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ADMINISTRATIVO
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Funcionário Público – Revisão De Processo Administrativo – Prescrição – Sanção Disciplinar E Responsabilidade Penal, de Paulo Campos Guimarães

Revista Forense
06/05/2025
– Na vigência do dec.-lei n° 1.713, de 1939, os servidores não-estáveis não podiam integrar comissões de inquérito.
– Em face do art. 233 da lei federal n° 1.711, de 1952, a revisão de processo administrativo não pode ser obstada sob a alegação de prescrição.
– Absolvido o funcionário, em sentença criminal, pela negativa do fato delituoso, subverte-se a pena disciplinar de demissão, devendo o servidor público ser reintegrado.
CONSULTA
Pela consulta, o funcionário estável X, da autarquia federal, demitido de seu cargo, em 17-8-943, mediante processo administrativo, sob o fundamento de peculato doloso, foi absolvido no juízo criminal, em 2-11-952; pela negativa de ambas as espécies de peculato.
Em 24-6-954, pediu-se a revisão do processo, que se fêz legalmente, havendo, no entanto, o órgão administrativo competente, sob o pretexto da regularidade e validade do processo e de que o direito do funcionário estava prescrito, indeferido o pedido de reintegração, mas sugerido que se lhe desse situação funcional em cargo inicial de carreira, em virtude de considerá-lo moralmente capaz, o que foi aceito, com a natural ressalva de direitos.
I. Na vigência do dec.-lei federal nº 1.713, de 28-10-939, podiam integrar a comissão de inquérito dêsse funcionário servidores não-estáveis?
II. Em face da lei federal nº 1.711, de 28-10-952, cujo art. 233 permite a revisão do processo administrativo em qualquer tempo, podia ser invocado, como motivo para indeferimento do pedido de reintegração, o instituto da prescrição?
III. A contagem do prazo prescricional de cinco anos faz-se a partir da data da demissão ou da sentença criminal absolutória?
IV. Dessa sentença decorre para o servidor o direito à reintegração no cargo?
PARECER
I. A primeira pergunta prende-se exclusivamente à interpretação do art. 248 do dec.-lei federal nº 1.713, de 28-10-939, cujo texto é o seguinte:
“O processo administrativo será realizado por uma comissão, designada pela autoridade que houver determinado a sua instauração e composta de três funcionários”.
A primeira vista, parece que a distinção entre funcionários estáveis e não-estáveis perde, para a compreensão do inciso estatutário, o alcance prático, já que onde a lei não distingue ao intérprete não é lícito fazê-lo. Ora, se a lei se limita a dispor simplesmente que a Comissão é composta de três funcionários, entendendo-se por funcionário a pessoa legalmente investida em cargo público, conforme o define expressamente o art. 2º do mesmo diploma legal, segue-se que a expressão “funcionários” abrange os servidores estáveis e não-estáveis.
Em casos como êste, porém, na conformidade da lição do Prof. FRANCISCO CAMPOS, é necessário recorrer a processos mais largos e compreensivos de interpretação, referindo o ponto em litígio ao sistema de que faz parte, de maneira a poder inferir, à luz dêsse confronto, a significação que o torne compatível com o conjunto e em harmonia com os fins a que a lei pretendeu referir e adaptar a instituição (“Direito Constitucional”, edição “REVISTA FORENSE”, págs. 136 e 137).
Como a ação administrativa, segundo nota JÈZE, no seu livro “Les Principes Généraux du Droit Administratif”, vol. III, págs. 259 e 260, só pode exercer-se de acôrdo com a conveniência do serviço e por motivo de interêsse público, uma vez que os governantes, não sendo sêres sobrenaturais, têm poderes apenas para organizar e fazer funcionar os serviços públicos, o agente administrativo ou funcionário, para ser legitimamente investido da função, exercer o poder disciplinar e de fiscalização, apurando fatos, sugerindo penas e adotando medidas de saneamento dos serviços, como elemento integrante de comissão de inquérito, deverá armar-se das necessárias garantias de independência e isenção, a fim de que possa substrair-se ao arbítrio, ao nuto, A discrição do govêrno. E, como é óbvio, sòmente a estabilidade poderá assegurar-lhe essa independência e isenção, emprestando autoridade aos seus atos.
Convém acentuar, ainda, que o artigo 248 só pode ser interpretado em função do princípio de harmonia de funcionamento das órgãos da administração, o qual, sem dúvida, completa o quadro da vida funcional, emoldurado pela prontidão e pelo acêrto. Satisfazem-se êstes pela atribuição de funções ativas a órgãos singulares e consultivas a órgãos coletivos. Mas só se obtém ordem administrativa pela obediência ao princípio de política administrativa da harmonia, traduzido na hierarquia, que, como capítulo do direito disciplinar, é à relação de subordinação entre os vários órgãos do Poder Executivo, como gradação da autoridade de cada um, e na fiscalização, que previne, vigia e corrige os erros de atuação.
Admitir, portanto, que servidores não-estáveis participem de comissão de inquérito contra servidores estáveis, seria desconhecer tudo isso, ou melhor, subverter a ordem administrativa da harmonia no funcionamento de seus órgãos, através da dispensa das garantias de independência e isenção e da negação da hierarquia e fiscalização funcionais.
Nessa ordem de idéias, a única conclusão razoável é a de que a expressão funcionários, usada no texto legal, o foi no sentido próprio, compreendendo apenas os servidores estáveis, isto é, detentores das imprescindíveis garantias de independência e isenção e conseqüentes poderes hierárquico e fiscalizador. Daí a oportunidade da notável advertência de FERRARA de que entender um artigo de lei não é se apegar de modo mecânico ao sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal, mas sim indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito último que o texto encerra e desenvolvê-lo em tôdas as direções possíveis (“Scire leges non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potestatem”) (“Interpretação e Aplicação das Leis”, pág. 20).
