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Funcionário Público – Pena Disciplinar – Jurisdição Penal E Jurisdição Administrativa, de Francisco Campos

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ADMINISTRATIVO

CLÁSSICOS FORENSE

REVISTA FORENSE

Funcionário Público – Pena Disciplinar – Jurisdição Penal E Jurisdição Administrativa, de Francisco Campos

FRANCISCO CAMPOS

REVISTA FORENSE 171 - ANO DE 1955

Revista Forense

Revista Forense

04/06/2025

– A jurisdição administrativa não é mais do que o exercício, mediante formas processuais análogas às prescritas ao processo judicial, do poder administrativo ordinário ou comum.

– A sentença penal pronunciada sôbre o mesmo fato que constitui objeto do processo disciplinar vincula a autoridade administrativa.

– Declarado pela Justiça Penal inexistente o fato delituoso, único dentre os apurados no processo administrativo que autoriza a exoneração do funcionário, não podem subsistir contra êste os efeitos da sanção disciplinar que lhe foi aplicada.

– Interpretação dos arts. 200 e 207, I, do Estatuto dos Funcionários Civis da União.

PARECER

O funcionário X foi demitido a bem do serviço público, depois de inquérito administrativo em que se lhe imputou a autoria de fatos que o Cód. Penal configura como crime de peculato. A pena de demissão lhe foi imposta com fundamento no art. 207 do Estatuto dos Funcionários Públicos, em o qual se dispõe:

“A pena de demissão será aplicada nos casos de:

I, crime contra a administração pública”.

Remetido à Justiça Criminal o processo administrativo, a fim de que fôsse instaurada contra o funcionário, que se acabava de punir com a mais grave pena administrativa, a competente ação penal aquela Justiça concluiu pela inexistência dos fatos, que no inquérito administrativo lhe haviam sido imputados. Com fundamento na decisão judiciária que o absolvia da imputação que lhe fôra atribuída no inquérito administrativo, o ex-funcionário requereu a sua reintegração com tôdas as vantagens à que estêve privado durante o tempo do seu afastamento compulsório do serviço público.

I. Parece-nos fora de dúvida que o funcionário a que se aplicou a sanção administrativa por fato qualificado de delituoso na lei penal, se absolvido na Instância criminal, adquire direito a que se declare insubsistente a sanção administrativa que lhe foi aplicada por fôrça ou em virtude da imputação a êle irrogada em inquérito administrativo.

É bem verdade que o art. 200 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União prescreve que:

“As cominações civis, penais e disciplinares poderão cumular-se, sendo umas e outras independentes entre si, bem assim as instâncias civil, penal e administrativa”.

Êste artigo se compõe de duas partes: a primeira, relativa à permissão de se cumularem as cominações civis, penais e disciplinares; a segunda, que estabelece a independência entre as instâncias civil, penal e administrativa. A segunda parte é conseqüência necessária da primeira: para que, com efeito, possam cumular-se sôbre a mesma cabeça cominações civis, penais e administrativas, é de necessidade lógica que as três jurisdições a que incumbe a aplicação daquelas cominações sejam independentes ou estejam em relação de recíproca impenetrabilidade.

O caso em foco, porém, não é de cumulação de cominações. E, precisamente, o caso contrário, isto é, de penalidade administrativa aplicada a um funcionário em virtude de fato criminalmente qualificado, cuja existência a Justiça Criminal, provocada à ação por iniciativa da própria administração, decidiu não haver sido provada. No caso de cumulação de cominações há coincidência entre o pronunciamento das três jurisdições – a civil, a penal e a administrativa. No caso vertente, ao inverso, há conflito entre a decisão da jurisdição penal e a da jurisdição administrativa: a última conclui pela existência de fato e pela sua imputação ao funcionário, condenando-o, em conseqüência, à perda do cargo; a primeira, ao revés, se pronuncia pela inexistência dos fatos que serviram de fundamento à demissão do funcionário.

Quanto à independência das instâncias civil, penal e administrativa, tal independência não tolhe a influência da coisa julgada penal no Juízo Civil e na jurisdição administrativa. As aludidas instâncias são efetivamente distintas não só para os efeitos do direito disciplinar, mas, igualmente, para os efeitos da coisa julgada penal na instância criminal. Tal independência das instâncias não obsta, porém, a que, em casos especiais, a coisa julgada penal produza o efeito de inibir a instância civil, como é o caso prevista no art. 1.525 do Cód. Civil, verbis:

“A responsabilidade civil é independente da criminal: não se poderá, porém, questionar mais sôbre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime”.

O art. 1.525 do Cód. Civil começa, precisamente, por estabelecer, não só em relação à impenetrabilidade das instâncias civil e penal, como à independência entre a responsabilidade civil e criminal, o que art. 200 dos Estatutos dispõe quanto à independência da instância administrativa relativamente à criminal e à civil e à autonomia de responsabilidade administrativa em face das responsabilidades civil e criminal.

Depois, entretanto, de haver formulado, em têrmos inequívocos, a princípio da autonomia da responsabilidade civil em face da responsabilidade penal e, em conseqüência, da impenetrabilidade das respectivas instâncias, o Cód. Civil, artigo 1.525, relativiza aquêle princípio é atalha à amplitude o seu enunciado, ao admitir que “não se poderá, porém, questionar mais (na instância civil) sôbre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime”.

A questão, como se vê, é mais complexa do que resulta da primeira leitura ou do exame superficial ou literal dos têrmos do art. 200 do Estatuto dos Funcionários Públicos.

