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Selma Maria Ferreira Lemes

Selma Maria Ferreira Lemes

02/01/2018

A arbitragem com a participação da administração pública – AP (União, Estados, municípios, sociedades de economia mista, empresas públicas, autarquias e fundações) está crescendo, pois somente em 2015, em cinco câmaras nacionais, 4% do número de arbitragens novas entrantes tinha como parte a AP. As controvérsias resultam de contratos de concessões, de parcerias público-privadas (PPP), contratos de obras de engenharia, bem como de participações financeiras em atividades produtivas.

O Programa de Parcerias de Investimentos – PPI (MP 727/2016) será um importante propulsor de iniciativas na área de infraestrutura, e as concessões dele originadas, provavelmente, conterão formas adequadas de solução de conflitos: dispute boards, mediação e arbitragem. Esses contratos regulam matérias complexas e envolvem muitos agentes: empresas de construção civil, bancos privados e de fomento internacional, seguradoras etc. Seus partícipes, são denominados “investidores” e não apenas “contratados” da AP.

Os incentivos para a previsão da arbitragem nesses contratos são predominantemente financeiros, de economia nos custos de transação, com resultados positivos para a sociedade. A AP deixa de usar o Judiciário (mantido pelo Estado), reduzindo custos e tentando gerar mais eficiência aos serviços prestados aos jurisdicionados.

Os parceiros contratados, cientes da previsão em solucionar conflitos extrajudicialmente oferecerão preços menores. Estudos internacionais demonstram que a previsão de meios adequados de solução de conflitos em contratos de concessão pode gerar redução de até 20% no custo da tarifa cobrada dos usuários finais. Além disso, há redução dos custos no processo arbitral comparado ao processo judicial. A economia pode chegar a quase 60%.

Para obstaculizar interpretações restritivas houve a autorização explícita da arbitragem nos contratos com a AP no art. 1º da Lei de Arbitragem, Lei nº 9.307/96 (modificada pela Lei nº 13.129/2015).

Ponto importante a ser considerado é saber se haveria diferenças em se processar arbitragens entre particulares e entre estes e a AP. Em termos estruturais, não há diferenças, ou seja, as disposições procedimentais são idênticas. A indicação de árbitros pode recair em profissionais economistas, engenheiros ou advogados. Pode-se priorizar a arbitragem institucional processada em Câmaras de Arbitragens renomadas no Brasil ou no exterior.

Há quatro pontos a serem considerados quando a AP é parte na arbitragem. O primeiro é que não se analisará os atos administrativos, mas suas consequências patrimoniais, tal como regulado no contrato firmado. Nos contratos públicos há a previsão das denominadas cláusulas exorbitantes, em que a AP pode rescindir o contrato ou alterá-lo unilateralmente. Todavia responderá quanto aos reflexos financeiros dessas deliberações e, se houver dissensos, estes serão dirimidos por arbitragem.

Esses contratos dispõem das denominadas cláusulas combinadas, ou seja, cláusula de eleição de foro, para matérias que não digam respeito a direitos patrimoniais disponíveis e a cláusula de arbitragem, para as matérias técnicas e financeiras.

O segundo ponto refere-se à publicidade, pois competirá à parte pública atender as normas de transparência que lhe são aplicáveis, preservando o sigilo protegido por lei e o interesse da parte privada. O terceiro aspecto refere-se à vedação da decisão por equidade, ou seja, os árbitros devem exarar a sentença arbitral conforme a legislação de regência. A arbitragem por equidade é aquela em que os árbitros podem, com autorização das partes, mitigar os efeitos legais, no sentido de fazer justiça ao caso concreto.

O quarto ponto é a questão das despesas e custos com a arbitragem, sendo adequado prever no contrato a forma como essas despesas serão custeadas pelas partes, pois quando se instaura a arbitragem, especialmente com a administração direta, surge a problemática quanto à dificuldade em antecipar os valores por ela devidos.

Na prática se mostra importante que setores da AP contem com profissionais habilitados para atuar na área, que possam acompanhar a dinâmica da arbitragem, que se diferencia do processo judicial. Nota-se também uma falta de segurança dos profissionais da área em aceitar posturas triviais da arbitragem, o que poderia ser superado com a estipulação de diretrizes internas da AP.

Outro importante incentivo a gerar maior segurança jurídica para a utilização da arbitragem nos contratos públicos advém da recente 1ª Jornadas de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho Federal de Justiça, lideradas pelo Ministro Luiz Felipe Salomão do STJ.

Dos treze Enunciados sobre arbitragem aprovados, quatro dispõem sobre arbitragem com a AP. Esclarecem: a) mesmo sem cláusula compromissória a AP pode firmar o compromisso arbitral; b) compete à AP atender ao princípio da publicidade segundo a legislação de regência; c) nas arbitragens com a AP é permitida a solução de conflitos com base nas regras internacionais de comércio e nos usos e costumes das respectivas áreas técnicas de ambientes autorregulados; e d) podem ser dirimidos por arbitragem nos contratos com a AP, dentre outras matérias, as referentes a inadimplemento contratual das partes, a recomposição do equilíbrio econômico- financeiro dos contratos, as cláusulas financeiras e econômicas.

É indubitável ser a cláusula de arbitragem mais do que uma cláusula jurídica de solução de conflitos. É também uma cláusula financeira e integra a equação econômica dos contratos públicos, gerando benefícios para a sociedade. A inserção da arbitragem opera a favor dos princípios da economicidade e da eficiência da AP, tão almejados e necessários nos momentos atuais.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte:  Valor Econômico


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