A indicação mais séria de que essa tese é a verdadeira está na jurisprudência do Tribunal Federal de Recursos, tôda ela no sentido de que o inciso legal em exame emprega a expressão funcionários apenas no sentido próprio de funcionários estáveis, sendo expressivo o acórdão proferido na apelação nº 1.960:
“Soa como legítimo absurdo pretender que o precário por excelência julgue o que detém função principal e permanente. … Assim, pois, designá-lo para a função de julgar, verdadeiro múnus alto em que o servidor atua como membro da comissão de inquérito, acima mesmo de função rotineira – supere função ou função especialíssima – é, sem dúvida, ato nulo de pleno direito” (“Jurisprudência Mineira”, nov.-dez. de 1950, pág. 841).
Acresce salientar que o próprio legislador reconheceu a procedência dessa exegese, quando, para afastá-la, permitiu, expressamente, no novo Estatuto dos Funcionários – a lei federal nº 1.711, de 28-10-952 – que funcionários não-estáveis integrassem comissão de inquérito, acrescentando, no seu art. 219, após a palavra funcionários, a expressão – ou extranumerários – embora haja incorrido, com a inovação, em retrocesso, contrariando a melhor doutrina dos administrativistas.
Na vigência, portanto, do dec.-lei federal nº 1.713, de 28-10-939, não podiam integrar a comissão. de inquérito dêsse funcionário servidores não-estáveis, razão por que é nulo o inquérito por vício de ausência de poder legal no agente não-estável para proceder como órgão do Estado. Trata-se, portanto, da hipótese que BONNARD denomina de usurpação de função, caracterizada pela investidura, lícita, mas sem obediência, pelo menos, a uma prescrição legal, como, no caso, o requisito indispensável da estabilidade.
II. O art. 233 da lei federal nº 1.711, de 28-10-952, dispõe, textualmente:
“A qualquer tempo poderá ser requerida a revisão do processo administrativo de que resultou pena disciplinar, quando se aduzam fatos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do requerente.
Parág. único. Tratando-se de funcionário falecido ou desaparecido, a revisão poderá ser requerida por qualquer das pessoas constantes do assentamento individual”.
Como se vê, uma só condição se impõe para que se solicite revisão do processo administrativo de que resultou pena disciplinar, que é a adução de fatos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do requerente, podendo o pedido ser feito a qualquer tempo.
Ora, nenhum fato ou circunstância justifica melhor a inocência de funcionário demitido por peculato do que a certidão do juízo criminal da sentença absolutória que concluiu pela sua inocência, através da negativa categórica do fato criminoso. E, se o dispositivo invocado declara textualmente que o pedido de revisão pode ser feito a qualquer tempo, estendendo o parág. único a faculdade às pessoas constantes do assentamento individual do funcionário falecido ou desaparecido, exclui, de maneira clara e peremptória, a prescrição, que pressupõe o uso da ação para a defesa de direito em tempo determinado, conforme ensina LUDWIG ENNECCERUS, o grande professor da Universidade de Marburg:
“Si entiende por prescripción en general (ispecialmente en el derecho común) el nacimiento y la terminación o desvirtuación de derechos en virtud del ejercicio continuado o del no ejercicio continuado. … La prescripción sirve a la seridad general del derecho y a la paz juridica, las cuales exigen que se ponga un limite a las pretensiones sin fundamiento o extinguidas de antiguo si, como frecuentemente es inevitable, hubiere perdido en el curso del tiempo los medios de prueba para su defesa” (“Tratado de Derecho Civil”, tomo I, 2° vol., págs. 486 e 489).
Êste, igualmente, o pensamento de ROBERTO DE RUGGIERO, o conhecido professor da Universidade Real de Roma:
“A pergunta de como se justifica que o tempo produz, a perda de um direito, é fácil dar reposta: o ordenamento não tutela quem não exerce o seu direito e mostra assim, desprezando-o, não o querer conservar, sendo do interêsse da ordem social que depois de um dado tempo desapareça qualquer incerteza nas relações jurídicas bem como tôda a possibilidade de contestação ou pleito” (“Instituições de Direito Civil”, vol. I, pág. 321).
O autorizado CLÓVIS BEVILÁQUA é ainda mais explícito:
“Prescrição é a perda da ação atribuída a um direito de tôda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso dela, durante um determinado espaço de tempo. Não é a falta de exercício do direito que lhe tira o vigor: o direito pode conservar-se inativo, por longo tempo, sem perder a sua eficácia. É o não-uso da ação que lhe atrofia a capacidade de reagir” (“Código Civil Comentado”, vol. I, pág. 433).
Nem se argumente, que a inaplicabilidade da prescrição à hipótese seria condenável, por ofensa aos cânones de direito, uma vez que a finalidade do instituto é o interêsse social consubstanciado no princípio de política jurídica de segurança ou estabilidade das relações. Maior interêsse social, na verdade, existe na proteção ao servidor público, principalmente no que respeita à imprescritibilidade da ação protetora de seus vencimentos, conceituados pela unanimidade dos administrativistas como verdadeira pensão alimentar.
Ao admitir, portanto, o uso da ação de revisão a qualquer tempo e fixar ao funcionário apenas a condição de que aduza fatos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a sua inocência, o Estatuto foi inequívoco no afastar a hipótese da prescrição, a menos que, contràriamente aos princípios de hermenêutica, se lhe empreste o caráter de diploma legal inoperante.