O problema dos efeitos da coisa julgada criminal na instância civil decorre, exatamente, do princípio da independência de ambas as instâncias. Se houvesse coincidência de instâncias, não haveria questão ou esta se resolveria pelo singelo princípio da fôrça material e formal da coisa julgada, ou o princípio seguido o qual não se pode renovar a instância entre as mesmas pessoas, com o mesmo objeto e pela mesma causa, se em relação a êles há sentença passada em julgado.

A problemática da influência do caso julgado criminal na instância civil, em que o ofendido reclama os efeitos civis do ilícito penal origina-se, precisamente, quando sôbre o caso não há expressa disposição de lei, do princípio da separação ou independência entre o direito civil e o direito penal, responsabilidade civil e responsabilidade penal, jurisdição civil e jurisdição penal.

Foi o que não compreendeu MERLIN quando, na ausência de qualquer disposição do direito positivo francês quanto ao efeito no cível da decisão criminal relativa à existência e à autoria do ilícito penal, procurou fundá-lo na identidade de pessoas, de objeto e de causa, isto é, no princípio de que as mesmas pessoas não podem litigar sôbre o mesmo objeto e pela mesma causa; em relação aos quais há uma decisão judiciária transitada em julgado.

Ao argumento de MERLIN, TOULLIER opunha, vantajosamente, o fato de que a ação penal é distinta da ação civil, assim como em uma e em outra são diversos os objetos e as pessoas.

Não obstante a prolixa querela doutrinária que se desenvolveu na França em tôrno da questão da influência, embora concebida em têrmos estritos, da coisa julgada no crime sôbre o litígio civil em que se renova o duelo judiciário em relação à existência do fato e à sua autoria, a jurisprudência acabou por preencher a lacuna do direito legislado, mediante a admissão do efeito da coisa julgada criminal no Juízo Civil, desde que neste se renovasse a questão, já dirimida no Juízo Criminal, sôbre a existência do fato ou quem seja o seu autor.

Embora não seja fácil distinguir na massa jurisprudencial emanada dos tribunais franceses acêrca da vexataquaestio da influência da coisa julgada em matéria criminal sôbre o litígio civil que versa sôbre o mesmo fato e quem seja o seu autor, parece resultar que o fio diretor que domina a trama dos motivos no emaranhado daquela jurisprudência seja o mesmo princípio da fôrça material e formal da coisa julgada, que no crime se distingue, ao contrário de caráter relativo da coisa julgada no cível, pela sua eficácia absoluta ou erga omnes.

Assim, com efeito, é como entendem os que, mais a fundo e com maior autoridade, analisaram a jurisprudência francesa sôbre a controvérsia ainda hoje não de todo extinta, como se vê da recente monografia de NICOLAS VALTICOS – “L’Autorité de la Chose Jugée au Criminel sur le Civil” (Paris, 1953, nº 141).

É o que, com a limpidez e a precisão que tanto os distinguem, escreveram AUBRY ET RAU, secundados por BARTIN, que anotou a 5ª edição do seu grande tratado:

“Les tritunaux de justice répressive ont, exclusivement à toute nutre juridiction, mission de décider si l’accusé ou prévenu est l’auteur des faits qui lui sont reprochés comme constituant une infraction de Droit Criminel, se ces faits lui sont impatabies au point de vue de la loi pénale, et enfin, s’ils présentent les caractères réquis pour motiver l’applicatton de telle ou telle disposition de cette loi. La décision qu’ils rendent sur l’une ou l’autre de ces questions jouissent de l’autorité de la chose jugée pour ou contre toute personne indistinctement et d’une monière ab olue” (AUBRY ET RAU, “Droit Civil Français”, 5ª ed., vol. XII, págs. 463-464).

II. A independência das jurisdições é um conceito de valor relativo ou se funda em critérios de caráter meramente técnico ou funcional. Tôdas as jurisdições derivam da mesma fonte ou são modos diversos pelos quais se exerce o poder jurisdicional do Estado. A separação das jurisdições não é mais do que a repetição por órgãos distintos dêsse poder jurisdicional, e a imputação de tôdas as jurisdições ao Estado lhes atribui uma raiz comum ou um centro comum, de onde se origina a autoridade das suas decisões. A separação de jurisdições é um processo técnico de diversificação ou de repartição de competências. No fundo, tôdas elas exercem a mesma função aplicada a objetos diferentes. De onde resulta para elas, como lei iniludível do seu exercício, embora dirigido a objetos distintos e abrangendo cada qual uma esfera própria da vida individual, da ação coletiva ou da atividade do Estado, a necessidade do reconhecimento recíproco por uma da atividade das outras, quando estas se mantêm nos limites da sua competência e adstritas ao objeto específico da sua função.

Por outro lado, em virtude da mesma lei, que se origina do caráter unitário do poder jurisdicional do Estado, de que tôdas elas não são mais do que especificações técnicas destinadas a atender à diversidade dos objetos constitutivos da competência material de cada uma, existe entre elas o dever de colaboração, o qual se exercerá no sentido de atenuar os inevitáveis conflitos entre decisões tomadas, em oportunidades diversas, sôbre o mesmo fato e em relação às mesmas pessoas, evitando por êsse modo, contradições de julgamento que concorreriam para enfraquecer a autoridade que lhes é comum, porque, no fundo e em última análise, o poder jurisdicional é um só e indivisível na sua substância, ou apenas suscetível de especificações no seu exercício, uno na sua, autoridade, embora tècnicamente diversificado quanto ao objeto, à organização e ao processo da sua atividade.

Dêsse caráter, a um só tempo uno na origem e múltiplo no exercício da sua autoridade, surge a questão, òbviamente complexa, das relações entre as diversas jurisdições.

