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Imprescritibilidade das ações de ressarcimento decorrentes de improbidade administrativa

Humberto Theodoro Júnior

Humberto Theodoro Júnior

12/12/2023

Em relação ao ressarcimento dos danos provocados por agentes públicos em razão de atos de improbidade administrativa, a jurisprudência do STJ e a do STF são tranquilas quanto à imprescritibilidade da respectiva ação, sem embargo da reconhecida prescritibilidade das sanções a que se sujeitam os praticantes da improbidade.

O STJ, com efeito, possui entendimento sedimentado no sentido de serem imprescritíveis as ações de ressarcimento decorrentes de atos de improbidade administrativa, como se deduz do seguinte aresto:

1. Verifica-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o entendimento do STJ quanto à imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário decorrentes da prática de atos de improbidade administrativa1.

No mesmo sentido, o entendimento do STF:

a) I – A imprescritibilidade prevista no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilegalidades tipificadas como de improbidade administrativa e como ilícitos penais. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil (RE 669.069-RG/MG, Relator Ministro Teori Zavascki)2.

b) 1. A prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais.

2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB).

3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente.

4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis.

5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.

6. Parcial provimento do recurso extraordinário para (i) afastar a prescrição da sanção de ressarcimento e (ii) determinar que o tribunal recorrido, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão de ressarcimento3.

Além disso, eventual prescrição da pretensão punitiva da Administração não impede o prosseguimento da ação de ressarcimento ao erário, quando ajuizadas cumulativamente:

A declaração da prescrição das sanções aplicáveis aos atos de improbidade administrativa não impede o prosseguimento da demanda quanto à pretensão de ressarcimento dos danos causados ao erário. Recurso especial provido4.

A Súmula 634 do STJ estabelece que “ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei de Improbidade para o agente público”. De tal sorte, tratando-se de particulares corréus em ação de improbidade administrativa, a contagem do prazo prescricional seguirá a do agente público, ou seja, é aferida coletivamente5.

Em que pese o entendimento das altas Cortes brasileiras, acerca da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, decorrentes de atos de improbidade administrativa, pensamos que este não é o posicionamento mais adequado segundo a sistemática vigente, data maxima venia.

Não se pode admitir a imprescritibilidade de uma ação de cunho eminentemente patrimonial, ainda que se tenha em mira o interesse público. Com efeito, não há como inferir-se a imprescritibilidade da ação de ressarcimento da redação do § 5º do art. 37 da Constituição. A ressalva feita pelo dispositivo às “ações de ressarcimento” significa que, quanto a elas, não se aplicam os prazos de prescrição previstos por lei especial, para ilícitos praticados por qualquer agente público. Vale dizer, o ressarcimento sujeita-se ao prazocomum das ações de indenização relacionadas à Administração. A prescrição, destarte, seria a quinquenal comum prevista no Decreto nº 20.910/1932.

Nesse sentido, o entendimento de Flávio Luiz Yarshell, para quem “não parece nem desejável nem autorizado pelo ordenamento entender-se como imprescritível a pretensão ao ressarcimento que possa decorrer da prática de atos de improbidade administrativa. Da mesma forma e até com maior razão, o tempo deve atuar como fator extintivo da pretensão à aplicação das demais sanções previstas pela Lei nº 8.429/1992, em seu art. 12”6.

Bem ressaltou Elody Nassar sobre o tema, ao dispor que, “na hipótese do art. 37, § 5º, segunda parte, dois princípios se chocam: de um lado a necessidade do ressarcimento ao erário público e a observância do princípio da indisponibilidade do interesse público e, de outro, o ataque ao princípio da estabilidade das relações constituídas no tempo, fundamento principal do instituto da prescrição”7. E concluiu o autor não ser “defensável anular-se os princípios basilares do Estado de Direito, quais sejam o princípio da segurança e da estabilidade das relações jurídicas”8.

Com efeito, a segurança jurídica constitui valor supremo do Estado Democrático de Direito, para a construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, nos termos do preâmbulo da Constituição Federal de 1988. Assim, conforme já ressaltado, pensamos não ser plausível a interpretação no sentido da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário decorrentes de atos de improbidade administrativa.

Nada obstante a razoável ponderação doutrinária, a jurisprudência continua inabalável na proclamação da imprescritibilidade da pretensão de reparação dos danos provocados por atos de improbidade administrativa.

De qualquer maneira, os Tribunais Superiores não reconhecem que o regime de imprescritibilidade, aceito para os casos de improbidade administrativa, possa se estender ao dano proveniente do ato ilícito comum praticado contra a Fazenda Pública.

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1 STJ, 2ª T., REsp. 1.687.349/AL, Rel. Min. Herman Benjamin, ac. 03.10.2017, DJe 11.10.2017. No mesmo

sentido: STJ, 1ª T., REsp. 1.630.958/SP, Rel. p/acórdão Min. Sérgio Kukina, ac. 19.09.2017, DJe 27.09.2017.

2 STF, 2ª T., AI 481.650 AgR Ed/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, ac. 21.08.2017, DJe 31.08.2017.

3 STF, Pleno, RE 852475, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, ac. 08.08.2012, DJe 25.03.2019.

4 STJ, 1ª T., REsp. 1.331.203/DF, Rel. Min. Ari Pargendler, ac. 21.03.2013, DJe 11.04.2013.

5 STJ, 1ª T., REsp. 1.405.346/SP, Rel. p/ acórdão Min. Sérgio Kukina, ac. 15.05.2014, DJe 19.08.2014: “O objetivo da regra estabelecida na LIA para contagem do prazo prescricional é justamente impedir que os protagonistas de atos de improbidade administrativa – quer agentes públicos, quer particulares em parceria com agentes públicos – explorem indevidamente o prestígio, o poder e as facilidades decorrentes de função ou cargo públicos para dificultar ou mesmo impossibilitar as investigações”. Com a alteração feita pela Lei nº 14.230/2021, não prevalece mais o entendimento do STJ no sentido de que o termo inicial da contagem do prazo prescricional para punir agente de mandato eletivo, havendo reeleição, será o fim do segundo mandato.

6 YARSHELL, Flávio Luiz. Prescrição intercorrente e sanções por improbidade administrativa (Lei nº

8.429/1992). In: CIANCI, Mirna (Coord.). Prescrição no Código Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.

149.

7 NASSAR, Elody. Prescrição na Administração Pública. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 186.

8 NASSAR, Elody. Prescrição na Administração Pública. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 189. Também defendem a prescritibilidade dessas ações: GRINOVER, Ada Pellegrino. Ação de improbidade administrativa – decadência e prescrição. In: JORGE, Flávio Cheim et al (coords.) Temas de improbilidade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2010, p. 12 e 35; NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada. 7. ed., São Paulo: RT, 2019, p. 703.

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