É, indubitàvelmente, o caso típico de revogação parcial, tácita ou indireta do dec.-lei nº 4.597, de 19-8-942, ou melhor, de derrogação do seu art. 2º pelo art. 233 do novo Estatuto, que, é a lei federal número 1.711, de 28-10-952.
Com efeito, há absoluta incompatibilidade de matéria ou de conteúdo entre os dois dispositivos, relativamente à prescrição das ações atinentes aos direitos do funcionário. Enquanto o primeiro fixa que o dec. federal n° 20.910, de 6 de janeiro de 1932, regulador da prescrição qüinqüenal, abrange as dívidas passivas das autarquias, bem como a todo e qualquer direito e ação contra as mesmas, o segundo torna ilimitado a prazo dos pedidos de revisão de processo administrativo, permitindo a sua manifestação a qualquer tempo e estendendo-a até mesmo às pessoas constantes do assentamento individual do funcionário já falecido ou desaparecido.
Ora, admitida a prescrição qüinqüenal para as ações relativas aos direitos do funcionário, seria inoperante, de nenhuma eficácia, a faculdade de pedir a revisão do processo a qualquer tempo. A incompatibilidade, por conseguinte, é flagrante, material, quando para FERRARA, RUGGIERO e REGELSBERGER, bastaria que ela fôsse conceptual ou virtual.
A êsse respeito, o dec.-lei federal número 4.657, de 4-9-942, que contém a Lei de Introdução ao Cód. Civil, não deixa, no seu art. 2°, § 1º, a menor dúvida:
“Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.
Não subsiste, pois, qualquer incerteza sôbre o fato de que a intenção do legislador foi a derrogação do art. 2º do decreto-lei federal nº 4.597, de 19-8-942, especificamente quanto às ações que protegem direitos do funcionário.
Logo, em face do art. 233 da lei federal nº 1.711, de 28-10-952, não podia, em grau de revisão, ser invocado, como motivo para indeferimento do pedido de reintegração, o instituto da prescrição.
III. Ainda que improcedente a tese da derrogação do inciso legal que regula o instituto da prescrição, no que se refere às ações correspondentes aos direitos do funcionário, a contagem do prazo respectivo só se poderia fazer da data da sentença absolutória.
Por fôrça do art. 1º do dec.-lei federal nº 20.910, de 6-1-932,
“As dívidas, passivas da União, dos Estados e Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual fôr a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originaram“.
É justamente a hipótese em exame, a que se aplica o dispositivo citado, em virtude do disposto no art. 2º do dec.-lei federal nº 4.597, de 19-8-942, segundo o qual “o dec. nº 20.910, de 6-1-932, que regula a prescrição qüinqüenal, “abrange as dívidas passivas das autarquias ou entidades e órgãos parestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos”.
O art. 177 do Cód. Civil, com a nova redação que lhe deu a lei nº 2.437, de 7-3-955, é, igualmente, inequívoco, quando consagra o principio da contagem do prazo prescricional do ato ou fato de que a ação se originou, pois dispõe que
“As ações pessoais prescrevem, ordinàriamente, em vinte anos, as reais em dez, entre presentes, e, entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas“.
Não é só o direito positivo. A doutrina esposa unânimemente a regra da actio nata, sob o fundamento de que “actioni nondum notae non praescritibur”.
GUILLOUARD, em seu “Traité de la Prescription”, I, nº 71, pág. 72, é incisivo a respeito do início da prescrição no dia do nascimento da obrigação:
“En matière de prescription libératoire, le temp requis pour prescrire commence a courir, en príncipe, du jour de la naissance de l’obligation. De ce jour de créancier a un droit qu’il peut faire valoir en justice: l’action qui lui appartient naît en même temps que l’obligation du debiteur, et, s’il ne met pas en mouvement cette action, il commet une negligence dont la prolongation aménera la parte de sou droit par prescription”.
O Prof. LUDWIG ENNECCERUS é muito claro, no seu “Derecho Civil”, tomo I, 2º vol., § 213, pág. 496:
“La prescriptión comienza por lo regular, tan pronto ha nacido una pretensión accionable”.
A propósito, é interessante conhecer a observação de BAUDRY e TISSIER, em sua obra especializada “Prescrizione”, ed. Villardi, nº 364:
“Quanto alla prescrizione estintiva il suo corso comincia in principio a partire del giorno il cui è nato il diritto o l’azione che è destinata ad estinguere”.
Nesse mesmo sentido é a opinião de ALMEIDA OLIVEIRA, em seu livro “Prescrição”, pág. 280:
“A prescrição nasce com a ação, ou começa a correr desde que o credor pode ir a juízo requerer a condenação do réu”.
CARPENTER, no “Manual Lacerda”, vol. IV, nº 107, conclui peremptòriamente:
“Nenhuma dúvida em que o nascimento da ação marcou início do curso do prazo da prescrição”.