O direito positivo, em alguns países, silencia sôbre a solução de tais conflitos, lacuna que a doutrina e a jurisprudência procuram preencher mediante processou casuísticos que deixam a impressão de que em ambas não existe um alto ponto de referência capaz de conduzir a uma solução global ou totalitária do problema.

Em quase todos os direitos legislados, porém, assim como na doutrina e na jurisprudência da maioria dos países em que a lei se omite em relação ao problema, êste é objeto de soluções parciais. Para nos ater especìficamente ao caso submetido à nossa opinião, consideremos a hipótese da influência do caso julgado criminal sôbre as demais instâncias, particularmente a instância administrativa.

Quanto à instância civil, é quase universal o princípio consagrado no art. 1.525 do Cód. Civil brasileiro:

“Art. 1.525. A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sôbre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime”.

O que o art. 1.525 adota é, de modo inequívoco, o princípio restrito às jurisdições civil e criminal de que ambas, embora separadas, autônomas, ou independentes, não são, entretanto, impenetráveis, ou, ao menos, que a decisão jurisdicional na instância cuja competência material tem por objeto o delito penal penetra no âmbito reservado à competência da jurisdição civil e nela produz os efeitos prejudiciais a que se refere o artigo 1.525, isto é, dirime no cível qualquer litígio que tenha por objeto ou a existência do fato delituoso ou quem seja o seu autor.

Do citado artigo do Cód. Civil brasileiro, assim como nos direitos positivos que formulam o mesmo preceito, ou preceito equivalente, resulta, às claras, o princípio, que lhes é ingênito e consubstancial, nos têrmos do qual a independência das jurisdições, ao invés de absoluta, pressupõe, necessàriamente, graças à unidade substantiva do poder jurisdicional, o dever de reconhecimento por uma da decisão que outra haja tomado em relação ao mesmo objeto que se propõe à consideração de ambas.

Não importa que a regra, por enquanto, só tenha por conteúdo a fôrça prejudicial da coisa julgada no Juízo Criminal sôbre a instância, civil em que se pretende renovar a questão relativa à existência do fato delituoso ou quem seja

o seu autor. Embora restrito ou limitado, quanto aos seus efeitos, o princípio, latente no art. 1.525 do Cód. Civil brasileiro de colaboração entre jurisdições distintas, significa que a separação ou independência de jurisdições, ao invés de ser absoluta ou substancial, tem apenas um alcance técnico cuja extensão se acha, de modo positivo, limitada ou restringida no que diz respeito à independência da jurisdição civil em relação à penal, devendo ceder aquela a esta tôda vez que a última se haja pronunciado sôbre a existência de fato que constitua, de modo simultâneo, fonte de responsabilidade criminal e civil ou a imputação de sua autoria.

A razão, por fôrça da qual não se admite a inversão da regra ou a recíproca de que a decisão jurisdicional civil de caráter definitivo não constitui prejudicial no Juízo Penal, está em que se atribui à coisa julgada no crime fôrça absoluta ou erga omnes, ao passo que, em princípio, a fôrça de coisa julgada em outras jurisdições é relativa ou opera tão-sòmente no âmbito da jurisdição em que foi proferida, ou, nas palavras do Tribunal de Conflitos da França, no caso Abranches et Demareat (1951), “resulta da missão do juiz penal que tem, em princípio, a plenitude da jurisdição” (“Revue Adm.”, 1951, pág. 493, nota de LIETO VEAUX).

A regra de que é absoluta a fôrça da coisa julgada criminal ou, em outras; palavras, de que o juiz penal tem a plenitude de jurisdição, por mais diversas sejam as palavras em que varia a expressão do seu fundamento, encontra justificativa, em última análise, na consideração de que em matéria, penal se manifesta, de maneira mais direta, mais veemente e mais ostensiva, o princípio de ordem pública, embora êste princípio não deixe de constituir, igualmente, pressuposto necessário da autoridade da coisa julgada em outras jurisdições, em cuja atividade êle não se manifesta de maneira tão imediata, tão flagrante e com o mesmo caráter Impositivo que distingue e singulariza a sua exteriorização no Juízo Penal.

Embora revestida de outra roupagem verbal, a justificação tentada por DUGUIT do caráter absoluto ou erga omnes da coisa julgada na jurisdição penal; em contraposição ao caráter relativo da fôrça da coisa julgada nas demais jurisdições, parece coincidir com a justificação fundada na mais intensa exteriorização da ordem pública no domínio penal do que no domínio das relações civis.

DUGUIT (“Droit Constitutionnel”, volume II, págs. 342 e segs.) distingue entre o contencioso subjetivo e o contencioso objetivo. Para êle, o contencioso subjetivo tem por objeto o reconhecimento de um direito subjetivo, ao passo que o contencioso objetivo não tem por fim o reconhecimento de um direito de caráter subjetivo, mas de uma situação objetiva ou legal. Ora, na jurisdição penal não se cuida, efetivamente, de declarar, reconhecer ou constituir um direito de caráter individual ou subjetivo, isto é, um direito entre partes, mas, precisamente, um interêsse de outra ordem, ou de uma ordem mais ampla, como seja o interêsse social que constitui o móvel que, em última análise, impulsiona, de modo direto, a repressão penal.

A distinção de DUGUIT é apenas um novo circuito verbal destinado a traduzir, de maneira indireta, a diferença de grau, de quantidade ou de intensidade com que se manifesta nas diversas jurisdições o interêsse da ordem pública que, na jurisdição penal, domina ou torna secundários os interêsses de natureza individual que fossam coexistir com aquêle.

