especial possui fundamentação vinculada, não se constituindo em instrumento processual destinado a revisar acórdão com base em fundamentos eminentemente constitucionais, tendo em vista a necessidade de interpretação de matéria de competência exclusiva da Suprema Corte. V – É entendimento pacífico desta Corte que a ausência de enfrentamento da questão objeto da controvérsia pelo tribunal a quo impede o acesso à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constitucional do prequestionamento, nos termos da Súmula n. 282 do Supremo Tribunal Federal. VI – A base de cálculo da multa relativa ao envio, a destempo, da DOI ao Fisco, cinge-se ao valor dos emolumentos cobrados pelos atos praticados por serventias, consoante dispõe o § 2º do art. 15 do Decreto-Lei n. 1.510/1976. VII – Incompatível com os elementos insertos na apontada norma sancionatória a exegese que amplia a base de cálculo da infração com fulcro na imprecisão do vocábulo “ato”, porquanto malversa a tipicidade, expressão do princípio da legalidade e do sobreprincípio da segurança jurídica, bem como a interpretação benéfica. VIII – Irretroatividade da nova disciplina relativa à quantificação da aludida multa prevista no art. 8º da Lei n. 10.426/2002, porquanto mais gravosa. IX – Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para restabelecer a sentença, especificamente, no que tange à base de cálculo da multa. Agravo em Recurso Especial da Fazenda Nacional não provido.” (STJ- REsp n. 1.440.099/GO, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 26/5/2020, DJe de 29/5/2020.) (Grifou-se). 

Em idêntico sentido afirmou o STJ que o art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório:

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PODER DE POLÍCIA. SUNAB. MULTA ADMINISTRATIVA. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. POSSIBILIDADE. ART. 5º, XL, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DO DIREITO SANCIONATÓRIO. AFASTADA A APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. I. O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage. Precedente. II. Afastado o fundamento da aplicação analógica do art. 106 do Código Tributário Nacional, bem como a multa aplicada com base no art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil. III. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ- REsp n. 1.153.083/MT, relator Ministro Sérgio Kukina, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 6/11/2014, DJe de 19/11/2014.) (Grifou-se)

Observa-se, portanto, no atinente à irretroatividade da norma mais gravosa, a jurisprudência dos tribunais superiores evolui ao admitir a sua aplicação no âmbito do Direito Administrativo sancionador, considerando que se trata de um princípio geral do Direito Sancionatório, e não apenas do Direito Penal, extraído a partir do comando inserto no artigo 5º, XL, do Texto Constitucional de 1988. Isso porque, se até no caso de sanção penal, que é a mais grave das punições em um Estado Democrático de Direito, a Constituição determina a retroação da lei mais benéfica (e, portanto, a irretroatividade de lei mais onerosa), com razão é admissível a irretroatividade da lei no caso de sanções menos graves, como a administrativa. 

Conforme observado, a aplicação do princípio da irretroatividade da norma mais gravosa, também no âmbito do Direito Administrativo sancionador, vem sendo reconhecida em modo contínuo, o que representa, a função instrumental dos princípios da segurança jurídica, confiança legítima, legalidade e razoabilidade dos atos administrativos.

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