A explicação dos fundamentos da doutrina vitoriosa, contudo, encontra-se com mais clareza nas “Instituições de Direito Civil”, do Prof. ROBERTO RUGGIERO, págs. 324 e 325:
“Enquanto não nascer a ação conferida para tutela de um direito, não pode falar-se de extinção por prescrição: “actioni nondum notae non praescribitur”. Na verdade, assentando a prescrição sôbre o fundamento de um estado de fato não conforme ao direito e no entanto não removido por quem tinha a faculdade de o fazer, deve fazer-se decorrer o tempo que a lei requer para tornar irrevogável êsse estado, isto é: para fazer perder a ação a quem dela podia usar, não desde o momento em que tal estado se verificou, mas sim daquele em que se podia ter agido para o destruir. Desta forma e sem mais se resolveu a questão de saber se o início de prescrição se devia contar do momento em que foi feita a lesão do direito alheio ou daquele em que, mesmo sem lesão, já se podia exercer o direito. Tal questão deve resolver-se no segundo sentido, mas entendendo-se que a possibilidade de exercer a ação pressupõe um estado de fato contrário ao direito, por outras palavras: não é preciso que haja sempre uma lesão específica no direito alheio, mas é necessário que o estado de fato que, por acaso fôsse conforme ao direito, se tenha depois, por dada circunstância, tornado desconforme, de modo que, a partir dêste instante, surja a exigência de o remover”.
A jurisprudência dos tribunais do País, em consonância com o direito positivo e a doutrina, acolhe, também, o princípio da actio nata, isto é, de que com o nascimento da ação é que começa a correr o prazo para a prescrição, conforme se vê do acórdão unânime do Tribunal de Apelação de São Paulo, no agravo n° 24.881, in “REVISTA FORENSE”, vol. CIII, pág. 300, e do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, dos recursos extraordinários ns. 14.888 e 20.901, in “Rev. da Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro”, dezembro de 1954, págs. 181 e segs.
O que é mais importante, porém, é que, em casos idênticos ao da consulta, isto é, de demissão motivada por peculato, apurado em processo administrativo invalidado, posteriormente, em virtude de sentença criminal absolutória, pela negativa categórica do fato criminoso, a jurisprudência tem sido reiterada no sentido de que “a prescrição da ação para reintegração conta-se do ato posterior pelo qual se apurou haver desaparecido a causa da exoneração, isto é, precisamente da sentença absolutória”, segundo se vê do acórdão unânime do Supremo Tribunal Federal, em sessão plena, a apelação nº 8.395, in “REVISTA FORENSE”, vol. CXX, pág. 134.
Ocorre, exatamente, que o estado de fato do funcionário consulente, conforme ao direito, em virtude da destituição dó cargo por peculato apurado em processo administrativo, tornou-se desconforme, dada a circunstância posterior da sentença absolutória que concluiu pela negativa do fato criminoso, fazendo desaparecer a causa da demissão.
Há, para isso, uma razão jurídica irrecusável, que é justamente a impossibilidade da propositura, por parte do funcionário, da competente ação de reintegração, logo depois do ato de demissão por crime de peculato, isto é, antes do desate da ação criminal, cujo processamento se faz após a remessa obrigatória do processo administrativo a juízo e cujo despacho favorável ao servidor, pela negativa do fato criminoso, é de influência decisiva sôbre o nascimento da ação competente do agente público, oportunizando o início do curso do respectivo prazo de prescrição.
A obrigatoriedade da remessa do processo a juízo constitui exigência expressa da lei federal nº 1.711, de 28 de outubro de 1952, que contém o Estatuto dos Funcionários da União, segundo se vê do seu art. 299:
“Quando a infração estiver capitulada na lei penal, será remetido o processo à autoridade competente, ficando traslado na repartição”.
A influência decisiva da sentença criminal absolutória, quando nega o fato criminoso, sôbre o nascimento da ação de reintegração do agente público, está na circunstância de que ela constitui presunção legal juris et de jure até mesmo no direito disciplinar, desde que a falta funcional, como no caso de peculato, envolve, ao mesmo tempo, ilícito administrativo e ilícito penal, em face do regime de unidade de jurisdição contenciosa.
Para melhor compreensão da tese, comecemos pela análise da influência da sentença criminal absolutória no cível.
MORTARA, nos seus conhecidos comentários ao Código e Lei do Processo Civil italiano, após estudar rebarbativamente as características diferenciais das jurisdições penal e civil, bem como suas influências recíprocas, defende a solução de que sòmente em duas hipóteses – ter concluído pela inexistência do fato criminoso, ou por não o ter o indiciado cometido, nem dêle participado – a sentença absolutória no juízo penal impede à vítima do delito o exercício da ação civil para reparação do dano causado, ou melhor, veda à vítima produzir, no cível, as mesmas provas já apreciadas pela sentença criminal.
Esta, igualmente, a opinião de CHIRONI, EDUARDO ESPÍNOLA, CLÓVIS BEVILÁQUA, JOÃO LUÍS ALVES e PONTES DE MIRANDA.
A chave do problema, portanto, reside na simples circunstância de se saber se a sentença criminal afirmou a existência do fato e atribuiu a alguém sua autoria. É o que o Cód. Civil, no artigo 1.525, e o de Processo, no art. 65, dando maior extensão à doutrina, expressamente resolvem:
“Art. 1.525. A responsabilidade civil é independente da criminal; não se pode, porém, questionar mais sôbre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime”.
“Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou em exercício regular de direito”.
CARVALHO SANTOS, comentando o art. 1.525, baseado nos conceitos de STOPPATO, pondera, com grande autoridade, no “Código Civil Interpretado”, página 295:
“As duas jurisdições são manifestações soberanas da mesma atividade social, sendo absurdo que pudessem mover-se para o reconhecimento de fatos diversos e opostos como absurdo seria que as duas ações que apenas constituem um duplo processo de reparações do mesmo fato danoso, materialmente idêntico, pudessem ter vida desintegrando-se uma da outra sobre o ponto de fato, isto é, divergindo naquilo que constitui a sua matéria comum”.