Seja como fôr, porém, e sejam quais forem as variações verbais em que se traduz a razão fundamental de se atribuir à coisa julgada no crime o caráter de prejudicial em relação ao julgamento no cível da mesma questão dirimida no Juízo Penal, é certo que, excetuado, talvez, o direito anglo-saxão, não destoam os direitos positivos do Ocidente quanto à influência no cível da coisa julgada em jurisdição criminal (DURAND, “Les Rapports entre les Juridictions Administrative et Judiciaire”, Paris, 1956, tit. I; VALTICOS, “L’Autorité de la Chose Jugée au Criminel sur le Civil”, Paris, 1953, ns. 95 e segs.; DONNEDIEU DE VABRES, “Traité de Droit Criminel et de Législation Pénale”, pág. 889; HEBRAND, “Autorité de la Chose Jugée au Criminel sul le Civil”, 1919; QULLIEN, “L’Acte Juridictionnel et l’Autorité de la Chose Jugée”, págs. 278 e 318).

O maior pêlo das considerações de ordem pública no Juízo Penal do que no Juízo Civil é o núcleo em que acabou por se condensar, reduzir e simplificar a variedade de fundamentos com que em França se procurou justificar a supremacia do Juízo Penal sôbre o civil quando êste é provocado a se pronunciar sôbre a mesma questão decidida naquele (VALTICOS, “L’Autorité de la Chose Jugée au Criminel sul le Civil”, nº 141). As demais razões invocadas, como, particularmente, a exigência, ínsita no ordenamento jurídico, que deve primar pelo seu caráter lógico ou sistemático, de evitar contradição entre pronunciamentos de duas ou mais jurisdições sôbre a mesma questão, daria lugar a que se fizesse também sentir no Juízo Penal a fôrça da coisa julgada em jurisdição civil. E como os que invocam a mencionada razão não aceitam a regra de reciprocidade de influência entre as coisas julgadas em distintas jurisdições, não há como excluir como improcedente a aludida razão, fechando-se, finalmente, o circuito lógico em tôrno à única razão deter do caráter prejudicial da coisa julgada criminal, a saber – a razão do maior pêso ou da maior intensidade com que se exteriorizam no Juízo Penal os motivos de ordem pública que no civil têm caráter mais remoto ou, se se quiser, de segundo plano.

III. A questão, porém, sôbre que fomos chamados a opinar não é das relações entre o civil e o penal, mas entre êste e o administrativo, ou, mais particularizadamente, entre a jurisdição penal e a jurisdição disciplinar.

Se entre duas autoridades, em igualdade de condições quanto ao caráter técnico e formal do seu poder jurisdicional, se reconhece a preponderância do Juízo Penal sôbre o civil, sobradas razões existem para, no caso de coincidência de exercício de ambos sôbre a mesma questão, o Juízo Penal tenha supremacia sôbre a jurisdição administrativa. Esta, com efeito, particularmente nos países como o nosso, que não instituíram o contencioso administrativo, o que se chama jurisdição administrativa só o é lato senso, ou não reúne os caracteres formais e técnicos que configuram o poder jurisdicional pròpriamente dito, ou strictosensu. Embora a administração adote nessa pseudomorfose do poder jurisdicional um processo semelhante ao processo judicial, ou um processo que se poderia denominar de quase-judicial, por semelhante, na forma, mas sem equivalência quanto aos efeitos, o que se exerce no caso é uma atividade administrativa pura e simples, apesar de revestir-se o seu desenvolvimento de formalidades tomadas de empréstimo ao processo judicial pròpriamente dito, ou de caráter tècnicamente ou formalmente judicial.

Quando a administração pratica essa atividade de aparência jurisdicional, ela está exercendo, efetivamente, o mesmo poder administrativo que ordinàriamente costuma exercitar por outras formas, métodos ou processos. E seja qual fôr a forma de que se revivia a ação administrativa, ou a comum ou ordinária, ou a pseudojurisdicional, o ato em que ela se traduz é simplesmente um ato administrativo, sujeito não só à censura da jurisdição penal, como à da jurisdição civil.

A diversificação morfológica da atividade administrativa não induz diversidade de natureza dos respectivos atos administrativos. Êstes, seja qual fôr o processo empregado para a sua emissão, não se impõem à Justiça comum, que exerce sôbre êles a mesma jurisdição que é chamada a exercer sôbre os atos ou ações dos seus demais jurisdicionados.

Assim, a questão relativa à fôrça da coisa julgada na jurisdição penal sôbre os pretensos atos jurisdicionais de caráter administrativo é uma falsa questão. A nenhum ato administrativo, mesmo aquêles que se apresentam sob a falsa roupagem de atos jurisdicionais da administração, não se pode entre nós atribuir a fôrça de coisa julgada para o fim de subtrair a questão por êles decidida à autoridade das verdadeiras jurisdições, ou das jurisdições de caráter judicial, ou das jurisdições que o são, não em virtude de uma pseudomorfose, mas por fôrça da sua jurisdicionalidade no sentido técnico e formal.

Ainda, porém, nos países de contencioso administrativo, se entende que a coisa julgada na jurisdição criminal exerce a sua fôrça inibitória sôbre o contencioso administrativo ou anulatória de sua decisão, desde que a questão proposta a êste ou por êle decidida seja a mesma que constituiu objeto do pronunciamento da jurisdição penal (DURAND, “Les Rapports entre les Juridictions Administrative et Judiciaire”, pág. 141; Tribunal des Conflicts, “Revoe Adm.”, 1951, pág. 493).