Idêntico é o pensamento de CÂMARA LEAL ao precisar o alcance do art. 65, nos seus “Comentários ao Código de Processo Penal Brasileiro”, págs. 249 e 250:
“A sentença penal quando afirma a inexistência material do fato imputado ao infrator, ou quando reconhece que o agente o praticou no estado de necessidade, ou em legítima defesa, ou no “estrito cumprimento de um dever legal, ou no exercício regular de um direito, torna-se uma verdade absoluta, adquirindo o caráter de uma presunção legal juris et de jure, de forma que a sentença civil não poderá decidir em oposição a essa verdade, porquanto não se admite prova em contrário.
“… redigido como está, o art. 65 terá uma aplicação exata, visto como o pensamento do legislador foi impedir que as duas sentenças se contradissessem no que diz respeito às causas justificativas da infração. Essa contradição não se dará: o juiz que tiver de julgar a ação civil de indenização não poderá afastar-se da sentença penal em relação a essas conclusões, quando decididas definitivamente pela ação penal”.
Como conseqüência natural da doutrina e do direito positivo, não se pode esquecer a jurisprudência que é indesviável no sentido de que, negando a sentença criminal absolutória o fato em sua materialidade, faz coisa julgada no cível (“REVISTA FORENSE”, vol. CII, pág. 83).
O problema é o mesmo no direito administrativo, uma vez que o poder disciplinar, à semelhança da jurisdição civil, não possui autonomia absoluta em relação à jurisdição penal.
No passado, conceituava-se o direito disciplinar como simples aspecto do direito penal. Hoje, porém, com os novos estudos de direito público, considera-se obsoleta essa corrente de administrativistas.
LABAND foi quem primeiro se insurgiu contra tal doutrina. ao levantar contra ela estas sérias argüições em seu livro “Le Droit Public de l’Empire Allemand”, 1901, vol. II, pág. 183:
“a) a possibilidade da aplicação cumulativa das sanções penal e disciplinar, relativamente a um mesmo fato, sem violação do princípio do non bis in idem;
“b) a regra de que a prescrição penal não exclui necessàriamente a repressão disciplinar;
“c) uma certa dose de discricionaridade na apreciação do ilícito disciplinar”.
ZANOBINI, em “Le Sanzioni Amministrativi”, 1924, pág. 112, propugna pela separação daqueles dois campos do direito:
“Se si possono trovare affermazioni che sembrerebbero comprendere senz’altro il diritto disciplinare nel diritto penale, o fare del primo un diritto penale speciale e secondario di fronte a quello comune, bisogna reconescene che si trata o di scrittori molto vecchi e di troppo anteriori al rennuovamento degli studi pubblicistici, o di autori i quali più che disconescere la separazione fra i due ordini di sanzioni, non sono felici nella scelta lei caratteri distintivi”.
OTTO MAYER alinha-se, igualmente, entre os que não admitem a confusão das duas disciplinas, quando, no “Droit Administratif Allemand”, vol. IV, pág. 77, descobre semelhança entre as penas disciplinares e as penae medicinales do direito canônico, emprestando-lhes a função especifica de assegurar a ordem do serviço e o prestígio das autoridades.
MARCEL WALINE, no seu “Manuel Elémentaire de Droit Administratif”, página 362, assim resume as diferenças entre o direito penal e o direito disciplinar:
“a) o direito penal aplica-se a todos os membros do Estado, enquanto o direito disciplinar sòmente se aplica, em princípio, aos membros da administração;
“b) o direito penal compreende sanções mais graves, por isso que interessam a todo o corpo social;
“c) a repressão penal, porque também mais severa, exige maiores garantias de defesa”.
A doutrina da autonomia das duas esferas jurídicas foi acolhida pelo nosso direito positivo, em que não constitui circunstância excludente da sanção disciplinar ou penal a invocação ao princípio do non bis in idem (art. 200 da lei federal nº 1.711, de 28-10-952, e a jurisprudência: Supremo Tribunal Federal, in “Arq. Judiciário”, vols. 5, pág. 364, e 15, pág. 271; Tribunal Federal de Recursos, in “Rev. de Dir. Administrativo”, volumes 14, pág. 277, e 18, pág. 116).
Essa autonomia, contudo, conforme assinalamos, não é absoluta, porque existem entre ambos relações imediatas, embora o processo administrativo e o processo penal sejam diferentes, por sua origem, seus fins e suas sanções. Por isso é que ROMANO, em sua obra “I Poteri Disciplinari delle Pubbliche Amministrazioni”, in “Giurisprudenza Italiana”, 1898, t. IV, nº 19, e RAGGI, no “Diritto Amministrativo”, Padova, 1930, págs. 477 e segs., afirmam que, sob o ponto de vista teórico, pode-se admitir certo paralelismo entre êles, mas, prática e racionalmente, há de evitar-se que o mesmo fato dê lugar a decisões contraditórias no processo, penal e no processo administrativo.
E porque só é possível uma única verdade judicial, D’ALESSIO, nas “Instituzioni di Diritto Amministrativo Italiano”, t. I, pág. 449, e PETROZZIELLO, em seu livro “II Rappórto di Pubblico Impiego”, pág. CCLXII, concluem que a imposição de sanção disciplinar não exclui à responsabilidade penal e não influi no respectivo processo, porque o processo administrativo não tem caráter jurisdicional, não adquirindo suas decisões”, quanto aos efeitos penais, o valor de coisa julgada, nem contra e nem a favor do funcionário, o que se nos afigura ainda mais razoável no sistema da unidade de jurisdição contenciosa, assim conceituado pelo professor FRANCISCO CAMPOS, no seu “Direito Administrativo”, ed. “REVISTA FORENSE”, págs. 5 e 6:
“O nosso regime é, com efeito, um regime de poderes limitados. De um lado, a Constituição limita a atividade de todos es poderes, e, de outro lado, as leis ordinárias submetem a administração ao seu império. Estabelecendo, assim, limites à legislação e à administração, indispensável era que instituísse um departamento do govêrno com a competência de, nos casos que fôssem levados ao seu conhecimento, reprimir as exorbitâncias cometidas pelos outros poderes, fazendo-os volver ao leito constitucional ou legal de onde houvessem espraiado em áreas vedadas à sua discrição…
“Êste o regime da supremacia da lei, esta a posição, em tal regime, do Poder Judiciário, na própria Constituição criado e definido.
“Assim, desde os primórdios do regime até os dias de hoje, sempre se entendeu nos Estados Unidos o papel do Poder Judiciário; e da Constituição americana a nossa não diverge no propósito de colar à justiça ordinária uma competência comensurável, em tôda a sua extensão com o campo reservado à legislação e à administração. Ali, como aqui, sempre se entendeu que a competência da justiça ordinária vai até aonde vai a legislação, e, portanto, desde que haja uma lei a aplicar, sôbre a aplicação desta lei se pode instaurar, perante a justiça comum, juízo contencioso, de caráter final e conclusivo e, conseguintemente, de efeitos obrigatórios para os demais poderes”.
O princípio da unidade de jurisdição contenciosa, ao contrário de criar oposição ou contradição entre duas jurisdições ou poderes, concilia-os, fazendo com que suas finalidades se cumpram juridicamente e mostrando que as suas divergências são apenas aparentes.
BENJAMIM VILLEGAS BASAVILBASO, em seu livro “Derecho Administrativo”, vol. III, ed. de 1951, págs. 562 e 563, é categórico em suas conclusões:
“La influencia del proceso penal sobre el procedimiento administrativo, por el carácter jurisdiccional de sus decisiones, es evidentemente imperiosa. El carácter de cosa juzgada de sus pronunciamentos prevalece sobre la decisión administrativa en contario. El poder disciplinario de la administración pública queda vinculado por la sentencia penal.
En principio, si el proceso penal ha concluido con sentencia definitiva que declara la inexistencia del hecho imputado, o admitiéndolo absuelve al imputado, la administración pública deve retocar la suspensión provisional’.
RAFAEL BIELSA, no seu “Derecho Administrativo”, t. II, pág. 267, esposa o mesmo ponto de vista:
“Si se trata de hechos distintos que deben ser juzgados en las dos jurisdiciones, en la administrativa y en la penal, la primera, por regla general, tiene prioridad. También debe iniciarse el procedimiento administrativo cuando la determinación de la responsabilidad administrativa es previa a la iniciación del juicio penal. Se observa que en estos casos si se trata de los mismos hechos, el procedimiento disciplinario de la administración pública debe ser suspendido, a fin de evitar que una decisión penal contradiga a la disciplinaria; es decir, para evitar que esta sea atacada por falta de base, en razón de una absolución em plenario”.
O ministro NÉLSON HUNGRIA, em notável voto vitorioso, que proferiu como relator do mandado de segurança número 2.490, do Distrito Federal, in “Diário da Justiça”, apenso ao nº 89, página 1.440, aborda a tese com absoluta segurança:
“Como quer que seja, porém, não é admissível que prevaleça a decisão administrativa sôbre a decisão judicial, sabendo-se que o juízo criminal é que resolve sôbre a existência de crime e que os atos administrativos estão sujeitos ao contrôle e censura do Poder Judiciário.
“A entender-se de outro modo, estaria invertida a posição dos quadros.
“O meu ponto de vista é o mesmo reiteradamente sustentado pelo próprio D.A.S.P., que assim se pronunciou na “Exposição de motivos”, publicada no “Diário Oficial”, de 31-3-943:…
“g) O órgão competente para ajuizar se determinado ato constitui crime é o Poder Judiciário e, assim, só sentença condenatória justifica seja aplicada a penalidade prevista no item II do art. 239 do Estatuto (referia-se ao antigo Estatuto, que, no ponto em questão, foi reproduzido pelo atual);
“h) isso não contraria o principio da independência das instâncias administrativa e judicial e até o confirma porque a penalidade administrativa, neste caso, não se poderia aplicar sem que fôsse definido como crime o ato imputado, e essa definição só poderá ser feita mediante decisão judiciária;
“i) dêste modo, a instância administrativa não fica dependendo da judiciária, mas apenas guardando pronunciamento desta, sôbre matéria de sua competência exclusiva, para então aplicar as medidas correspondentes;
“j) exemplo típico dessa atitude de expectativa é o caso do funcionário que, acusado de crime comum e embora prêso preventivamente, só será demitido, conforme estabelecem os arts. 43 (atual 38) do Estatuto dos Funcionários e 68 do Cód. Penal, depois de condenado à pena que importe a perda de função pública;
“l) portanto, ao funcionário só se poderá aplicar a penalidade de demissão a bem do serviço público, baseada no item II do art. 239 (atualmente número I do art. 207) do Estatuto dos Funcionários depois da condenação penal, na forma da lei”.
“Parece-me irrefutáveis os argumentos e a conclusão.
“Se o Cód. Penal, nos crimes funcionais, subordina a pena acessória da perda de função pública à condenação do acusado, como se pode interpretar o art. 207, nº I, do Estatuto dos Funcionários, no sentido de que essa perda pede ser administrativamente aplicada; independente de condenação penal?