IV. O campo em que se situa a questão proposta à nossa consulta é, entretanto, ainda mais estreito. Não se cogita, no caso, de conflito entre jurisdição penal e contencioso administrativo no sentido técnico ou formal. O de que se cogita é da influência que possa ter o pronunciamento da jurisdição repressiva ou penal sôbre a administração, pouco importando a forma processual sob que se apresente e desenvolva a sua atividade. O poder disciplinar não está entre nós organizado sob forma jurisdicional, entendida em sentido estrito ou na sua acepção técnica. Embora se exerça mediante formas processuais análogas ou semelhantes ao processo judicial, o exercício do poder disciplinar não se acha organizado de maneira formalmente jurisdicional. A chamada jurisdição disciplinar é uma pseudomorfose da jurisdição strictosensu ou da jurisdição no sentido técnico ou formal. No fundo, é uma das variadas formas de exercício do poder administrativo pròpriamente cito. Ora, as influências dos pronunciamentos definitivos da jurisdição penal sôbre a ação administrativa são numerosas e freqüentes: a demissão do funcionário penalmente condenado por haver cometido crime contra a administração (Estatuto dos Funcionários, art. 207); a radiação da ordem profissional a que pertence o membro que haja sido penalmente condenado; a exigência de não haver incorrido em sanção penal para que um indivíduo obtenha certas outorgas administrativas; a recusa de naturalização ao estrangeiro sôbre o qual haja incidido condenação penal; a cassação de naturalização e expulsão de estrangeiro, etc.

Basta esta enumeração para que se veja desde logo que os pronunciamentos da jurisdição penal provocam, uma vez transitados em julgado, ação administrativa e produzem efeitos no âmbito da administração sob a forma de atos administrativos, de que o pronunciamento da jurisdição penal funciona como motivo determinante.

Quanto à punição disciplinar, outra não pode ser a relação entre a jurisdição penal e a sua pseudomorfose administrativa, pois esta não é mais do que o exercício, mediante formas processuais análogas às prescritas ao processo judicial, do poder administrativo ordinário ou comum. Quando, pois, se diz que o pronunciamento jurisdicional no crime repercute no exercício do poder disciplinar da administração, não se está regulando a relação entre duas jurisdições, mas a relação entre o poder formalmente jurisdicional e a administração, cujos atos estão, indistintamente, sujeitos à apreciação da Justiça, seja a priori, para evitar a sua prática, seja a posteriori, para os anular, quando editados, nos seus efeitos.

Há, porém, outras razões que justificam, em certos casos, a influência da coisa julgada criminal sôbre o exercício do poder disciplinar, suspendendo-o quando anterior à sua decisão, ou lhe anulando a decisão, quando anterior ao julgado penal sôbre o mesmo fato.

O direito disciplinar tem afinidades muito íntimas com o direito penal. Assim, o ilícito administrativo, mesmo quando não coincide com o ilícito penal, por serem diversos os fatos constitutivos de ambos, é uma forma atenuada ou degradada do ilícito penal e, muitas vêzes, já foi qualificado como penal em outras fases históricas da cultura humana. Não há distinção ontológica entre o ilícito a que é cominada uma pena criminal e o ilícito administrativo, sancionado mediante penalidade de caráter administrativo. É o que mostrou, brilhantemente, o ilustre ministro NÉLSON HUNGRIA, convocando, para reforçar a sua, a autoridade de BERLING em “Die Lehre von Verbrechen” (“Ilícito Administrativo e Ilícito Penal”, em “Rev. de Direito Administrativo”, vol. I, págs. 24 e segs.).

Em conseqüência, a pena, criminal e a pena administrativa são especificações históricas do mesmo gênero, ou a sua diversificação, ao invés de devida a diferenças de natureza, se deve exclusivamente às variáveis contingências de caráter histórico, transformando-se algumas espécies de penalidades administrativas em penalidades estritamente criminais, ou, ao inverso, penalidades originàriamente de caráter criminal degradando-se, sob o impacto de influências históricas, em penalidades de caráter meramente administrativo.

Cabem aqui as palavras com que um autorizado mestre do direito penal se manifesta sôbre a questão:

“A falência das teorias inclinadas a distinguir o ilícito penal do civil induz à conclusão de que não existe entre ambos diferença substancial”.

“A diferença é meramente extrínseca e legal; o crime é o ilícito sancionada penalmente; ó ilícito civil tem por conseqüência sanções civis, ressarcimento do dano, restituição, etc.”

“O que se disse em relação ao ilícito civil vale para o ilícito a que são cominadas sanções disciplinares, fiscais e de polícia. Ainda nesse terreno não existe diferença substancial, como confirma o fato de que a linha de demarcação sofreu històricamente muitas oscilações” (FRANCESCO ANTOLISEI, “Manuale di Diritto Penale”, 1947, pág. 84).

É no fundo o que justifica a tendência quase universal, por corrente nos países de sistemas jurídicos administrativos os mais diversos, de se reconhecer a repercussão do pronunciamento da jurisdição penal sôbre o exercício do poder administrativo disciplinar. Ainda nos países em que se encontra organizada a jurisdição contenciosa da administração, como na, França, admite-se o impacto da coisa julgada penal sôbre as decisões do contencioso administrativo. O Conseil d’Etat, em 14 de maio de 1949, decidia, que, “no exercício do poder disciplinar, a administração não tem o direito de afirmar a existência do fato se o juiz criminal afirma a sua inexistência” (“Recueil”, 1949, pág. 211).

Não é só a sentença penal pronunciada com anterioridade à decisão disciplinar administrativa que influi sôbre o exercício do poder administrativo disciplinar. Quando êste pune o funcionário, por lhe imputar um fato igualmente sancionado por uma pena criminal, se na jurisdição especìficamente penal o fato é declarado inexistente, poderá ser pleiteada a anulação da pena disciplinar (Conseil d’Etat, 1947, “Recueil”, pág. 463).