“Tal interpretação redundaria em reconhecer-se um conflito, não apenas aparente, mas real de leis, fora do caso em que tal conflito se resolve pela revogação de uma lei por outra que lhe suceda”.
As conclusões do Supremo Tribunal Federal esteiam-se na melhor doutrina dos administrativistas, bastando recordar a respeito a opinião de ZANOBINI, professor da Universidade de Roma, no seu “Corso di Diritto Amministrativo”, volume III, 3ª ed., pág. 61:
“Anche la sentenza di assoluzione può, in alcuni casi, escludere il procedimentodisciplinare. Ciò avviene quando in essa sia esclusa l’esistenza del fatto imputato o, pure essendo ammesso il fatto, si escluso che l’impiegato vi abbia preso parte: in tali ipotesi, la sospensione è revocata e l’impiegato riacquista il diritto agli stipendi non percepiti. Lo stesso effetto della sentenza ha l’ordinanza pronunziata, com lo stesso contenuto, in sede instrutoria”.
O problema da influência da sentença criminal absolutória que concluiu pela negativa do fato criminoso, na hipótese da consulta – o peculato – sôbre a decisão administrativa baseada em inquérito e de que resultou a demissão do consulente, resolve-se, em última análise, na célebre questão dos limites do contrôle jurisdicional dos atos administrativos, a qual se subordina ao princípio de que o Poder Judiciário não aprecia o ato administrativo quanto ao merecimento, mas apenas quanto à legalidade.
SEABRA FAGUNDES, com invejável lucidez, esgota o assunto, no seu livro “O Contrôle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”, 2ª ed., nota 7, páginas 175 e segs.:
“Conquanto a demissão se processe no âmbito interno da administração pública, que apura a falta e aplica a penalidade, uma vez levado o ato ao conhecimento do Poder Judiciário, os tribunais entram no exame do inquérito, fundamento da medida, quer para constatar se foi feito como manda a lei, quer para aferir a conformidade do ato com o que se apurou no processo. A primeira questão é manifestamente de legalidade; a segunda, entretanto, poderá parecer de mérito. Mas não o é. O Judiciário se limita a verificar se o processo administrativo apurou um dos motivos dados pela lei como capazes de justificar a exoneração de funcionário. Não indaga se o motivo é razoável, ou não, mas se a lei o especifica. Não inquire se o ato foi vantajoso aos interêsses do serviço público, mas se o processo que lhe serviu de esteio apurou causa legal, capaz de autorizar a demissão.
“Se um dos elementos essencialmente integrantes do ato (vinculado) é o motivo, se sem êle êsse não existe, o constatar a falta de razão prevista em lei, como imprescindível à prática do ato, significa desconhecer a sua desconformidade com a norma geral, ou seja, a carência nêle de um dos elementos que a lei supõe deva integrá-lo. No exemplo figurado de demissão de funcionário público, não dirá a sentença que o ato foi bom ou foi mau, que as motivos foram justos ou injustos, o que seria apreciar ao ângulo do merecimento.
“Na apelação civil nº 6.845, julgada em 16 de maio de 1938, decidiu o Supremo Tribunal que o Judiciário, quando chamado a dizer sôbre a demissão de funcionário com direito a estabilidade, não pode examinar o valor intrínseco do inquérito administrativo, que lhe serviu de base; há de indagar apenas, se foi procedido na forma legal. …
“Tal critério dominante ao tempo da primeira edição dêste livro, como então se fêz ressaltar, vem sendo abandonado. Nem era de esperar que perdurasse, assentando, como assenta, numa concepção rigidíssima e inadmissível do papel desempenhado pelo Judiciário no contrôle do Poder Executivo. Com efeito. Restringir tão rigorosamente o alcance da apreciação jurisdicional é torná-la pràticamente ineficaz, deixando o direito do funcionário à mercê das mais violentas lesões por parte da administração pública. O processo administrativo, em que a própria Constituição federal viu um elemento de garantia para o funcionário, não passará, então, de inútil formalidade, nada adiantando à sua segurança.
“A reação no sentido do exame jurisdicional do valor intrínseco do inquérito, a princípio isolada em votos vencidos dos ministros RODRIGO OTAVIO, SORIANO DE SOUSA, MUNIZ BARRETO e LAUDO DE CAMARGO, acentua-se recentemente, até se tornar vencedera. …
“Finalmente, em grau de embargos e em decisão mais recente (20-12-944), o mais alto pretório do pais, tendo como procedentes embargos opostos ao acórdão de 10 de junho de 1942, prolatado sôbre voto do ministro LINHARES e já aqui referido, acertou que o processo administrativo, em seu conteúdo, incide na apreciação judicial“.
No acórdão citado pelo eminente jurisconsulto, teve ensejo de afizer o ministro OROZIMBO NONATO, em seu luminoso voto vencedor, segundo se vê da “Rev. de Dir. Administrativo”, vol. III, págs. 69-90:
“O poder administrativo não exerce função judicante, e não pode, pois, ainda que baseado em provas formalmente perfeitas, decretar, em última análise, em ultima ratio, que teve razão o Estado ou o funcionário. Essa competência será atribuída ao Judiciário.
“Uma vez que pode o funcionário, demitido por inquérito administrativo, trazer o caso ao Poder Judiciário – êste ponto é pacífico e tranqüilo, não oferece qualquer contestação – e se o Poder Judiciário pode e deve, para julgar, pesar as provas, rastreá-las e sopesá-las, terá que verificar se a motivação do ato administrativo é justa ou injusta”.