Outros numerosos julgados do Conseil d’Etat concorrem no mesmo sentido, o que justifica a asserção de LACÔRTE:

“La chose jugée au criminel lie la juridiction disciplinaire comme elle lie la juridiction civile” (“La Chose Jugée”, nº 1.326).

Mesmo os tratadistas de direito administrativo francês mais inclinados a admitir a não-afinidade do direito penal e do direito disciplinar e a mais rigorosa separação entre a jurisdição penal e, o exercício do poder administrativo disciplinar concluem, entretanto, que, nas expressões de WALINE:

“Le jugement pénale ne lie l’autorité investie de l’autorité disciplinaire que dans la mésure où il affirme l’existence ou l’inexistence du fait incriminé” (“Droit Administratif Français”, 6ª ed., pág. 352).

LAUBADÈRE, no seu recente tratado de direito administrativo (1953), repete a afirmação de WALINE. Depois de sustentar a independência do exercício do poder disciplinar em relação ao pronunciamento da jurisdição penal, conclui: “mais, l’autorité disciplinaire est liée par le jugement pénal lorsque celui-ci a constaté que les faits reprochés n’avaient-materiellement eu lieu, parce que loue alors l’autorité de la chose jugée” (LAUBADÈRE, “Traité Elémentaire de Droit Administratif Français”, pág. 706).

Após estabelecerem que á repressão disciplinar é diferente da repressão penal e, assim, esta não detém a aplicação daquela, DUEZ ET DEBEYERE escrevem, entretanto:

“Le non lieu, l’acquittement n’empêcheront pas la poursuite et, le cas échéant, la sanction disciplinaire, à propos des mêmes faits. Toutefois, il faut apporter une précision supplémentaire qui réduit le champ d’application de cette proposition, à raison de l’introduction en la matidre de principe du rèspect de la chose jugée au criminel.

Deux cas sont à distinguer: 1er cas: Le jugement prononce l’ácquittement parce que les faits reprochés au fonctionnaire, materiellement établis, ne tombem pas sous la qualification d’un délit penal. La poursuite disciplinaire reste possible, mais la constatation des faits par le juge pénal lie l’organe disciplinaire.

Il lui reste a décider si ces faits sont ou non de nature à entrainer la sanction disciplinaire, 2er cas: Le jugement prononce l’acquittement parce que les faits reprochés au fonctionnaire ne sont pas matériellement établis. La poursuite disciplinaire fondée sur les mêmes faits n’est plus possible: l’autorité de la chose jugée s’y oppose. Pour poursuivre, il faudra trouver d’autres faits a reprocher au fonctionnaire.

Si théoriquement le pénal ne tient pas le disciplinaire en état, il est sage, pratiquement, lorsque des poursuites pénales sont intentées contre un fonctionnaire, de ne pas commencer ou de suspendre les poursuites disciplinaires qui sont fondées sur les mêmes faits, afin de ne pas se mettre en contradiction avec l’autorité de la chose jugée” (“Traité de Droit Administratif”, 1952, pág. 688, número 946).

Embora distinga como essencialmente diversas a repressão penal e a repressão administrativa, GASTON JÈZE reconhece que a distinção deixaria de operar no caso em que o tribunal repressivo haja declarado que o agente público não foi autor, cúmplice ou inspirador do fato que deu origem ao processo disciplinar. Então, a fôrça de verdade legal atribuída à sentença do juiz repressivo exige que o agente público não seja punido disciplinarmente. A sanção disciplinar, nesse caso, estaria viciada por excesso de poder, por consistir em violação da autoridade da coisa julgada (“Principios Generales de Derecho Administrativo”, vol. III, pág.111, nota 81).

Na Itália não é diverso o entendimento.

Depois de estabelecer que as duas ações (penal e disciplinar) são entre ai independentes, D’ALESSIO confirma o princípio de que “Non si può far luogo a procedimento disciplinare se il giudizio penale a termine con una decisione che escluda l’esistenza del fatto imputato o, pur ammettendolo, escluda che l’impiegato vi abbia preso parte” (“Istituzioni di Diritto Amministrativo Italiano”, volume I, pág. 579).

ZANOBINI não é menos explícito:

“La sentenza (de absolvição) esclude il procedimento disciplinare quando in essa sia esclusa l’esistenza del fatto imputato o, pure essendo amnesso il fatto, sia escluso che l’impiegato vi abbia preso parte; in tali ipotese, la sospensione è revocata e l’impiegato riaquista il diritto agli stipendi non percepiti. Lo stesso effetto della sentenza ha l’ordinanza pronunciata, con lo stesso contenuto, in sede instruttoria” (“Corso di Diritto Amministrativo”, 5ª ed., vol. III, pág. 311).

VITTA reforça o pronunciamento dos demais tratadistas italianos de direito administrativo, ao enunciar que, malgrado a diferença que lhe parece fundamental entre direito penal e direito disciplinar, “Si l’impiegato è poi prosciotto nel giudizio penale, riacquista diritto agli stipendi non percipiti” (“Diritto Amministrativo”, 2ª ed., vol. II, pág. 525).

VACCHELLI não só se manifesta em têrmos de maior amplitude, como é mais explícito e circunstanciado na exposição do seu pensamento, que coincide com o dos tratadistas já invocados:

“Ben può invece avvenire, stante le circonstanze, cu esrooste chi un provvedimento disciplinare sia applicato, non già in considerazione de una di quede norme di convenienza che sono strane alla legge penale commune; ma in considerazione di un fatto il quale rivesta i carattere di reato. Data tale ipotesi, puó verificarsi il caso che pure si è presentato praticamente che l’autorità disciplinare provveda ritenendo sussistente il fatto o il reato che poi, sottoposto alla normale competenza della autorità giudiziaria risulti insussistentemente”.

“In questa contingenza potrebbe quindi verificarsi la sovrapposizione dei due pronunciati, uno amministrativo disciplinare, l’altro giurisdizionale penale sovra uno stesso fatto, ed essere tali pronunciati contradditori e discovedenti. Verificandosi simile contingenza, che si doverano più particolarmente examinare parlando dei conflitti, importa per ora avvertire che ben diversa sarà la conclusione a seconda che se tratti di un provvedimento disciplinare per semplice atto amministrativo, o di una decisione di una speciale giurisdizione. Nel primo caso si dovrà ritenere come prevalente il pronunciato della autorità giudiziaria, che oltre essere normalmente accompagnato da majore guarentigie in difesa del diritto del citadino, trattandosi di un reato si trova indubiamente nel legitimo esercizio delle sue funzioni le quale non cessano pel il fatto che vi sià di mezzo un atto amministrativo” (“La difesa giurisdizionale dei diritti dei cittadine”, em “Trattato di Diritto Amministrativo”, a cura di V. E. Orlando”, vol. III, págs. 381-382).

Na Alemanha, em 1929, quando publicada a segunda edição do livro de WALTER JELLINEK, regia o mesmo princípio de que a absolvição penal do funcionário não autorizava a instauração do processo disciplinar fundada no mesmo fato, a não ser que êste, independentemente da qualificação penal, constituísse, igualmente, por si só ou à parte da sua relação com o objeto do pronunciamento jurisdicional penal, uma falta especìficamente disciplinar. Assim, escreve WALTER JELLINEK:

“Das Verhältnis zuischen strafurteit und Dientstrafurteil hat das Gesetz meist allein in dem Sinne geregeit, dass das freisprechende strafurteil ein Dienstratverfahren mur insofern gestattet als die dem strafriechter vorgelegene Tatsachen “an sich und ohne Beziehung zum dem gesetzlichen Tatbestande der Strafbare Handlung, welche den Gegenstand der Untersuchung bildet, ein Dienstvergehen enthalten” (“Verwaltungsrecht”, 2ª ed., pág. 363). Ou, em português: “A relação entre pronunciamento final e pronunciamento disciplinar, a lei apenas a regula no sentido de que a sentença penal absolutória só autoriza o processo disciplinar na medida, em que o fato submetido ao juiz penal, “em si e independentemente da sua relação com o delito, objeto da ação penal, constitua uma falta disciplinar”.

É de notar que na ocasião existiam na Alemanha duas instâncias disciplinares organizadas sob forma jurisdicional: a Câmara Disciplinar e o Tribunal Disciplinar, sendo que êste último era de segunda instância. Da Câmara Disciplinar o presidente e pelo menos dois dos seus demais membros deveriam ser juízes de carreira. Apesar, porém, da organização de caráter jurisdicional da Câmara Disciplinar, fazia-se sentir sôbre ela a ação inibitória da sentença penal absolutória do funcionário penal e disciplinarmente incriminado, desde que, embora de natureza delituosa, o fato não contivesse, independentemente da sua qualificação criminal, um elemento de falta de serviço, o que, evidentemente, não se poderia dar, se o Juízo Penal concluísse pela inexistência daquele fato.

Atualmente, ou depois da ordenança de 26 de janeiro de 1937 (Reichsdienststrafordnung), a constatação do fato pela Justiça Penal só vincula a jurisdição administrativa disciplinar se esta não decide por unanimidade proceder a novas investigações sôbre o mesmo fato (ERNST FORSTHOFF, “Lehrbuch des Verwaltungsrecht”, 2ª ed., 1951, vol. I, pág. 85).

Finalmente, OTTO MAYER:

“La loi prescrit donc pour la poursuite disciplinaire qu’on doit toujours attendre le résultat de la procédure criminelle, ou que ce jugement la lie quand il renferme un acquittement. Ainsi, il peut arriver que la poursuite disciplinaire soit exclue parce que formellement la faute est censée ne pas exister” (“Droit Administratif Allemand”, vol. IX, pág. 83).

Entre nós parece assentado, não só em pronunciamentos administrativos, como em decisões judiciais, que a sentença penal pronunciada sôbre o mesmo fato que constitui objeto do processo disciplinar vincula a autoridade administrativa, que não poderá aplicar sanções disciplinares se a inexistência do fato ou a sua não-imputação ao funcionário disciplinarmente incriminado foi afirmada na sentença penal.

Quanto aos pronunciamentos administrativos, parece suficiente referir a Exposição de motivos do Departamento Administrativo do Serviço Público (D. A. S. P.) publicada no “Diário Oficial” de 31-3-943:

g) O órgão competente para ajuizar se determinado ato constitui crime é o Poder Judiciário e, assim, só sentença condenatória justifica seja aplicada, a penalidade prevista no item II do art. 239 do Estatuto (referia-se ao antigo Estatuto; a disposição a que alude se encontra reproduzida no art. 207, I, do Estatuto atualmente em vigor);

h) isso não contraria, o princípio da independência, das instâncias administrativa e judicial e até o confirma, porque a penalidade administrativa, neste caso, não se poderia aplicar sem que fôsse definido como crime o ato imputado, e essa definição só poderá ser feita mediante decisão judiciária;

i) portanto, ao funcionário só se poderá aplicar a penalidade de demissão a bem do serviço público, baseada no item II do art. 239 (hoje 207, I) do Estatuto dos Funcionários Públicos depois da condenação penal na forma da lei”.