Como se vê de tudo isso, a ação do consulente só nasceu a partir da data em que transitou em julgado a sentença criminal absolutória que concluiu pela negativa do fato criminoso, a qual, pelos princípios que informam o instituto do contrôle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário e segundo se demonstrou exaustivamente, tem absoluta influência na esfera disciplinar, violando a sua autonomia apenas aparentemente.
Ora, como por essa sentença criminal absolutória o estado de fato do consulente, conforme ao direito, se tornou desconforme, sòmente a partir da data em que ela transitou em julgado surgiu a oportunidade jurídica de revê-lo, através da competente ação de reintegração, motivo por que a partir daí também é que se iniciou o curso do prazo da prescrição, que se conta, portanto, da sentença absolutória e não da pena disciplinar de demissão.
Como corolário ou conclusão axiomática de que o poder disciplinar não pode contrariar ou opor-se à sentença do Poder Judiciário, quando o ilícito administrativo é também capitulado como crime, o ato de demissão do consulente, em virtude de peculato, é absolutamente nulo, resultando insofismável o seu direito líquido e certo à reintegração no cargo.
A sentença criminal absolutória que concluiu pela negativa do peculato fez desaparecer a razão jurídica determinante da pena de demissão, contaminando a de nulidade absoluta em virtude do vício quanto ao motivo, que é de natureza. A lei estabelece que o peculato é motivo de aplicação da pena disciplinar de demissão mas vem o Poder Judiciário e nega a existência daquela figura criminal, torna ido-se o ato, em conseqüência, nulo, inválido, inexistente.
Entre nós, o melhor estudo sôbre a doutrina da motivação da pena disciplinar de demissão foi feito pelo Professor FRANCISCO CAMPOS, em seu livro “Direito Administrativo”, ed. “REVISTA FORENSE”, págs. 87 e segs.:
“Para ser legitima, a demissão há de ser motivada, deve ter uma causa, ou razão, ou motivos determinantes e, precisamente, uma razão independente da vontade dos governantes, ou seja, uma causa justa ou motivo de interêsse público, isto é, de natureza objetiva e da ordem dos motivos ou razões por fôr a dos quais se legitimam os atos da administração. Ora, o ato para o qual a lei exige um motivo determinante não é um ato livre ou discricionário, tendo, ao revés, a sua validade e a sua eficácia condicionadas pela existência do motivo. Se o motivo não é o que a lei específica, claro que o ato deixa de ser legítimo, válido ou lícito.
“A validade de um ato, para cuja prática a lei preceitua a exigência de um motivo determinante, deve ser apreciada em face do motivo e só poderá ser tido por válido ou eficaz na medida em que o motivo real do ato coincide com o motivo que a lei lhe dá como fundamento ou pressuposto da sua legitimidade”.
“É o que, em jurisprudência copiosa, se acha consagrado pelo Conselho de Estado da França, nos casos de recursos por excesso e por desvio de poder, e que GASTON JÈZE sistematizou na sua “Teoria dos motivos determinantes”, deduzindo daquela jurisprudência os princípios e as regras segundo os quais têm sido apreciados pelo mais alto tribunal administrativo do seu país os atos do govêrno quando por êste motivados ou quando a lei sòmente os admite por motivos ou razões nela definidos ou especificados (“Principes géneraux du Droit Administratif”, vol. III, págs. 210 a 216).
“Quando a lei estabelece que determinado ato tenha certa causa, o estado de fato pressuposto pela lei como motivo legítimo do ato constitui a sua razão jurídica de ser. A desconformidade entre a causa real do ato e o motivo que a lei exige como causa para que êle possa legitimamente ser praticado gera, como conseqüência, a invalidade ou a ineficácia do ato (DE VALLES, “La Valità degli Atti Amministrative”, páginas 174 e segs.).
RANELLETTI, em sua monografia “Le Guarentigie della Giustizia nella Pubblica Amministrazione”, pág. 54, defende a mesma tese:
“Se la causa dell’atto amministrativo manca, o è falsa, o illicita l’atto è illegittimo e fuinde invalido. Cosi, ad es., è illegittimo per mancanza di causa il trasferimento di un impiegato per motivi di servizio che resultino inesist nti”.
O fundamento da teoria dos motivos determinantes é justamente o de que a lei teve em vista vincular a competência do agente, a fim de suprimir-lhe o arbítrio.
No caso do consulente, assiste-lhe, portanto, direito irretorquível à reintegração, em virtude de cujo reconhecimento a administração poderá condicionar o seu ato aos pressupostos legais.
Como se essa razão não bastasse, há ainda a considerar que a jurisprudência é hoje unânime nesse sentido, isto é, de que absolvido o acusado, em sentença criminal, pela negativa do fato criminoso, subverte-se a penalidade de demissão, devendo o servidor público ser reintegrado (“REVISTA FORENSE”, vol. 90, pág. 709; idem, vol. 115, pág. 462; “Diário da Justiça”, ap. ao nº 263, pág. 3.513, de 16 de novembro de 1953; idem, ap. ao número 117, pág. 1.779, de 23-5-955; idem, ap. ao nº 89, pág. 1.440, de 18-4-955; “Rev. de Dir. Administrativo”, vol. 37, pág. 127). E o melhor argumento da hermenêutica é o modo por que é aplicada a lei, através de julgados dos tribunais nos casos concretos.
Assim sendo, convém que o órgão que decretou a demissão, cujo despacho também considera moralmentecapaz o consulente, cumpra a lei, resguardando o interêsse público e o prestígio de sua autoridade.
Êste o nosso parecer, s. m. j.
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