O Supremo Tribunal Federal manteve o princípio de que a sanção disciplinar quando tem por causa, determinante fato que o Cód. Penal qualifica de crime, sujeita-se, ipsofacto, ao impacto da sentença, penal, que a poderá impedir de produzir-se ou, se já produzida, poderá determinar a sua anulação (mandado de segurança, nº 1.490, do Distrito Federal, em “Diário da Justiça”, apenso ao nº 89, pág. 1.440, com o voto vencedor do ilustre ministro NÉLSON HUNGRIA, cuja convicção doutrinária já fôra objeto de luminosa monografia, publicada na “Revista de Direito Administrativo”, vol. I, págs. 24 e segs.

É copiosa a jurisprudência nacional, no que tange ao princípio de que da sentença penal que conclui pela inexistência do funcionário, resulta a insubsistência desta sanção disciplinar (“REVISTA FORENSE”, vols. 90, pág. 709, e 115, página 482; “Diário da Justiça” de 18-11-953, pág. 3.513, ap. ao nº 282; de 23-5-955, ap. ao nº 117, pág. 1.779; de 18-4-955, ap. ao nº 89, pág. 1.440; “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 37, pág. 127).

V. O fato é que o funcionário X foi exonerado a bem do serviço público do cargo de que era titular no Ministério do Trabalho. O motivo determinante da sua exoneração foi o de haver praticado crime contra a administração pública. Ao invés, porém, de aguardar o pronunciamento da Justiça Penal para impor ao funcionário a penalidade administrativa cominada ao fato pelo art. 207, I, do Estatuto dos Funcionários Públicos, a administração instaurou desde logo o processo administrativo e, sòmente depois de aplicada a sanção disciplinar, solicitou a instauração do processo penal.

O Juízo Penal concluiu por declarar inexistente o delito em virtude de cuja imputação ao funcionário, mediante inquérito administrativo, foi êle exonerado a bem do serviço público.

Ora, no caso a falta disciplinar não consistiria em ato penalmente indiferente. Ao contrário, a pena cominada, pelo Estatuto e imposta pela autoridade disciplinar tinha como único pressuposto ao caráter criminal da infração. Se o Juízo Penal declara o fato inexistente ou não-imputável ao funcionário disciplinarmente punido, não sobraria nenhum resíduo sôbre que se pudesse fundar a sanção disciplinar prevista pelo Estatuto tão-sòmente para a hipótese de apurado o crime e verificada, a sua imputação ao funcionário administrativamente incriminado.

Qual, porém, em se tratando de crime, a instância, competente para decidir quanto à qualificação, existência e imputação? É a pergunta a que o D. A. S. P. responde tão acertadamente na sua já citada Exposição de motivos: “o órgão competente para ajuizar se determinado ato constitui crime é o Poder Judiciário e, assim, só sentença condenatória justifica seja aplicada a penalidade prevista no item II do art. 239 (hoje 207, I) do Estatuto”.

Sòmente se pode admitir a sobrevivência da sanção disciplinar à sentença penal absolutória se o fato imputado ao funcionário, por si só e independente da relação que possa ter com os pressupostos materiais da sentença penal, constitui uma falta de exação no cumprimento do dever de ofício.

Ora, o fato argüido contra o funcionário (e só por estar capitulado como crime contra a administração autorizava fôsse o mesmo exonerado a bem do serviço público) foi declarado inexistente no Juízo Penal, que assim concluiu em face do exame das provas constantes do processo administrativo.

Não sobrava, assim, do fato nenhum elemento que autorizasse a subsistência da sanção administrativa. Esta, com efeito, só tivera, e só poderia ter, como fundamento o caráter delituoso do fato imputado ao funcionário. Apreciando-o, no exercício da sua competência específica, a Justiça Criminal pronunciou-se pela sua inexistência. Se não existe para a Justiça Penal, não poderá continuar a existir para a administração: esta só poderia manter a sanção que aplicou ao funcionário se a jurisdição penal o houvesse condenado pelo crime que se lhe irrogou no processo administrativo.

Para obviar a essas situações difíceis ou desagradáveis para a administração, o próprio D.A.S.P. lembrou, na Exposição de motivos, de que transcrevemos os trechos mais significativas, a conveniência de que a administração, em casos como êste, aguarde, para aplicar a sanção administrativa, o pronunciamento da jurisdição a que a lei atribui não só a investigação criminal, como o pronunciamento penal definitivo.

Seria a aplicação, nas relações entre os processos penal e administrativo, da regra que o Code d’Instruction Criminelle, art. 3°, prescreve quanto às relações entre o criminal e o civil: “Le criminel a le civil en état”.

Declarado pela Justiça Penal inexistente o fato delituoso, único dentre os apurados no processo administrativo que autorizava a exoneração do funcionário, não podem subsistir contra êste os efeitos da sanção disciplinar que lhe foi aplicada. A prática do ato delituoso foi o motivo determinante da exoneração. Da queda do motivo determinante por fôrça do pronunciamento negativo da jurisdição penal resulta, necessàriamente, como insubsistente ou sem efeito a exoneração com que o funcionário foi punido pela autoridade administrativa, cuja decisão se revelou precipitada, por ter sido tomada a priori e não, como devera, a posteriori do pronunciamento penal, e infundada, por haver a jurisdição penal, no exercício da sua competência específica, ou que não poderá ser usurpada por outra qualquer jurisdição, particularmente por uma pseudomorfose jurisdicional, reconhecido a inexistência do fato imputado pela administração ao funcionário injustamente castigado.

Em conseqüência, tem direito não só à reintegração no cargo de que foi demitido em virtude de fala causa, ou de causa cuja improcedência constitui o conteúdo do pronunciamento negativo da jurisdição penal, assim como à percepção das vantagens correspondentes ao exercício do mesmo cargo, da data da demissão à da reintegração por ato administrativo ou jurisdicional.

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